MARCA
IMITAÇÃO
RISCO DE CONFUSÃO
Sumário

I. Na avaliação da existência de imitação como fundamento para a recusa do registo de uma marca (art. 232.º, n.º1, al. b) do CPI), a prioridade a considerar é a do registo da marca(s) considerada(s) obstativa(s) em relação à marca registanda.
II. Na identificação do elemento predominantemente distintivo de uma marca, são negligenciáveis um elemento figurativo que não apresente contornos particularmente inovadores ou impressivos, de forma a perdurar na memória de um consumidor médio, bem como elementos nominativos secundários na composição do sinal, que constituam referências às qualidades atribuídas aos produtos ou serviços assinalados.

Texto Integral

Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
A DAVINES S.P.A. recorreu para o Tribunal da Propriedade Intelectual do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo da marca nacional nº 682266 , requerido por MAXMIX - Produtos de Beleza Lda.
Foi proferida sentença que, julgando o recurso procedente, revogou o despacho do INPI que concedeu o registo da referida marca.
Inconformada com a sentença, dela apelou a MAXMIX - Produtos de Beleza Lda, formulando as seguintes conclusões:
1. Com o presente recurso pretende-se demonstrar que o Tribunal a quo cometeu um erro de Direito na sua Sentença, ao dar provimento ao Recurso e recusar a marca nacional n.º 682266 .
2. Nos termos do artigo 232.º, n.º 1, b) do CPI, constitui fundamento de recusa do registo de marca, inter alia, “a reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada (…)”.
3. Adicionalmente, determina o artigo 238.º, n.º 1 do CPI que uma marca se considera imitada quando, cumulativamente (i) a marca registada tiver prioridade; (ii) sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; e (iii) tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
4. A Recorrente considera que a sentença proferida não aplicou corretamente a norma fixada no 232º, n.º 1, b) do CPI.
5. Em termos concretos, o Tribunal a quo procede a uma aplicação errada da norma referida, em particular, em dois pontos: (i) no que diz respeito à prioridade das marcas da ora Recorrida; e (ii) no âmbito da comparação entre os sinais e restantes fatores para aferição do risco de confusão, ignorando os critérios normativos aceites nesta matéria.
6. Desde logo, no âmbito da apreciação do requisito da prioridade, o Tribunal a quo ignora a existência de outras marcas “DAVENE” da titularidade da Recorrente, em particular, a marca nacional n.º 509282, composta pelo seguinte elemento misto:
7. Esta marca tem data de prioridade que remonta a 29 de janeiro de 2013, sendo muito anterior à grande parte das marcas citadas como pertencendo à ora Recorrida, nomeadamente, aos registos nº 018494293 DAVINES e nº 018026811
8. A relevância desta marca, devidamente registada a nível nacional, é por demais evidente para o juízo de comparação a realizar no presente processo, pois os elementos nominativos e misto que compõem esta marca de 2013 já se encontra devidamente protegido e é da titularidade da ora Recorrente.
9. Neste contexto, a alegada prioridade referida pelo Tribunal a quo não constitui mais do que um exercício formal e que ignora, erradamente, os direitos de marca que já são da titularidade da ora Recorrente.
10. Nestes termos, uma vez que o tribunal a quo não incluiu na sua fundamentação de facto estas marcas, e tendo esta circunstância importância para a decisão da causa, devem ser dados como provados os seguintes factos:
“A Recorrente é atualmente titular das seguintes marcas vigentes no ordenamento jurídico português:
- marca nacional n.º 673174 – concedido em 17.12.2021;
- marca nacional n.º 673175 – concedido em 17.12.2021;
- marca nacional n.º 509282 – concedido em 10.04.2013.”
11. Adicionalmente, o Tribunal a quo comete dois erros de facto, que têm importância na análise do risco de confusão: por um lado, assume uma valorização substancial do elemento nominativo da marca da ora Recorrente, sem qualquer justificação normativa; e, por outro, fá-lo valorizando apenas o termo “DAVENE” (estilizado), esquecendo a outra parte nominativa, bem como o elemento exclusivamente figurativo, que não existe nos alegados sinais anteriores.
12. Em outras palavras, o Tribunal a quo simplesmente procede a um exercício “à la carte”, escolhendo os elementos que convêm à comparação, contrariando que análise sobre o risco de confusão deriva de uma apreciação global e não por via da escolha de elementos que se aproximam no caso concreto.
13. Pois, ao contrário do que defende o Tribunal a quo o juízo de comparação não é entre estes sinais:
DAVENE | DAVINES
Mas sim, entre estes:
versus
14. São estes os sinais que os consumidores se irão confrontar no mercado e são estes que devem levados em consideração no âmbito do juízo de comparação, caso contrário, estar-se-á a falsear aquilo que consta do Registo. Ora, apreciados em termos globais, não ressaltam fortes semelhanças entre os sinais, pelo que o consumidor não os irá confundir.
15. Desde logo, em termos conceptuais, os sinais em confronto não apresentam qualquer grau de semelhança, uma vez que o conteúdo semântico dos sinais ou o que estes invocam nada têm que ver; aliás, é o próprio Recorrido que nos indica esta mesma asserção, ao referir que o termo “DAVINES” foi criado pela aglutinação do prenome de seu fundador, AA…, com a partícula NES oriunda do nome de sua irmã, integrando a denominação da empresa italiana; por outro lado, o termo “Davene” tem origem hebraica, estando relacionado a um nome próprio feminino ou à natureza.
