INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Sumário

Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC[1]
1. Tendo a instância insolvencial sido declarada encerrada (com relação ao processo principal e todos os seus apensos), no âmbito da qual foi concedido à insolvente a exoneração do passivo restante, mostra-se processualmente inviabilizada a possibilidade de o juiz “dar sem efeito” tal encerramento – ocorrido nos termos previstos pela al. a) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE – e ordenar a abertura da liquidação com vista à distribuição pelos credores da quantia que veio a ser transferida para a conta bancária que havia sido aberta em nome da massa insolvente (sem que resulte que a mesma se reporte a bem que tenha sido apreendido).
2. Com tal encerramento, e o caso julgado que do mesmo decorre, esgotado ficou o poder jurisdicional do magistrado titular do processo, o qual não poderá contornar tal impedimento, designadamente sob a égide do princípio da adequação processual.

Texto Integral

Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
SC apresentou-se à insolvência, tendo esta sido declarada por sentença proferida em 03/06/2013, já transitada em julgado.
Procedeu-se à apreensão de uma verba única: “Meação e quinhão hereditário da insolvente na herança aberta por óbito de seu falecido marido JG, incidente sobre a fracção autónoma, para habitação, designada pela letra “L” (…) a que se atribui o presumível valor de €50.000,00” – cfr. auto de 18/06/2013, no qual se apôs, ainda, a seguinte menção: “Consigna-se que JG faleceu no dia 27 de Março de 2001, no estado de casado com a insolvente SC, com quem foi casado no regime da comunhão de adquiridos, tendo o casal um filho menor de idade (…)” (Apenso A).
Em 17/10/2018, foi proferido despacho liminar de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, mais se tendo declarado o processo encerrado, unicamente para efeitos de início do período de cessão – artigos 230.º, n.º 1, al. e), e 233.º, n.º 7 do CIRE.
Em 27/06/2022 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, já transitada em julgado (Apenso B, no qual foi aposto visto em correição em 17/09/2022).
Em 23/03/2022, no apenso de liquidação (Apenso C), foi proferido o seguinte despacho: ”Tal como parece estar já aceite por todos, tendo o imóvel sido adquirido pela Insolvente e por JG quando se encontravam no estado civil de solteiros (cfr. certidão do registo predial junta ao apenso A por requerimento com a Ref.ª 29509570) cabe a estes autos metade do produto da venda realizada. // Tendo em conta que o bem apreendido para a massa insolvente já foi vendido e o produto da venda que coube a estes autos se encontra à ordem da massa insolvente, declaro encerrada a liquidação do ativo.”
Tal despacho transitou em julgado, tendo sido aposto visto em correição no dia 22/04/2022.[2]
Em 13/10/2022 foi proferido despacho (o qual transitou em julgado) pelo qual foi concedida à insolvente a exoneração do passivo restante.
Em 17/01/2023, foi proferida decisão, já transitada em julgado, pela qual foram validadas as contas apresentadas pelo AI (Apenso D, no qual foi aposto visto em correição em 06/02/2023).

Em 14/12/2023, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:Encerramento do processo // Estando findos todos os apensos. // Mostrando-se concluído o rateio final, com todos os pagamentos realizados, incluindo a conta de custas. // Cumpre encerrar o processo, nos termos do disposto no art.º 230º, n.º 1, al. a), do CIRE. // Pelo exposto: // 1. Declaro encerrado o processo de insolvência, nos termos dos art.ºs 230º, n.º 1, al. a), do CIRE; // 2. Cessam todos os efeitos decorrentes da declaração de insolvência, pelo que a Devedora SC, recupera o direito de disposição dos seus bens; // 3. Cessam as atribuições do Sr. Administrador da Insolvência. // 4. Os credores podem proceder nos termos e com os limites aludidos no art.º 233º, n.º 1, als. c) e d), do CIRE. (…)”.[3]
Em 06/02/2024 foi aposto visto em correição no processo principal.

