INQUÉRITO JUDICIAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
LEGITIMIDADE ACTIVA
QUALIDADE DE SÓCIO
AMORTIZAÇÃO DA QUOTA
Sumário

Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC[1]
1. O processo especial de inquérito judicial apenas pode ser requerido por quem detenha a qualidade de sócio, já que é a este que é conferido o direito à informação de que aquele processo é instrumental – artigo 1048.º, n.º 1, do CPC e artigos 21.º, n.º 1, al. c), e 216.º, n.º 1 do CSC.
2. Carece de legitimidade para assim agir, o sucessor do sócio falecido cuja quota foi objecto de deliberação social de amortização (devidamente comunicada e registada) em momento anterior ao da instauração do processo de inquérito judicial.
3. Com a amortização e consequente extinção da quota (artigo 232.º, n.º 2 do CSC), igualmente perde a qualidade de sócio quem era seu detentor.
4. O pagamento da contrapartida devida pela amortização não é elemento essencial a esta última, dessa forma não obstando à sua eficácia (a qual se basta com a comunicação mencionada no n.º 1 do artigo 234.º do CSC), assim como também não constitui impedimento o facto de pender acção judicial pela qual a deliberação de amortização tenha sido impugnada.

Texto Integral

Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
AN, invocando as qualidades de cabeça de casal e herdeira legitimária da herança indivisa aberta por óbito de BM, veio requerer contra QRU – Quinta Reabilitação Urbana, Lda., processo especial de inquérito judicial, nos termos do artigo 1048.º e ss. do CPC.
Concluiu peticionando que seja: “a) Ordenada a apensação da presente ação aos autos do processo que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 5, sob o n.º de processo 3656/22.0T8LSB. // b) Ordenada a realização de inquérito à sociedade por quotas QRU – QUINTA REABILITAÇÃO URBANA, LDA., com vista à obtenção das informações solicitadas por carta enviada pela Requerente à Requerida em 25 de fevereiro de 2022, devendo o inquérito perdurar até ao encerramento do processo de inventário que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 24, sob o n.º de processo 22234/21.4T8LSB. // c) Designar RR como gerente provisório para a sociedade por quotas QRU – QUINTA REABILITAÇÃO URBANA, LDA, o qual deverá prestar todas as informações requeridas pela Requerente sobre a sociedade até ao termo do inquérito judicial. // d) Decretar cautelarmente que, durante a pendência do inquérito judicial, a venda, a promessa de venda, a dação e quaisquer outros atos de alienação, bem como a oneração com hipoteca ou quaisquer outros direitos reais ou obrigacionais de garantia, a cessão do uso (incluindo direitos reais menores, o arrendamento, o comodato e outras cessões de uso com escopo obrigacional) ou a disposição a qualquer título de quaisquer bens ou ativos pertencentes à sociedade por quotas QRU – QUINTA REABILITAÇÃO URBANA, LDA. fiquem sujeitos à intervenção obrigatória do gerente designado pelo Tribunal.”

Por requerimento de 11/05/2022, a requerente veio ainda requerer: “(…) dada, por um lado, a urgência da tutela cautelar que é pedida ao Tribunal em sede de Requerimento Inicial; e, dado, por outro lado, o teor do Despacho de 4 de abril de 2022, pelo qual o Juiz 5 do Juízo de Comércio de Lisboa deixa claro que não se debruçará nem sobre o mérito da declaração de nulidade requerida, nem sobre o pedido de apensação dos presentes autos, requer-se a V.ª Ex.ª, conforme já se havia requerido a artigos 16.º e 17.º do Requerimento Inicial, que aprecie incidentalmente a nulidade dos negócios jurídicos aí melhor identificados e, verificada a legitimidade da Requerente na presente instância, ordene a realização de inquérito à sociedade por quotas QRU – QUINTA REABILITAÇÃO URBANA, LDA. e decrete as medidas cautelares requeridas; (…) Subsidiariamente, caso se entenda que o inquérito não pode ser ordenado até à decisão quanto à apensação, requer-se a V.ª Ex.ª que, pelo menos, sejam decretadas as medidas cautelares requeridas, atendendo ao perigo na demora pela decisão na ação principal, já conhecido em face do despacho ora junto, bem como ao abrigo do princípio da adequação formal e da liberdade própria dos processos de jurisdição voluntária.”