16. Adicionalmente, quando os sinais não são idênticos, os sinais devem ser comparados não apenas pelo caráter alegadamente dominante, mas também pelos elementos distintos.
17. A composição da marca da Recorrente possui uma identidade própria, autonomizando-a das marcas da ora Recorrida, uma vez que contém elementos nominativos e figurativos que provocam o seu distanciamento e individualização em relação às marcas anteriores.
18. Além de ser distintivo, o termo “CLÁSSICOS DA NATUREZA” não encontra correspondência nos sinais da Recorrida e, desde já, contribui para aumentar a dissemelhança gráfica e fonética em comparação aos sinais da Recorrida.
19. O Tribunal a quo omite a referência ao público em questão, fazendo uma suposição sobre a confusão sem considerar o perfil do consumidor relevante para o caso.
20. O público-alvo da classe 3, referente ao setor de cosméticos e higiene pessoal, apresenta um nível de atenção mais elevado em comparação com outros setores, sendo geralmente mais informado e atento às características dos produtos que adquire.
21. Quanto ao termo “Davene”, que é apenas uma parte do sinal em confronto, apesar de terem em comum algumas letras, além de não existir qualquer semelhança conceptual, as letras em comum são estilizadas de formas completamente distinta na comparação dos sinais e estão colocadas em diferente posição, além de que o sinal registando contém componentes verbais e figurativos adicionais.
22. A análise do conjunto determina uma maior dissemelhança: além dos elementos nominativos distintivos, a marca registanda também é composta por elementos figurativos distintivos, quais sejam: a) a imagem com cinco pétalas preenchidas em cor cinza como elemento proeminente; b) o termo “Davene” na terceira linha, com estilização de letra diferenciada (e totalmente distinta da estilização da marca em confronto), letra inicial “D” em maiúscula e demais letras minúsculas; c) os termos “Clássicos da Natureza” em terceira linha, em letra minúscula, também em cor cinza.
23. Comparando-se os sinais da Recorrida do ponto de vista figurativo, os sinais e apresentam alto grau estilização completamente diferente do sinal registando, com destaque para a letra inicial minúscula “d”, em forma de gota, que o separa do restante do sinal “avines”, e não apresentam qualquer outro elemento figurativo relevante.
24. Assim, conclui-se que os conjuntos das marcas em confronto não apresentam, de todo, semelhanças suficientes que possam induzir facilmente o consumidor em confusão ou associação entre os sinais.
25. Curiosamente, deve ser ainda relevado a posição incoerente da ora Recorrida.
26. Curiosamente, também a Recorrida em processo pendente no ordenamento jurídico brasileiro defende, categoricamente, que as marcas se valem pelo conjunto, sendo, citando a Recorrida, “totalmente distintas e inconfundíveis”.
27. A incoerência da posição da Recorrida é ainda mais evidente em outro aspeto: o facto de não se importar com as restantes marcas nacionais da Recorrente, que contêm também o termo “DAVENE”, que continuam registadas e a coexistir pacificamente com as marcas desta.
28. Ora, uma vez que a Recorrida concorda com a não confusão entre as marcas, tolerando, inclusive, a sua presença no registo e no mercado, a atitude ora da mesma só pode significar que a pretensão é afastar um concorrente do mercado, finalidade a que é alheia o sistema de propriedade industrial.
29. Como se não bastasse, conforme tem sido afirmado pela jurisprudência europeia, a coexistência de marcas em confronto num mercado determinado pode contribuir para a apreciação do risco de confusão entre essas marcas, em particular, até para a eventual diminuição do risco de confusão no espírito do público relevante.
30. Conforme foi demonstrado, a ora Recorrente é titular vários registos concedidos em Portugal, que assinalam produtos afins da marca da Recorrida e que contêm o termo controvertido.
31. Através da demonstração da coexistência das marcas referidas supra, infere-se, logicamente, que o risco de confusão fica diminuído, tendo sido totalmente acertada a decisão do INPI.
32. Não estamos perante marcas “novas”, que recentemente entraram no mercado, mas sim marcas que convivem há muito tempo, tanto em Portugal como em outros mercados.
33. Não contando com Portugal e Brasil, as marcas coexistem nas seguintes jurisdições: Arábia Saudita, Panamá, Argentina, Bahrain, Bolívia, Emirados Árabes Unidos, Japão, Moçambique, OAPI, Paraguai e Uruguai.
34. Achando-se, inclusive, decisões que de tribunais estrangeiros que, à semelhança, afastam qualquer risco de confusão entre as marcas.
35. Nestes termos, resulta do acima exposto o seguinte: (i) que inexiste qualquer semelhança conceptual; (ii) que os elementos verbais das marcas são lidos de modo diferente e em diferente número de sílabas; (iii) que a marca da Recorrente apresenta elementos figurativos distintivos ao conjunto; e que (iv) as marcas coexistem pacificamente, demonstrando-se, in loco, a inexistência de qualquer risco de confusão.
36. Todas estas diferenças formam uma impressão global do sinal da Recorrente que, de modo nenhum, pode representar um risco de confusão ou de associação aos olhos do consumidor relevante.
37. Nestes termos e nos melhores de Direito que V/ Exas. doutamente suprirão, atento o supra exposto, deverá a presente sentença ser revogada e substituída por outra que mantenha o despacho do INPI que concedeu o registo da marca portuguesa n.º 682266 .