Em 20/02/2024, veio o AI apresentar requerimento (Ref.ª/Citius 25066601) com o seguinte teor:
“1. O processo mostra-se encerrado por douta decisão proferida em 14.12.2023. // 2. Porém, em 06.12.2023, o administrador da insolvência da massa insolvente de “Herança Ilíquida Indivisa Aberta por Óbito de JG”, marido da insolvente, que sob o nº 11887/21.3T8SNT correu termos pelo Juiz 5 deste Tribunal de Comércio de Sintra, 3. transferiu para a conta da massa a quantia de € 42.228,31, correspondente à parte que cabia à insolvente (Doc. 1). // 4. Face ao encerramento dos autos, cremos, salvo melhor entendimento, que tal quantia deverá ser entregue à insolvente. // À cautela, visa o presente requerimento obter o consentimento deste Digno Tribunal à entrega à insolvente da quantia em causa, ou seja, da quantia de € 42.228,31, o que requer.”

Notificados para se pronunciarem, assim o fez o credor BCP, SA[4] – “só deve ser entregue à insolvente a quantia que remanescer após o pagamento de todos os credores” (Ref.ª/Citius 25193713);
E a insolvente (Ref.ª/Citius 25194700):
“(…) 1º O processo de insolvência em causa extinguiu-se pela decisão de encerramento do processo após o rateio final proferida em 14/12/2023, já transitada em julgado, tendo a mesma sido objecto das devidas comunicações e publicações e pagas todas as custas, encontrando-se os autos com aposição de “visto em correição” desde 7/2/2024 e os mesmos arquivados. // 2º Atento o disposto no artº 233º nº 1 CIRE, de tal decisão decorrem efeitos para a insolvente, de que se destaca a recuperação, pelo insolvente do direito de disposição dos seus bens e livre gestão dos seus negócios. // 3º Esses efeitos são imediatos e não estão sujeitos a qualquer condição. // 4º Informou ora o Sr. A.I., cujas atribuições cessaram por efeito da mesma decisão, ter sido depositada determinada quantia na conta bancária aberta em nome da massa insolvente da ora requerente, invocando ser a mesma decorrente da “parte que cabia à insolvente “na insolvência da herança ilíquida indivisa aberta por óbito de JG, marido da mesma. // 5º Ora nos presentes autos nunca foi apreendida tal quantia, nem qualquer direito da insolvente sobre aquela herança. // 6º Por outro lado, por sentença proferida em 13/10/2022, igualmente já transitada em julgado, foi concedida a exoneração do passivo restante à insolvente, sendo certo que, como ali se sublinha, “A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados (art.º 245º, n.º 1, do CIRE) “. // 7º Tal significa que não há qualquer fundamento legal para a “ reabertura “ dos autos, sendo aquelas decisões proferidas firmes e definitivas ao abrigo do principio do caso julgado e da extinção do poder jurisdicional do tribunal consagrado no art.º 613º CPC // 8º Considerando os efeitos da decisão de exoneração do passivo restante, sequer os credores nos presentes extintos autos detém qualquer direito de crédito que lhes permita alvitrar a sua cobrança coerciva, designadamente, através da penhora do saldo bancário ali depositado. // 9º Logo, salvo melhor opinião, corroborando o concluído pelo Sr. AI designado nos autos, a quantia em causa ali depositada é pertença da ora requerente e, por tal, deve ser-lhe entregue através de transferência bancária cujas coordenadas já foram fornecidas aos autos. // Termos em que; // Deve ser determinada a entrega à insolvente da quantia de 42.228,31 € que se encontra depositada na conta aberta em nome da MI SC, no NOVO BANCO, sob o nº ...54, seja nessa conta de depósito à ordem, seja na conta de depósitos poupança à mesma associada.”

Em 19/04/2024, ordenou-se a notificação do AI para esclarecer “se o valor agora transferido corresponde a um bem/direito da insolvente (oportunamente apreendido nos presentes autos), bem como porque motivo não foi o mesmo tido em conta na liquidação e nos valores a ratear”.
O AI respondeu em 01/07/2024 (Ref.ª/Citius 25925456): “(…) 1. Conforme apenso A, em 17.06.2013 foi aprendido à insolvente a “meação e quinhão hereditário da herança aberta de seu falecido marido JG”, // 2. tendo o credor garantido, Banco Comercial Português, SA, requerido a insolvência da dita herança a qual sob o nº sob o nº 11887/21.3T8SNT correu termos pelo Juiz 5 deste Tribunal de Comércio de Sintra, no qual veio a ser nomeado administrador da insolvência o Exmº Senhor Dr. NN, // 3. sendo herdeiros a insolvente e seu filho BF. // 4. A indicada razão propiciou a venda, entre os dois processos de insolvência, do único imóvel existente, cujo produto ascendeu a € 137.000,00, // 5. tendo tal quantia sido dividida em partes iguais pelos dois processos de insolvência assim como as despesas ocorridas, conforme prestação de contas. // 6. Pela indicada razão, nada mais foi tido em conta na liquidação e no rateio.”.