Em 17/05/2022, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Nos termos do artigo 216º do Código das Sociedades Comerciais, “O sócio a quem tenha sido recusada informação ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.”. Ou seja, só o sócio, titular do direito à informação violado que se pretende acautelar, tem legitimidade para intentar a ação especial, processo de jurisdição voluntária, a que aludem os artigos 1048º e segs. do Código de Processo Civil. // Sucede que nos termos do artigo 232º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, “A amortização tem por efeito a extinção da quota, sem prejuízo, porém, dos direitos já adquiridos e das obrigações já vencidas.”. // Em conformidade, notifique-se a autora para que esclareça se requereu a suspensão da deliberação social nos termos da qual foi amortizada a quota social que integrava a herança aberta por óbito de BM, cuja declaração de nulidade requereu (proc. n.º3656/22.0T8LSB). // Ao mesmo tempo, tendo em conta que a quota amortizada pertencia sem determinação de parte ou direito à autora, a BM, a JO e a LE, notifique-se a autora para que esclareça quem era o representante comum, nos termos do artigo 222º do Código das Sociedades Comerciais. // Isto posto, deve a autora, em simultâneo, querendo, pronunciar-se sobre a sua legitimidade.”

A requerente pronunciou-se nos seguintes moldes: dever a mesma ser considerada “representante comum dos herdeiros perante a sociedade (e, portanto, para requerer as informações que entender pertinentes)” e detentora de “legitimidade processual para requerer a abertura do presente inquérito judicial”.[2]

Em 03/10/2023, o tribunal a quo indeferiu liminarmente a petição inicial, nos seguintes moldes:
“(…) Da certidão de óbito junta aos autos resulta que BM faleceu no dia 14 de Fevereiro de 2021. // Ao mesmo tempo, da certidão permanente da matrícula da ré resulta que no dia 28 de Setembro de 2020 (Insc. 8 Ap.34/20200928 e Menção Dep.22013) a quota de BM foi dividida e transmitida, ficando este apenas com uma quota no valor de €10.000, a qual, à sua morte, se transmitiu, sem determinação de parte ou direito aos respetivos herdeiros, entre os quais a autora. // Sucede que, resulta da mesma certidão que no dia 16 de Abril de 2021 (Menção Dep. 23262/2021-10-18) a quota do falecido, no valor de €10.000, por deliberação tomada na Assembleia Geral da ré realizada no dia 16 de Abril de 2021, foi amortizada (conforme Ata n.º 34 junta aos autos). E, nos termos do artigo 232º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, “A amortização tem por efeito a extinção da quota, sem prejuízo, porém, dos direitos já adquiridos e das obrigações já vencidas.”. Logo, a perda pelo respetivo titular da qualidade de sócio. // Estatui o artigo 216º do Código das Sociedades Comerciais que “O sócio a quem tenha sido recusada informação ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.”. Ou seja, só o sócio, titular do direito à informação violado que se pretende acautelar, tem legitimidade para intentar a ação especial, processo de jurisdição voluntária, a que aludem os artigos 1048º e segs. do Código de Processo Civil. // Ou seja, a lei, através do referido artigo 216º do Código das Sociedades  Comerciais, para o qual remete o nº1 do artigo 1048º (“nos casos em que a lei o permita”), afastando a aplicação da regra geral do artigo 30º do Código de Processo Civil e em obediência ao princípio da mínima intervenção de terceiros na vida da sociedade, limitou aos sócios a legitimidade processual para pedir inquérito à sociedade. Já que, visando a tutela do direito à informação, constitui um direito social/corporativo, que assiste ao sócio enquanto sócio da sociedade e que tende à proteção dos seus interesses sociais. // “Verificando-se a ineficácia (latu sensu) da deliberação dos sócios, poderão estes recorrer aos tribunais para inutilizarem essa deliberação, …, propondo nomeadamente uma ação constitutiva (anulação de deliberação social) ou de simples apreciação (negativa) (declaração de nulidade). No entanto, uma vez que o tribunal pode levar o seu tempo a julgar - e até à decisão a deliberação produzir os seus efeitos - , a lei faculta aos sócios um procedimento cautelar típico, que visa assegurar-lhes o conteúdo útil do seu direito (de impugnação): a providência de suspensão de deliberação social.” (Paulo Olavo Cunha, in Direito das Sociedades Comerciais, 3ª Ed., pág. 631. // A autora impugnou judicialmente a referida deliberação social (proc. n.º3656/22.0T8LSB pendente no Juiz 5 deste Juízo), pugnando pela respetiva declaração de nulidade, não requerendo, porém, a suspensão da respetiva eficácia. Por conseguinte, tal deliberação produziu os seus efeitos, tendo a quota sido amortizada, perdendo a autora a qualidade de titular, sem determinação de parte ou direito, de quota do capital social da ré, logo, sem determinação de parte ou direito, a qualidade de sócia. // Assim sendo, carece a autora de legitimidade para intentar a presente ação. // Isto posto, julgo procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da autora (arts. 576º e 577ºCPC). // Nos termos do artigo 590º, n.º 1, do Código de Processo Civil “Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando … ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, …”, como no caso dos autos. // Por tudo quanto fica exposto, ao abrigo do disposto no artigo 590º, n.º 1, do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente a petição inicial. (…)”.

