MARCA
RECURSO
PRAZO
Sumário

I - Tem natureza substantiva o prazo de dois meses previsto pelo art. 41.º do CPI para que os interessados venham a interpor recurso judicial das decisões proferidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial mencionadas neste preceito.
II - Trata-se de um prazo relativo ao exercício de um direito (direito de impugnação judicial da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial), referente a uma fase anterior à pendência e à interposição da acção judicial que visa a revogação ou a modificação da decisão da autoridade administrativa.
III - As regras relativas à contagem dos prazos judiciais, muito em particular aquela que determina a sua suspensão durante as férias judiciais (art. 138.º, n.º 1, do CPC), não são aplicáveis ao prazo de dois meses previsto pelo art. 41.º do CPI, que tem natureza substantiva e que está sujeito às regras de caducidade do CC, por dizer respeito ao exercício de um direito prévio à interposição de uma acção judicial.

Texto Integral

Acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO:
“Bayerische Motoren Werke Aktiengesellschaft”, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da sentença proferida no âmbito destes autos, no dia 20-09-2024, pelo Tribunal da Propriedade Intelectual – Juiz 2, que julgou procedente o recurso interposto pela sociedade “Vilkas Byme, Lda.”, melhor identificada nos autos, e que, em consequência, revogou o despacho proferido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que anulou parcialmente o registo da marca nacional n.º 484254

para todos os produtos da classe 12 e para os “serviços de organização de competições desportivas” da classe 41.
*
No recurso que interpôs, a recorrente “Bayerische Motoren Werke Aktiengesellschaft” apresentou as seguintes conclusões:
“I. Em 30.05.2011, a Apelada apresentou o pedido de registo da marca nacional n.º 484254 MRACING, o qual foi concedido pelo INPI em 19.08.2011 para assinalar serviços nas classes 12, 25, 35 e 41 da Classificação de Nice.

II. Em 18.08.2021, a Apelante apresentou junto do INPI um pedido de anulação do registo da marca nacional n.º 484254 MRACING, com fundamento na imitação e risco de confusão com as suas marcas prioritárias, designadamente, Registo Internacional de Marca n.º 603895
que designa o território português desde 20.01.1993, nas classes 12 e 41, Marca da UE n.º 82859 M5, apresentada em 01.04.1996, na classe 12, Marca da UE n.º82883 M3, requerida em 01.04.1996, na classe 12, Marca da UE n.º 115600 M430, requerida em 01.04.1996, na classe 12, Marca da UE n.º 115626 M320, requerida em 01.04.1996, na classe 12, Marca da UE n.º 115659 M300, requerida em 01.04.1996, na classe 12, Marca da UE n.º 115691 M290,requerida em 01.04.1996, naclasse12, Marca da UE n.º 115725 M230, requerida em 01.04.1996, na classe 12, Marca da UE n.º 115758 M56, requerida em 01.04.1996 na classe 12, Marca da UE n.º 115774 M50, requerida em 01.04.1996 na classe 12, Marca da UE n.º 115808 M43, requerida em 01.04.1996 na classe 12, Marca da UE n.º 116186 M40, requerida em 01.04.1996 na classe 12, Marca da UE n.º 130724 M Series, requerida em 01.04.1996 na classe 12, Marca da UE n.º 377838 M500, requerida em 27.09.1996 na classe 12, Marca da UE n.º 377911 M550, requerida em 27.09.1996 na classe 12, Marca da UE n.º 377945 M 400, requerida em 27.09.1996 na classe 12, Marca da UE n.º 377986 M270, requerida em 27.09.1996 na classe 12, Marca da UE n.º 377994 M240, requerida em 27.09.1996 na classe 12, Marca da UE n.º 378034 M220, requerida em 27.09.1996 na classe 12, Marca da UE n.º 378042 M55, requerida em 27.09.1996 na classe 12,Marca da UE n.º 1771294 M250, requerida em 24.07.2000 na classe 12, Marca da UE n.º 1771492 M6, requerida em 24.07.2000na classe 12, Marca da UE n.º 1771468 M2, requerida em 24.07.2000 na classe 12, Marca da UE n.º 1771427 M7, requerida em 24.07.2000, na classe 12, Marca da UE n.º 1771393 M1, requerida em 24.07.2000 na classe 12, Marca da UE n.º 1771351 M8, requerida em 24.07.2000 na classe 12, Marca da UE n.º 1951532 M4, requerida em 13.11.2000 na classe 12, Marca da UE n.º 3009040 M Track Mode, requerida em 15.01.2003, na classe 12, Marca da UE n.º 4059671 M Drive, requerida em 04.10.2004 na classe 12, Marca da UE n.º 4319844 , requerida em 02.03.2005 na classe 12, Marca da UE n.º 4391686 M1, requerida em 18.04.2005 na classe 12, Marca da UE n.º 4406799 M7, requerida em 20.04.2005 na classe 12, Marca da UE n.º 4398129 M2, requerida em 20.04.2005 na classe 12, Marca da UE n.º 4398111 M8, requerida em 20.04.2005 na classe 12, Marca da UE n.º 4945333 M Roadster, requerida em 06.03.2006 na classe 12, Marca da UE n.º 4945317 M The most powerful letter in the world, requerida em 06.03.2006 na classe 12, Marca da UE n.º 4945291 M Sport Package, requerida em 06.03.2006 na classe 12, Marca da UE n.º 4945283 M Coupé, requerida em 06.03.2006 na classe 12, Marca da UE n.º 4945275 M Models, requerida em 06.03.2006 na classe 12, Marca da UE n.º 4945267 M Cars, requerida em 06.03.2006 na classe 12, Marca da UE n.º 007134158 M, requerida em 05.08.2008 na classe 12.