A DAVINES S.P.A. apresentou contra-alegações, nas quais concluiu:
I. A questão da semelhança e da confundibilidade das marcas DAVINES e DAVENE não é nova, tendo vindo a ser apreciada e decidida pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) e, bem assim, pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), no sentido de que tais marcas são confundíveis. Tais decisões encontram-se transitadas em julgado.
II. Naquelas decisões, esse Douto Tribunal ad quem e o EUIPO concluíram as marcas DAVINES e DAVENE são semelhantes e dão origem a risco de confusão para os consumidores, tendo consequentemente sido recusado o registo de marcas DAVENE à Apelante.
III. O presente recurso é, pois, somente mais uma das inúmeras tentativas da Apelante, que, de má-fé, insiste em tentar obter proteção registal para uma marca que, bem sabe, não lhe pode ser concedida pois viola os direitos da Apelada.
IV. Tal como o são, aliás, as múltiplas tentativas de “refilings” de marcas compostas por DAVENE, que têm vindo a ser sucessivamente apresentadas pela Apelante junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), na esperança de que, um dia, o próprio instituto ou os tribunais nacionais lhe concedam uma marca que inclua DAVENE.
V. Fazemos referência aos múltiplos “refilings” de marcas compostas por DAVENE, que têm vindo a ser apresentados pela Apelante junto do INPI, através dos seguintes sucessivos pedidos de registo, designadamente, as marcas nacionais n.ºs 682265 PURITÀ DAVENE (fig.), n.º 682266 DAVENE CLÁSSICOS DA NATUREZA (fig.), n.º 706669 DAVENE (fig.), n.º 722723 DAVENE (fig.), n.º 729936 LEITE DE AVEIA DAVENE (fig.), n.º 729937 DAVENE LEITE DE AVEIA, n.º 730226 DAVENE, n.º 737128 PRODUTOS DAVENE COSMÉTICOS, n.º 737145 PRODUTOS DAVENE NATURAL COSMÉTICOS e n.º 737150 ESSENCIAL E NATURAL DAVENE COSMÉTICOS.
VI. A Apelante atua com manifesta má-fé, quer ao nível substantivo, quer ao nível processual, nos termos do disposto nos artigos 231.º, n.º 6 do CPI e 542.º do Código de Processo Civil.
VII. Em 08.03.2022, a Apelante apresentou o pedido de registo de marca nacional n.º 682266 DAVENE CLÁSSICOS DA NATUREZA (fig.) junto do INPI, na classe 3 da Classificação Internacional de Nice.
VIII. Em 17.06.2022, a Apelada deduziu reclamação com fundamento em imitação e risco de confusão dos seus registos prioritários das marcas DAVINES, designadamente a Marca da União Europeia n.º 018494293 DAVINES, a Marca da União Europeia n.º 011375086 DAVINES (fig.) e a Marca da União Europeia n.º 018026811 DAVINES (fig.), todas para assinalar produtos na classe 3 da Classificação Internacional de Nice.
IX. Em 20.12.2022, o INPI proferiu despacho concedendo o registo da marca em crise. Em 27.02.2023, a Apelada interpôs recurso para o Tribunal da Propriedade Industrial (TPI), que por sentença datada de 31.10.2024, o TPI julgou o recurso procedente, revogou o despacho recorrido e recusou o pedido de registo da marca nacional n.º 682266 DAVENE CLÁSSICOS DA NATUREZA (fig.) à Apelante.
X. A Apelante veio agora interpor o presente Recurso de Apelação, todavia sem razão, pois a sentença recorrida efetuou uma exemplar análise do caso e uma correta aplicação do conceito legal de imitação de marca, previsto no artigo 238.º do CPI.
XI. Esse Digmo. Tribunal já se havia pronunciado sobre este tema num caso praticamente igual, tendo recusado à Apelante o pedido de registo da marca nacional n.º 682265 “PURITÀ DAVENE” (fig.), na classe 3 da Classificação de Nice: recurso judicial n.º 62/23.2YHLSB.L110, cujo Acórdão foi proferido por esse Douto Tribunal em 04.03.2024 – cf. Acórdão publicado no Boletim da Propriedade Industrial de 24.05.2024.
XII. Naquele Acórdão, que já transitou em julgado, esse Douto Tribunal entendeu que se verifica identidade ou afinidade de produtos que estas marcas visam assinalar e concluiu que se verifica risco de confusão entre as mesmas, tendo em conta a proximidade entre os elementos DAVENE e DAVINES, dominantes em termos de distintividade.
XIII. A sentença ora em crise está em plena conformidade e consonância com o Acórdão citado, pelo que andou bem ao recusar o registo da marca DAVENE à Apelante, estando em alinhada com a anterior decisão desse Douto Tribunal.
XIV. Ao nível europeu, a questão sub iudice também não é nova pois, tal como o TPI e esse Douto Tribunal, o EUIPO também recusou à Apelada o pedido de registo da Marca da União Europeia n.º 014608723 DAVENE (fig.) precisamente por perfilhar o entendimento que DAVENE é confundível com a Marca da União Europeia n.º 11375086 DAVINES (fig.) da Apelada: decisão datada de 28.08.2019, proferida no âmbito do processo de Oposição n.º B2633975 – cf. Documento n.º 1 junto com o recurso da Apelada no Tribunal da Propriedade Intelectual.
