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ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
OPERAÇÃO DE CONCENTRAÇÃO
Sumário
- Carecem de legitimidade processual ativa, para efeitos de impugnação de ato administrativo, as AA. que não alegam factos suscetíveis de demonstrar a existência de interesse direto em demandar; - A não oposição à concentração de empresas por parte da AdC, concedida nos termos do artigo 50.º, n.º 1, al. b) da LC (correspondente a pedido subsidiário), entretanto concretizada, redunda no mesmo efeito que se pretende com a declaração de inaplicabilidade, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, al. a) da LC (pedido principal).
Texto Integral
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Relatório
Teak Capital, B.V. e Tangor Capital, S.A., intentaram a presente ação administrativa especial contra a requerida Autoridade da Concorrência, tendo formulado os seguintes pedidos: “I. Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deverá a presente ação ser julgada integralmente procedente, por provada, e em consequência: a) Ser anulada a Decisão do Conselho de Administração da Autoridade da Concorrência datada de 06 de dezembro de 2023, que lhes foi notificada eletronicamente em 07 de dezembro de 2023, adotada no âmbito do Procedimento Administrativo com a ref.ª Ccent. 66/2023 – Teak*Tangor/VOV, nos termos da qual a referida autoridade adotou uma «decisão de não oposição à operação de concentração notificada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 50.º da Lei da Concorrência»; e b) Em consequência, ser a Autoridade da Concorrência condenada à prática do ato legalmente devido de deferimento do pedido de inaplicabilidade, tal como formulado pelas Autoras, e ao abrigo da norma do artigo 50.º, n.º 1, alínea a), da LdC; ou c) Caso se entenda que, à data da prolação da Sentença, a prática de tal ato legalmente devido de deferimento do pedido de inaplicabilidade seria supervenientemente inútil (em face da concretização da operação), então, ser a Autoridade da Concorrência condenada a reconhecer expressamente que a operação de concentração em apreço nos autos não estava sujeita a notificação prévia. II. No que à apresentação do processo administrativo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 84.º do CPTA, diz respeito: d) Sendo de antecipar que a AdC procederá à junção dos documentos que constituem o processo administrativo, em cumprimento do disposto no artigo 84.º do CPTA, nas suas versões confidencial e não confidencial, requer-se a este douto Tribunal que, a fim de serem salvaguardadas as informações confidenciais neles ínsitas, e tal como previamente reconhecidas pela AdC, que seja negado o acesso à versão confidencial constante dos presentes autos por qualquer terceiro que o requeira e limitado o seu acesso à versão não confidencial dos documentos. e) Mais se requerendo, ainda, que, após o trânsito em julgado da Sentença que venha a ser proferida nos presentes autos, o processo administrativo seja devolvido na sua integralidade à AdC.” *
Como fundamento dos referidos pedidos, alegaram, em síntese, que:
- apresentaram junto da AdC um requerimento, em sede do qual solicitaram que aquela entidade administrativa emitisse uma decisão de inaplicabilidade nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 50.º do RJC no que concerne à operação de concentração consistente na aquisição pela Teak e pela Tangor do controlo conjunto sobre a sociedade NIH VI VOV Holdings S.à.r.l. (“VOV” ou “Grupo VR”), sociedade de direito luxemburguês, e respetivas sociedades participadas de controlo (Grupo VR), (cada uma adquiriu uma participação representativa de 50% no capital social e direitos sociais na VOV);
- no decurso da instrução do processo, as Autoras foram confrontadas, a título perfunctório e informal, com a possibilidade de a AdC vir a concluir pela existência de um controlo conjunto de facto, exercido por ambas, sobre a Cerealis e sobre a BA Glass, BV, o que, a comprovar-se, determinaria, segundo a AdC, a necessidade de emissão de uma decisão de não oposição para que a Transação se pudesse concretizar;
- requereram à AdC a ampliação do pedido inicial (de declaração de inaplicabilidade do controlo prévio de operações de concentração à Transação em apreço) ao conhecimento, a título subsidiário, de um pedido de não oposição à Transação notificada, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 50.º do RJC ([1]);
- no requerimento de ampliação do pedido, deixaram claro que não pretendiam prescindir do pedido inicialmente formulado, relativamente ao qual mantinham a intenção de que fosse conhecido e objecto de deferimento, mas, tão-somente, promover a aplicação deste procedimento concreto ao pedido, de natureza subsidiária, de não oposição à Transação, assegurando o aproveitamento destes autos e, desse modo, a possibilidade de emissão de uma pronúncia no contexto de um procedimento já instaurado e instruído por parte da AdC, assente nos mesmos factos e conducente à concretização célere da Transação sem qualquer exposição a risco regulatório;
- por decisão adoptada em 6 de Dezembro de 2023, a decisão impugnada, o Conselho de Administração da AdC, indeferindo o pedido de não aplicabilidade apresentado pelas Autoras, deliberou adoptar uma decisão de não oposição à operação de concentração notificada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 50.º do RJC, por a mesma não ser susceptível de criar entraves significativos à concorrência efectiva no mercado nacional ou em parte substancial deste;
- a sua legitimidade processual e interesse em agir, as Autoras esgrimem que são parte na relação jurídica administrativa, logo têm interesse pessoal na causa, até porque são as únicas destinatárias dessa mesma Decisão e, além do mais, é na sua esfera jurídica que se produzem os efeitos desfavoráveis decorrentes da mesma;
- a utilidade que ambas retiram do sucesso da lide advém directa ou imediatamente da invalidação da decisão impugnada, o que torna forçosa a conclusão de que é actual, imediato e efectivo o interesse das Autoras em demandar;
- posteriormente, propuseram-se a concretizar os motivos da sua legitimidade e interesse em agir;
Nessa concretização, afirmaram que:
a) Com a instauração da presente acção, pretendem colocar em crise a validade da Decisão Impugnada e obter a condenação da AdC à prática do acto legalmente devido de deferimento do pedido de inaplicabilidade deduzido ao abrigo da norma do artigo 50.º, n.º 1, alínea a), do RJC, ou, caso se entenda que, à data da prolação da Sentença, a prática de tal apto seria supervenientemente inútil (em face da concretização da operação), de condenação da AdC ao reconhecimento expresso de que a operação em questão não estava sujeita a notificação prévia.
b) No que tange ao interesse em agir, embora reconheçam que não ficaram impedidas de realizar a transacção pretendida por força da prática do acto impugnado, o certo é que ambas ficaram sujeitas a um conjunto de ‘obrigações’ que, de outra forma, não lhes seria aplicável, como sendo:
- a necessidade de notificarem à AdC operações de concentração que, de outra forma – isto é, não fora a incorrecta sujeição à lei portuguesa e a pretensa ultrapassagem, pelas Autoras, de certos níveis de volume de negócios, ambos efeitos expressamente decorrentes da Decisão Impugnada – não atingiriam os limiares de notificação;
- a obrigação de não as executar enquanto sobre as mesmas não recair uma decisão de aplicabilidade ou de não oposição;
- a sujeição de uma possível transacção com terceiros a esta “condição suspensiva” (prevista no artigo 40.º, n.º 1 da LdC, dita de stand-still) que acarreta uma forte desvantagem competitiva para as Autoras quando concorrem com outras empresas em processos de leilão e análogos;
- a situação de dúvida quanto ao mérito da posição da AdC gera não só uma contingência de natureza sancionatória (caso as Autoras não respeitem uma tal obrigação de stand-still) como ainda enormes constrangimentos no que respeita à imediata capacidade de interferir nos negócios do alvo cujo controlo se pretende adquirir, o que afecta, em regra, a sua performance estratégica no mercado e reduz o seu valor;
c) Sofreram contingências patrimoniais, directas e indirectas, que decorreram deste procedimento em concreto, quer no que se refere à taxa liquidada, quer as derivadas do atraso na conclusão da operação e que, invariavelmente, se repercutirão, ora em adiante, sobre outros negócios jurídicos;
d) Em termos gerais, referem as Autoras que existe um interesse em evitar a manutenção no ordenamento jurídico de uma decisão que objectivamente não tem adesão à realidade, e que, repercutindo os seus efeitos sobre as Autoras, está sustentada em pressupostos factualmente errados e numa interpretação enviesada e ilegal do Direito, sendo ilegal que importa corrigir.