Em 05/11/2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Refª: 48028822, Refª: 48202877, Refª: 49356005:
O valor transferido do processo nº 11887/21.3T8SNT (que correu termos pelo Juiz 5 deste Tribunal de Comércio de Sintra) corresponde à parte que cabia à insolvente na Herança Ilíquida Indivisa Aberta por Óbito de JG, seu marido da insolvente. // Verificando-se que nos presentes autos está apreendida a meação e quinhão hereditário da insolvente na herança aberta por óbito de seu falecido marido, a massa insolvente já abrangia aquele valor (ainda que não definido) uma vez que a massa insolvente integra todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, pelo que não se antevê porque motivo entende o Sr. Administrador que tal quantia não deve ser distribuída pelos aqui credores (aliás, não faria qualquer sentido que assim não fosse, se o legislador no art.º 241-A do CIRE até prevê a liquidação superveniente) // Cumpre assim adequar o processado (art.º 547º ex vi art.º 17 do CIRE) e em consequência dar sem efeito a decisão de encerramento proferida, e reabrir a liquidação, para que proceda ao rateio da quantia depositada na conta da massa insolvente, devendo o Sr. Administrador proceder em conformidade. // Notifique e publicite..”[5]

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Inconformada com esta decisão, dela interpôs RECURSO a insolvente, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“1 ) Nos autos apenas se mostra validamente aprendido o direito e acção a ½ da fracção autónoma designada pela letra “L”, destinada a habitação, correspondente ao 2º andar direito do prédio urbano sito na Praceta ..., n.º ..., freguesia da ..., concelho da Amadora, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o n.º … da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da aludida freguesia.
2 ) A referida fracção foi vendida no âmbito da liquidação nos autos, e o produto da venda repartido em partes iguais entre a massa insolvente dos presentes autos e a massa insolvente da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de JG, que correu termo no tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Comércio de Sintra, juiz 5, sob o nº 11887/21.3T8SNT, conquanto a referida fracção foi adquirida em partes iguais, pela aqui apelante e JG, ambos no estado de solteiros.
3 ) Foram proferidas sentenças de encerramento da liquidação, de exoneração de passivo restante, de verificação e graduação de créditos, e de prestação das contas da insolvência todas transitadas em julgado
4 ) Posteriormente, em 14/12/2023, foi proferida sentença de encerramento do processo de insolvência, que transitou em julgado em 4/1/2024.
5 ) O processo foi arquivado e nele aposto, previamente, visto em correição em 6/2/2024.
6 ) Por requerimento de 20/2/2024, o Sr. AI veio dar conta aos autos de que em 06.12.2023, o administrador da insolvência da massa insolvente de “Herança Ilíquida Indivisa Aberta por Óbito de JG”, marido da insolvente, que sob o nº 11887/21.3T8SNT correu termos pelo Juiz 5 deste Tribunal de Comércio de Sintra transferiu para a conta da massa a quantia de € 42.228,31correspondente à parte que cabia à insolvente, pugnando pela sua entrega à mesma, atenta a sentença de encerramento prolatada.
7 ) A Insolvente, notificada para o efeito, pugnou pela entrega de tal valor a si mesma, por transferência bancária para uma conta bancária por si titulada, tendo-a identificado.
8 ) Decidindo, o tribunal a quo veio a proferir o despacho ora impugnado, determinando dar sem efeito a decisão de encerramento proferida; - reabrir a liquidação;- proceder ao rateio da quantia depositada na conta da massa insolvente ;- e ordenando que o Sr. AI preceda em conformidade com o decidido, invocando o principio da adequação processual.
9 ) O despacho em crise viola o principio da extinção do poder jurisdicional ínsito no artº 619º nº 1 CPC
10 ) E ofende o principio do caso julgado de todos os despachos de encerramento proferidos nos apensos dos autos e, em particular, a sentença de encerramento do processo proferida nos termos dos art.ºs 230º, n.º 1, al. a), do CIRE
11 ) No processo não constam provas que esclareçam a causa do depósito de 42228,31 € , admitindo-se, no entanto, que tal valor advenha do remanescente da liquidação da insolvência da herança de JG, mas sendo ininteligível o calculo das mesma e da sua eventual repartição pelos herdeiros.
