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NULIDADE DA DECISÃO
DESTITUIÇÃO DE GERENTE
DEVER DE CUIDADO
DEVERES DE LEALDADE
TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA
Sumário
Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC[1] I. Encontra-se devidamente fundamentada, não padecendo de qualquer vício de nulidade, a sentença que elenca a factualidade que considera provada e não provada, mais justificando as razões que estiveram subjacentes à sua motivação e indicando o fundamento jurídico em que assentou a decisão final. II. Estando referenciado em cada um dos factos provados os documentos em que os mesmos se sustentam, desnecessário se mostra voltar a mencionar tal correspondência em sede de motivação. III. A alteração da matéria de facto apenas deverá ter lugar se da mesma resultar algum efeito juridicamente útil para o desfecho do litígio, nomeadamente alterando o sentido da decisão proferida, sem prejuízo de tal alteração se impor em face dos elementos dos autos. IV. Existe justa causa de destituição de gerente quando o mesmo pratica actos (por acção ou omissão) que consubstanciam violação grave e culposa dos deveres a que está obrigado por inerência a tal cargo e que afectam de forma irreversível a relação de confiança que se impunha, nessa medida não sendo exigível à sociedade a manutenção desse vínculo. V. Estando em causa um gerente nomeado judicialmente (pessoa estranha à sociedade), tendo tal nomeação tido subjacente os conflitos existentes entre os dois únicos sócios (os quais foram casados entre si), mostram-se preenchidos os pressupostos exigidos para a sua destituição quando: a) Tendo tal nomeação ocorrido por sentença proferida em 12/02/2018, o mesmo apenas convocou uma assembleia geral para o dia 21/06/2021 (integrando a respectiva ordem de trabalhos a apreciação das contas dos exercícios dos anos de 2015 a 2020); e b) O mesmo permitiu que fossem efectuadas transferências (num total de 72.774,98€) da conta bancária titulada pela sociedade para a conta pessoal da sócia gerente e para conta de uma terceira pessoa (não obstante a sócia co-gerente estivesse autorizada a movimentar tal conta), sem que se tenha demonstrado que assim sucedeu por forma a compensar pagamentos da responsabilidade da sociedade. VI. O descrito no ponto anterior encerra condutas que contrariam os interesses sociais que têm que ser salvaguardados, traduzindo clara violação dos deveres de cuidado e de lealdade a que o mesmo gerente estava obrigado (tanto mais que o património da sociedade ficou objectivamente lesado), dessa forma afectando irremediavelmente o vínculo de confiança que se impõe que exista com a sociedade – artigos 64.º, n.º 1, als. a) e b), e 257.º, n.º 6, ambos do CSC. VII. Os actos descritos no ponto anterior não poderão encontrar justificação em eventuais condutas que possam ter sido assumidas pelo sócio requerente da acção - seja no período em que o mesmo exerceu o cargo de gerente (até 2016), seja em momento posterior.
Texto Integral
Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.
I - RELATÓRIO
JA intentou a presente acção especial nos termos do disposto no artigo 1055.º do CPC contra Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda. e AA, todos melhor identificados nos autos, pedindo que seja determinada a destituição, com justa causa, deste último, com relação à gerência da sociedade requerida, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 257.º, n.ºs 4 e 5 do CSC.