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A Autoridade da Concorrência deduziu contestação, tendo requerido: “a) A absolvição da instância pela falta de pressupostos processuais nos termos do n.º 2 e alíneas e) e i) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA; b) Caso assim não se entenda, seja a AdC absolvida, nos termos dos artigos 36.º a 39.º e 41.º da LdC, do pedido de prática do ato de deferimento do pedido de inaplicabilidade formulado pelas Autoras bem como subsidiariamente do pedido formulados pelas Autoras no sentido de que seja a AdC condenada a “reconhecer expressamente que a operação de concentração em apreço nos autos não estava sujeita a notificação prévia”. c) Não seja admitido o rol de testemunhas apresentado pelas Autoras nem seja deferido o pedido de prestação de depoimento de parte.” *
Como fundamento dos referidos pedidos, invocou que:
- as Autoras carecem quer de legitimidade processual, quer de interesse em agir;
- que não está demostrada qualquer desvantagem da Decisão da AdC na esfera jurídica das Autoras nem está demonstrada que vantagem directa e pessoal poderão as mesmas obter em resultado da pretendida anulação do acto administrativo impugnado;
- a pretensão das Autoras residia, desde início, no deferimento do acto administrativo, isto é, na realização da operação de concentração onde estas figuravam como adquirentes, integralmente alcançada em 06.12.2023;
- desde que as Notificantes decidiram notificar a operação e mesmo que o objectivo fosse a decisão de inaplicabilidade, sempre teriam de pagar a taxa de liquidação e esperar que decorresse o período durante o qual a AdC analisa a operação de concentração, que nunca será inferior a 20 dias úteis;
- só assim não seria, se as Notificantes ao invés de notificarem a operação de concentração, apresentassem um pedido de avaliação prévia antes, instituto jurídico gratuito e confidencial, o que não lograram fazer;
- o período de cerca de um mês de espera pela decisão da AdC é um período bastante razoável tendo em vista a complexidade intrínseca às operações económicas desta índole;
- a posição das Autoras acerca de hipotéticos negócios futuros não deve proceder porque a presente acção administrativa apenas diz respeito à Decisão da AdC ora em crise e não a todos os hipotéticos negócios jurídicos que as Autoras possam vir a realizar num futuro eventual;
- na hipótese da decisão da AdC de não oposição à operação de concentração ser substituída pela decisão de inaplicabilidade, não haverá qualquer alteração na esfera jurídica das Autoras, até porque a operação de concentração já se realizou.
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As AA. em réplica responderam.
Em síntese, procuraram sustentar a sua legitimidade e interesse em agir, acrescentando que:
- as duas decisões são distintas porque afirmam duas realidades distintas: uma no sentido de não ser necessário um controlo prévio da AdC; outra que esse controlo é necessário mas que a operação não é suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva no mercado nacional ou numa parte substancial deste;
- são ainda distintas porque uma dispensa as empresas participantes do conjunto de ónus associados à sujeição a um procedimento de controlo prévio de operações de concentração, e permite-lhes realizar a operação projetada, sem a obrigação de notificação prévia, sem a obrigação de standstill, e sem a eventual sujeição a coimas pelo incumprimento destes deveres; outra implica o cumprimento da obrigação de notificação prévia, a obediência à proibição de implementação da operação, em momento prévio a uma decisão de não oposição, o pagamento de taxas (que são função do volume de negócios nacional imputável às empresas participantes) e a satisfação dos demais ónus e obrigações associados a um procedimento envolvendo uma apreciação substantiva da concentração notificada;
- a decisão impugnada exigirá que, doravante, e sempre que as Autoras participem numa operação de concentração, se vejam forçadas a incluir volumes de negócios nos seus próprios volumes de negócios que entendem que não devem ser incluídos “e a, muito provavelmente, terem de notificar operações de concentração que de outra forma não estariam sujeitas a um controlo ex ante”, “arriscando não poder combater essa imputação no futuro, em razão do caso decidido”;
- as Autoras passam a sofrer de uma clara desvantagem competitiva em processos de aquisição de empresas em que o vendedor privilegie aqueles candidatos que comportam menor exposição a um procedimento prévio de controlo de concentrações;
- no plano sancionatório, se for necessário aferir qual o volume de negócios relevante para efeitos de cômputo do limiar máximo de coima aplicável a uma determinada contraordenação praticada (em tese) por qualquer das Autoras o valor de volume de negócios convocado será superior;
- a decisão impugnada alargou o âmbito do “grupo empresarial” de cada uma das Autoras, sendo esse reconhecimento público e expresso, vertido na decisão final adoptada pela AdC, passível de originar, para as Autoras, ónus acrescidos no plano interno (por exemplo, numa óptica contabilística, numa óptica de governance) ou perante terceiros (por exemplo, bancos e outros credores);
- a decisão impugnada restringe mais o direito à liberdade de empresa das Autoras, constitucionalmente consagrado.
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A Autoridade da Concorrência, conforme despacho saneador de 14 de outubro de 2024, que julgou verificada a exceção dilatória de falta de legitimidade processual ativa e inerente falta de interesse em agir das Autoras Teak Capital, B.V. e Tangor Capital, S.A., foi absolvida da instância. *
As Teak Capital, B.V. e Tangor Capital, S.A. inconformadas, interpuseram recurso de apelação do saneador-sentença, em que apresenta as seguintes conclusões: “1. Antes do mais, e a título preliminar, importa tornar claro que a Sentença recorrida julgou incorretamente verificadas as exceções dilatórias de falta de legitimidade processual ativa e de falta de interesse em agir das Recorrentes, no âmbito do processo que as opõem à AdC, tendo por objeto a anulação da decisão de não oposição à operação de concentração submetida à respetiva apreciação e a correspondente condenação, em sua substituição, à adoção de uma decisão de inaplicabilidade, pondo termo à causa e absolvendo da instância a entidade recorrida (leia-se, AdC). 2. A Sentença recorrida enferma, em consequência, de erro de julgamento, em diferentes vertentes, concretamente, (i) ao considerar o ato impugnado favorável às Autoras (aqui Recorrentes) desvalorizando o facto de o mesmo ter como pressuposto o indeferimento prévio do pedido principal formulado por aquelas e de ter deixado as Autoras, ora Recorrentes, numa situação jurídica, de facto e de direito, pior do que aquela em que estariam se efetivamente tivesse sido julgado procedente o pedido por estas formulado (adoção, pela AdC, de uma decisão de inaplicabilidade). 3. Enferma ainda de erro de julgamento, (ii) ao não se pronunciar, sequer, sobre a possibilidade ou admissibilidade legal de a AdC praticar a decisão impugnada e, ainda, (iii) ao ignorar que da decisão impugnada decorrem, para as Recorrentes, prejuízos futuros que são certos e quantificáveis, mas que a Sentença recorrida tomou, indevidamente, por prejuízos meramente incertos, hipotéticos e conjeturais, não merecedores de tutela judiciária. 4. As Recorrentes são titulares de um interesse direto e pessoal na instauração da ação administrativa de impugnação e condenação à prática de ato devido e foram colocadas numa situação desfavorável e lesiva em virtude da adoção, pela AdC, da decisão impugnada, situação essa que carece de escrutínio por um tribunal independente e imparcial, sob pena de as Recorrentes não terem qualquer forma de tutela capaz de garantir a apreciação da sua posição, dos seus fundamentos e das suas preocupações de facto e de direito. 5. Ao indeferir a pretensão principal das Autoras, aqui Recorrentes, a decisão impugnada cristalizou, na esfera de cada uma das Recorrentes, um novo status quo, numa perspetiva jusconcorrencial, do qual resulta que cada uma das Recorrentes não é apenas – para efeitos de aferição da sua dimensão em sede de aplicação do direito da concorrência, maxime, em ordem à realização de operações de concentração – a concreta sociedade comercial em causa e o grupo empresarial que lhe está diretamente associado, mas passa a ter um âmbito mais alargado, que inclui, relativamente a cada uma delas, metade de dois grupos empresariais em que cada uma detém participações minoritárias, a saber: o grupo BA Glass e o grupo Cerealis. 