XV. Essa decisão não foi objeto de recurso, tratando-se de uma decisão final com relevo para toda a UE na medida em que, neste território, já se encontra assente que à Apelante não deverá ser concedido um registo unitário de marca DAVENE para toda a UE, por se considerar que essa marca se confunde com as marcas prioritárias da Apelada.
XVI. Atendendo ao manifesto paralelismo que se estabelece entre os casos, torna-se, pois, absolutamente evidente que a sentença recorrida não merece qualquer censura, e andou bem ao decidir como decidiu, e ao recusar o registo da marca DAVENE à Apelante, estando também em conformidade com a anterior decisão do EUIPO.
XVII. Relativamente ao conceito legal de imitação de marca, embora a Apelante não se insurja contra a sentença recorrida na parte em que julgou verificada a existência de identidade entre os produtos assinalados pelas marcas sub iudice, na classe 3 da Classificação de Nice, sempre se dirá, com brevidade, que os produtos assinalados na mesmíssima classe 3 pelas marcas em conflito são idênticos e manifestamente afins, encontrando-se verificado o requisito constante do artigo 238.º, n.º 1, b) do CPI.
XVIII. Quanto ao requisito da prioridade, vem alegar Apelante que as marcas DAVINES da Apelada não beneficiariam de prioridade face à marca DAVENE em crise.
XIX. As alegações da Apelante são absurdas e não podem, evidentemente, proceder.
XX. O caso sub iudice opõe as marcas prioritários das marcas DAVINES da Reclamante, designadamente a Marca da União Europeia n.º 018494293 DAVINES, a Marca da União Europeia n.º 011375086 DAVINES (fig.) e a Marca da União Europeia n.º 018026811 DAVINES (fig.), à marca registanda, a marca nacional n.º 682266 DAVENE CLÁSSICOS DA NATUREZA (fig.).
XXI. Estas são as marcas sub iudice, aquelas que estão em discussão in casu, e que constam na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
XXII. Estas marcas beneficiam das seguintes prioridades: Marca da União Europeia n.º 011375086 – 26.11.2012; Marca da União Europeia n.º 018026811 – 22.02.2019; Marca da União Europeia n.º 018494293 – 15.06.2021; e pedido de registo da marca nacional n.º 682266 (marca em crise) – 08.03.2022.
XXIII. É, pois, absolutamente evidente e irrefutável que as marcas DAVINES da Apelada são, todas elas, prioritárias face à marca em crise.
XXIV. Perante a impossibilidade de refutar o irrefutável, a Apelante tenta vir invocar outros argumentos, nomeadamente a alegada titularidade de outros registos de marca alheios ao caso, numa clara tentativa de gerar confusão nesse Douto Tribunal.
XXV. A Apelante refere-se aos registos das marcas nacionais n.º 509282 DAVENE (fig.), n.º 673174 LA FLORE DAVENE (fig.) e n.º 673175 LA FRUTA DAVENE (fig.), registos esses que, no seu entendimento, não poderiam ter sido ignorados pelo Tribunal a quo.
XXVI. Ora, os referidos registos de marca não foram incluídos na matéria de facto dada como provada na sentença recorrida e verifica-se que o recurso não tem por objeto a impugnação da matéria de facto, ónus que corria a cargo da Apelante, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
XXVII. Em qualquer caso, é falso que as marcas invocadas pela Apelante beneficiem de prioridade face às marcas da Apelada, pois a marca mais antiga é a Marca da União Europeia n.º 011375086 DAVINES (fig.) da titularidade da Apelada, que beneficia de prioridade de 26.11.2012.
XXVIII. As marcas nacionais n.ºs 509282 DAVENE (fig.), 673174 LA FLORE DAVENE (fig.) e 673175 LA FRUTA DAVENE (fig.) não têm nada que ver com o caso sub iudice nem estão aqui em discussão e todas elas são posteriores à Marca da União Europeia n.º 011375086 DAVINES (fig.) da Apelada.
XXIX. E é falso que a marca nacional n.º 509282 DAVENE (fig.), se encontre atualmente “devidamente registada” pois por despacho de 06.04.2023, o INPI concedeu provimento à ação apresentada pela Apelada, e declarou a caducidade da marca nacional n.º 509282 DAVENE (fig.) por não uso.
XXX. A sentença recorrida não padece de nenhum erro de análise relativamente ao requisito da prioridade das marcas da Apelada, constante do artigo 238.º, n.º 1, alínea a) do CPI, e deve, consequentemente, ser mantida íntegra pelo Tribunal ad quem.
XXXI. Invoca, ainda, a Apelante, que o Tribunal a quo não realizou uma comparação global do conjunto, tendo antes reconhecido predominância à expressão DAVENE, ignorado a expressão CLÁSSICOS DA NATUREZA e esquecido os demais elementos figurativos da marca em crise.
XXXII. Também aqui não assiste razão à Apelante, pois os elementos dominantes e distintivos das marcas em comparação, aqueles que ficarão retidos na memória dos consumidores, e aqueles pelos quais as marcas em confronto serão referenciadas são DAVENE e DAVINES.
XXXIII. A expressão CLÁSSICOS DA NATUREZA constitui uma mera adjetivação da qualidade dos produtos que a marca em crise visa assinalar na classe 3, pelo que será necessariamente percebida pelos consumidores portugueses como um termo descritivo ou, no mínimo altamente sugestivo dos produtos assinalados pela marca da Recorrida, carecendo por isso de capacidade distintiva – cf. artigo 209.º, n.º 1, alínea c) do CPI.