12 ) A assim ser, tal direito às sobras daquela outra liquidação, apenas se constitui após o encerramento do processo ou, ao menos, do encerramento da liquidação ali verificada que, igualmente, se desconhece, se e quanto tenha ocorrido.
13 ) A herança de JG não foi partilhada, nem o quinhão hereditário que na mesma a insolvente era titular, foi transmitido. 14 ) Logo, sequer acaso se tivesse verificado a apreensão do mesmo nos autos, que efetivamente não ocorreu, designadamente dada a retificação feita pelo Tribunal ao único auto de apreensão dos autos e aos autos processuais nele baseados realizados posteriormente ( liquidação , graduação de créditos ) ; não resulta dos autos que o valor depositado na conta da massa insolvente advenha do quinhão hereditário da insolvente, mas, abstratamente, das sobras daquela liquidação .
15 ) Não está, igualmente, apreendida a meação da insolvente, pelos mesmos motivos, sendo certo que não resulta dos autos , e sequer dos autos de insolvência da herança de JG, que da herança daquele tenham feito parte alguns bens comuns.
16 ) Não é assim acertado que, conforme se afirma no despacho em crise, que aquele valor corresponda à definição da meação e quinhão hereditário da apelante naquela herança.
17 ) O CIRE não contempla qualquer norma que preveja “ dar sem efeito” ou a revogação pelo tribunal a quo, da decisão de encerramento do processo.
18 ) Por outro lado, sequer o apelo ao regime da liquidação superveniente ínsito no art.º 241º -A CIRE servirá de base à ilegal decisão, pois que aquele regime, tal como resulta do teor da sua letra, aplica-se às situações de encerramento do processo de insolvência nos termos do art.º 230º nº 1 al e ) CIRE, ou seja, quando o processo é encerrado para efeitos de inicio do período de cessão na exoneração do passivo restante, a ser proferido no despacho inicial da exoneração, quando ainda não tenha sido determinado tal encerramento, sendo assim um encerramento provisório.
19 ) Dispõe o art.º 613º n.º 1 do CPC (aplicável ex vi art.º 17º do CIRE) que proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto á matéria da causa. Decorre deste normativo que fica vedado ao juiz que proferiu a decisão, revogá-la ou modificá-la, não podendo apelar ao princípio da adequação formal, para contornar tal impedimento.
20 ) A decisão modificativa proferida em violação do princípio da extinção do poder jurisdicional do juiz consagrado no artigo 613.º do CPC e ainda não transitada não produz quaisquer efeitos jurídicos, tendo, assim, a decisão em crise violado tal dispositivo legal.
21 ) Se ocorreu erro de julgamento do tribunal a quo ao proferir a decisão de encerramento do processo, o meio para a alterar apenas poderia ser através da interposição de recurso da mesma, que jamais ocorreu, transitando aquela , assim, definitivamente, em julgado.
22 ) O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada.
23 ) Consequentemente, a decisão em crise, incidente sobre objecto já coberto pelo caso julgado, e com ela contendente, pois que determina que o que estava encerrado, volte a prosseguir e afeta os efeitos decorrentes do encerramento , violou o disposto no art.º 613º, 628º e 619º nº 1 CPC e é , assim, ineficaz, o que se requer seja judicialmente declarado.
24 ) Atentos os efeitos decorrentes do encerramento do processo de insolvência, designadamente a recuperação do direito de disposição e administração dos seus bens pelo devedor e a cessação das atribuições do administrador de insolvência, deverá o valor que ainda se encontre depositado em conta bancária titulada pela massa insolvente, ser entregue á apelante através de transferência para a conta cujo IBAN consta nos autos, o que se requer seja determinado, revogando-se o despacho proferido. Assim decidindo, farão V. Exas. JUSTIÇA !”

Não consta que tenham sido apresentadas Contra-alegações/Resposta.

O recurso foi admitido por despacho proferido em 07/01/2025, como sendo de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, a questão a decidir prende-se com a admissibilidade processual de, após o encerramento da instância insolvencial, o juiz dar sem efeito o mesmo e determinar a reabertura da liquidação.