Inconformada com tal decisão, dela veio a requerente interpor RECURSO, tendo formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“A. A Sentença recorrida incorre num erro na aplicação do Direito, na medida em que estatui que a deliberação social de 16 de abril de 2021 pela qual a sociedade Recorrida aprovou a amortização da quota de 10% pertencente à herança jacente “produziu os seus efeitos”.
B. Sucede que, uma vez que nunca houve lugar ao pagamento da contrapartida da amortização da referida quota, é de aplicar o n.º 4 do artigo 225.º do CSC à amortização desta quota:
C. Em suma, nos casos de transmissão por morte de quota societária, os efeitos da alienação de quota ficam suspensos até que seja paga a contrapartida da amortização.
D. O mesmo resultado se retira dos n.ºs 2 e 3 do artigo 227.º do CSC, com a epígrafe “pendência da amortização ou aquisição”, nos termos dos quais “os direitos e obrigações inerentes à quota ficam suspensos enquanto não se efetivar a amortização”, e “durante a suspensão, os sucessores poderão […] exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica”.
E. Em suma, enquanto não houver lugar ao pagamento da contrapartida devida pela amortização da quota societária pertencente à herança, os sucessores (e, por maioria de razão, a Recorrente) podem exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica; nomeadamente, o seu direito à informação societária, e o correspondente direito a instaurar processo especial de inquérito.
F. Pelo que a Recorrente tem toda a legitimidade para intentar o presente processo especial de inquérito societário.
G. E, para que não restem quaisquer dúvidas sobre a legitimidade da ora Recorrente, sempre se refira que a posição atual da nossa jurisprudência é a de que o cabeça-de-casal deve ser considerado como representante da quota, para efeitos de exercício de direitos sociais.
H. Em suma, a Recorrente tem a legitimidade para estar em juízo como Requerente no presente processo especial de inquérito societário, uma vez que a deliberação de amortização não produz os seus efeitos até ao pagamento da respetiva contrapartida, os herdeiros são titulares do direito à informação na pendência da amortização, e o cabeça-de-casal é o representante comum dos contitulares da quota indivisa.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser revogada a Sentença recorrida, e substituída por Acórdão que:
a) Julgue improcedente a “exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente”, e
b) Determine a baixa dos autos à primeira instância, para que prossiga o julgamento do mérito da causa.!”

O recurso foi admitido por despacho de 28/02/2024, no qual se determinou ainda a citação da requerida para os efeitos constantes no disposto nos artigos 629.º, n.º 3, al. c), 641.º, n.º 7, e 1048.º, n.º 2, todos do CPC.

Citada a requerida (apenas em 20/12/2024), para além de contestar, apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
Em suma, pugnou pela ilegitimidade da requerente, mais acrescentando ter já sido pago o valor da contrapartida pela amortização da quota (por transferências bancárias efectuadas para a conta da herança, nos dias 10/07 e 30/12/2024, no valor de 311.368,75€ e de 311.370,52€, respectivamente, cujo IBAN foi facultado pela requerente). Defende também que o disposto no artigo 225.º, n.º 4 do CSC apenas se aplica nos casos em que a quota é adquirida por terceiro (e não quando é amortizada).

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes, nem estar obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, importa decidir da legitimidade da requerente para intentar a presente acção.

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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
As incidências fáctico-processuais são as constantes do relatório que antecede.