6. O impacto, direto e imediato, desse novo estatuto conferido às Recorrentes foi o aumento exponencial do volume de negócios imputável a cada uma delas, para mais do dobro do limiar conjunto de €100 milhões (cem milhões de euros) estabelecido na Lei da Concorrência para determinar uma obrigação de notificar. 7. De onde se retira que, (i) em qualquer transação futura em que ambas intervenham como adquirentes de controlo de um alvo, em conjunto, e independentemente do lugar do mundo em que o façam ou da inexistência de quaisquer efeitos no território nacional, as Recorrentes ver-se-ão forçadas a considerar esta interpretação, sujeitando-se a um procedimento prévio de controlo de concentrações em Portugal, e (ii) em qualquer transação futura em que cada uma delas intervenha isoladamente como adquirente de controlo, esse estatuto “insuflado” elevará exponencialmente a probabilidade de ser necessário o aludido procedimento de controlo prévio de concentrações. 8. Sem prejuízo das variações decorrentes da concreta configuração de uma transação e dos volumes de negócios relevantes no período de referência, a decisão impugnada cristalizou ou estabilizou a necessidade de imputar, nesses volumes de negócios relevantes, os valores de entidades diferentes daquelas que devem ser consideradas as efetivas participantes nessa mesma transação, além de que a magnitude dos valores em questão torna inegável a existência de uma certeza, ou, pelo menos, de uma probabilidade muito elevada, de haver lugar ao preenchimento dos limiares de notificação em todas as futuras aquisições de controlo pelas Recorrentes. 9. A decisão impugnada firmou uma interpretação normativa com base na qual a AdC entende (i) ter competência e jurisdição para apreciar a operação em questão, à luz do Regime Jurídico daConcorrência,peseemboraaausência denexo material e,bem assim, deefeitos apreciáveis sobre o ordenamento jurídico do foro e que (ii) para efeitos da determinação dos volumes de negócios em território nacional a considerar na apreciação da notificabilidade de uma concentração, importa ter em conta, além daqueles referentes às participantes na transação (aqui Recorrentes), também os volumes de negócios em Portugal de grupos empresariais estranhos à operação, sobre os quais a AdC entendeu que as entidades participantes exercem controlo conjunto de facto - in casu, os grupo BA Glass e Cerealis. 10. A decisão de inaplicabilidade peticionada pelas Autoras permitir-lhes-ia, quer no contexto da concreta transação aqui em causa, quer para o futuro, implementar operações de concentração similares, certas da inaplicabilidade do Regime Jurídico da Concorrência pela inexistência de nexo material suficiente e, bem assim, atenta a desnecessidade de agregar aos seus volumes de negócios os realizados pelos aludidos grupos BA Glass e Cerealis. 11. A decisão de inaplicabilidade peticionada eliminaria o risco da incerteza de um entendimento diferente por parte da AdC, no caso presente, e dispensaria as Autoras, no futuro, da necessidade de um impulso processual (leia-se procedimental) que implica custos, entre os quais se contam os associados i) à obrigação de preparação e submissão de uma notificação à AdC, ii) à proibição de adoção de atos configuradores da implementação da concentração, até que sobrevenha uma decisão de não oposição por parte da AdC (obrigação de standstill) e iii) à obrigação de pagamento de uma taxa pelo referido impulso processual. Acresce que tal procedimento prévio de controlo de operações de concentração junto da AdC implica ainda uma desvantagem competitiva em processos aquisitivos em que as Recorrentes estejam em concorrência com outros potenciais adquirentes que não suportem este ónus regulatório. 12. A decisão da AdC materializa um reconhecimento público de que as Recorrentes exercem controlo conjunto de facto sobre entidades terceiras à transação, o que produz constrangimentos societários, fiscais e contabilísticos, associados a um efeito de conexão ou ligação das referidas empresas com grupos empresariais terceiros, seja em virtude de legislação especial que introduz regimes particulares de enquadramento vão além do controlo de iure e valoram a unidade económica, seja pela perceção por terceiros, como fornecedores, financiadores e autoridades, de que os comportamentos ou riscos financeiros dessas outras entidades, alegadamente controladas, afetarão a situação patrimonial das Recorrentes. 13. Ao atestar (i) a aplicabilidade do Regime Jurídico da Concorrência nacional a transações desprovidas de efeitos no território nacional e (ii) um critério de imputabilidade dos volumes de negócios de sociedades terceiras no cálculo do limiar de sujeição a notificação prévia, a decisão impugnada origina para as Recorrentes um risco regulatório incrementado, com efeitos nefastos e prejuízos futuros, certos e determináveis. 14. De ora em diante, as Recorrentes não podem deixar de ter em conta a posição já adotada pela AdC e cuja sindicância lhes foi negada, isto é, não poderão deixar de sujeitar-se a levarem a cabo um procedimento prévio de controlo de operação de concentração (i) em todos os negócios que, de futuro, venham a ponderar, sabendo-se que o estatuto insuflado que lhes foi atribuído pela decisão impugnada é fator determinante para o cumprimento dos limiares de notificação (como sucedeu aqui), ainda que se trate de (ii) transações sem conexão material com o território nacional (novamente, como sucedeu aqui). 15. Caso não o façam, ficam sujeitas ao cometimento de uma infração por violação da obrigação de standstill, sancionada com uma coima cujo montante pode ir até 10% do volume de negócios mundial, volume de negócios este que, na configuração dada pela AdC na decisão impugnada, seria ele próprio exponencialmente insuflado por forma a abranger um leque societário muito vasto que inclui os grupos BA Glass e Cerealis. Além disso, a existência de decisão prévia no sentido da aqui impugnada, coloca as Recorrentes sob risco de uma infração dolosa. 16. A decisão de inaplicabilidade peticionada, pelo contrário, confirmaria a inaplicabilidade do Regime Jurídico da Concorrência a transações sem conexão material com o território nacional e a desnecessidade de as Recorrentes considerarem, no seu universo empresarial, entidades que nada têm a ver com a transação em apreço e que aquelas entendem não controlar. 17. Sem prejuízo de a necessidade de notificar ou não notificar uma operação futura depender da questão contingente desaber sese encontram preenchidos os limiares (voláteis) denotificação prévia consagrados na lei, a questão aqui em apreço não se limita, como pretende o Tribunal a quo, a um risco inerente à própria atividade comercial e à realidade da vida empresarial, pois não está em causa meramente o risco de variações na dimensão económica das partes, medida em termos de volumes de negócios próprios ou de quota de mercado. 18. O que se discute na presente ação administrativa de impugnação de ato e de condenação à prática de ato devido é o critério normativo relevante e aplicável para efeitos da determinação desse montante ou valor e a consequente notificabilidade da operação à AdC e ainda, antes dele, a questão de saber se operações deste tipo estão sequer abrangidas pelo controlo da lei nacional. 19. Trata-se, pois, de critérios que revestem abstração e generalidade bastantes para se aplicarem para futuro e com cuja aplicação em concentrações futuras as Recorrentes não podem deixar de, legitimamente, contar, uma vez que se afiguram certas ou, no mínimo previsíveis. 20. As Recorrentes são entidades que se dedicam à tomada de participações sociais noutras empresas, como forma de investimento e que se vêem, nesse contexto, em concorrência com outros investidores, seus rivais. 21. As Recorrentes sofrem uma desvantagem competitiva face a outros compradores interessados no mesmo processo aquisitivo pelo facto de uma determinada transação carecer, pelo estatuto insuflado que a decisão impugnada confere às Recorrentes, de um procedimento regulatório de notificação prévia a uma autoridade de concorrência, quando essoutros potenciais compradores não suscitam essa exigência regulatória. 22. Os incentivos para a concretização de uma transação serão tanto maiores para um vendedor quão menor for a burocracia e os constrangimentos regulatórios associados a um dado comprador, pelo que a necessidade de notificação ao abrigo da lei portuguesa origina um dano de perda de chance perante um comprador alternativo sem esses constrangimentos. 