III. O pedido de anulação intentado pela BMW foi julgado procedente e, por despacho datado de 31.05.2023, o INPI anulou o registo da marca nacional n.º 484254 M RACING na classe 12 e para os serviços de organização de competições desportivas na classe 41.
IV. Naquele despacho, o INPI considerou – e bem – que se encontram preenchidos in casu os requisitos do conceito de imitação legal de marca, pois as marcas da Apelante beneficiam de uma melhor prioridade, os produtos e os serviços em comparação são afins e as marcas M da BMW e M RACING da Apelada são semelhantes e, por isso, confundíveis para os consumidores.
V. O despacho do INPI foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial em 07.06.2023.
VI. Não obstante o hiato temporal decorrido, a Apelada interpôs o presente recurso judicial em 14.09.2023.
VII. Em 08.01.2024 a Apelante apresentou resposta ao recurso, na qual invocou que à data da interposição do recurso já havia decorrido o prazo de 2 (dois) meses previsto no art. 41.º do CPI, devendo o recurso ser julgado extemporâneo por verificação da exceção perentória de caducidade.
VIII. Acresce que, ao nível substantivo, a Apelante demonstrou que as alegações da Apelada eram manifestamente desprovidas de qualquer fundamento, pelo que era manifesta a falta de mérito do recurso judicial interposto para o TPI.
IX. Porém, surpreendentemente, por sentença datada de 20.09.2024, o TPI julgou o recurso tempestivo e totalmente procedente, tendo revogado o despacho do INPI.
X. A Apelante discorda e não pode concordar com qualquer dos fundamentos daquela sentença, a qual, no seu entendimento, consubstancia uma decisão ilegal e formal e materialmente injusta, motivo pelo qual o presente recurso de apelação é interposto.
XI. Ora, é assente que o prazo de dois meses para a interposição do recurso das decisões do INPI para o Tribunal da Propriedade Intelectual, previsto no art. 41.º do CPI, é um prazo de caducidade e, por isso, de natureza substantiva, cujo regime se encontra previsto nos arts 298.º, n.ºs 2 e 296.º CC.
XII. É entendimento pacífico na jurisprudência do próprio Tribunal da Propriedade Intelectual, bem como das instâncias superiores, incluindo do Tribunal da Relação de Lisboa e do STJ, que, ao prazo de interposição do recurso judicial dos despachos do INPI se aplicam as regras constantes do art. 279.º do CC, nomeadamente as constantes das als. e) e f).
XIII. Tendo o despacho de anulação recorrido sido publicado no Boletim da PI em 07.06.2023 – facto incontroverso dado que se encontra documentado no processo administrativo instrutor do INPI e admitido pela Recorrente, ora Apelada (vide art. 1.º das alegações de recurso) – o prazo de dois meses para a interposição do recurso judicial terminou em 07.08.2023.
XIV. Porém, por se tratar de dia de férias judiciais em que os tribunais se encontravam encerrados, aquele prazo transferiu-se para o primeiro dia útil imediatamente a seguir à reabertura dos tribunais, isto é, para dia 01.09.2023, o último dia do prazo de que a Apelada dispunha para interpor o recurso judicial junto do TPI.
XV. Porém apenas o veio a fazer no dia 14.09.2023, isto é, catorze dias depois de esgotado o prazo.
XVI. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo qualificou e tratou erradamente o prazo de caducidade previsto no art. 41.º CPI como um prazo de natureza meramente processual, que suspende em férias judiciais, o que não é manifestamente o caso.
XVII. Nesta conformidade, e em face do exposto, é absolutamente evidente que o recurso judicial interposto pela Apelada junto do TPI em 14.09.2023 é manifestamente intempestivo, extemporâneo e legalmente inadmissível, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que não admita o recurso apresentado no TPI contra o despacho do INPI de 31.05.2023 e publicado em 07.06.2023 por manifestamente extemporâneo, devendo, assim, ser mantido na íntegra o despacho recorrido do INPI que anulou o registo da marca nacional n.º 484254 M RACING, o que se requer com todas as consequências legais.
Sem prescindir,
XVIII. Ao nível substantivo, não merece censura a sentença recorrida na parte em que reconheceu a prioridade dos registos de marca M da Apelante, bem como a identidade e afinidade entre os produtos e osserviços assinalados pelas marcas em confronto.
XIX. Porém, conforme acima referido, na sentença recorrida o TPI assumiu uma posição diametralmente oposta ao INPI, e considerou erradamente que o registo da marca nacional n.º 484254 M RACING não seria semelhante nem confundível com as marcas prioritárias M da BMW, inexistindo risco de confusão para o consumidor.
XX. Na sentença recorrida, o TPI entendeu essencialmente que o facto de MRACING partilhar a letra comum M não seria suficiente para tornar a marca semelhante e confundível com as marcas M da Apelante, sendo necessário ponderar os restantes elementos fonéticos, gráficos e concetuais predominantes, nomeadamente a expressão RACING.
XXI. Não se concebem, porém, os argumentos do Tribunal a quo, pois como é evidente a expressão RACING é meramente descritiva dos produtos e serviços da Apelada sendo a letra M o seu elemento predominante, tal como sucede com as marcas M da BMW.
XXII. A Apelante é titular da marca UE n.º 00713458 M exclusivamente nominativa, que se encontra integralmente reproduzida em MRACING.