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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O processo de inquérito judicial é um processo de jurisdição voluntária (nessa medida comportando tramitação simplificada – cfr. artigo 986.º do CPC) que vem previsto nos artigos 1048.º a 1052.º do CPC.
Segundo o n.º 1 do primeiro desses artigos, “O interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interessa averiguar e requer as providências que repute convenientes”, acrescentando o seu n.º 2 que deverão ser citados para contestar a sociedade e os titulares de órgãos sociais a quem sejam imputadas irregularidades no exercício das suas funções.
Por interessado dever-se-á entender aquele que é sócio da sociedade (à qual se pretende que seja efectuado o inquérito), desde logo em face do teor do artigo 216.º do CSC - “1. O sócio a quem tenha sido recusada informação ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade. 2. O inquérito é regulado pelo disposto nos n.ºs 2 e seguintes do artigo 292.º.”
Assim, para que seja reconhecida legitimidade ao requerente para os termos do citado artigo 1048.º, mostra-se necessário que o mesmo detenha a qualidade ou posição de sócio[3] (e que a mantenha[4]).
Só assim se poderá entender, uma vez que é o sócio quem detém o direito à informação sobre a vida da sociedade – artigo 21.º, n.º 1, al. al. c), do CSC -, sendo que o inquérito judicial configura uma forma de exercer tal direito.
Como escreve Remédio Marques [5], “O direito à informação do sócio (…) inclui no respetivo licere ou conteúdo as seguintes faculdades jurídicas: (1) o direito a obter informações verdadeiras, completas, elucidativas, (2) o direito de consulta de livros e documentos em poder da sociedade, (3) o direito de inspeção de bens sociais (corpóreos ou incorpóreos), e (4) o direito de requerer inquérito judicial. // Esta última faculdade jurídica processual (…) é uma faculdade jurídica instrumental, enquanto faculdade processual, do direito à informação em sentido geral; vale dizer, do direito de o sócio ser informado da vida e do giro da sociedade. (…) O sócio pode lançar mão deste meio processual – o inquérito judicial – quando lhe tenha sido recusada a informação sobre a “vida” da sociedade.” Mais acrescentando: “Uma coisa parece certa: apenas quem for sócio na data da propositura desta ação especial desfruta de legitimidade processual ativa – só podendo esta tutela jurisdicional ser exercida enquanto o sócio mantiver esta qualidade, não estando esta faculdade jurídica processual ao alcance do ex-sócio, depois de ter sido excluído, exonerado ou transmitido a sua participação social.”
Assim também o afirmam, entre outros, Diogo Lemos e Cunha[6] - “A legitimidade processual ativa cabe ao «interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade» (art.º 1048.º, n.º 1, do CPC), com a precisão de que para determinar o «interessado», somos forçados a recorrer às situações em que a lei substantiva confere o direito a requerer tal instituto. Desta feita, todo aquele que for titular do direito à informação, tem necessariamente legitimidade ativa para promover o inquérito judicial à sociedade. (…) o direito à informação e, consequente, recurso ao inquérito judicial, é atribuído aos sócios em relação à sociedade (…) –, Diogo Drago[7] - que, pronunciando-se quanto ao poder de informação do sócio, defende: “as informações que neste contexto são prestadas ou divulgadas a este destinatário decorrem incontornavelmente da qualidade e posição que ele assume para com a sociedade em causa. Não podemos, com efeito, ignorar o facto que essas informações são reveladas ao sócio, sendo, portanto, fornecidas, prestadas a este, nessa precisa qualidade. É o que efectivamente resulta do disposto na alínea c) do nº1 do art.º 21.º do C.S.C. (…) Neste contexto, estamos então perante factos de uma sociedade que são dados a conhecer a destinatários, em virtude de uma posição especial que têm para com ela, posição essa a qual o Direito não é alheio em reconhecer-lhe a devida dignidade e relevância jurídicas. Informações que têm que ser divulgadas a estes destinatários precisamente pelo facto de serem sócios da sociedade em apreço” – e Menezes Cordeiro[8] – “O requerente tem o ónus de alegar e provar a sua qualidade de sócio”.
Significa isto que, caso o requerente não seja sócio, ou se, embora o tenha sido, deixou de ser, não poderá ser considerado como interessado para os efeitos previstos pelo n.º 1 do artigo 1048.º do CPC[9].
Reportando ao caso, como resulta do alegado pela requerente e da documentação junta aos autos (expressamente mencionada na decisão recorrida), aquando do falecimento do sócio BM, a quota detida pelo mesmo transmitiu-se, sem determinação de parte ou direito, para os seus herdeiros (entre os quais figura a viúva, aqui requerente).
Sucede que, por deliberação tomada em assembleia geral realizada no dia 16/04/2021, tal quota veio a ser amortizada, acto que, inclusive, foi registado em momento anterior ao da instauração da presente acção – cfr. menção Dep. 23262/2021-10-18.
Ora, prescreve o n.º 2 do artigo 232.º do CSC que a amortização acarreta a extinção da quota (“sem prejuízo, porém, dos direitos já adquiridos e das obrigações já vencidas.”).
Acrescentando o artigo 234.º, n.º 1 do mesmo código que “A amortização efetua-se por deliberação dos sócios, baseada na verificação dos respectivos pressupostos legais e contratuais, e torna-se eficaz mediante comunicação dirigida ao sócio por ela afetado.”
Consequentemente, uma vez extinta a quota, aquele que anteriormente era seu detentor, perde a qualidade de sócio. É essa a consequência da deliberação de amortização.
Citando Menezes Cordeiro[10], “O principal efeito da amortização da quota é a sua extinção, isto é, a cessação da participação social, e correspondente qualidade de sócio (…) Apesar de não se dizer expressamente quando é que esta extinção se dá, tudo indicia que a sua eficácia interna ocorra com a comunicação ao sócio por ela afetado da amortização (234º/1). Já a eficácia externa dependerá do seu registo [3.º/1, l), 13.º, 14.º, 15.º/1 todos do CRC]”.
E, reitera-se, não sendo sócio, carece de legitimidade para requerer inquérito judicial à sociedade.