23. É natural e razoável esperar que um operador económico racional, colocado perante um parceiro que não suscite a obrigação de notificar e um outro que a suscite, opte pelo que é dissociado desse constrangimento, pois essa opção permite ao vendedor concluir a transação num período de tempo mais curto, evitar os custos e a espera associados à condução de um procedimento de notificação prévia, os quais são constrangimentos muito relevantes no mundo dos negócios e, ainda, maior segurança jurídica. 24. A desnecessidade de notificação permite ainda às partes no negócio evitarem as desvantagens associadas à publicidade obrigatoriamente associada ao procedimento administrativo de controlo de concentrações, publicidade essa que ocorre numa fase em que a concretização do negócio ainda não é certa, o que impede os envolvidos de manterem a confidencialidade do negócio preconizado perante o público em geral, perante as próprias sociedades impactadas e perante os seus trabalhadores e demais stakeholders. 25. O risco da preterição pela concorrência não resulta de um requisito subjetivo e variável, mas sim de um entendimento da AdC quanto ao(s) critério(s) normativo(s) e objetivo(s) aplicável(is) para efeitos de aplicação espacial da LdC e de determinação do leque de entidades que as Recorrentes devem considerar para apuramento dos limiares de notificação. 26. Tais critérios não são desprovidos de vinculatividade futura, como pretende fazer crer o Tribunal a quo, porquanto não é razoável assumir-se que as Recorrentes possam adotar uma conduta de desatenção grosseira à prática decisória da AdC, ou, em alternativa, assumir o arbítrio das decisões daquela entidade ou uma prática decisória não uniforme e desviante que lesaria manifestamente princípios basilares do ordenamento jurídico, entre os quais a legalidade, a igualdade, a segurança jurídica e a proteção da confiança legítima. 27. A conformação das Recorrentes com a posição da AdC acarreta para as mesmas um conjunto de consequências negativas, a saber: (i) a pura e simples perda do negócio em causa ou a obrigatoriedadedepagamento deum preço muitíssimo superior, por forma compensarem essa desvantagem competitiva; (ii) a necessidade de prepararem e submeterem o processo de notificação prévia e de pagarem uma taxa para o desencadear; (iii) a impossibilidade de implementarem a operação de concentração, seja antes do início desse processo, seja no seu decurso (obrigação de standstill); (iv) a dependência da apreciação casuística da AdC, com discricionariedade para decidir, ora não se opor, ora opor-se à operação (com ou sem sujeição acompromissos), mesmo queessa operação não tenhaquaisquer efeitos no território nacional. 28. À perda de chance ab initio acresce a perda de oportunidades, decorrentes do tempo de espera associado ao procedimento de controlo de operações de concentração. 29. Estão, além disso, em causa restrições injustificadas e desproporcionais a direitos fundamentais constitucionalmente consagrados - a liberdade de iniciativa económica privada (cf. artigo 61.º da CRP) e o direito de propriedade privada (cf. artigo 62.º da CRP). 30. A não conformação das Recorrentes com o entendimento da AdC, optando por não notificar e por implementarem sem mais delongas a concentração leva implicadas, igualmente, consequências patrimoniais negativas, atenta a sanção por incumprimento da obrigação de standstill. 31. Uma tal sanção é fixada num montante até 10% do volume de negócios mundial do grupo de empresas em causa, volume negócios esse queéexponencialmenteincrementado pelo estatuto abrangente que a decisão impugnada atribui a cada uma das Recorrentes com base num suposto controlo de facto sobre os grupos BA Glass e Cerealis. 32. A apreciação feita na Sentença recorrida, de que o procedimento de “avaliação prévia” seria a via passível de poupar às Recorrentes os ónus e constrangimentos que in casu sofreram em razão da decisão de não oposição, olvida que um tal procedimento não conduz a uma decisão vinculativa para a AdC, nem, tão pouco, dá a necessária certeza e segurança jurídicas às Recorrentes, e que, embora o mesmo seja gratuito, não dispensa necessariamente a necessidade de procedimentos ou decisões ulteriores. 33. Num cenário em que a AdC, na sequência dessa avaliação prévia, recomende a notificação da operação e em que as Recorrentes discordem desse juízo, resta-lhes novamente valorar o risco e decidir entre (i) apresentar um pedido de inaplicabilidade, inarredavelmente anexado, também, de um pedido subsidiário de não oposição, atenta a informação colhida no decurso da avaliação prévia, e (ii) implementar a operação sem notificação prévia, mas com o risco de uma sanção por violação da obrigação de standstill. 34. Embora as Recorrentes não estejam, em tese, impedidas de apresentarem um pedido de inaplicabilidade num processo futuro, caso se mantenham os pressupostos do presente processo, pressupostos esses exclusivamente atinentes à interpretação normativa com base na qual a AdC valora a relação societária entre as Recorrentes e as sociedades por esta participadas (minoritárias), édeprever umaconclusão similar àpresente quanto ànecessidade de notificação. 35. Nesse caso, indeferido pedido de decisão de aplicabilidade, resta às Recorrentes dar início a um novo procedimento, desta feita com vista à adoção de uma decisão de não oposição, gerando duplicação de custos pelo pagamento de duas taxas associadas a dois procedimentos distintos, duplicação do prazo de espera, que é fator absolutamente crítico em qualquer negócio, e duplicação do tempo de espera pela decisão de (não) oposição), na medida em que não existe automática convolação ou comunicação processual entre um e outro procedimentos. 36. Alternativamente, a manter-se a situação de incerteza que é, in casu, uma incerteza agravada quanto ao indeferimento da pretensão principal de inaplicabilidade – como o atesta a factualidade em causa no processo de concentração perante a AdC que esteve na génese da presente ação –, sempre teriam as Recorrentes de lhe apor um pedido subsidiário, para efeitos de assegurar que a concentração não é bloqueada ou atrasada pela necessidade de, concluindo a AdC no sentido da necessidade de notificação, as Recorrentes terem de submeter, em qualquer caso, um pedido subsequente de adoção de uma decisão de não oposição. 37. Em qualquer das hipóteses, tais procedimentos conduzem ao mesmíssimo resultado que no presente processo, a saber, a adoção, pela AdC, de uma decisão firmando a aplicabilidade do Regime Jurídico da Concorrência e a sujeição a notificação prévia de uma particular operação de concentração, resultado esse que, a manter-se o entendimento do Tribunal a quo, as Recorrentes não poderão, também, e uma vez mais, sindicar pela ausência de legitimidade processual ativa e de interesse em agir. 38. Erra, por isso, o Tribunal a quo ao considerar apenas o binómio concreto implementação – não implementação da operação de concentração, de onde resulta que o interesse em agir e a legitimidade só existirão quando a AdC adote uma decisão de oposição – que impeça a implementação de uma operação – ou, em alternativa, quando as partes decidam não notificar uma operação que a AdC entenda notificável, vendo-lhes ser, em consequência, aplicada uma coima. 39. Na Sentença recorrida, o Tribunal a quo considera, erradamente, não serem merecedores de tutela os riscos e efeitos adversos resultantes da interpretação normativa cristalizada na decisão impugnada, o que comporta uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como precipitado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. 40. A norma do artigo 55.º, n.º 1, al. a) do CPTA, interpretada no sentido da irrecorribilidade do ato administrativo (por ausência de legitimidade e de interesse em agir) que, deferindo um pedido subsidiário do particular, indefere o seu pedido primário ou principal, em termos que lesam os seus direitos e interesses constitucionalmente protegidos, entre os quais a liberdade de iniciativa económica privada e o direito fundamental de propriedade privada (cf. artigos 61.º e 62.º da CRP), é, por isso, inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como plasmado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. NestestermosenosdemaisdeDireitoaplicáveis,deveopresenteRecursodeApelaçãoserjulgadointegralmenteprocedente,comtodasasdevidaselegaisconsequências.”