XXIII. Assim, contrariamente ao referido na sentença recorrida, não se trata aqui da mera partilha da letra M, mas sim da total reprodução da marca prioritária M da Apelante.
XXIV. A jurisprudência europeia tem vindo a afirmar extensivamente que quando uma marca é reproduzida por um pedido de registo de marca, existe um elevado risco de confusão e de associação, sobretudo quando os produtos assinalados são idênticos.
XXV. Aplicando a citada jurisprudência ao caso sub iudice, temos que a marca registanda MRACING por reproduzir integralmente a marca prioritária M da BMW, deve ser totalmente rejeitada.
XXVI. Acresce que, tal como a marca em crise MRACING, também as marcas M SERIES, M DRIVE, M ROADSTER, M COUPÉ, M MODELS e M CARS da Apelante são todas compostas por dois elementos verbais.
XXVII. É também absolutamente falso que MRACING partilhe apenas a letra comum M com as marcas da Apelante, pois a estrutura e a ordem dos elementos das marcas em confronto é exatamente igual [M + (expressão inglesa relacionada com os produtos e serviços assinalados)].
XXXVIII. Com efeito, em MRACING é a letra M que assume destaque gráfico, pois ocupa o primeiro lugar na composição da marca, sendo aquela que irá ser imediatamente lida e percebida pelos consumidores.
XXIX. Em MRACING é também a letra M que assume destaque fonético, pois é pronunciada de forma isolada como [éme], desassociando-se foneticamente da expressão RACING que se lê como uma só ao contrário de M.
XXX. O elemento verbal RACING, que significa “corrida” em português, é uma mera indicação genérica e descritiva dos automóveis, dos acessórios e das competições desportivas da Apelada, pelo que tem pouquíssima distintividade para assinalar tais produtos e serviços, tal como decorre dos arts. 208.º e 209.º, n.º 1, al. c), ambos do CPI, pelo que M assume evidente preponderância.
XXXI. é evidente que a letra M é o elemento predominante e distintivo da marca nacional n.º 484254 MRACING e não se entende como pode vir o Tribunal a quo defender que (i) o único elemento comum entre as marcas é a letra M e (ii) que a partilha do elemento predominante M não seria suficiente para gerar risco de confusão e associação no consumidor.
XXXII. Em MRACING, M é uma letra isolada que surge antes da expressão RACING, que não faz parte do significado desta e que se lê autonomamente como [éme].
XXXIII. Por sua vez, nas marcas M da Apelante, também M é o elemento claramente predominante e o denominador comum a todas as marcas da BMW invocadas: a Família das Marcas M.
XXXIV. M é o único elemento da marca da União Europeia n.º 7134158, M é o elemento que se destaca em primeiro lugar na composição de todas as marcas M supra invocadas, por exemplo, M2, M3, M4, M5, M6, M Power.
XXXV. Ora, é doutrinal e jurisprudencialmente incontroverso que a comparação das marcas deve centrar-se nos respetivos elementos predominantes, os quais são exatamente o mesmo M, e a sentença recorrida é absolutamente omissa quanto a esta questão fulcral.
XXXVI. O elemento distintivo e predominante da marca nacional n.º 484254 – M – reproduz totalmente a Marca da UE n.º 7134158 M e o elemento distintivo das demais marcas M da BMW invocadas na ação de anulação.
XXXVII. M é o elemento que o consumidor retém na memória das marcas da BMW e M é o elemento da marca nacional n.º 484254 que apela a atenção do consumidor como única indicação de proveniência comercial.
XXXVIII. Assim face à afinidade e à identidade entre os produtos e serviços assinalados pelas marcas M da BMW, aliada à reprodução do elemento distintivo e predominante M, dúvidas não restam de que os consumidores serão inevitavelmente induzidos em erro e, quando confrontados com os serviços assinalados com MRACING acreditarão que aqueles têm a mesma proveniência que os serviços assinalados com as marcas M da BMW ou que estes provêm de uma entidade com alguma relação com a BMW.
XXXIX. Por outro lado, é errado o raciocínio do Tribunal a quo relativamente ao facto de estarmos perante um público consumidor mais atento e, nessa medida, acima da média.
XL. O Tribunal a quo não indica qualquer fundamento para o seu raciocínio, porém é evidente que a grande maioria dos consumidores compra veículos automóveis e recorre aos respetivos serviços de assistência, reparação, limpeza, com uma frequência diária, pelo que o público relevante que é o consumidor médio.
XLI. Nesta conformidade e em face de tudo quanto se expôs, resulta demonstrada a verificação do último requisito do conceito de imitação de marca, constante da al. c) do art. 238.º do CPI, pelo que andou mal a sentença recorrida ao decidir como decidiu e a mesma não pode manter.
XLII. Importa, ainda, referir que o risco de confusão e associação resulta agravado pelo facto de a BMW ter uma verdadeira Família de Marcas M, relativamente à qual a sentença recorrida é totalmente omissa.
XLIII. Conforme se demonstrou, no caso em apreço é inquestionável que MRACING apresenta, por si só, características – em particular, o elemento dominante comum M e o mesmíssimo método de composição – que a ligam automaticamente à Família de Marcas M da BMW.
XLIV. Aliás, a estratégia comercial da Apelada em matéria de marcas não é inocente e vai muito além da marca nacional n.º 484254 M RACING, encontrando-se a mesma a agir no sentido de, à semelhança da BMW, criar uma Família de Marcas que imita a Família das Marcas M da BMW.