A requerente não nega que assim tenha sido deliberado.
Simplesmente, nas suas conclusões, contrapõe não ter sido paga a contrapartida devida por essa amortização, pelo que, no seu entender, esta não poderá produzir efeitos e a requerente não estará impedida de exercer os seus direitos.
Sustenta a sua posição no disposto nos artigos 225.º, n.º 4, e 227.º, n.ºs 2 e 3, ambos do CSC - invocando que “nos casos de transmissão por morte de quota societária, os efeitos da alienação de quota ficam suspensos até que seja paga a contrapartida da amortização”; “enquanto não houver lugar ao pagamento da contrapartida devida pela amortização da quota societária pertencente à herança, os sucessores (e, por maioria de razão, a Recorrente) podem exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica; nomeadamente, o seu direito à informação societária, e o correspondente direito a instaurar processo especial de inquérito”.
Contudo, não lhe assiste razão.
Como resulta do teor da referida deliberação social de 16/04/2021, a assembleia geral teve um único ponto da ordem de trabalho, a saber: “Na sequência do falecimento do sócio BM, deliberar sobre a amortização da respectiva quota, com o valor nominal de 10.000,00 (dez mil euros), ao abrigo do disposto no Artigo 9º do Pacto Social da Sociedade e nos termos do artigo 232.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais” – cfr. Doc. 10 junto com o requerimento inicial.
Já o artigo 9.º do referido Pacto Social estatui: “1. As quotas poderão ser amortizadas nos seguintes casos: // (…) Em caso de morte ou insolvência de um ou mais sócios (…)” – Doc. 13 junto com o requerimento inicial.
Deste artigo nada resulta no sentido de que, ocorrendo o falecimento de um sócio, a quota de que o mesmo era titular não possa ser transmitida para os seus sucessores ou que, podendo sê-lo, ficará condicionada a certos requisitos.
Ora, o artigo 225.º do CSC, invocado pela requerente, aludindo precisamente à transmissão da quota, por morte do seu titular, prescreve: “1 - O contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos  sucessores do falecido, bem como pode condicionar a transmissão a certos requisitos, mas sempre com observância do disposto nos números seguintes. 2 - Quando, por força de disposições contratuais, a quota não for transmitida para os sucessores do sócio falecido, deve a sociedade amortizá-la, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro; se nenhuma destas medidas for efectivada nos 90 dias subsequentes ao conhecimento da morte do sócio por algum dos gerentes, a quota considera-se transmitida. 3 - No caso de se optar por fazer adquirir a quota por sócio ou terceiro, o respectivo contrato é outorgado pelo representante da sociedade e pelo adquirente. 4 - Salvo estipulação do contrato de sociedade em sentido diferente, à determinação e ao pagamento da contrapartida devida pelo adquirente aplicam-se as correspondentes disposições legais ou contratuais relativas à amortização, mas os efeitos da alienação da quota ficam suspensos enquanto aquela contrapartida não for paga. 5 - Na falta de pagamento tempestivo da contrapartida os interessados poderão escolher entre a efectivação do seu crédito e a ineficácia da alienação, considerando-se neste último caso transmitida a quota para os sucessores do sócio falecido a quem tenha cabido o direito àquela contrapartida.
Já segundo o artigo 227.º do mesmo código (pendência da amortização ou aquisição), dispõe: “1 - A amortização ou a aquisição da quota do sócio falecido efectuada de acordo com o prescrito nos artigos anteriores retrotrai os seus efeitos à data do óbito. 2 - Os direitos e obrigações inerentes à quota ficam suspensos enquanto não se efectivar a amortização ou aquisição dela nos termos previstos nos artigos anteriores ou enquanto não decorrerem os prazos ali estabelecidos. 3 - Durante a suspensão, os sucessores poderão, contudo, exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica, nomeadamente votar em deliberações sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade.”
Este preceito incide, pois, sobre as situações nas quais o contrato social contém limitações à transmissão de quotas por morte – quer no interesse da sociedade (artigo 225.º), quer no interesse dos sucessores (artigo 226º[11]).
Porém, como mesmo nessas hipóteses (em que existe cláusula contratual nesse sentido), terá a sociedade de deliberar quanto ao destino da quota (amortização ou aquisição pela sociedade, por sócio ou por terceiro), os artigos 225.º a 227.º regulam tal matéria.
No caso, o pacto social da requerida não estabelece qualquer cláusula de intransmissibilidade da quota aos sucessores do sócio falecido, nem sequer subordina tal transmissão a determinados requisitos, assim como também nada prevê no sentido de a transmissão ficar dependente da vontade desses sucessores (a requerente nada alega nesse sentido e a documentação junta aos autos demonstra precisamente o contrário), pelo que os invocados artigos não terão aplicação.
Ao caso interessa o artigo 232.º do CSC, cujo n.º 1 dispõe que “A amortização de quotas, quando permitida pela lei ou pelo contrato de sociedade, pode ser efectuada nos termos previstos nesta secção”, acrescentando o n.º 2, já transcrito supra, que o efeito é a extinção da quota.
Ainda segundo este artigo, se a sociedade tiver o direito de amortizar a quota pode, em vez disso, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro (n.º 5), sendo que, optando por essa via, “aplica-se o disposto nos nºs 3 e 4 e na primeira parte do nº 5 do artigo 225º” (n.º 6).
Contudo, como refere Carolina Cunha[12], a remissão interligada do n.º 6 do artigo 232.º para o disposto os citados números do artigo 225.º, “significa que outorgará na transmissão da quota a sociedade (em vez do sócio titular); que os efeitos da alienação da quota ficam suspensos enquanto a contrapartida não for paga; e que na falta de pagamento tempestivo da contrapartida o sócio ex-titular poderá escolher entre a efetivação do seu crédito sobre o comprador ou a ineficácia da alienação”.
Ou seja, tal remissão prende-se unicamente com as situações nas quais a sociedade, apesar de poder amortizar a quota, opta por não o fazer, designadamente por não pretender que a quota em causa seja extinta. Situações em que a quota vem a ser adquirida. [13] [14]