Para tanto, alegou em síntese: - a sociedade requerida foi constituída em Dezembro de 2005 e tem actualmente o capital social de 5.100€, integralmente realizado e dividido em duas quotas no valor nominal de 2.550€ cada, tituladas pelo requerente e por CR (os quais foram casados entre si); - o requerido AA foi nomeado judicialmente gerente da sociedade, por sentença de 12/02/2018, já transitada em julgado; - desde essa data, a gerência da sociedade é ocupada pelo mesmo e pela referida CR; - os gerentes da sociedade não convocam assembleias gerais; não prestam contas dos actos por si praticados no exercício das funções de gerência; não prestam informações; não cumprem oportuna e atempadamente as obrigações legais de depósito das contas; não contabilizaram o empréstimo feito pelo requerente, na qualidade de sócio, em Fevereiro de 2014, à sociedade requerida (no valor de 50.000€); não procedem ao pagamento ao requerente da parcela da renda (no valor de 500€ mensais) referente ao imóvel que está arrendado à sociedade; transferiram da conta bancária da sociedade, para a conta bancária de MM, quantias monetárias sem que exista qualquer motivo que o justifique;
Mais alega que o requerido AA admite que sejam utilizadas verbas da sociedade para aquisição de bens pessoais que não têm qualquer relação com a actividade da sociedade; - a sociedade requerida vem sofrendo uma sucessiva e constante degradação, que se materializa, nomeadamente, na alegada incapacidade para proceder ao pagamento de um salário à sua gerente (na ordem dos 900€ mensais); - o imóvel de que a sociedade é proprietária, sito em Cascais, e que se encontra desde sempre arrendado a terceiros, deveria conferir um rendimento mensal que ascende a 2.950€; - a gerente CR transferiu avultados valores da conta bancária da sociedade Requerida para a sua conta pessoal ou para a conta da sua amiga MM, sem qualquer justificação ou suporte e com a conivência do gerente AA; - a gerente CR apropriou-se indevidamente de rendimentos prediais emergentes de imóvel que é propriedade da sociedade requerida, com a conivência do requerido AA; - a gerência da sociedade registou as prestações de contas referentes aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 sem que as mesmas tenham sido objecto de aprovação em assembleia geral de sócios, mas nelas fazendo a menção de que o foram.
Com base nestes factos, defende que foram reiteradamente e de forma grave violados os deveres que impendem sobre o requerido AA, pelo que se justifica a sua destituição do cargo.
Ambos os requeridos foram regularmente citados.
A requerida sociedade limitou-se a juntar aos autos procuração forense.
O segundo requerido apresentou contestação à acção, pugnando pela sua improcedência, com a consequente absolvição do pedido.
Como questão prévia suscitou a existência de questão prejudicial, a saber: a pendência da acção que corre termos sob o n.º 17504/20.1T8LSB, no âmbito da qual foi requerida a destituição de ambos os gerentes da sociedade requerida.
Impugnou a factualidade invocada e sustentou, sumariamente, que: - no contexto do divórcio litigioso, o requerente instaurou diversas acções contra a sócia gerente CR; - Entre 2015 e 2020 a sede social da requerida era a casa de morada de família do requerente e da referida sócia-gerente que, em face da elevada litigiosidade existente, não configurava a possibilidade de se encontrar na mesma sala que ele; - foi convocada uma Assembleia Geral da sociedade a realizar no dia 21/06/2021, tendo como ordem de trabalhos, além do mais, a aprovação das contas dos exercícios de 2015 a 2020 e deliberação sobre a aplicação de resultados; - a assembleia realizou-se e as contas foram disponibilizadas na data da sua realização, não tendo sido aprovadas face ao voto contra do requerente; - o que ocorreu foi a apresentação da IES com a menção “data limite formal” de aprovação das contas (31/03) e não o seu depósito na conservatória do registo comercial; - todas as IES foram atempadamente apresentadas junto da AT; - existem despesas referentes à manutenção dos imóveis pertença da sociedade; - a transferência para a conta de MM tem como fundamento o facto de a gerente da requerida ter estado impossibilitada de efectuar o pagamento de quaisquer valores a débito da conta bancária da sociedade, no período de 04/07/2016 até 17/04/2018 (uma vez que o requerente havia renunciado à gerência); - a incapacidade da sociedade requerida foi provocada pelo requerente, mediante a instauração de inúmeras acções contra a mesma (e desta contra aquele), no que despendeu, entre 28/11/2016 e 17/11/2019, com honorários de advogados, a quantia 66.606,42€; - o gerente AA nada recebeu pelo exercício das suas funções e apenas poderá ser sindicado pelo período decorrente entre 17/04/2018 e 31/08/2020 (data em que foi instaurada o proc. n.º 17504/20.1T8LSB).
O requerente exerceu o contraditório quanto aos documentos juntos com a contestação (Ref.ª/Citius 35191523).
Por despacho de 22/05/2023, foi julgada improcedente a existência de causa prejudicial (não se decretando a suspensão da instância com tal fundamento), e emitida pronúncia quanto à admissão dos meios de prova apresentados.
Em 16/10/2023, os requeridos juntaram mais prova documental, tendo o requerente exercido o competente contraditório em 30/10/2023.