XXXIV. Acresce que, CLÁSSICOS DA NATUREZA apresenta-se com um tamanho de letra diminuto, quase ilegível, assim confirmando o destaque e a predominância de DAVENE, tal como sublinhado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
XXXV. Quanto aos elementos figurativos, os mesmos confirmam precisamente que DAVENE é o elemento dominante e distintivo da marca em crise, pois DAVENE encontra-se destacada em posição central e num tamanho de letra inegavelmente superior, e será imediatamente percebida e retida na memória dos consumidores.
XXXVI. Em face da evidente predominância de DAVENE – elemento transversal e comum de todos os seus pedidos de registo de marca- é óbvio que os consumidores irão percecionar a marca como DAVENE e é precisamente isso que a Apelante pretende.
XXXVII. DAVINES e DAVENE são graficamente muitíssimo semelhantes, pois ambas partilham da mesma estrutura comum, e 5 (cinco) das mesmas 7 (sete) letras, exatamente com a mesma ordem sequencial.
XXXVIII. DAVINES remete para o plural de DAVENE, sendo foneticamente muito semelhantes, pois ambas são compostas por três sílabas, iniciadas pelas mesmas consoantes D, V, N, em que as letras “E” e “I” assumem um som muitas vezes exatamente igual na oralidade.
XXXIX. Concetualmente, DAVENE e DAVINES são expressões de fantasia sem correspondência no dicionário da língua portuguesa e, por isso, dotadas de elevadíssima distintividade.
XL. Neste contexto, quanto confrontando com as marcas DAVINES e DAVENE lado a lado na prateleira de supermercado, nenhum consumidor se prestará a exercícios especulativos sobre a potencial origem etimológica destas marcas: o que os consumidores terão em conta é o elemento fonético e o elemento gráfico dessas marcas, e esses são sem dúvida muitíssimos semelhantes.
XLI. A coexistência de marcas tão semelhantes como DAVENE e DAVINES para assinalar exatamente os mesmíssimos produtos daria, com toda a certeza, origem a situações de erro, gerando um inevitável risco de confusão e de associação.
XLII. Tem, ainda, aplicação in casu o princípio da interdependência entre os fatores, que determina que atendendo à total identidade entre os produtos assinalados, seria exigida uma maior dissemelhança entre os sinais para que se pudesse concluir pela inexistência de violação do direito à marca.
XLIII. Face ao exposto, não restam dúvidas sobre a existência de fortíssimas semelhanças entre as marcas sub iudice, resultantes dos elementos dominantes e distintivos DAVENE e DAVINES que conduzirão a um potencial risco de confusão, devendo concluir-se pela verificação do terceiro requisito do conceito de imitação, constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 238.º do CPI.
XLIV. Aliás, tanto assim é que, como se referiu acima, idêntica conclusão tinha já sido alcançada por esse Douto Tribunal no Acórdão citado (recorde-se, Acórdão do TRL de 04.03.2024, Processo n.º 62/23.2YHLSB.L1), pelo que nenhuma censura merece a sentença recorrida.
XLV. Por outro lado, a Apelante vem, ainda, alegar que a tese defendida pela Apelada no caso sub iudice seria incoerente com a tese por si defendida no âmbito de um processo judicial no Brasil, e faz referência a um Documento n.º 1, junto com as suas contra-alegações de recurso no Tribunal a quo.
XLVI. Não obstante, na matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo não consta um único facto provado relativo ao suposto caso no Brasil e o recurso não tem por objeto a impugnação desta matéria de facto, ónus que, caso o fizesse fazer, corria a cargo da Apelante, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
XLVII. Por outro lado, embora a Apelante invoque o silêncio do Tribunal a quo sobre esta questão, também não foi em sede de recurso invocada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
XLVIII. Por conseguinte, inexistindo matéria de facto provada a este respeito, são legalmente inadmissíveis as alegações da Apelante.
XLIX. O facto de a Apelante vir alicerçar o seu recurso nas alegações das partes feitas num qualquer processo brasileiro demonstra claramente a forma como tenta desviar a atenção desse douto Tribunal ad quem e falta de argumentos válidos que pudesse invocar.
L. É certo que não se pode transpor para Portugal o teor de processos brasileiros na medida em que se trata duma jurisdição com legislação e jurisprudência muito diferente das portuguesas em matéria de propriedade industrial.
LI. No entanto, o mesmo já não sucede na União Europeia, no âmbito da qual a legislação em matéria de propriedade industrial se encontra harmonizada: e na União Europeia, e em particular em Portugal, já tem vindo a ser decidido que as marcas DAVENE e DAVINES são confundíveis.
LII. Fazemos novamente referência ao Acórdão desse Douto Tribunal ad quem e ao despacho do EUIPO suprarreferido, que recusaram os pedidos de registo das marcas DAVENE à Apelante precisamente por serem confundíveis com as marcas prioritárias DAVINES da Apelada.
LIII. Nessa medida, a tomar-se outro litígio como referência para o caso em análise, então o Acórdão desse Douto Tribunal ad quem deverá ser eleito como o paradigma e a decisão do EUIPO deverá ser aquela que deverá nortear o Tribunal ad quem, tal como o fez – e bem – o Tribunal a quo.