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III – FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Atentos os elementos que constam dos autos, as incidências fáctico-processuais relevantes são as constantes do relatório que antecede, cujo teor, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.

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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal – artigo 1.º, n.º 1 do CIRE -, é o mesmo regido pelas regras que lhe são próprias (CIRE) e, subsidiariamente, pelas regras previstas no CPC (em tudo o que não contrarie o CIRE) – artigo 17.º do CIRE.

Como resulta do relatório acima elaborado, para a massa insolvente foi apreendida a meação e o quinhão hereditário da insolvente na herança aberta por óbito do seu falecido marido, incidente sobre a fracção autónoma melhor identificada nos autos.
Tal herança foi igualmente declarada insolvente.
O imóvel que pela insolvente e o falecido marido havia sido adquirido (ainda no estado de solteiros) veio a ser vendido em conjunto (presentes autos de insolvência e autos de insolvência n.º 11887/21.3T8SNT, atinente à referida herança), tendo o respectivo produto da venda (137.000€) sido repartido pelas massas insolventes de ambos os processos.
O montante afecto aos presentes autos foi já objecto de rateio final, tendo-se igualmente procedido aos competentes pagamentos - artigos 182.º e 183.º do CIRE.
A instância insolvencial (processo principal e respectivos apensos) mostra-se já encerrada (despacho de 14/12/2023, já transitado em julgado).

Após tal encerramento, veio o AI informar que, em 06/12/2023, foi transferida para a conta da massa insolvente o montante de 42.228,31€.
Trata-se de transferência efectuada pelo AI da massa insolvente da herança ilíquida indivisa aberta por óbito do falecido marido da insolvente, sendo que a quantia em causa corresponde, alegadamente, “à parte que cabia à insolvente”.  
Não obstante ter sido requerida autorização para que a quantia fosse entregue à insolvente, o tribunal recorrido entendeu que deveria ser a mesma distribuída pelos credores (porquanto havia sido apreendido para a massa insolvente, não apenas a meação, mas também o quinhão hereditário[6]), nessa medida tendo decidido – sustentando-se no previsto no artigo 547.º do CPC ex vi artigo 17.º do CIRE - dar sem efeito a decisão de encerramento proferida nos autos e ordenado a reabertura da liquidação com vista ao rateio de tal quantia.
É contra esta decisão que a insolvente se insurge.

No caso, o processo foi encerrado nos termos previstos pela al. a) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE – “Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento: (…) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º”. Este último preceito alude ao encerramento por insuficiência da massa insolvente, pelo que não tem aqui aplicação.
A decisão de encerramento é alvo de notificação e publicação nos moldes previstos pelo seu n.º 2.
E, segundo o artigo 233.º, n.º 1, do CIRE que “1 - Encerrado o processo, e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 217.º quanto aos concretos efeitos imediatos da decisão de homologação do plano de insolvência: a) Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte; b) Cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência; c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o  caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência; d) Os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos.” (sublinhado nosso).
Importa também referir que, segundo o n.º 1 do artigo 241.º-A do CIRE (liquidação superveniente), “Finda a liquidação do ativo do devedor e encerrado o processo de insolvência nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º, caso ingressem bens ou direitos suscetíveis de alienação no património daquele, o fiduciário deverá, com prontidão, proceder à sua apreensão e venda, sendo para o efeito aplicável o disposto no título vi, com as devidas adaptações.”
Não obstante o despacho recorrido não tenha assentado neste último, o certo é que não deixou de o invocar por forma a reforçar a posição assumida.

Importa apreciar e decidir se poderia ou não a 1.ª instância ter dado sem efeito o encerramento do processo e ordenado a reabertura da liquidação por forma ao rateio da quantia em causa, designadamente com base no princípio da adequação processual a que alude o artigo 547.º do CPC - “O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.”
O exercício do poder/dever de adequação formal permite quer a construção, em bloco, de uma tramitação alternativa, quer a adaptação de aspectos parcelares e pontuais da tramitação legal, cabendo ao juiz decidir qual a resposta mais adequada, tendo em vista assegurar um processo equitativo. Deverá, no entanto, respeitar a segurança jurídica quanto aos actos processuais consumados.[7]