Após outras vicissitudes processuais, procedeu-se à audiência final, com produção de prova testemunhal (inquirição de uma única testemunha, comum a ambas as partes) – cfr. actas de 22/04 e de 22/05/2024.
Por sentença proferida em 08/07/2024, foi a acção julgada procedente - “Face a todo o exposto, o tribunal julga procedente por provada a presente acção e, em consequência, decide destituir o Requerido AA (…), das funções de gerente da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda. (…).”
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Inconformados com tal sentença, dela vieram os requeridos interpor RECURSO de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: “1. O presente recurso tem como objeto a sentença proferida em 08 de Julho de 2024, a qual julgou procedente a ação e decidiu pela destituição do Recorrente AA das funções de Gerente da Sociedade Requerida. 2. O Tribunal a quo entendeu que o Recorrente AA praticou actos que podem ser qualificados como actos de má gestão, violadores dos seus deveres de cuidado e lealdade, e que podem ser qualificados como integradores de justa causa. 3. Os Recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que da produção de prova não resultou que o Recorrente AA tenha prejudicado, em algum momento, os interesses da Sociedade ou dos Sócios. 4. O Recorrido e a Sócia CR, foram casados entre si, tendo a relação matrimonial existente entre os Sócios da LINHA VERTICAL foi dissolvida por decisão proferida no âmbito de um processo litigioso. 5. Com o términus da relação matrimonial, o Recorrido encetou uma estratégia judicial para afastar a Sócia CR da Sociedade Recorrente e prejudicá-la financeiramente. Para o efeito, intentou um conjunto de ações judiciais com a finalidade de provocar a degradação da sociedade e atingir financeiramente a Sócia CR, impedindo assim que esta possa obter qualquer rendimento da Sociedade. 6. O Recorrido utiliza estas ações judicias como uma extensão do processo de divórcio e por forma a atingir a ex-mulher, sendo neste contexto que o Recorrido requereu a destituição do Recorrente AA. 7. O Recorrente AA exerceu o cargo de gerente da Sociedade LINHA VERTICAL de forma competente e rigorosa, defendendo os interesses da Sociedade e dos sócios. 8. O Recorrente AA NÃO PRATICOU actos de gestão que possam ser considerados prejudiciais à sociedade. 9. De acordo com o regime do Art.º 607.º do CPC, o Juiz que profere a sentença deve discriminar os factos que considera provados e, em sede de fundamentação, deve especificar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, procedendo a uma análise critica das provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção. 10. A violação do regime legal previsto no Art.º 617.º do CPC acarreta a nulidade da sentença [Cfr. Art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC] 11. O dever de fundamentação das decisões judiciais encontra abrigo na Lei fundamental [Cfr. Art.º 205.º, nº1, da CRP], assegurando assim a todos os cidadãos um processo equitativo e justo [Cfr. Art.º 20, nº 4, da CRP]. 12. Na prolação da decisão, o Juiz está obrigado a indicar os factos provados e não provados bem como a indicação do processo lógico–racional que conduziu à formação da convicção relativamente aos factos que considerou provados ou não provados. 13. O Tribunal a quo, na fundamentação da matéria de facto dada como provada – com exceção do facto 10 –, limitou-se, de forma genérica, a referir que para fundar a convicção do tribunal relativamente aos factos provados o tribunal ponderou o depoimento da testemunha VH, Técnico Oficial de Contas, que acompanhou a constituição da sociedade Requerida e bem assim a elaboração da contabilidade até, aproximadamente, o primeiro quadrimestre de 2009, além de ser consultor do requerente e, nessa qualidade, ter trocado impressões com o mesmo e, pela mesma razão, ter visto alguns documentos referentes à sociedade e que este depoimento foi conjugado com os documentos juntos nestes autos e indicados em cada facto provado. 14. A mera indicação dos documentos relacionados com cada facto e a referência genérica ao depoimento da testemunha VH – sem que este tenha um conhecimento direto dos factos em discussão – não cumpre o dever que é imposto pelo Art.