A requerente confunde a amortização da quota com a aquisição da quota, sendo que o pagamento da contrapartida (ou a falta dele) apenas no segundo caso poderá ter as consequências defendidas por aquela.
Como é evidente, não é esse o caso aqui em apreciação.
Tendo ocorrido amortização da quota, a mesma torna-se eficaz através da sua comunicação ao sócio afectado (artigo 234.º, n.º 1), pelo que nunca a falta de pagamento da respectiva contrapartida obstaria à produção dos seus efeitos, nada tendo o legislador previsto nesse sentido (ao contrário do que consignou no artigo 225.º, n.º 4, referente à aquisição da quota).
Aliás, tal contrapartida sequer é elemento essencial (porquanto a amortização pode, inclusive, ser gratuita)[15], sendo que o seu não pagamento acarreta tão somente as consequências previstas no n.º 3 do artigo 235.º.
Acresce, contudo - o que não se poderá deixar de mencionar - que, segundo o invocado em sede de contra-alegações, a invocada contrapartida terá sido paga – o que resulta, aliás, dos documentos juntos ao processo com a contestação que veio entretanto a ser apresentada (e que a apelada voltou a juntar em sede de contra-alegações) – cfr. Ref.ª/Citius 41683007[16].  

Ao acabado de defender não obsta o facto de a requerente ter impugnado judicialmente a deliberação social que esteve subjacente à amortização – Doc. 11 junto com o requerimento inicial -, porquanto a instauração de tal acção não lhe concede/repõe, por si só, a qualidade de sócia que perdeu, nessa medida não lhe conferindo legitimidade[17] para requerer inquérito judicial nos moldes em que o fez (independentemente do desfecho que possa vir a ter o Proc. n.º 3656/22.0T8LSB).
Por pertinente veja-se o acórdão desta Relação de 12/04/2011[18] - no qual se refere que a existência de outras acções pendentes (no caso, tratava-se de um procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais e respectiva acção de anulação, visando-se, para além do mais, a deliberação de amortização da quota), não permite ao ex-sócio (cuja quota foi amortizada) requerer inquérito judicial - , no qual se pode ler: “É verdade que se a final lhe vier a ser dada razão, o requerente poderá retomar, porventura, as qualidades de que foi desapossado. Porém, este é um efeito que está dependente de decisão judicial. // O facto de a eventual declaração de invalidade das deliberações produzir efeitos retroactivos (art.º 289º, nº 1, do CC) não determina que, no interim, continue a ser reconhecida ao interessado alguma das posições jurídicas de que foi afastado. Ao invés, enquanto a sentença de anulação não for proferida, tudo se passará como se o requerente não tivesse a qualidade de sócio e de gerente. (…) encontrando-se executada, nos seus aspectos essenciais, a deliberação de amortização da quota do requerente, não pode este pretender que o processo de inquérito prossiga os seus termos normais como se mantivesse intacta a qualidade de sócio ou a de gerente. // Porventura a consolidação da amortização da quota do requerente não colide com a invocação de direitos de natureza patrimonial, designadamente relacionados com o valor pelo qual foi realizada a amortização da quota. Mas tal não legitima a invocação do direito de informação nos termos em que o mesmo é reconhecido aos sócios de sociedades por quotas, sem embargo do recurso a outros mecanismos que, devidamente inseridos na fase instrutória de qualquer processo ou veiculados através do processo especial regulado nos arts. 1476º e segs. do CPC (ao abrigo do art.º 573º e segs. do CC), permitam obter os elementos pertinentes para salvaguarda de outros direitos, sem o grau de intrusão que a lei apenas assume relativamente a quem é titular de uma participação social.” (neste aresto, no entanto, estava em causa a apreciação da decisão de suspensão da instância referente à acção de inquérito judicial, suspensão essa que, no presente recurso, não integra o seu objecto). 