Isto posto, e tendo por comparação a situação de liquidação superveniente a que alude o artigo 241.º-A do CIRE, importa realçar que, tal como refere Catarina Serra[8], trata-se de uma operação reservada para as situações em que o encerramento é declarado ao abrigo da al. e) do n.º 1 do citado artigo 230.º - quando o encerramento “ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º”. [9]
Como tal, para que se possa proceder à liquidação superveniente, o período de cessão terá ainda que estar em curso.[10].
Como escreve Letícia Marques Costa[11], “Outra introdução que foi efetuada com esta alteração legislativa foi a constante do aditado art.º 241.º-A referente à hipótese de liquidação superveniente ficando salvaguardada a possibilidade de liquidar-se o ativo que possa vir a ingressar na esfera patrimonial do devedor insolvente, após o encerramento do processo de insolvência, nos termos da alínea e), do n.º 1, do art.º 230.º. Desta forma, foram atribuídos poderes ao fiduciário para que, durante o período de cessão do rendimento disponível, proceda a uma nova e pronta apreensão e posterior venda desses mesmos bens ou direitos que, entretanto, após o encerramento do processo de insolvência deram entrada no património do devedor. O produto resultado dessa venda servirá para pagar a remuneração variável do fiduciário e outras dívidas e só depois será afetado o restante para distribuição pelos credores (…) Com este aditamento o legislador vem fortificar a proteção a atribuir aos credores, garantindo-lhes o seu ressarcimento caso bens ou direitos venham a dar entrada no património do devedor - após aquele que tinha à época do encerramento do processo de insolvência ter sido já liquidado - durante o período de tempo em que este apenas estaria obrigado a ceder a parte disponível do seu rendimento. Com esta introdução, o legislador vem “reforçar a lisura e integridade do próprio regime da exoneração do passivo restante (…)” (sublinhados nossos). [12]
No mesmo sentido, Fernando Taínhas[13], segundo o qual a liquidação superveniente do activo corresponde a “um mecanismo excecional de liquidação ordenado à atribuição do fiduciário de competência liquidatária para os bens ou direitos com conteúdo patrimonial que o devedor adquira após o encerramento da fase de liquidação e do processo de insolvência, durante o período da cessão. // A excecionalidade do mecanismo em apreço manifesta-se, desde logo, no seu âmbito limitado de aplicação. Com efeito, não estamos perante um instituto de cariz geral de reabertura do processo de insolvência, que permita que se reabra todo e qualquer processo de insolvência, caso ocorra uma situação de superveniência do ativo na esfera de um qualquer devedor. De facto, a aplicabilidade do instituto mostra-se duplamente circunscrita: apenas à fase processual de liquidação do património do devedor e aos processos de insolvência de pessoas singulares, nos quais haja sido admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e que se encontre em curso o período da cessão. (…) para que seja possível o recurso ao instituto da liquidação superveniente do activo é necessário que o ingresso na esfera jurídica do devedor de bens ou direitos suscetíveis de alienação ocorra, durante o período da cessão e após o término da liquidação e encerramento do processo de insolvência” (encerramento ao abrigo da referida al. e) do n.º 1 do artigo 230.º).
E, ainda, André Tiago Martins Seromenho[14], “apesar de a lei não o indicar, a liquidação superveniente ocorre por ingresso de bens ou direitos no património do devedor após a prolação do despacho inicial e antes do término do período de cessão ou da sua prorrogação, se esse for o caso.”.