º 607º do CPC. 15. Esta Testemunha – VH – declarou em sede de audiência de julgamento que não tinha conhecimento de qual tinha sido a intervenção do Recorrente AA enquanto Gerente da Sociedade LINHA VERTICAL. 16. Assim, impunha-se ao Tribunal a quo – na respetiva fundamentação – indicar as razões para a valoração desta Testemunha, nomeadamente de que modo e sobre que matéria foi decisiva na respetiva convicção. 17. Os Recorrentes sabem que a prova indireta não é proibida em sede de processo civil. Contudo, cumpre ao julgador ser bastante criterioso na fundamentação da decisão quando se socorre deste meio de prova. 18. A Testemunha VH afirmou de forma perentória não ter qualquer conhecimento da atuação do Recorrente AA enquanto gerente da Sociedade LINHA VERTICAL, pelo que se impunha que o Tribunal a quo fundamentar de forma critica e específica, em que medida a sua convicção ficou suportada no depoimento desta Testemunha e relativamente a que factos. 19. Sob pena de os Recorrentes estarem impossibilitados de atacar, em sede de recurso, a convicção do Tribunal. 20. Assim, a sentença em crise não cumpre os requisitos legais previstos no Art.º 607º do CPC, por ausência e fundamentação quanto à matéria de facto dada como provada, 21. Razão pela qual a sentença é nula, nulidade que se invoca nos termos e para os efeitos do [Art.º 615º do CPC]. 22. Ainda que assim não se entenda – o que apenas se admite por mero dever de patrocínio – a decisão em crise padece de deficiente fundamentação e deverá ser objeto de reformulação por parte do Tribunal a quo, o que se requer [Art.º 662º, n.º 2, al. d), do CPC]. 23. O Tribunal a quo deu como provado que No âmbito do processo executivo instaurado pelo Requerente, que corre termos com o n.º 13951/16.1T8LSB, a sociedade subscreveu escrito com data de 20 de Abril de 2020, dirigido ao Agente de Execução, nos termos do qual: «Tendo a Linha Vertical, Lda. tomado conhecimento da vossa notificação para penhora relativa ao processo 13951/16.1T8LSB.1 no dia 15/4/2020, informa-se V. Ex.a que a entidade patronal, Linha Vertical, Lda. não está a pagar a remuneração a CR - Nif xxxx, por não existirem disponibilidades financeiras. (cf. escrito, com cópia a fls. 33v, com data de 20 de Abril de 2020). [Facto 12 da matéria da facto provada]. 24. O documento em causa apenas demonstra que foi enviada aquela comunicação, e tão-somente isso. Aquele documento não faz prova de qual é a situação financeira da Sociedade. 25. Não obstante, o Tribunal a quo – para poder concretizar o conceito indeterminado de justa causa – socorre-se de um facto de não consta da matéria dada como provada, isto é, que a Sociedade Recorrente se encontrava em situação de dificuldades financeiras. 26. Na verdade, o Tribunal para qualificar o comportamento do Recorrente AA – como sendo “intensa e grave a violação do dever de lealdade” – com base nesse facto [a Sociedade Recorrente encontrava-se em situação de dificuldades financeiras], o qual não foi dado como provado. 27. O Tribunal a quo apenas poderia qualificar o comportamento do Recorrente AA por referência aos factos dados como provados ou não provados. 28. Assim, nenhuma prova foi produzida em sede de audiência de julgamento que permita concluir que a Sociedade LINHA VERTICAL se encontrava num contexto de dificuldades financeiras. 29. Da prova documental junta aos autos conclui-se que o ativo imobiliário da Sociedade Recorrente tem um valor de mercado não inferior a € 1.500.000,00. 30. A fundamentação da decisão com base em factos que não constam da matéria dada como provada – Sociedade Recorrente vivia um contexto de dificuldades financeiras –, a sentença em crise padece de nulidade, por violação do regime previsto no Art.º 607.º do CPC, nulidade que se arguiu nos termos e para os efeito do Arts.º 615.º do CPC. 31. O Recurso da matéria de facto tem como objeto os pontos 3, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada e as alíneas “o”, “j”, “k” e “l”, dos factos dados como não provados, bem como é requerido o aditamento de novos factos à matéria dada como provada. 