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A Autoridade da Concorrência ofereceu contra-alegações, em que apresenta as seguintes conclusões:
I. “Nos presentes autos, a Teak e a Tangor intentaram ação administrativa da Decisão da AdC de 06.12.2023, proferida no âmbito do procedimento administrativo de controlo de concentração de empresas, com a ref.ª Ccent. 66/2023 Teak*Tangor/VOV.
II. Estas empresas haviam notificado em 25.10.2023 à AdC uma operação de concentração consistente na aquisição pela Teak e pela Tangor do controlo conjunto sobre a sociedade “VOV”, sociedade de direito luxemburguês, e respetivas sociedades participadas de controlo “Grupo VR”.
III. As Notificantes Teak e Tangor solicitaram à AdC que emitisse uma decisão de inaplicabilidade (desnecessidade legal de notificação prévia da operação de concentração) ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 50.º da LdC, ou seja, que declarasse que a operação de concentração não carece de notificação prévia e, consequentemente, de análise ou investigação mas que, caso assim não se entendesse, que fosse (após tal análise/investigação, subentenda-se) autorizada a operação de concentração, aproveitando o mesmo procedimento de forma a que a tramitação fosse mais expedita.
IV. A repartição equitativa da nova estrutura de capital (50%-50%) e os elementos carreados para o processo, permitiram à AdC presumir um exercício de controlo conjunto pela Teak e pela Tangor, porquanto qualquer deliberação sobre qualquer matéria (estratégica ou não), quer em Assembleia Geral quer em órgão de Administração, sempre carecerá de uma maioria dos votos.
V. Deste modo, a AdC concluiu que a Teak e a Tangor exercerão controlo conjunto sobre a VOV/Grupo VR, facto este que não foi contestado pelas ora Recorrentes; o dissidendo substantivo(e que motivou, segundo as Recorrentes, a ação administrativa destes autos) centra-se em saber se aos volumes de negócios das Notificantes deve acrescer uma parcela do volume de negócios de empresas - Grupo Cerealis e Grupo BA Glass -, com atividade em Portugal, que as empresas Notificantes controlam.
VI. AAdC, em cumprimento da alínea b) do n.º 2 do artigo 39.º da LdC, não pôde deixar de ter em consideração, no cálculo do volume de negócios das Notificantes, a parte respetiva dos volumes de negócios das empresas Cerealis e BA Glass, concluindo que o volume de negócios das Notificantes, incluindo a parte respetiva do volume de negócios da Cerealis e BA Glass, preenche o limiar de volume de negócios previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 37.º da LdC, determinando, pois, a notificabilidade da operação de concentraçãoem apreço.
VII. A Teak e a Tangor pretendem, com a presente ação de impugnação do ato administrativo adotado pela AdC: “[c]olocar em crise a validade da Decisão Impugnada, substanciada simultaneamente no indeferimento do pedido de inaplicabilidade formulado ao abrigo do artigo 50.º, n.º 1, alínea a) da LdC e no deferimento do pedido subsidiário de não oposição à operação de concentração notificada, formulado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 50.º da LdC”; “[E], bem assim, obter a condenação da AdC à prática do ato legalmente devido de deferimento do pedido de inaplicabilidade deduzido ao abrigo da norma do artigo 50.º, n.º 1, alínea a) da LdC, ou, caso se entenda que, à data da prolação da Sentença, a prática de tal ato seria supervenientemente inútil (em face da concretização da operação), de condenação da AdC ao reconhecimento expresso de que a operação em questão não estava sujeita a notificação prévia.”
VIII. Entendem estas empresas que não está preenchido o limiar de volume de negócios, defendendo que o volume de negócios da Cerealis e da BA Glass não deve ser tido em consideração por não existir controlo das Notificantes sobre aquelas sociedades.
IX. A AdC contestou a p.i. aduzindo, entre outras, a exceção dilatória da falta de legitimidade e interesse em agir, prevista na alínea e) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, com a consequência da absolvição da Ré AdC da instância.
X. O TCRS proferiu, em 14.10.2024, douta Sentença pela qual considerou procedente a verificação da exceção dilatória da falta de legitimidade ativa, com os seguintes fundamentos: “Em face do que se mostra exposto, tal como as Autoras configuraram a acção, temos de concluir que inexiste uma necessidade efectiva de tutela judiciária, porquanto nenhuns factos objectivos foram coligidos que nos permitissem concluir que o recurso à via judicial era necessário. Na verdade, o presente recurso contencioso não se mostra como sendo necessário (e adequado) para obstar a lesões efectivas, tendo apenas sido esgrimidas lesões ou inexistentes ou meramente potenciais ou hipotéticas e longínquas (interesse directo, associado ao interesse em agir). Desconhece-se um prejuízo actual, não tendo as Autoras um interesse directo na procedência da acção porque o benefício resultante da anulação do acto não tem repercussão imediata nas suas esferas jurídicas, que se manteriam exactamente iguais em face do que se encontravam antes da propositura da vertente acção, pelo que temos de concluir que as Autoras não são partes legítimas para esta acção e nem têm, inerentemente, um interesse concreto e juridicamente tutelável em agir. O efeito daquela conclusão consiste na absolvição da instância da Autoridade da Concorrência, em conformidade com o n.º 2 e al. e) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e a al. d) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.”
XI. As Recorrentes atacam a fundamentação da Sentença Recorrida aduzindo, em síntese, que esta padece de erro de julgamento porquanto aí se entende que nos achamos perante (i) um ato favorável às Autoras; (ii) que a AdC tinha competência para o praticar e (iii) que os prejuízos (futuros) decorrentes da prática do mesmo são meramente eventuais e hipotéticos.
XII. A AdC discorda desta alegação e expressa a sua total concordância quanto ao sentido decisório e fundamentação constantes da Sentença Recorrida considerando, em síntese, que as Recorrentes não cumpriram a exigência estabelecida na alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º do CPTA: não invocaram um interesse direto e pessoal na peticionada anulação da Decisão da AdC (e sua substituição por outra decisão, no sentido da inaplicabilidade da LdC); nomeadamente, não invocaram a existência de consequências desfavoráveis na sua esfera jurídica, de modo que a anulação da Decisão da AdC acarrete, para estas, uma vantagem direta e pessoal.
XIII. Para que se encontre preenchido o requisito processual da legitimidade ativa não basta a titularidade da relação material controvertida, exigindo-se que seja invocado um prejuízo concreto e real, pessoal e direto, como muito bem se sublinhou na Sentença Recorrida na esteira de jurisprudência unânime, incluindo do TC (v.g. Acórdão n.º 792/2023).
XIV. É na p.i., e não em ulteriores fases do processo (nomeadamente em sede de recurso para a segunda instância), que devem ser invocados os requisitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º do CPTA, como muito bem entendeu a Sentença Recorrida que chamou à colação jurisprudência do STA nesse sentido, já estabilizada nesse Tribunal.
XV. Na p.i. as ora Recorrentes invocaram “contingências de ordem obrigacional e patrimonial”, referindo-se à taxa paga e devida pela notificação da operação de concentração e taxas devidas, da mesma natureza, em eventuais casos futuros; e o tempo que decorre entre a notificação da operação de concentração e a decisão final da AdC, no caso presente e em eventuais casos futuros; bem como a obrigação de notificar previamente a AdC em eventuais casos futuros “semelhantes” e os constrangimentos empresariais que tal implica, como sustentam as Recorrentes no Recurso ora em apreço.
XVI. A douta Sentença Recorrida rejeitou que tais alegações fossem atendíveis para o preenchimento do pressuposto da legitimidade ativa.
XVII. Para a AdC, o teor do Recurso em nada acrescenta ao já exposto na p.i.; efetivamente, tudo o que foi alegado, quer na p.i. quer no Recurso, como “prejuízos presentes ou futuros, certos ou quantificáveis” insere-se num cenário hipotético, vago e totalmente indeterminado, motivo pelo qual deve ser totalmente desconsiderado, por irrelevante, devendo manter-se a Sentença Recorrida.