Em síntese, não detendo a requerente a qualidade de sócia da sociedade requerida, carece a mesma de legitimidade para propor a acção a que se reporta a presente apelação.
E sendo a ilegitimidade uma excepção dilatória insanável, de conhecimento oficioso – artigos 577.º, al. e), e 578.º, ambos do CPC do mesmo Código – nada obstava, antes impunha, que a 1.ª instância dela conhecesse.

Nessa medida, nada nos apraz censurar à decisão recorrida.

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IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e, nessa sequência, manter a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 8 de Abril de 2025
Renata Linhares de Castro
Manuela Espadaneira Lopes
Elisabete Assunção
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[1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem. Já no que concerne às transcrições referentes às peças processuais, respeitou-se integralmente o que das mesmas consta, pelo que não se procedeu a qualquer rectificação dos lapsos de escrita ou inexactidões que foram detectados.
[2] Alegou, em síntese, não ter requerido a suspensão da deliberação social nos termos da qual foi amortizada a quota social, defendendo que não seria necessário que o tivesse feito (sustentando-se no decidido pelo acórdão desta Relação de 12/04/2011 – Proc. n.º 1207/10.8TBSCR.L1-7); - que tal questão apenas relevaria para efeitos de suspensão da instância e já não para aferir da legitimidade processual da requerente; - que a deliberação social de amortização é nula, nulidade essa de conhecimento oficioso e que aqui deve ser apreciada; - ser representante comum por deter o cargo de cabeça de casal.
[3] Como se sumariou no acórdão desta Secção de 25/06/2024 (Proc. n.º 1016/22.4T8LSB.L1, relatora Teresa de Sousa Henriques), disponível in www.dgsi.pt, como os demais que vierem a ser citados, “1. Um dos requisitos obrigatórios para o pedido de inquérito judicial a sociedade é a efectiva qualidade de sócio à data do mesmo (cfr. art.º 1048º, n.1, CPC e art.º 216º e 292º CSC). 2 – O interesse processual pressupõe a legitimidade processual, “no sentido de que se as partes na ação não forem partes legítimas nem sequer se coloca a necessidade de análise do interesse processual.”
[4] Nesse sentido, cfr. acórdão desta Relação de 10/05/2018 (Proc. n.º 1151/17.8T8PDL.L1, relatora Teresa Prazeres Pais).
[5] Código das Sociedades Comerciais em Comentário (coordenação de COUTINHO DE ABREU), Vol. III, Almedina, 3.ª edição, 2023, págs. 328 e ss.
[6] O inquérito judicial enquanto meio de tutela do direito à informação nas sociedades por quotas, in https://portal.oa.pt, págs. 351/352.
[7] O poder de informação dos sócios nas sociedades comerciais, Almedina, 2009, pág. 43.
[8] Código das Sociedades Comerciais Anotado, Almedina, 4.ª edição, 2021, pág. 768.
[9] Cfr., também, ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 490: “No que respeita à legitimidade ativa, o direito à informação e subsequente recurso ao inquérito judicial é atribuído aos sócios em relação à sociedade (…). Em regra, só podem recorrer ao processo de inquérito os sócios a quem a lei reconheça o direito de informação: nas sociedades por quotas e em nome coletivo, qualquer sócio (art.º 216º, nº 1, do CSC)”, mais acrescentando: “Cabe ao requerente o ónus da prova da sua qualidade de sócio” (fls. 492).
[10] Obra citada, pág. 811.
[11] Segundo o n.º 1 do artigo 226.º do CSC: “Quando o contrato atribuir aos sucessores do sócio falecido o direito de exigir a amortização da quota ou por algum modo condicionar a transmissão da quota à vontade dos sucessores e estes não aceitem a transmissão, devem declará-lo por escrito à sociedade, nos 90 dias seguintes ao conhecimento do óbito”. Tratam-se, pois, dos casos nos quais é facultado aos sucessores do sócio falecido recusar a aquisição da quota e respectivos direitos e obrigações (correspondentes à posição do mesmo), podendo então a sociedade deliberar no sentido de ser tal quota amortizada ou adquirida (seja pela própria sociedade, seja para algum sócio ou terceiro).
[12] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. III, já citado, pág. 539.