32. Quanto ao Facto 03 da matéria de facto provada o Tribunal deu como provado que a Sociedade LINHA VERTICAL Tem o capital social de € 5.100,00, repartido da seguinte forma: - CR – €2.550,00; - JA – €2.450,00. 33. Conforme resulta da Certidão de Teor da Sociedade Recorrente [Cfr. Documento 2 junto com a Contestação | Insc.1 AP. 4/20051227] a Sociedade foi constituída com o capital social (inicial) de € 5.000,00, detido da seguinte forma: c) Quota no valor de € 2.550,00 – detida por JA; d) Quota no valor de € 2.450,00 – detida por Neoplus - Serviços de Gestão, Unipessoal Lda. 34. Por escritura pública celebrada em 13 de Março de 2006, a CR adquiriu a quota da Recorrente LINHA VERTICAL QUE era detida pela sociedade NEOPLUS E subscreveu o aumento de capital realizado na Sociedade, que passou de € 5.000,00 para € 5.100,00. [Cfr. Documento 1 e 2, juntos com a Contestação] 35. Desde 14 de Março de 2006 que o capital social da Recorrente LINHA VERTICAL é de € 5.100,00, e encontra-se subscrito da seguinte forma: • JA – € 2.550,00; • CR – € 2.550,00. 36. Ou seja, cada um dos cada um dos Sócios passou a deter uma quota no valor de € 2.550,00, correspondente 50% do valor do capital social. 37. Face aos elementos de prova constantes dos autos, de deverá ser dado provimento ao presente recurso quanto a este ponto e, consequentemente, ser revogada a decisão do Tribunal a quo quanto ao Facto 3 da matéria dada como provada e consequentemente, ser substituída por outra que que dê como provado o seguinte: A Sociedade LINHA VERTICAL Tem o capital social de € 5.100,00, repartido da seguinte forma: - CR – €2.550,00; - JA – €2.550,00. 38. Quanto ao Facto 09 da matéria de facto provada o Tribunal deu como provado que Não foram convocadas assembleias gerais para apreciação das contas da sociedade e para apreciação dos demais aspetos da vida da sociedade, até 2021. 39. A decisão quanto a esta matéria está totalmente descontextualizada. 40. O Recorrido requereu a notificação da Recorrente LINHA VERTICAL para juntar aos autos o livro de atas das assembleias-gerais da sociedade Linha Vertical, pedido que é por si só revelador do comportamento do Recorrido para com a Sociedade e a Sócia CR. 41. O Recorrido foi gerente da Gerente da Recorrente LINHA VERTICAL desde a sua constituição até 2016, momento em que renunciou à Gerência. 42. Durante o período em que o Recorrido foi Gerente da Sociedade não foram elaboradas quaisquer actas das Assembleias-Gerais da Recorrente LINHA VERTICAL. 43. A este respeito, a Testemunha VH – que acompanhou a constituição da sociedade Requerida e elaborou a contabilidade da Sociedade até 2009 – asseverou ao Tribunal que não eram elaboradas quaisquer atas. 44. Face à prova produzida – depoimento da Testemunha VH e aos documentos juntos aos autos com o requerimento apresentado em 16 de Outubro de 2023 – deverá dado como provado e, consequentemente, aditado aos factos dados como provados o seguinte facto: Desde o ano de 2005 [constituição da Sociedade] até Julho de 2016 [cessação de funções de gerente por renúncia] – período em que o Recorrido exerceu as funções de Gerente da Recorrente Linha Vertical – nunca promoveu a realização de assembleias-gerais para aprovação das contas da Sociedade. 45. Com a renúncia à Gerência por parte do Recorrido, a Gerência da Sociedade ficou incompleta, o que apenas foi colmatado com a nomeação judicial do aqui Recorrente AA. 46. A renúncia por parte do aqui Recorrente acarretou um conjunto problemas para a sociedade, pois a mesma ficou impedida de poder realizar um conjunto de atos, nomeadamente impedida de movimentar a conta bancária da Recorrente LINHA VERTICAL [entre 04.07.2016 e 17.04.2018]; 47. O que implicou que a gerente CR estivesse sem auferir o seu salário entre Janeiro de 2017 e Junho de 2018 e a Sociedade ficou impossibilitada de solver os seus compromissos com os fornecedores e com o Estado. 48. Foi a Gerente CR que, durante esse período, suportou “do seu bolso” as despesas da Sociedade, uma vez que a conta bancária da Sociedade não podia ser movimentada. 