XLV. Com efeito, para além da marca nacional n.º 484254 M RACING, a Apelada tentou obter proteção para outros registos de marca “M” junto do INPI, nomeadamente a marca nacional n.º 626858 M CLASSIC, a Marca Nacional n.º 489392 M RACING e a marca nacional nº 663114 M TECHNOLOGY.
XLVI. A Família de Marcas que a Apelada tentou construir apresenta – tal como em MCLASSIC – um denominador comum, que é o facto de todas elas serem compostas pela letra M, à exata semelhança da Família de Marcas M daBMW, precisamente para assinalar produtos e serviços idênticos e afins aos assinalados pelas marcas M da BMW.
XLVII. Sucede que, em virtude das (re)ações proactivamente movidas pela BMW, a marca nacional n.º 663114MTECHNOLOGY foi recusada pelo INPI e, posteriormente, pelo TPI em 11.05.2023, a marca nacional n.º 489392 M RACING aguarda prolação de decisão na ação de caducidade intentada pela BMW em 29.10.2021, e a marca nacional n.º 626858 M CLASSIC foi anulada pelo INPI em 31.05.2023, estando pendente recurso de apelação tal como no caso sub iudice.
XLVIII. Em face do exposto, e por todos os motivos aduzidos, deve a sentença recorrida ser revogada e proferido Acórdão que confirme o despacho do INPI de 31.05.2023 que cancelou o registo da marca nacional n.º 484254 M RACING, nas classes 12 e 41, com todas as consequências legais.”
*
A recorrida “Vilkas Byme, Lda.” respondeu ao recurso, que terminou com a apresentação das seguintes conclusões:

“A Apelada é titular, desde 30.05.2011, de um registo de marca nacional n.° 484.254, para as Classes 12, 25, 35 e 41.
A marca da Apelada existe no mercado há mais de 10 anos.
A Apelada é também, desde 30.12.2011, titular da marca nacional n.° 489.392 “Mracing” para os serviços da Classe 35.

Em 18.08.2021, a Apelante apresentou junto do INPI um pedido de anulação do registo da marca nacional n.° 484.254 fundamento na imitação e risco de confusão com as suas várias marcas contendo a letra ”M”.
No articulado apresentado alega verificar-se o conceito de imitação entre os sinais e o risco de confusão por associação, não tendo contudo - com possibilidade para isso - apresentado efectivamente qualquer prova de que a Apelada tenha durante estes 10 anos beneficiado da semelhança ou prejudicado as suas marcas.
O despacho do INPI julgou procedente o pedido de anulação intentado pela BMW.
Considerou, erradamente, que se encontravam preenchidos cumulativamente todos os requisitos exigidos no art. 238° no CPI.
Inconformada com a decisão a Apelada interpôs o presente recurso judicial.
Acresce que o consumidor médio da categoria dos produtos em causa é um consumidor específico informado e atento.
Este publico consumidor não associará a marca da Apelada às marcas da Apelante, não só porque fonética, gráfica e visualmente não têm qualquer similitude, mas também porque a mera posição da letra M no início não constitui o único elemento preponderante.
Não se encontram preenchidos todos os requisitos exigidos no conceito de imitação estipulado pelo art. 238.° do CPI.
Em face do exposto, deve a sentença recorrida ser mantida e revogado o despacho do INPI que anulou parcialmente a marca nacional n.° 484.254

para as classes 12 e 41.
Em suma, é a douta Sentença merecedora de confirmação superior.”
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Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) Factos provados:
A primeira instância considerou como provados os seguintes factos:

“1. Em 30 de Maio de 2011, a Recorrente VILKAS BYME, LDA efetuou, junto do INPI, um pedido de registo de Marca Nacional nº 484.254

para assinalar:
a-“Automóveis; amortecedores de suspensão para veículos; assentos de veículos; assentos de veículos (cintos de segurança para -); automóveis (chassis para -); automóveis (carroçarias para -); chassis de veículos; eléctricos (veículos -); motores para veículos terrestres”, relativos à Classe 12;
b-“Automobilistas (vestuário para -); barretes (bonés); blusas; bonés; botas; calçado; calças; camisas; camisetas; casacos; combinação (roupa interior);parkas; t-shirts; uniformes”, relativos à Classe 25;
c-“Actualização de documentação publicitária; afixação de cartazes; agências de publicidade; aluguer de espaços publicitários; aluguer de material publicitário; anúncios publicitários (difusão de -); assessores (serviços de -) para a organização e a direcção de negócios; demonstração de produtos; difusão de material publicitário (folhetos, prospectos, impressos, amostras); documentos (reprodução de -); estudo de mercados; patrocínios (angariação de -); públicas (relações -); publicidade”, relativos à Classe 35;
d-“Competições desportivas (organização de -); livros (publicação de -); livros
(publicação de)”, relativos à Classe 41.
2. Este pedido de marca foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial Nº
109/2011, editado em 7 de Junho de 2011.
3. A formação da sigla de fantasia MRacing deveu-se ao facto do sócio fundador
da empresa da Recorrente titular da marca chamar-se M… R… e, por esse motivo, a expressão de fantasia ser a conjugação da letra M (de M…) + a letra R (de R…) que, como ligado aos carros/automóveis, formou a palavra do vocabulário inglês racing.
4. Decorrido o prazo legal para apresentação de Reclamações e, não tendo sido apresentada nenhuma, por despacho de 19 de Agosto de 2011, o INPI concedeu a Marca Nacional à Recorrente.