XVIII. Com efeito, a pretensão das Autoras residia, desde o início do procedimento administrativo de controlo de operações de concentração, no deferimento do ato administrativo, isto é, na realização da operação de concentração; e tanto que era essa a pretensão das Notificantes que a operação de concentração veio a implementar-se (e rapidamente) logo após ser emitida a Decisão da AdC - factos assentes, na totalidade, na prova documental incluindo declarações das Recorrentes.
XIX. Desde que as Notificantes decidiram notificar a operação e mesmo que o objetivo fosse a decisão de inaplicabilidade, sempre teriam de pagar a referida taxa; só assim não seria, se as Notificantes ao invés de notificarem a operação de concentração, apresentassem um pedido de avaliação prévia anteriormente, instituto jurídico gratuito e confidencial, o que não lograram fazer.
XX. É totalmente irrazoável que as Autoras apontem como “contingências” o facto de terem tido de aguardar durante um período temporal que totalizou pouco mais de um mês, período este que se considera perfeitamente aceitável tendo em conta a complexidade intrínseca às operações económicas desta índole quando, para mais, estas viram a sua verdadeira pretensão plenamente satisfeita.
XXI. Acresce que esta ação administrativa apenas diz respeito à Decisão da AdC ora em crise e não a todos os hipotéticos negócios jurídicos que as Recorrentes possam vir a realizar num futuro eventual; os Tribunais não podem estabelecer entendimentos abstratos sobre uma determinada matéria de direito, como também muito bem entendeu a Sentença Recorrida.
XXII. Dúvidas não restam que, tendo tal operação prosseguido de acordo com os trâmites regulares, a substituição do ato administrativo pelo peticionado pelas Autoras em nada alterará o resultado produzido com a Decisão da AdC, que, reitera-se, é concordante com a pretensão das Autoras.
XXIII. Por conseguinte, as Recorrentes não carecem de qualquer tutela judicial.
XXIV. Às Notificantes Teak e Tangor assistia a faculdade de recorrer ao instituto da avaliação prévia estabelecido no n.º 5 do artigo 37.º da LdC, de forma a clarificar as dúvidas que eventualmente tivessem, como também muito pertinentemente salientado na Sentença Recorrida.
XXV. Se a AdC apenas precisou de pouco mais de um mês para a análise substantiva da operação de concentração, é difícil conceber - como sustentam as Recorrentes - que a possibilidade de colocar dúvidas ou questões à AdC, sobre a interpretação da LdC , surja como um obstáculo à prossecução da sua estratégia empresarial presente ou eventual.
XXVI. Discorda-se profundamente da alegação das Recorrentes, no sentido de que o TCRS não tenha devidamente compreendido o procedimento administrativo de controlo prévio de operações de concentração de empresas; para mais, salienta-se a viva contradição em que incorrem as Recorrentes ao proferir esta afirmação e, simultaneamente, impugnar a Decisão da AdC na presente ação administrativa e interpor Recurso da Sentença (mobilizando recursos da Justiça).
XXVII. Adensa-se a postura paradoxal das Recorrentes ao admitirem que já ao momento da notificação prévia existia um “risco de entendimento diferente” por parte da AdC e assacarem à Sentença Recorrida a circunstância de, segundo as Recorrentes, terem ficado sujeitas ao “risco regulatório” associado à eventual necessidade futura de notificar outras eventuais (ainda não identificadas) operações de concentração de empresas.
XXVIII. Finalmente, refuta-se que tenha sido efetuada qualquer interpretação inconstitucional quer na Decisão da AdC, quer na Sentença Recorrida, a qual deve ser mantida. Termos em que se requer seja o Recurso julgado improcedente e, em consequência, seja mantida na totalidade a Decisão da AdC.” *
Os autos foram à conferência.
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II - Questões a decidir
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC.
Assim, importa, no caso, apreciar e decidir:
- se as AA. têm legitimidade processual ativa e interesse em agir.
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III – Fundamentação
- Da matéria de facto com relevo para a decisão:
Os factos com relevo para a decisão da questão sob análise resultam do relatório que acima se realizou, o qual se considera integralmente reproduzido, por uma questão de economia processual.
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IV – Direito
A presente ação especial administrativa reporta-se à análise da apreciação efetuada pela Autoridade da Concorrência no âmbito do controlo de concentração de empresas.
Para melhor perceção do que precedeu a decisão do Tribunal a quo objeto do recurso em análise, importa referir que:
- as AA., em 25 de outubro de 2023, nos termos dos artigos 37.º e 44.º da LC, notificaram a AdC dando conta da operação de concentração consistente na aquisição pela Teak e pela Tangor do controlo conjunto sobre a sociedade “VOV”, sociedade de direito luxemburguês, e respetivas sociedades participadas de controlo “Grupo VR”, e solicitaram a emissão de uma decisão de inaplicabilidade (desnecessidade legal de notificação prévia da operação de concentração);
- posteriormente, em 30 de novembro de 2023, as AA. comunicaram à AdC que mantinham o entendimento de que a Transação não se encontra abrangida pelo procedimento de controlo prévio de concentrações, devendo, por isso, ser proferida decisão de inaplicabilidade ou, caso assim não se entendesse, “ao abrigo dos princípios da colaboração e economia, assegurar a utilidade do presente procedimento administrativo, requerendo a ampliação do pedido inicial ao conhecimento, a título subsidiário, de um pedido de não oposição à Transação notificada, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, al. b), da LdC”;
- por fim, a AdC, em 23 de dezembro de 2023, “delibera adotar uma decisão de não oposição à operação de concentração notificada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 50.º da Lei da Concorrência, uma vez que a mesma não é suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva no mercado nacional ou em parte substancial deste.”
É, então, na sequência do que acabamos de sintetizar, que interposto recurso para o Tribunal a quo, foi decidido absolver da instância a Autoridade da Concorrência por considerar verificada a falta de legitimidade processual ativa e inerente falta de interesse em agir das agora Recorrentes.
* Da legitimidade processual ativa e do interesse em agir.
As Autoras vieram recorrer da decisão proferida pelo Tribunal a quo que absolveu a AdC da instância por julgar verificada a exceção da ilegitimidade ativa e inerente falta de interesse em agir das Recorrentes/ Autoras.
A AdC respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Vejamos, então.
Importa recordar que nos movemos no âmbito de uma ação especial de direito administrativo e, por isso, tal como aliás as partes e a decisão em crise consideraram, sujeitos ao respetivo ordenamento jurídico.
Dispõe então o artigo 9.º do CPTA, sob a epígrafe “Legitimidade ativa”, que: “1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida.
2 - Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como para promover a execução das correspondentes decisões jurisdicionais.”
Por sua vez, no capítulo II, reportado à “impugnação de atos administrativos”, o artigo 55.º, sob a epígrafe “Legitimidade ativa”, estabelece que: 1 - Tem legitimidade para impugnar um ato administrativo: a) Quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos; b) O Ministério Público; c) Entidades públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender; d) Órgãos administrativos, relativamente a atos praticados por outros órgãos da mesma pessoa coletiva pública; e) Presidentes de órgãos colegiais, em relação a atos praticados pelo respetivo órgão, bem como outras autoridades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei; f) Pessoas e entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 9.º 2 - A qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, é permitido impugnar as decisões e deliberações adotadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado, assim como das entidades instituídas por autarquias locais ou que destas dependam. 3 - A intervenção do interessado no procedimento em que tenha sido praticado o ato administrativo constitui mera presunção de legitimidade para a sua impugnação.”
Resulta assim do primeiro artigo, como aliás dá conta o Tribunal a quo, a já conhecida “relação material controvertida”, ou seja, que autor se considera parte legítima quando alegue ser parte naquela, isto é, em função da titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido.