49. O comportamento do Recorrido bloqueou o normal funcionamento da Sociedade e causou graves dificuldades. 50. Apenas com a nomeação do Recorrente AA [por sentença transitada em julgado em 21-03-2018, registada pela Insc. 5 AP. 29/20180417] foi possível à sociedade retomar a sua normal atividade e os pagamentos dos valores em dívida e já em mora. 51. O Recorrente AA quando assumiu as funções de Gerente, tomou conhecimento que o Recorrido nunca pretendeu realizar Assembleias-Gerais para aprovação de contas da sociedade, 52. E que após o divórcio do Recorrido com a Sócia CR nunca votaria a favor de quaisquer contas apresentadas. 53. Neste contexto a realização de Assembleias-Gerais da Sociedade tornaram-se absolutamente inúteis, pois o Recorrido pretende liquidar a sociedade LINHA VERTICAL e prejudicar a sócia-gerente da Recorrente, sua ex-mulher. 54. Quanto à inutilidade de realização de qualquer Assembleia-Geral da Recorrente LINHA VERTICAL pronunciou-se a Testemunha VH, referindo que o aqui Recorrido irá sempre votar contra as contas apresentas. 55. Atenta a distribuição igualitária do capital social da Sociedade por parte dos dois sócios, a aprovação de contas apenas poderá ocorrer com o voto favorável de ambos os sócios, o que não irá nunca suceder enquanto as contas referentes a 2014 não forem aprovadas. 56. Esta realidade, encontra-se devidamente demonstrada pela votação do Recorrido nas Assembleias-gerais realizadas em 21 de Junho de 2021 e em 12 de Outubro de 2023 [Cfr. Documento 34, junto com a Contestação e Documento 8 junto com o requerimento apresentado em 16.10.2023] 57. Face à prova produzida – depoimento da Testemunha VH e aos documentos 34 junto com a contestação e 8 junto com o requerimento apresentado em 16.10.2023 – deverá dado como provado e, consequentemente, aditado aos factos dados como provados o seguinte facto: Que o Recorrido JA, enquanto as contas relativas ao ano de 2014 não se encontrarem aprovadas, votará contra todas as contas relativas aos exercícios seguintes, impedindo assim – atenta a distribuição do capital social da Sociedade Linha Vertical – a aprovação de quaisquer contas que venham a ser apresentadas. 58. Quanto ao Facto 10 da matéria de facto provada o Tribunal deu como provado que O Requerido AA, enquanto gerente da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda., não promoveu o pagamento ao Autor da parcela da renda devida pelo arrendamento da fração “A3”, integrante do prédio urbano sito no Passeio …, n. º …, freguesia do Parque das Nações, em Lisboa. 59. O não pagamento das referidas rendas ao Recorrido tinha uma razão de ser e essa matéria estava a ser discutida no âmbito do processo judicial supra indicado. 60. O Recorrente AA foi nomeado judicialmente gerente da Recorrente LINHA VERTICAL por sentença de 12 de Fevereiro de 2018, transitada em julgado. 61. O não pagamento das rendas anteriores a esta data são referentes a períodos relativamente aos quais o Recorrente AA não exerceu qualquer função na Sociedade LINHA VERTICAL. 62. O valor dessas rendas nunca foi solicitado pelo Recorrido à Sociedade LINHA VERTICAL. 63. Por sentença proferida em 30.06.2022, a ação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi a) declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o aqui Recorrido e a Recorrente LINHA VERTICAL, tendo os ali Réus recorrido da decisão. 64. Em 14.12.2023, sido proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual julgou improcedente o recurso apresentado e confirmou a decisão proferida em 1ª instância, tendo a Recorrente LINHA VERTICAL sido notificada dessa decisão em 18 de Dezembro de 2023. 65. Como é natural, enquanto não fosse prolatada a decisão judicial sobre a existência, ou não, do crédito que o aqui Recorrido se arrogava titular o Recorrente AA NÃO procedeu ao pagamento dos valores em dívida ao aqui Recorrido. 66. Aquando da prolação da decisão por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, o Recorrido tinha avançado com a execução da sentença, tendo penhorado a principal receita da Sociedade LINHA VERTICAL [renda do imóvel sito na Parede]. 