5. Em 3 de Outubro de 2011, a Recorrente efetuou, junto do INPI, um outro pedido de registo de Marca Nacional Nº 489.392 com a mesma expressão “MRacing” para “Afixação de cartazes; agências de publicidade; aluguer de espaços publicitários; aluguer de material publicitário; aluguer de tempo para publicidade nos meios de comunicação; serviços de assessores para a direção de negócios; demonstração de produtos; difusão de anúncios publicitários; reprodução de documentos; estudos de mercados; angariação de patrocinadores; publicidade” serviços compreendidos na Classe 35.
6. O qual foi publicado no BPI Nº 194/201 e não foi objeto de reclamação, tendo
sido concedido em registo em 30/12/2011.
7. Em 18.08.2021, a Recorrida BAYERISCHE MOTOREN WERKE AKTIENGESELLSCHAFT, apresentou junto do INPI um pedido de anulação parcial do registo da marca nacional n.º 484254 M RACING, nomeadamente para todos os produtos assinalados na classe 12 e serviços na classe 41.
8. Por despacho proferido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial de 31-05-2023, publicado no Boletim da Propriedade Industrial n.º 110/2023 em 07-06-2023, foi anulado parcialmente o registo da Marca Nacional n.º 484.254

para todos os produtos da Classe 12 e para os “serviços de organização de competições desportivas” da Classe 41.
9. A Recorrente interpôs o presente recurso em 14.09.2023.
10. BAYERISCHE MOTOREN WERKE AKTIENGESELLSCHAFT, tem o registo

a seu favor das seguintes marcas prioritárias:
a. Registo Internacional de Marca n.º 603895,
apresentado em 20.01.1993 reivindicando prioridade a 01.08.1992, para assinalar veículos; aparelhos de locomoção por terra, ar ou em água, na classe 12, e educação, formação e divertimentos; atividades desportivas e culturais, na classe 41;
b. Marca da União Europeia n.º 82859 M5, requerida em 01.04.1996 e registada em 12.08.1999, para assinalar, entre outros, automóveis e respetivas peças, na classe 12;
c. Marca da União Europeia n.º 82883 M3, requerida em 01.04.1996 e registada em 12.08.1999, para assinalar, entre outros, automóveis e respetivas peças na classe12;
d. Marca da União Europeia n.º 115600 M430, requerida em 01.04.1996 e registada em 16.06.1999, para assinalar Automóveis e suas peças (compreendidos na classe 12), na classe 12;
e. Marca da União Europeia n.º 115626 M320, requerida em 01.04.1996 e registada em 23.07.1999, para assinalar Automóveis e suas peças (compreendidos na classe 12), na classe 12;
f. Marca da União Europeia n.º 115659 M300, requerida em 01.04.1996 e registada em 16.06.1999, para assinalar Automóveis e suas peças (compreendidos na classe 12), na classe 12;
g. Marca da União Europeia n.º 115691 M290, requerida em 01.04.1996 e registada em 16.06.1999, para assinalar Automóveis e suas peças (compreendidos na classe 12), na classe 12;
h. Marca da União Europeia n.º 115725 M230, requerida em 01.04.1996 e registada em 16.06.1999, para assinalar Automóveis e suas peças (compreendidos na classe 12), na classe 12;
i. Marca da União Europeia n.º 115758 M56, requerida em 01.04.1996 e registada em 16.06.1999, para assinalar Automóveis e suas peças (compreendidos na classe 12), na classe 12;
j. Marca da União Europeia n.º 115774 M50, requerida em 01.04.1996 e registada em 16.06.1999, para assinalar Automóveis e suas peças (compreendidos na classe 12), na classe 12;
k. Marca da União Europeia n.º 115808 M43, requerida em 01.04.1996 e registada em16.06.1999, para assinalar Automóveis e suas peças (compreendidos na classe 12), na classe 12;
l. Marca da União Europeia n.º 116186 M40, requerida em 01.04.1996 e registada em 18.06.1999, para assinalar Automóveis e suas peças (compreendidos na classe 12), na classe 12;
m. Marca da União Europeia n.º 130724 M Series, requerida em
01.04.1996 e registada em 16.08.1999, para assinalar Automóveis e respectivas peças, na classe 12;
n. Marca da União Europeia n.º 377838 M500, requerida em 27.09.1996 e registada em 16.06.1999, para assinalar Veículos automóveis e suas peças compreendidos na classe 12, na classe 12;
o. Marca da União Europeia n.º 377911 M550, requerida em 27.09.1996 e registada em 21.07.1999, para assinalar Veículos automóveis e suas peças compreendidos na classe 12, na classe 12;
p. Marca da União Europeia n.º 377945 M400, requerida em 27.09.1996 e registada em 15.06.1999, para assinalar Veículos automóveis e suas peças compreendidos na classe 12, na classe 12;
q. Marca da União Europeia n.º 377986 M270, requerida em 27.09.1996 e registada em 08.06.1999, para assinalar Veículos automóveis e suas peças compreendidos na classe 12, na classe 12;
r. Marca da União Europeia n.º 377994 M240, requerida em 27.09.1996 e registada em 15.06.1999, para assinalar Veículos automóveis e suas peças compreendidos na classe 12, na classe 12;
s. Marca da União Europeia n.º 378034 M220, requerida em 27.09.1996 e registada em 21.06.1999, para assinalar Veículos automóveis e suas peças compreendidos na classe 12, na classe 12;
t. Marca da União Europeia n.º 378042 M55, requerida em 27.09.1996 e registada em 21.06.1999, para assinalar Veículos automóveis e suas peças compreendidos na classe 12, na classe 12;
u. Marca da União Europeia n.º 1771294 M250, requerida em 24.07.2000 e registada em 02.10.2001, para assinalar, entre outros, veículos automóveis e respetivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
v. Marca da União Europeia n.º 1771492 M6, requerida em 24.07.2000 e registada em 17.09.2001, para assinalar, entre outros, veículos automóveis e respetivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