Assim, neste caso, a legitimidade deverá ser aferida pelas afirmações do autor, na petição inicial, pelo modo como este entende configurar o objeto do processo e não em função da efetiva titularidade da relação material controvertida, tomada como objetivamente existente, com a configuração que vier a resultar das afirmações do autor e do réu, confirmadas pela instrução e discussão da causa.
Por conseguinte, considerar-se-ão partes legítimas, os sujeitos da relação material controvertida tal como desenhado pelo autor na sua petição inicial, independentemente da titularidade da posição jurídica substantiva (cfr José Carlos Vieira de Andrade, em «A Justiça Administrativa», 4ª edição, Almedina, págs. 257 e seguintes e Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, em «Código de Processo nos Tribunais Administrativos», Volume I, Almedina, pág 154).
Porém, a segunda disposição, para as ações administrativas de impugnação, já nos remete para outro conceito, pois determina que o autor tenha um interesse direto em demandar, para o qual é insuficiente um interesse indireto, reflexo ou derivado ou seja, aqui a legitimidade processual não se basta com a existência de qualquer interesse na procedência da ação.
É esta disposição que se aplica ao caso sub judice, sendo que não há discórdia a esse respeito.
A discórdia surge quanto ao alcance do conceito e à concreta aplicação ao caso em análise.
A respeito desta temática, a sentença invocou jurisprudência e doutrina abundante e oportuna, com a qual concordamos e por isso, de forma a não sermos repetitivos, damos por reproduzida.
Ainda assim, a respeito da norma, julgamos oportuno socorrermo-nos dos seguintes ensinamentos: “Tem, antes de mais, legitimidade para impugnar actos administrativos quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos: cfr. artigo 55.º, n.º 1, alínea a). De harmonia com o critério adoptado no artigo 9.º, n.º 1, o preenchimento do requisito - entendido, recorde-se, como condição para a obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa e não como uma condição de procedência da acção, necessária à obtenção de uma pronúncia de provimento - não exige a verificação da efectiva titularidade da situação jurídica invocada pelo autor, mas basta-se apenas com a alegação dessa titularidade. O que, naturalmente, não impede, mas antes obriga o tribunal, logo que porventura verifique que o interessado não é titular da situação jurídica alegada, a julgar, por esse facto, improcedente a acção de impugnação. A utilização da fórmula “interesse directo e pessoal”, em contraposição à lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos, que é apresentada como um exemplo e, assim, como uma das suas formas de concretização possível, aponta no sentido de que a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas se basta com a circunstância de o acto estar a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor, de modo que a anulação ou a declaração de nulidade desse acto lhe traz, pessoalmente a ele, uma vantagem directa (ou imediata). Como é da tradição do nosso processo administrativo, a anulação ou a declaração de nulidade de actos administrativos pode ser, portanto, pedida a um tribunal administrativo por quem nisso tenha interesse, no sentido em que reivindica para si próprio uma vantagem jurídica ou económica que há-de resultar dessa anulação ou declaração de nulidade (cfr. também a referência supra, nº 95). A nosso ver, deve ser estabelecida uma clara distinção entre os requisitos do carácter “directo” e “pessoal”. Na verdade, só o carácter “pessoal” do interesse diz verdadeiramente respeito ao pressuposto processual da legitimidade, na medida em que se trata de exigir que a utilidade que o interessado pretende obter com a anulação ou a declaração de nulidade do acto impugnado seja uma utilidade pessoal, que ele reivindique para si próprio, de modo a poder afirmar-se que o impugnante é considerado parte legítima porque alega ser, ele próprio, o titular do interesse em nome do qual se move no processo. Já o carácter “directo” do interesse tem que ver com a questão de saber se existeum interesse actual e efectivo em pedir a anulação ou a declaração de nulidade do acto que é impugnado. Admitindo que o impugnante é efectivamente o titular do interesse, trata-se de saber se o impugnante se encontra numa situação efectiva de lesão que justifique a utilização do meio impugnatório. Neste sentido, o Supremo Tribunal Administrativo tem sufragado o entendimento de que o interesse directo deve ser apreciado, por referência ao conteúdo da petição inicial, em função das vantagens que o impugnante alega poderem advir-lhe da anulação do acto, sendo que os efeitos decorrentes da anulação devem repercutir-se, de forma directa e imediata, na esfera jurídica do impugnante». Tem, assim, legitimidade para impugnar quem «espera obter da anulação do acto impugnado um certo benefício e se encontra em condições de o poder receber», sendo o interesse directo desde que «de repercussão imediata na esfera do interessado». O interesse directo contrapõe-se, assim, a um interesse meramente longínquo, eventual ou hipotético, que não se dirija a uma utilidade que possa advir directamente da anulação do acto impugnado. O requisito do carácter “directo” do interesse não tem, pois, em nossa opinião, que ver com a legitimidade processual, mas com a questão de saber se o alegado titular do interesse (que, por isso, é parte legítima no processo) tem efectiva necessidade de tutela judiciária: ou seja, tem que ver com o seu interesse processual ou interesse em agir’’ (cfr. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo 4ª Edição, Almedina, 2020, pág. 232 a 234. (destaques nossos)
Dito isto, podemos dar por assente a existência do interesse pessoal, na medida em que a pretensão reclamada pelas AA., conforme alegam, corresponde a uma utilidade pessoal, sendo, por isso, “o titular do interesse em nome do qual se move no processo”.
Porém, importa verificar se as Recorrentes tinham ou não um interesse direto na anulação do ato impugnado – decisão de não oposição à operação de concentração notificada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 50.º da Lei da Concorrência, uma vez que a mesma não é suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva no mercado nacional ou em parte substancial deste.”
O mesmo é dizer que as Recorrentes serão partes legítimas na presente impugnação judicial, do ato de concessão da AdC, de 23 de dezembro de 2023, se retirarem alguma vantagem da procedência do pedido, da invalidação do referido ato de não oposição à operação de concentração.
Importa recordar que as Recorrentes haviam pedido a declaração de inaplicabilidade e subsidiariamente a declaração de não oposição à operação de concentração, ou seja, o reconhecimento a que aludem as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 50.º da LC.
Mais importa recordar que foi deferido o pedido subsidiário e que não foram fixadas condições ou obrigações para o efeito.
As Recorrentes pugnam pela anulação do ato e pela prática de ato devido que reconheça a inaplicabilidade.
Porém, como vimos, o que foi concedido, não correspondendo ao primeiro pedido, corresponde antes ao seu segundo pedido e este, como resulta do regime legal da LC, no caso o já citado artigo 50.º, permite, como aliás já se mostra concretizado, a conclusão da operação pretendida pelas agora Recorrentes.
Dito isto, numa primeira abordagem, somos, pois, levados a concluir que inexistem interesses diretos no peticionado.
Contudo, como é bom de ver, as Recorrentes invocam circunstâncias que consideram integrar o referido conceito de interesse direto.
Vejamos se assim acontece.