LIV. O facto de a Apelante vir alicerçar o seu recurso nas alegações das partes feitas num qualquer processo brasileiro demonstra claramente a forma como tenta desviar a atenção desse douto Tribunal ad quem e falta de argumentos válidos que pudesse invocar.
LV. Por fim, alega, também, a Apelante que as marcas DAVENE e DAVINES teriam coexistido no registo e no mercado durante mais de 10 anos, tendo a Apelada apenas recentemente reagido contra as mesmas.
LVI. A Apelante invoca os seguintes registos de marca em Portugal: a marca nacional n.º 509282 DAVENE (fig.), concedida em 10.04.2013, a marca nacional n.º 673174 LA FLORE DAVENE (fig.) concedida em 17.12.2021, a marca nacional n.º 673175 LA FRUTA DAVENE (fig.) concedida em 17.12.2021, e a marca nacional n.º 682265 PURITÀ DAVENE (fig.) concedida em 22.12.2022.
LVII. A Apelante vem alegar, também, ser titular de marcas em 19 países e que as marcas DAVENE e DAVINES coexistiriam em mais de 13 jurisdições, em países como: Angola, Argentina, Barein, Catar, Cuba, Paraguai, Omã, entre outros.
LVIII. Porém, as alegações da Apelante a este respeito não são legalmente admissíveis, pois nenhum daqueles registos foi incluído na matéria de facto dada como provada na sentença recorrida e o recurso não tem por objeto a impugnação desta matéria de facto, ónus que, caso o pretendesse fazer, corria a cargo da Apelante, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
LIX. Em qualquer caso, a eventual (co)existência de outros registos de marca, no registo, não integra os critérios legais para a aferição da existência do conceito legal de imitação de marca, exaustivamente elencados no artigo 238.º do CPI, nem é apta a demonstrar que DAVENE não seria semelhante e confundível com as marcas DAVINES da Apelante que, em bom rigor, é que se analisa in casu.
LX. Acresce que, é absolutamente falso que as marcas DAVENE da Apelante tenham coexistido no mercado com as marcas DAVINES da Apelada por mais de 10 anos, pois a marca nacional n.º 509282 DAVENE (fig.) foi cancelada por falta de uso dessa marca, a marca nacional n.º 673174 LA FLORE DAVENE (fig.) n.º 673175 LA FRUTA DAVENE (fig.) são compostas por outros elementos dominantes, LA FLORA e LA FRUTA, pelo que é irrelevante a sua coexistência ou não com as marcas DAVINES da Apelada, e o registo da marca nacional n.º 682265 PURITÀ DAVENE (fig.) foi totalmente recusado por Acórdão desse Douto Tribunal, transitado em julgado, no processo n.º 62/23.4YHLSB, conforme supra referido.
LXI. Quanto aos demais supostos registos, nada se sabe, nem importa saber, na medida em que os mesmos são alheios à jurisdição portuguesa, não são sequer países pertencentes à União Europeia – que é a única jurisdição que poderia eventualmente importar para a decisão a proferir.
LXII. Estamos, pois, perante mais um argumento inútil e que não merece qualquer comentário.
Colhidos os Vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Questões a decidir
Nos termos dos artigos 635.º, nº4 e 639.º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (artigo 5.º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim, sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, as questões a decidir são: a deficiente selecção da matéria de facto, e os erros de julgamento quanto à prioridade dos registos e ao risco de confusão.
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III. Fundamentação
III.1. Os factos
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1. A Recorrente DAVINES S.P.A é titular dos seguintes registos de marca:
a. Marca da União Europeia n.º 018494293 DAVINES, requerida em 15.06.2021 e concedida em 8.10.2021, para assinalar perfumaria; óleos essenciais; cosméticos; loções para o cuidado do cabelo; champôs; condicionadores para o cabelo; cosméticos para o uso nos cabelos; produtos e tratamentos para o cabelo; cremes para o cabelo, espuma para os cabelos, óleo para amaciar o cabelo, laca para o cabelo, geles para o cabelo, ceras para os cabelos, emolientes para o cabelo; tinturas para o cabelo; preparações de coloração para uso cosmético; tintas para cabelos; descolorantes para uso em cosmética; descolorantes para os cabelos; preparações para remoção de cores; óleos de toilette; sabão; sabonetes; preparações antitranspirantes para higiene pessoal; sabões desodorizantes; leites de limpeza para os cuidados da pele; cremes para o corpo e para o rosto, loções para o corpo e o rosto, máscaras para o rosto e o corpo, emulsões para o rosto e para o corpo, óleos corporais e faciais e barras para a pele, unguentos para o rosto e para o corpo, hidratantes para o rosto e o corpo, preparados cosméticos faciais e corporais; gel para barbear; espuma de barbear; creme de barbear; loções pós-barba [after-shave]; preparações para barbear; preparações cosméticas; cremes cosméticos; óleos para uso cosmético; loções para uso cosmético; toalhetes cosméticos pré-humedecidos; lenços impregnados de loções cosméticas; produtos para amaciar a pele; preparações cosméticas para o cuidado da pele; óleos de massagem não medicinais; cremes de massagem, não medicinais; maquilhagem; preparações para bronzear [cosméticos]; preparações de proteção solar; óleos de banho não medicinais; sais de banho; preparações cosméticas para o banho; sais de banho; pó de talco para a toilette; preparações depilatórias; dentífricos; preparações para o cuidado das unhas; perfumes; águas de toilette, na classe 3 da Classificação Internacional de Nice;