w. Marca da União Europeia n.º 1771468 M2, requerida em 24.07.2000 e registada em 27.08.2001 para assinalar, entre outros, veículos automóveis e respetivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
x. Marca da União Europeia n.º 1771427 M7, requerida em 24.07.2000 e registada em 27.09.2001, para assinalar, entre outros, veículos automóveis e respetivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
y. Marca da União Europeia n.º 1771393 M1, requerida em 24.07.2000 e registada em 27.08.2001, para assinalar, entre outros, veículos automóveis e respetivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
z. Marca da União Europeia n.º 1771351 M8, requerida em 24.07.2000 e registada em 27.09.2001, para assinalar, entre outros, veículos automóveis e respetivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
aa. Marca da União Europeia n.º 1951532 M4, requerida em 13.11.2000 e registada em 11.02.2002, para assinalar, entre outros, veículos automóveis e respetivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
bb. Marca da UE n.º 3009040 M Track Mode, requerida em 15.01.2003 e registada em 08.04.2004, para assinalar, entre outros, Automóveis e peças para os mesmos, na classe 12;
cc. Marca da União Europeia n.º 4059671 M Drive, requerida em 04.10.2004 e registada em 24.07.2006, para assinalar, entre outros, Veículos automóveis e respectivos componentes, incluídos na classe 12, na classe 12;
dd. Marca da União Europeia n.º 4319844 , requerida em 02.03.2005 e registada em 22.05.2006, para assinalar, entre outros, Veículos e respectivas peças; motores para veículos terrestres; uniões e correias de transmissão para veículos terrestres; acessórios para automóveis, nomeadamente acoplamentos de reboque, dispositivos anti-roubo, suportes e elevadores para bicicletas, porta-bagagens, correias anti derrapantes, arcos de deslize, grampos antiderrapantes, encostos de cabeça, bombas de ar, guarda-lamas, cintos e almofadas de segurança, assentos de segurança para crianças, porta-esquis, palas de sol, vidros reflectores, persianas, suportes para pranchas de surf, deflectores, frisos, mala de acessórios; acessórios para motociclos, nomeadamente dispositivos anti-roubo, estojos para a reparação das câmaras-de-ar, porta-bagagens, bombas-de-ar, sacos de bagagem, arco para proteger o motor, bagageiras (sob a forma de sacos ou malas) para motas, revestimentos; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
ee. Marca da União Europeia n.º 4391686 M1, requerida em 18.04.2005 e registada em 02.05.2006, para assinalar, entre outros, Veículos automóveis e respectivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
ff. Marca da UE n.º 4406799 M7, requerida em 20.04.2005 e registada em 02.05.2006, para assinalar, entre outros, Veículos automóveis e respectivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou porágua, na classe 12;
gg. Marca da União Europeia n.º 4398129 M2, requerida em 20.04.2005 e registada em 24.05.2006, para assinalar, entre outros, Veículos automóveis e respectivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
hh. Marca da UE n.º 4398111 M8, requerida em 20.04.2005 e registada em 24.05.2006, para assinalar, entre outros, veículos automóveis e componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
ii. Marca da União Europeia n.º 4945333 M Roadster, requerida em 06.03.2006 e registada em 11.04.2007, para assinalar, entre outros, Veículos automóveis e respectivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
jj. Marca da União Europeia n.º 4945317 M The most powerful letter in the world, requerida em 06.03.2006 e registada em 11.04.2007, para assinalar, entre outros, veículos automóveis e respectivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
kk. Marca da União Europeia n.º 4945291 M Sport Package, requerida em 06.03.2006 e registada em 05.07.2007, para assinalar, veículos automóveis e respectivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água; pacotes de equipamento especial para veículos automóveis, incluídos na classe12, na classe 12;
ll. Marca da União Europeia n.º 4945283 M Coupé, requerida em
06.03.2006 e registada em 11.04.2007, para assinalar, entre outros, veículos automóveis e respectivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
mm. Marca da União Europeia n.º 4945275 M Models, requerida em 06.03.2006 e registada em 11.04.2007, para assinalar, entre outros, veículos automóveis e respectivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
nn. Marca da UE n.º 4945267 M Cars, requerida em 06.03.2006 e registada em 10.04.2007, para assinalar, veículos automóveis e respectivos componentes, incluídos na classe 12; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água, na classe 12;
oo. Marca da União Europeia (nominativa) n.º 007134158 M, requerida em 05.08.2008 e registada em 24.11.2009, para assinalar automóveis e peças para os mesmos; acessórios para veículos automóveis, incluídos na classe 12 na classe 12.”
Para além dos que acima ficaram descritos, o tribunal de primeira instância não considerou como provados quaisquer outros factos.
b) Enquadramento jurídico dos factos:
Como decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, as conclusões do recorrente delimitam o recurso apresentado, estando vedado ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso.
Deste modo, compete à parte que se mostra inconformada com a decisão judicial proferida indicar, nas conclusões do recurso que interpôs, que segmento ou que segmentos decisórios pretende ver reapreciado(s), delimitando o recurso quanto aos seus sujeitos e/ou quanto ao seu objecto.