Reportando ao caso, independentemente de ter sido apreendido para a massa insolvente o quinhão hereditário da insolvente na herança aberta por óbito do seu marido, para além de, como consta do respectivo auto de apreensão, tal quinhão incidir unicamente sobre o imóvel que foi já vendido (e cujo produto da venda, na parte que era devido à insolvente, foi já integrado na respectiva massa insolvente e sujeito a posterior rateamento), não nos poderemos alhear que toda a instância insolvencial foi já encerrada.
E, no âmbito da mesma, foi concedida a exoneração do passivo restante à insolvente/recorrente, o que acarreta os efeitos previstos no artigo 245.º do CIRE, designadamente a extinção dos créditos sobre a insolvência, nos exactos termos aí previstos – “1 - A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 217.º. 2 - A exoneração não abrange, porém: a) Os créditos por alimentos; b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade; c) Os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações; d) Os créditos tributários e da segurança social.”
Daí que, como Fernando Taínhas[15] escreve (referindo-se à norma do artigo 241.º-A), e que se subscreve, “extinguindo-se todos os créditos sobre a insolvência parece não ser legalmente possível a prossecução da fase de liquidação superveniente. // Com efeito, se os créditos do devedor se extinguem por efeito da decisão final de exoneração (…) não existe fundamento, nem permissão legal para o fiduciário prosseguir na venda de bens e direitos do devedor, além do período da cessão, para pagamento de dívidas que já nem existem. (…) a operação de liquidação do ativo (seja ela superveniente ou não!) é sempre orientada ao pagamento das dívidas do devedor, pelo que inexistindo dívidas, por terem sido perdoadas, não há motivo legal para a alienação forçada do património daquele”.
Mais acrescentando: “No que concerne aos créditos que não são afetados pelo efeito extintivo da exoneração do passivo restante (…) os respetivos credores poderão agir nos termos e formas que julguem mais convenientes ou adequadas aos seus interesses – cf. Alínea c) do n.º 1 do artigo 233.º do CIRE – mas fora do quadro normativo do processo insolvencial, porquanto este cumpriu o seu desiderato processual universal, mostrando-se, assim, esgotado o seu objeto”.
Também na presente situação assim se impõe concluir.

A isto acresce que, com o processo de encerramento da instância insolvencial, esgotou-se o poder jurisdicional do juiz – artigo 613.º, n.º 1 do CPC.
Com efeito, uma vez proferida a decisão de encerramento – cujos efeitos já anteriormente se referiu -, a mesma constitui, em si mesma, caso julgado.[16]
Tal decisão foi notificada a todos os intervenientes processuais, nenhuma reacção tendo merecido.
Bem ou mal, a questão mostra-se decidida.

Inexiste, assim, fundamento legal para que a 1.ª instância decidisse nos moldes em que o fez (sendo que, inclusive, o AI/fiduciário cessou já as suas funções), não podendo tal actuação ser justificada ao abrigo do princípio da adequação formal, mais a mais quando está em causa a “revogação” de um despacho anteriormente proferido e transitado em julgado (ao qual a Mma. Juíza a quo estava vinculada, não dispondo a mesma de poderes para o “dar sem efeito”).
Citando Alberto dos Reis[17], o princípio do esgotamento/extinção do poder jurisdicional justifica-se por uma razão de ordem doutrinal e a uma razão de ordem pragmática: “Razão doutrinal: o juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se. // A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão”.
Note-se que o CIRE sequer prevê qualquer hipótese de renovação da instância insolvencial (sendo que as previstas no CPC não são aplicáveis em face da natureza do processo de insolvência).

Nessa medida, impõe-se revogar a decisão recorrida, devendo o tribunal a quo proceder à entrega à insolvente do montante que se encontra depositado na conta bancária titulada pela massa insolvente.

***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e, nessa sequência, determinar que seja entregue à insolvente o montante que se encontra depositado na conta bancária titulada pela massa insolvente.

Sem custas.