[13] Mesmo nas hipóteses a que alude o artigo 225.º, COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II (Das Sociedades), Almedina, 7.ª edição, 2021, págs. 338/339, refere que, caso a sociedade amortize a quota, “[o] pagamento da contrapartida é, ainda em regra (supletiva), fracionado em duas prestações, a efetivar dentro de seis meses e um ano, respetivamente, após a fixação definitiva do valor da participação social (art.º 235º, 1, b). Na falta de pagamento tempestivo da contrapartida, podem os sucessores escolher entre a efetivação do seu crédito e a amortização parcial da quota, em proporção do que tenham recebido (art.º 235º, 3)”. Já quando a quota é adquirida pela própria sociedade, sócio ou terceiro, “à determinação e ao pagamento da contrapartida aplicam-se, salvo cláusula diversa do contrato social, “as correspondentes disposições legais ou contratuais relativas à amortização, mas os efeitos da alienação da quota ficam suspensos enquanto aquela contrapartida não for paga” aos sucessores (art.º 225º, 4). “Na falta de pagamento tempestivo da contrapartida os interessados poderão escolher entre a efetivação do seu crédito e a ineficácia da alienação, considerando-se neste último caso transmitida a quota para os sucessores do sócio falecido a quem tenha cabido o direito àquela contrapartida” (art.º 225º, 5)”.
[14] Cfr., também, STEFANIE SILVA e MARIA JOÃO MACHADO, Breves notas sobre a transmissão mortis causa de quota, Revista Jurídica Portucalense, n.º 25, Universidade Portucalense, Porto, 2019, págs. 58/59: “A lei também prevê a aquisição da quota por sócio ou terceiro e, tendo em consideração que aos sucessores do sócio interessa, sobretudo, receber a contrapartida, no caso de falta de pagamento tempestivo pelo adquirente da quota, os sucessores tanto podem insistir no cumprimento do contrato de venda da quota, cujos efeitos ficam suspensos enquanto a contrapartida não for paga, como podem optar pela ineficácia da alienação da quota, corolário a transmissão da quota para o dito sucessor. (…) Se a sociedade adquirir a quota ou a fizer adquirir por sócio ou terceiro, à determinação e ao pagamento da contrapartida aplicam-se, salvo cláusula diversa do contrato social, “as correspondentes disposições legais ou contratuais relativas à amortização, mas os efeitos da alienação da quota ficam suspensos enquanto aquela contrapartida não for paga” aos sucessores (art.º 225º nº 4 do CSC). À luz do disposto no artigo 225º nº 5 do CSC, em caso de falta de pagamento tempestivo da contrapartida, os sucessores podem escolher entre a efetivação do seu crédito ou a ineficácia da alienação, considerando-se, neste caso, transmitida a quota para os sucessores do sócio falecido a quem tenha cabido o direito àquela contrapartida. (…) Em caso de amortização da quota, a contrapartida a pagar aos herdeiros deve ser o valor da liquidação da quota (art.º 235º nº 1 al. a) do CSC), salvo estipulação contrária prevista no contrato social ou no acordo entre a sociedade e os herdeiros. O pagamento da contrapartida é, ainda, em regra (supletiva), fracionado em duas prestações, a efetivar dentro de seis meses e um ano, respetivamente, após a fixação definitiva do valor da participação social (art.º 235º nº 1 al. b) do CSC). Com base no disposto no artigo 235º nº 3 do CSC, na falta de pagamento tempestivo da contrapartida, os sucessores podem escolher, em proporção do que já tenham recebido, entre a efetivação do seu crédito ou a amortização parcial da quota.”
[15] Nesse sentido, PAULO DE TARSO DOMINGUES, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. III, já citado, pág. 557.
[16] Cartas dirigidas à requerente, datadas de 24/06/2024 (pela qual se solicita informação quanto ao IBAN da conta bancária da herança com vista à transferência do “valor correspondente à amortização efectuada”); de 10/07/2024 (acompanhada do comprovativo da transferência efectuada em 11/07/2024, referente à 1.ª prestação, no montante de 311.368,75€); e de 30/12/2024 (alusiva à transferência efectuada nessa data, referente à segunda prestação, no montante de 311.370,52€, cujo comprovativo também foi junto).
[17] Não obstante a legitimidade processual se aferir pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor na petição inicial, apenas assim sucederá desde que não exista indicação da lei em contrário – cfr. artigo 30.º, n.º 3 do CPC. Ora, em face do que já se referiu, designadamente do teor do artigo 216.º do CSC, tal regra sempre terá que ser afastada.
[18] Processo: 1207/10.8TBSCR.L1-7 (relator Abrantes Geraldes), em cujo sumário se consignou: “I – (…). II - O direito de requerer a realização de inquérito judicial tem natureza extra-patrimonial, sendo instrumental em relação a outros direitos sociais, de modo que apenas pode ser exercido enquanto se mantiver a qualidade de sócio”.