67. Em face dessa penhora a LINHA VERTICAL ficou sem acesso aos valores da sua principal receita, sendo certo que o Recorrido estava a ser pago através daquela execução. 68. Pelo que o Recorrente AA entendeu que o pagamento desses créditos já se encontrava em curso. 69. Toda esta factualidade se encontra demonstrada pelos documentos juntos aos autos, razão pela qual não poderia a Mma. Juiz a quo ter dado como provado o Facto 10, ou seja, que O Requerido AA, enquanto gerente da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda., não promoveu o pagamento ao Autor da parcela da renda devida pelo arrendamento da fracção “A3”, integrante do prédio urbano sito no Passeio …, n. º …, freguesia do Parque das Nações, em Lisboa. 70. Não existe nenhum elemento de prova que demonstre que o não pagamento daqueles valores ao aqui Recorrido são decorrentes de algum acto, quer seja por ação ou omissão, do Recorrente AA. 71. Em face do acima exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser dado como não provado ou, pelo menos, que aquando da prolação da decisão que condenou a Recorrida LINHA VERTICAL a pagar os valores que o Recorrido se arrogava titular e que são decorrentes do contrato de arrendamento da casa sita em Lisboa já se encontravam a ser pagos através da execução da sentença proferida no âmbito do processo sob o 25925/19.6T8LSB. 72. Quanto ao Facto “O” da matéria de facto não provada o Tribunal não deu como não provado que A sociedade Requerida comunicou às finanças, quanto ao imóvel - Vivenda dos Jardins da ... sita na Rua das …, Vivenda J, …, Jardins da …: - Cessação do arrendamento com PS, em 31.12.2016; - Novo arrendamento com início em 8.7.2019, com a renda de € 3.000,00: 73. Constam diversos elementos de prova, entre eles i. a comunicação de não renovação do arrendamento dirigida pelo arrendatário à Recorrente LINHA VERTICAL e a comunicar que – por motivo de desemprego voluntário denuncia o contrato de arrendamento com efeitos a 31 de Dezembro de 2016 – e ii. e a fatura emitida pela Recorrente LINHA VERTICAL referente ao ano de 2016. 74. Os documentos juntos fazem proba bastante que o contrato de arrendamento celebrado com PS atingiu o seu termo – por denúncia do arrendatário – em 31 de Dezembro de 2016. 75. Para além desses documentos, foi ainda junta aos autos o contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente LINHA VERTICAL e WH, do qual resulta que o arrendamento tem o seu início em 08.07.2019 e o seu termo em 07.07.2021 [Cfr. Documento 77, junto com a Contestação]. 76. Por outro lado, foi ainda junta aos autos a comunicação do contrato de arrendamento [Cfr. Documento 78, junto com a Contestação.] 77. Estes documentos fazem prova bastante da existência do aludido cotrato de arrendamento e a respetiva comunicação à Autoridade Tributária. 78. Além do mais, a Autoridade Tributária - Serviço de Finanças de Cascais 2 [Carcavelos] – juntou aos autos ofício a atestar que após consulta ao sistema informático, consta que existiu contrato de arrendamento no período de 01/06/2018 A 31/05/2019, de 08/07/2019 A 08/04/2022. 79. Ou seja, o Serviço de Finanças de Cascais 2 atestou que relativamente ao imóvel da Parede foi comunicado à Autoridade Tributária a celebração de um contrato de arrendamento que vigorou entre 08 de Julho de 2019 e 08 de Abril de 2022. 80. Da conjugação de todos estes documentos, resulta demonstrado que o contrato de arrendamento que vigorou a partir de 09 de julho de 2019, com a renda mensal de € 3.000,00 foi devidamente comunicado à Autoridade Tributária. 81. Em face dos elementos de prova carreados para os autos, o Tribunal a quo andou mal ao julgar como não provado o Ponto “o)” dos matéria de facto não provada. 82. Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e ser revogada a decisão que julgou como não provado o Ponto “o” da matéria de facto dada como não provada e, consequentemente, ser julgado como provado que A sociedade Requerida comunicou às finanças, quanto ao imóvel - Vivenda dos Jardins da ... sita na Rua das …, Vivenda J, …, Jardins da …: - Cessação do arrendamento com PS, em 31.12.2016; - Novo arrendamento com início em 8.7.2019, com a renda de € 3.000,00. 