Lisboa, 8 de Abril de 2025
Renata Linhares de Castro
Ana Rute Costa Pereira
Susana Santos Silva
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[1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.
[2] Ainda no Apenso C, em 27/06/2022, veio o AI informar: “(…) 1. Como dos autos melhor consta, o preço do imóvel dos autos ascendeu a € 137.000,00, pelo que a metade do preço corresponde a € 68.500,00. // 2. No dia 27.06.2022, como documento ao diante junto, o administrador da insolvência aqui signatário transferiu para a conta da Massa Insolvente de Herança Indivisa por óbito de JG, que foi cônjuge da insolvente, a quantia de € 67.938,09, correspondendo a diferença a metade das despesas comuns anteriormente pagas pela massa insolvente (…)”.
[3] Com relação ao rateio final não foi apresentada qualquer reclamação.
[4] Ao qual a insolvente respondeu em 08/03/2024 (Ref.ª/Citius 25205823): “(…) vem recordar que o crédito por ele reclamado foi integralmente recebido (nos presentes autos e nos autos de insolvência da herança de JG, como bem aqui se documentou), pelo que o mesmo sequer terá qualquer interesse processual actual nos presentes autos, não sendo credor da insolvente. (…)”.
[5] As referências reportam-se às peças processuais apresentadas e correspondem às Ref.ªs/Citius 25066601, 25194700 e 25934556, respectivamente.
[6] Não obstante se ter consignado na sentença de verificação e graduação de créditos: “Mostra-se apreendido e liquidado nos autos: // A. ½ da fração autónoma designada pela letra “L”, destinada a  habitação, (…) (cfr. Auto de apreensão e certidão do registo predial constantes do Apenso de Apreensão de Bens e ainda Apenso de liquidação de bens)”, bem como: “C) Gradua os créditos, atenta a natureza do direito apreendido e liquidado nos autos, nos seguintes termos: // 1. Pelo produto da venda de ½ da fração autónoma designada pela letra “L”, destinada a habitação (…) // - em primeiro lugar haverá que dar pagamento ao credor garantido do hipotecário - Banco de Investimento Imobiliário, SA -, já que se trata de garantia real (art.ºs 686º, n.º 1, e 696º do Código Civil); (…)”
[7] ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA, PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 621.
[8] Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 3.ª edição, 2025, pág. 785 - “casos em que, depois de liquidado o activo do devedor e encerrado o processo de insolvência no despacho inicial de exoneração [cfr. art.º 230.º, n.º 1, al. e)], ingressem, no património daquele, bens ou direitos susceptíveis de alienação. O fiduciário deverá, neste caso, proceder, com prontidão, à apreensão e venda desses bens ou direitos, sendo para o efeito aplicável, mutatis mutandis, o regime de administração e liquidação da massa insolvente.”
[9] Também assim o defende SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, Vol. I, Almedina, 4.ª edição, 2022, pág. 478.
[10] Igualmente assim o defendemos no acórdão desta Secção de 19/03/2024 (Proc. n.º 300/22.9T8RGR.L1, da mesma relatora), ao que se julga não publicado.
Cfr., por pertinente, o conceito de fidúcia dado por MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, A exoneração do passivo restante – Algumas questões, Julgar, n.º 48, Setembro-Dezembro, 2022, pág. 42 - “conjunto de bens, direitos e rendimentos afetos à satisfação dos credores durante o período da cessão e desdobra-se em duas subcategorias: o rendimento disponível (ou seja, os rendimentos adquiridos pelo devedor durante o período da cessão (artigo 239.º, n.º 2)); e os bens e direitos suscetíveis de alienação que tenham sido adquiridos pelo devedor durante o período da cessão (artigo 241.º-A)”.
[11] O regime da insolvência de pessoas singulares com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, Revista Jurídica Portucalense, n.º 33, 2023, págs. 163/164, mais se podendo aqui ler: “introdução da  possibilidade de liquidação superveniente de património que venha a dar entrada na esfera patrimonial do devedor de forma que este possa assim cumprir de facto os desígnios daquela que é a verdadeira ratio do regime da exoneração do passivo restante, evitando-se o defraudar das intenções deste instituto com a possibilidade de ocorrer o seu enriquecimento à custa de bens que posteriormente adquira, quando anteriormente estaria apenas limitado a, durante o período de cessão, ceder o seu rendimento.” (pág. 174).
[12] Veja-se, igualmente, MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, A exoneração do passivo restante e a Lei n.º 9/2022 – alterações de regime, problemas resolvidos, problemas criados e problemas ignorados, www.revistadedireitocomercial, 15/07/2022, págs. 1387/1388, a qual escreve que o artigo 241.º-A “regula a liquidação superveniente, sempre que, finda a liquidação do activo do devedor e encerrado o processo de insolvência nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º, ingressem durante o período de cessão no património do devedor bens ou direitos susceptíveis de alienação”.
[13] Liquidação (velhos e novos problemas), Revista Julgar, n.º 48, Setembro-Dezembro, 2022, Almedina, págs. 69/70.
[14] A exoneração do passivo restante e a reabilitação das pessoas singulares, relatório de estágio com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito, 15/06/2022, Universidade Nova – Nova School of Law, págs. 62/63 e 74/75.
[15] Obra citada, pág. 75.
[16] O trânsito em julgado fixa o momento a partir do qual a decisão passa a revestir de certeza e de segurança jurídica, como decorre dos artigos 619.º, n.º 1 (alusivo ao caso julgado material) – “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º” – e 620.º, n.º 1 (alusivo ao caso julgado formal) – “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo” –,  ambos do CPC.
[17] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 127