b. Marca da União Europeia n.º 011375086 requerida em 26.11.2012 e concedida em 29.04.2015 para assinalar, entre outros, perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, loções para os cabelos; champô; champôs condicionadores; produtos para alisar os cabelos; preparações para deixar os cabelos soltos; cremes para os cabelos; hidratantes capilares; amaciadores para hidratar os cabelos; preparações para pentear; loções para os cuidados dos cabelos; cera para os cabelos; tratamentos para cabelos rebeldes; produtos amaciadores para cabelos; amaciadores para cabelos; emolientes para os cabelos; geles de protecção capilar; laca para o cabelo; geles para os cabelos; tintas para cosmética; tintas para cabelos; produtos de coloração para fins cosméticos; tintas para cabelos; descolorantes para uso em cosmética; produtos para descolorar os cabelos; produtos para tirar tinturas; óleos de toilette; sabões; sabonetes; desodorizantes; sabões desodorizantes; hidratantes para o corpo; leites para os cuidados da pele; cremes nutricionais (não medicinais); hidratantes para o corpo; cremes para o corpo; emulsões corporais; máscaras em creme de aplicação corporal; óleo para o corpo; unguentos para o corpo; óleos em spray para o corpo; talcos; talco para o corpo; cremes faciais; loções faciais; máscaras faciais; máscaras de beleza; máscaras esfoliantes faciais para fins higiénicos; hidratantes para o rosto [cosméticos]; gel para barbear; espuma de barbear; cremes de barbear; loções pós-barba [after-shave]; produtos para barbear; preparações cosméticas; cremes cosméticos; óleos para uso cosmético; loções para uso cosmético; toalhetes higiénicos pré-impregnados; lenços impregnados de loções cosméticas; produtos para amaciar a pele; produtos cosméticos para os cuidados da pele; óleos não medicinais de massagem; cremes não medicinais de massagem; produtos de maquilhagem; produtos cosméticos para bronzear a pele; cremes de protecção solar; óleos não medicinais para o banho; pós para o banho; preparações cosméticas para o banho; sais de banho; produtos depilatórios; dentífricos; produtos para o cuidado das unhas; perfumes; água de toilette, na classe 3 da Classificação Internacional de Nice; e
c. Marca da União Europeia n.º 018026811 , requerida em 22.02.2019 e concedida em 12.07.2019 para assinalar, entre outros, perfumaria; óleos essenciais; cosméticos; loções para o cuidado do cabelo; champôs; condicionadores para o cabelo; cosméticos para o uso nos cabelos; produtos e tratamentos para o cabelo; cremes para o cabelo; espuma para os cabelos; óleo para amaciar o cabelo; laca para o cabelo; geles para o cabelo; ceras para os cabelos; emolientes para o cabelo; tinturas para o cabelo; preparações de coloração para uso cosmético; tintas para cabelos; descolorantes para uso em cosmética; descolorantes para os cabelos; produtos para tirar tinturas; óleos de toilette; sabões; sabonetes; produtos antitranspirantes para a toilette; sabões desodorizantes; leites de limpeza para os cuidados da pele; cremes para o corpo e para o rosto; loções para o corpo e o rosto; máscaras para o rosto e o corpo; emulsões para o rosto e para o corpo; óleos para o corpo e para o rosto; unguentos para o rosto e para o corpo; hidratantes para o rosto e o corpo; preparados cosméticos faciais e corporais; gel para barbear; espuma de barbear; creme de barbear; loções pós-barba [after-shave]; produtos para barbear; preparações cosméticas; cremes cosméticos; óleos para uso cosmético; loções para uso cosmético; toalhetes cosméticos pré-humedecidos; lenços impregnados de loções cosméticas; produtos para amaciar a pele; produtos cosméticos para os cuidados da pele; óleos de massagem não medicinais; cremes de massagem, não medicinais; maquilhagem; preparações para bronzear [cosméticos]; preparações de proteção solar; óleos de banho não medicinais; sais de banho; preparações cosméticas para o banho; sais de banho; pó de talco para a toilette; preparações depilatórias; dentífricos; produtos para o cuidado das unhas; perfumes; águas de toilette, na classe 3 da Classificação Internacional de Nice;
2. Em 08.03.2022, a Recorrida apresentou o pedido de registo de marca nacional n.º 682266 destinado a assinalar precisamente cosméticos; sabonetes; cremes para as mãos; águas de colónia; desodorizantes; perfumes; cremes cosméticos; cremes condicionadores; hidratantes para o cabelo; champô para o cabelo; preparações para higiene pessoal; hidratantes faciais [cosméticos]; hidratantes corporais, na classe 3 da Classificação Internacional de Nice.
3. Em 20.12.2022, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial concedeu o registo da marca n.º 682266, tendo o respetivo despacho sido publicado no Boletim da Propriedade Industrial em 27.12.2022.
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III.2. Do mérito do recurso
2.1. matéria de facto
A Recorrente alega que a sentença não incluiu na sua fundamentação de facto outras marcas tituladas pela Recorrente, o que pede que seja acrescentado.
Dispõe o art. 640.º do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, nomeadamente, (b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Ónus que não foi cumprido pela Recorrente no que respeita aos meios probatórios constantes do processo que impunham a decisão que propõe.