A delimitação (objectiva e/ou subjectiva) do recurso condiciona a intervenção do tribunal hierarquicamente superior, que se deve cingir à apreciação e à decisão das matérias indicadas pela parte recorrente, com excepção de eventuais questões que se revelem de conhecimento oficioso.
Isto significa que está vedado ao tribunal de recurso proceder a uma reapreciação de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas e, por consequência, que os seus poderes de cognição se encontram delimitados pelo recurso interposto no âmbito de um processo da iniciativa das partes.
A iniciativa das partes condiciona a intervenção do tribunal de recurso e delimita os seus poderes de cognição, sem prejuízo do caso julgado já formado e de eventuais questões que possam ser apreciadas a título oficioso.
No caso vertente, a recorrente “Bayerische Motoren Werke Aktiengesellschaft” começa por sustentar a extemporaneidade do recurso interposto pela empresa “Vilkas Byme, Lda.” da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que anulou parcialmente o registo da marca nacional n.º 484254, para todos os produtos da classe 12 e para os “serviços de organização de competições desportivas” da classe 41.
Aliás, na resposta ao recurso interposto pela empresa “Vilkas Byme, Lda.” para o Tribunal de Propriedade Intelectual, a recorrente “Bayerische Motoren Werke Aktiengesellschaft” já tinha vindo alegar que tem natureza substantiva o prazo de dois meses previsto pelo art. 41.º do CPI e que, por isso, se encontra sujeito ao disposto nos arts. 296.º e 298.º do CC.
Todavia, não foi este o entendimento sufragado pelo tribunal a quo.
Invocando o regime jurídico resultante do art. 138.º n.º 1, do CPC, o Tribunal de Propriedade Intelectual entendeu que o referido prazo de dois meses se suspendeu durante o período das férias judiciais e, por isso, julgou improcedente a excepção peremptória da caducidade do direito.
Deixou-se consignado na decisão recorrida, com particular destaque, que “(…) como refere a Recorrida, o prazo de dois meses para a interposição do recurso judicial terminaria em 07.08.2023, mas uma vez que ocorre em férias judiciais, transfere-se para setembro o decurso do mesmo (…)”
Deste modo, a questão suscitada pela recorrente “Bayerische Motoren Werke Aktiengesellschaft” prende-se com a natureza jurídica do prazo de dois meses, previsto pelo art. 41.º do CPI, para a interposição de recurso judicial das decisões proferidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Este dispositivo do CPI estabelece que o “(…) recurso deve ser interposto no prazo de dois meses a contar da publicação no Boletim da Propriedade Industrial das decisões previstas no art. 38.º (…)”, ou seja, incluindo as decisões do Instituto Nacional da Propriedade Industrial relativas a “declarações de nulidade e anulações ou a quaisquer outros actos que afectem, modifiquem ou extingam direitos de propriedade industrial (…)”vide al. b) do art. 38.º do CPI.
Com relevo para a apreciação desta questão jurídica, importa recordar, conforme resultou demonstrado na sentença do tribunal de primeira instância (vide arts. 8.º e 9.º dos factos provados), que a mencionada decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial foi proferida no dia 31-05-2023, que foi publicada no boletim no dia 07-06-2023 e que a empresa “Vilkas Byme, Lda.” interpôs o presente recurso judicial no dia 14-09-2023.
De acordo com o disposto no art. 41.º do CPI, afigura-se incontornável que o prazo para interposição do presente recurso judicial se iniciou no dia 07-06-2023, data em que o despacho de anulação (parcial) do registo da marca nacional n.º 484254 foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial.
Maiores problemas se levantam sobre a data em que atingiu o seu termo.
Após o seu início, ocorrido no dia 07-06-2023, o mencionado prazo de dois meses atingiu as férias judiciais que decorreram entre 16-07 e 31-08-2023 (vide art. 28.º da Lei n.º 62/2013, de 26-08), pelo que importa apurar se ficou suspenso durante esse período de tempo, conforme entendimento do tribunal recorrido.
A resposta a essa questão encontra-se dependente do apuramento da natureza jurídica do prazo de dois meses previsto pelo art. 41.º do CPI, na medida em que as regras referentes à continuidade dos prazos consignadas pelo art. 138.º do CPC só se aplicam aos denominados prazos judiciais.
Os prazos judiciais destinam-se a determinar o período de tempo «para se produzir um determinado efeito processual», ou seja, a «regular a distância entre os actos do processo», e, dada essa função específica, pressupõem, necessariamente, a prévia propositura de uma acção, a existência de um processo (…)”.
Por seu turno, “(…) os prazos substantivos respeitam ao período de tempo exigido para exercício de direitos materiais e são-lhes «aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição» (art. 298.º, n.º 2, do CC), tendo o seu decurso, em princípio, sem prejuízo das regras respeitantes à necessidade da sua indicação em juízo, a consequência de extinção do respectivo direito (…)” – vide, neste sentido, Assento n.º 8/94, de 03-05.
Tem natureza substantiva o prazo de dois meses previsto pelo art. 41.º do CPI para os interessados interporem recurso judicial das decisões proferidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial mencionadas nesse preceito.
Trata-se de um prazo relativo ao exercício de um direito (direito de impugnação judicial das decisões proferidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial), referente a uma fase anterior à pendência e à própria interposição da acção judicial que visa a revogação ou a modificação da decisão da autoridade administrativa.
Resulta do art. 298.º, n.º 2, do CC, que “(…) quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição (…)”.