As AA., em síntese, invocam:
- que o ato impugnado é-lhes desfavorável, na medida em que a inaplicabilidade seria mais favorável;
- que não se pronunciou sobre a possibilidade ou admissibilidade legal de a AdC praticar a decisão impugnada;
- que da decisão impugnada decorrem prejuízos futuros que são certos e quantificáveis;
- que a decisão impugnada cristalizou, na esfera jurídica das AA., um novo status quo, numa perspetiva jusconcorrencial, do qual resulta que cada uma das concorrentes passa a ter um âmbito mais alargado, nomeadamente incluindo, relativamente a cada uma, metade de dois grupos empresariais em que cada detém participações minoritárias;
- que em qualquer transação futura, efetuada em conjunto ou isoladamente, ver-se-ão forçadas a considerar a interpretação efetuada pela AdC, sujeitando-se a um procedimento prévio de controlo de concentrações em Portugal, no primeiro caso, ou a ver insuflada a possibilidade de ser necessário o aludido procedimento de contolo;
- que a decisão de inaplicabilidade peticionada permitir-lhes-ia, quer no contexto da concreta transação, quer para o futuro, implementar operações de concentração similares, certas da inaplicabilidade do RJC;
- que a inaplicabilidade as dispensa de um impulso procedimental, com vários custos inerentes e que desembocam numa desvantagem competitiva em processos aquisitivos quando estejam em concorrência com outros aquirentes que não suportam este ónus regulatório;
- que o referido satus quo também tem implicações societárias, fiscais e contabilísticos, associados a um efeito de conexão ou ligação das referidas empresas com grupos empresariais terceiros;
- que não procedendo em conformidade com aquela interpretação ficam sujeitas ao cometimento de uma infração por violação da obrigação de standstill, sendo que o valor aplicável à infração também seria insuflado por aquela interpretação;
- que a decisão da AdC as coloca sob risco de uma infração dolosa;
- que estão em causa restrições injustificadas e desproporcionais à liberdade de iniciativa económica privada (art. 61.º da CRP) e ao direito de propriedade privada (art. 62.º da CRP);
- que o procedimento sugerido pela AdC de “avaliação prévia”, que permitiria poupar os ónus e constrangimentos apontados, não conduz a uma decisão vinculativa para a AdC e também não dá a certeza e segurança jurídica;
- que ficam impossibilitadas de sindicar os critérios da AdC, pelo que a interpretação efetuada do artigo 55.º, n.º 1, al. a) do CPTA, no sentido da irrecorribilidade do ato administrativo, contende com o princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).
A posição das AA. é bastante clara e, naturalmente, que se entende a relevância do pretendido para efeitos da sua atividade comercial/ empresarial.
Em suma, destaca-se a procura de certeza e segurança, em particular na relação com a AdC.
Porém, como bem dá conta a decisão em crise, não é seguramente este o meio para o alcançar.
Não podemos, pois, esquecer as regras legais a que nos vimos referindo e, em particular, os ensinamentos citados.
Dito de outra forma, não é seguramente, no âmbito desta ação administrativa especial, que se reporta à análise da apreciação efetuada pela Autoridade da Concorrência no âmbito do controlo de concentração de empresas e em que foi deferido o pedido das AA. que se vai discutir critérios gerais e abstratos que sirvam para o futuro.
A decisão judicial que aqui se impõe não tem seguramente essa função.
Aliás, não podemos esquecer que a pretensão endereçada pelas AA. à AdC mereceu procedência e, inclusivé, como dão conta as Recorrentes, se mostra já concretizada.
É certo que a primeira pretensão não foi concedida, mas também é certo que a que foi concedida visa o mesmo desiderato, ou seja, a realização (controlada pela AdC) de uma operação de concentração.
Nessa medida, a anulação do ato corresponderia a inviabilizar aquilo que fora pedido pelas próprias AA. e concedido pela entidade competente, ou seja, teríamos alcançado por um caminho diverso, o mesmo desiderato, o que nos leva a concluir que em concreto nada se alterava.
Ainda assim, tendo presente a argumentação expedida, impõe-se mais algumas considerações.
Não compete ao Tribunal proferir decisões teóricas/ genéricas que, em consequência, seriam inexequíveis.
A admitir que se fixavam os critérios almejados pelas AA., como é que se faria o controlo da legalidade do seu cumprimento a uma realidade que está constantemente em mutação, como é o caso dos mercados em geral e das empresas em particular?
Aliás, temos para nós que esse exercício certamente colocaria em causa a autonomia da AdC, naquilo que é a sua função legalmente reconhecida, e questões de (in)competência do Tribunal.
No que diz respeito ao pretenso “Estatuto”, compreendemos a posição das AA., mais uma vez naquele âmbito de almejar segurança e certeza para o seu futuro na relação com a AdC, pois que é possível “ler-se” num percurso encetado o sentido/ entendimento preconizado nesse momento a respeito de determinada matéria.
Porém, sendo até despiciendo referir que inexiste formalmente essa figura no âmbito da legislação relevante, também temos por certo que as decisões que se coloquem àquela AdC serão por reporte à realidade existente em cada momento e esta, como já referimos, não só é mutável como será muito provavelmente bastante volátil e, repetindo-nos, a sindicância é do resultado, da decisão, e não do caminho encetado.
Acresce referir que também se terá de reconhecer que aquele percurso não vincula a AdC para o futuro, pois que esta pode, inclusivé com a “ajuda” das AA., em casos futuros, alterar a sua posição, como acontece na vida dos Tribunais.
No que diz respeito à desvantagem concorrencial, salvo o devido respeito, a questão colocada parte do pressuposto da existência do “Estatuto” que, como vimos, não só inexiste como a AdC não está vinculada à interpretação que efetuou naquele concreto momento, mas mais importante, o que se visa salvaguardar com aquele regime legal é a livre concorrência.
Por sua vez, reportado à necessidade futura de despoletarem o recurso ao mecanismo da notificação prévia, como deu conta o Tribunal a quo, não podemos deixar de reiterar que inexiste o alegado “Estatuto” e ainda que essa opção cabe às Recorrentes, ou seja, cabe-lhes avaliar, em cada momento, o mecanismo que devem seguir em caso de uma operação de concentração, na certeza, porém, que, existindo dúvidas, podem requerer a avaliação prévia pela AdC, conforme previsto no n.º 5 do artigo 37.º da LC.
Relativamente ao suposto impacto ao nível societário, fiscal e contabilístico, novamente, com o devido respeito, não vemos que a decisão da AdC vincule terceiros, nomeadamente a AT, sendo certo que, ocorrendo algo do género, não ficariam as AA. impedidas de reagir em conformidade.
Por sua vez, reportado ao alegado impacto a nível contraordenacional, não vemos que daí recorra a responsabilidade (futura) para outras operações que se venham a realizar, pois que cada situação terá a sua especificidade, como também, permita-se-nos dizer aquilo que julgamos dar por certo, sempre estará ao alcance das mesmas a respetiva impugnação.
Não obstante, será de assinalar que nem a decisão comporta a “inevitabilidade” da figura do dolo, como o contrário (almejado), salvo o devido respeito, não redundará “inevitavelmente” na sua exclusão, pelo que também aqui a argumentação não merece a nossa concordância.
No que diz respeito à pretensa legalidade abstrata, ou seja, à pugnada necessidade de expurgar o ato da ordem jurídica, como bem deu conta o Tribunal a quo, não estamos perante uma competência reconhecida às AA., mas antes do Ministério Público, conforme decorre dos artigos 55.º, n.º 1, als. b) e e), e 68.º, n.º 1, als. b) e e), ambos do CPTA.
Finalmente, não se vislumbra de que forma sejam colocados em causa os direitos constitucionais invocados, seja em termos da propriedade privada, da iniciativa económica, seja ainda da tutela jurisdicional efetiva.
Efetivamente, relativamente a este último, o que temos é o exercício de regras processuais que visam essa mesma tutela, naturalmente com o respeito de outros desideratos do Estado, como sejam garantir a efetividade/ exequibilidade das decisões dos Tribunais, além da necessidade de garantir um mercado regulado e que respeite as regras da concorrência.
No mais, não se vislumbra que a decisão em crise, assim como o ato administrativo, comporte qualquer limitação assinalável à iniciativa privada e/ ou à propriedade privada.
Dito isto, com o devido respeito, as Recorrentes podem retirar vantagens mediatas, hipotéticas, eventuais da anulação da decisão da AdC, de 23 de dezembro de 2023, de não oposição à operação de concentração notificada, mas não um interesse direto, imediato da sua anulação.
Aliás, em abono da verdade, a certeza e segurança que as AA. efetivamente pugnam não são, pois, alcançáveis pelo presente meio.
Em conclusão, o ato administrativo proferido pela AdC, a 23 de dezembro de 2023, que optou pela não oposição à operação de concentração, não lesa de forma direta, imediata os interesses das Recorrentes.
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Nestes termos, as AA., ora, Recorrentes, são partes ilegítimas para estarem em juízo e como tal nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
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V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelas AA., mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelas Recorrentes (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Lisboa, 26 de março de 2025
Bernardino Tavares
Alexandre Au-Yong Oliveira
Eleonora Viegas