Alega que o tribunal a quo não incluiu na sua fundamentação de facto três marcas de que é actualmente titular, sem contudo ter juntado aos autos qualquer documento que o comprove e que possa sustentar a sua impugnação da matéria de facto fixada na sentença recorrida.
Pelo que, nos termos do art. 640.º citado, é de rejeitar a impugnação da matéria de facto fixada na sentença.
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2.2. erros de julgamento
2.2.1. prioridade
Nos termos do disposto no art. 232.º, n.º1, al. b) do Código da Propriedade Industrial, constitui fundamento de recusa do registo de marca a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
Alega a Recorrente que, no âmbito da apreciação do requisito da prioridade, o Tribunal a quo ignorou a existência de outras marcas “DAVENE” da titularidade da Recorrente, em particular, a marca nacional n.º 509282 , com data de prioridade que remonta a 29.01.2013, muito anterior à grande parte das marcas citadas como pertencendo à ora Recorrida.
Tal marca, a sua titularidade e data de registo, não constam da matéria de facto provada, não tendo a Recorrente juntado aos autos, como já referido, qualquer documento que o comprove - nas suas alegações, a Recorrida alega que foi declarada a caducidade do registo da referida marca.
Acresce que a prioridade a considerar, no caso, é a do registo da marca(s) considerada(s) obstativa(s) em relação à marca registanda. É, claramente, o que resulta do art. 232.º, n.º1, al. b) do Código da Propriedade Industrial acima citado: constitui fundamento de recusa do registo de marca [registanda] a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
Pelo que a sentença recorrida não incorreu em erro ao considerar que é incontroverso que as marcas da Recorrente (registadas em 2015, 2019 e 2021) gozam de prioridade em relação à marca cujo pedido de registo data de 2022.
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2.2.2. risco de confusão
Nos termos do art. 232.º, n.º1, al. b) do CPI, constitui fundamento de recusa do registo de marca a reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
Dispõe, por seu turno, o artigo 238.º, sobre o conceito de imitação ou de usurpação, que a marca registada se considera imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
No caso, analisado o requisito da prioridade e resultando da matéria de facto que a marca registanda é destinada a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins das marcas prioritárias tituladas pela Recorrida, a controvérsia permanece quanto ao risco de confusão.
Vejamos.
DAVENE é, claramente, o elemento mais distintivo da marca da Recorrente. O predominante na própria composição do sinal, o que o consumidor mais facilmente retém na memória e o que lhe permitirá distinguir os produtos marcados de outros semelhantes ou afins existentes no mercado.
Conceptualmente, DAVENE e DAVINES não têm um contudo semântico específico. Julga-se, tal como se decidiu no acórdão de 4.03.2024 desta Secção, proferido no proc. 62/23.2YHLSB.L1, “que o consumidor médio nacional, com elevada probabilidade, desconhecerá que “o termo “Davene” tem origem hebraica, estando relacionado a um nome próprio feminino ou à natureza” (cf. conclusão … do recurso). Percecionará, assim, os termos DAVENE e DAVINES, como designações de fantasia, sem conteúdo semântico específico ou simplesmente como nomes de origem estrangeira.”
Foneticamente, têm como única diferença os sons é e i de VE e VI: da-vé-ne/da-vi-nes, sendo o som s final despiciendo na pronúncia de um nome percepcionado como de origem estrangeira. No mais, da-v-ne e da-v-nes são semelhantes.
Gráfica ou visualmente, os elementos DAVENE e DAVINES são semelhantes, mudando apenas uma letra (E/I) e tendo a segunda uma letra S no final. A mancha visual é, contudo, similar. Sendo que começam ambas com as mesmas letras DAV e terminam com as sílabas semelhantes NE e NES.
O consumidor do tipo de produtos assinalados (v.g. champôs, óleos, cremes, sabonetes) não será dotado de uma atenção acima da média.
Sendo certo que a marca registanda contém um elemento figurativo, , “assume pouco relevo em termos de distintividade porquanto não apresenta contornos particularmente inovadores ou impressivos, de forma a perdurar na memória de um consumidor médio nacional”. Quanto ao argumento baseado na estilização das marcas prioritárias sempre se dirá que não se aplica à marca da União Europeia n.º 018494293 DAVINES, que é exclusivamente nominativa - como também se decidiu no acórdão de 4.03.2024 acima citado.
O elemento é secundário, até na composição do sinal, assemelhando-se a uma frase publicitária comum, sem particular distintividade. A expressão CLÁSSICOS DA NATUREZA irá ser vista como uma referência às qualidades atribuidas aos produtos, sendo DAVENE a única parte do sinal que será percepcionada como indicando a empresa donde provêm os produtos - tal como também decidido no acórdão desta Secção que vimos citando.
Não relevam nesta sede as posições das partes no âmbito de processos, alegadamente, pendentes no ordenamento jurídico Brasileiro, nem o facto de as marcas aqui em confronto estarem, alegadamente, registadas em ordenamentos jurídicos fora da União Europeia e da aplicação das leis uniformes aqui vigentes (cls. 26 e 33).
Pelo que, em suma, conclui-se, o presente recurso deve ser julgado improcedente e a sentença que negou protecção jurídica à marca nacional registanda ser confirmada.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente (art. 527.º do CPC).
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Lisboa, 26.03.2025
Eleonora Viegas
Alexandre Au-Yong Oliveira
Bernardino Tavares