Como a “lei” nada prevê ou estabelece a respeito da prescrição, o prazo estabelecido pelo art. 41.º do CPI deve observar as regras da caducidade previstas pelo CC, por estar em causa um direito (direito de interposição de recurso judicial por parte dos interessados) que deve “ser exercido dentro de certo prazo”.
Aqui chegados:
As regras relativas à contagem dos prazos judiciais, muito em particular aquela que determina a sua suspensão durante as férias judiciais (art. 138.º, n.º 1, do CPC), não são aplicáveis ao prazo previsto pelo art. 41.º do CPI, que tem natureza substantiva e que está sujeito às regras de caducidade do CC, por dizer respeito ao exercício de um direito prévio à interposição de uma acção judicial.
Acresce referir que nem o n.º 4 do art. 138.º do CPC tem aplicação ao presente caso concreto, na medida em que as regras relativas à contagem desses prazos dizem respeito a “acções previstas” no CPC, que são distintas do recurso judicial destinado à impugnação das decisões do Instituto Nacional da Propriedade Industrial previsto pelo aludido art. 41.º do CPI.
De acordo com o disposto no art. 328.º do CC, “o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine”.
Neste sentido, esta secção do Tribunal da Relação de Lisboa tem vindo a entender, ao que se julga, de modo pacífico, que o prazo de dois meses estabelecido pelo art. 41.º do CPI tem natureza substantiva e que se encontra sujeito às regras de caducidade que se encontram previstas no CC (vide, acórdãos de 07-04-2022 e de 12-04-2023, proferidos, respectivamente, no âmbito dos Procs. n.ºs 265/21.4YHLSB.L1 e 203/21.4YHLSB.L2).
Deixou-se consignado no primeiro destes arestos que “(…) o prazo previsto no art. 41.º do CPI é um prazo de caducidade, que se refere ao direito de propor em juízo a acção (impugnação judicial) aí prevista – cf. arts. 298.º e 332.º do CC (…)” e que à “(…) sua contagem aplicam-se as regras previstas no art. 279.º do CC, por força do art. 296.º, do mesmo código (…)”.
Em idêntico sentido, escreveu-se no acórdão de 12-04-2023, proferido no âmbito do Proc. n.º 203/21.4YHLSB.L2, que “(…) o prazo de interposição de recurso judicial de decisão de concessão de direitos de propriedade industrial (previsto nos arts. 38.º e 41.º do CPI) é um prazo substantivo de caducidade e é de conhecimento oficioso (art. 333.º, n.º 1, do CC) (…)”.
Em face do que se deixa exposto, concorda-se com a recorrente “Bayerische Motoren Werke Aktiengesellschaft” quando afirma que “(…) o Tribunal a quo qualificou e tratou erradamente o prazo de caducidade previsto no art. 41.º CPI como um prazo de natureza meramente processual, que suspende em férias judiciais, o que não é manifestamente o caso (…)”
Deste modo, estando em causa um prazo substantivo, submetido às regras da caducidade, por força do disposto no n.º 2 do art. 498.º do CC, afigura-se que assiste razão à recorrente “Bayerische Motoren Werke Aktiengesellschaft” quando afirma que o presente recurso judicial foi apresentado fora de prazo pela empresa “Vilkas Byme, Lda.”.
Não tendo natureza judicial (e, por isso, não estando sujeito à suspensão durante o período das férias judiciais, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 138.º do CPC), o prazo previsto pelo art. 41.º do CPI terminou, in casu, no dia 07-08-2023, ou seja, dois meses após a publicação da decisão de anulação em causa no Boletim da Propriedade Industrial.
Conforme deixa assinalado a empresa “Bayerische Motoren Werke Aktiengesellschaft”, o recurso judicial poderia ter sido ainda apresentado até ao dia 01-09-2023, data da reabertura dos tribunais e primeiro dia útil subsequente, em conformidade com o art. 279.º, al. e), do CC, em virtude de o prazo em causa ter terminado durante as férias judiciais de Verão de 2023.
A empresa “Vilkas Byme, Lda.” veio a interpor o presente recurso judicial no dia 14-09-2023, ou seja, quando já se mostrava ultrapassado o prazo previsto pelo art. 41.º do CPI e, por consequência, extinto, por caducidade, o direito que pretendia exercer (direito de impugnação judicial da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que anulou o registo da marca nacional n.º 484254, para todos os produtos da classe 12 e para os “serviços de organização de competições desportivas” da classe 41).
Em face do exposto, o recurso interposto pela empresa recorrente “Bayerische Motoren Werke Aktiengesellschaft” deverá ser julgado procedente e, em consequência, deverá ser revogada a sentença recorrida e confirmada a decisão proferida no dia 31-05-2023 pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que anulou parcialmente o registo da marca nacional n.º 484254, para todos os produtos da classe 12 e para os “serviços de organização de competições desportivas” da classe 41.

III – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso interposto pela empresa “Bayerische Motoren Werke Aktiengesellschaft” e, em consequência, revogar a sentença proferida pelo Tribunal de Propriedade Intelectual – Juiz 2 e, por conseguinte, confirmar a decisão proferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que anulou parcialmente o registo da marca nacional n.º 484254, para todos os produtos da classe 12 e para os “serviços de organização de competições desportivas” da classe 41.
Custas a cargo da recorrida “Vilkas Byme, Lda.”.

Lisboa, 26 de Março de 2025
Paulo Registo
Armando Cordeiro
Carlos M.G. de Melo Marinho