83. Quanto aos Factos “J”, “K” e “L” da matéria de facto não provada o Tribunal não deu como não provado que: “J” - a transferência de € 43.704,99, de 4.6.2018, da conta da linha vertical para a conta pt …730 acima identificada, tratou-se: a) do reembolso das despesas correntes efectuadas no ano de 2017, que incluem segurança social, imis aimis, retenções na fonte, impostos de circulação automóvel, quotas de condomínios, manutenção dos imóveis incluindo a sede, despejas judiciais, despesas de circulação, trabalhos especializados, despesas de representação, material de escritório e outros: 1) pagas por banco (da conta da cgd ou millennium de terceiros), no montante €20.030,73; 2) pagas em dinheiro, no montante €5.328,30; b) do pagamento do vencimento da gerente da ré do ano de 2017 e da renda da sede da sociedade ré, ambos protelados para 04-06-2018, nos seguintes montantes: 1) vencimentos da gerente da ré, €12.345,96; 2) rendas da sede social, €6.000,00. “K” - A transferência de € 26.522,56, de 18.7.2018, da conta da Linha Vertical para a conta PT…730 acima identificada, tratou-se: A) Do reembolso das despesas correntes efectuadas de Janeiro a Junho de 2018, que incluem Segurança Social, IMIs AIMIs, retenções na fonte, impostos de circulação automóvel, quotas de condomínios, manutenção dos imóveis incluindo a sede, despejas judiciais, despesas de circulação, trabalhos especializados, despesas de representação, material de escritório e outros: 1) Pagas por banco (da conta da CGD ou Millennium de terceiros), no montante €15.640,19, 2) Pagas em dinheiro, no montante €2.602,37. B) Do pagamento dos vencimentos da gerente da Ré e da renda da sede da sociedade Ré de Janeiro a Junho de 2018, protelados para 18-07-2018, nos seguintes montantes: 1) Vencimentos da gerente da Ré, €5.280,00, Janeiro a Junho de 2018, 2) Rendas da sede social de € 3.000,00, de Janeiro a Junho de 2018. “L” Transferência de € 2.547,43, em 23-10-2018, da conta da Linha Vertical para a conta PT…730, refere-se a quantia paga por banco da conta da CGD ou Millennium de terceiros. 84. A conta bancária PT …730, identificada como destino das transferências, é da titularidade da Dr.ª MM. 85. A Sócia-Gerente da Recorrente LINHA VERTICAL, e nessa qualidade, foi “autorizada” a movimentar tal conta bancária, uma vez que durante o período em que a Gerência da Sociedade Linha Vertical não se encontrava completa [e eu decorreu entre 04.07.2016 até 17.04.2018], a Sócia-Gerente CR esteve impossibilitada de movimentar as contas bancárias da Sociedade. 86. Não obstante esse impedimento, era necessário que a Recorrida LINHA VERTICAL continuasse a solver os seus compromissos. 87. Assim, a Sócia-Gerente da Sociedade teve que utilizar valores pessoais para que a Recorrida Linha VERTICAL não entrasse em incumprimento generalizado com os seus credores nomeadamente o Estado. 88. Durante esse período a Recorrente LINHA VERTICAL continuou a honrar todos as suas obrigações. 89. A utilização da aludida conta bancária em nome da Dr.ª MM [pessoa do conhecimento e da confiança dos dois sócios da sociedade, pessoa íntegra, responsável e diretora, reformada, da CGD] teve como finalidade evitar a confusão entre o dinheiro da Sociedade e da Sócia-Gerente. 90. Todos os valores para aquela conta resultam de despesas necessárias da Recorrente Sociedade que foram reembolsadas ou de valores devidos e não pagos, todos devidamente contabilizadas. 91. Os Recorrentes juntaram aos autos prova documental bastante para justificar os valores transferidos, a saber: a) transferência no valor de € 43.704,99; b) transferência no valor de € 26.522,56; c) transferência no valor de € 2.547,43. 92. Todos os valores acima referidos encontram-se devidamente identificados nos extratos bancários referentes aos movimentos efetuados e os documentos comprovativos para esses pagamentos (nomeadamente as faturas emitidas a favor da Recorrente LINHA VERTICAL). 93. O Recorrente AA apenas autorizou a realização dessas transferências por as mesmas estarem relacionadas com despesas da Sociedade LINHA VERTICAL e que foram adiantadas com fundos próprios da Sócia CR. 94. O Recorrente AA não autorizou – ou sequer deu a sua anuência – a que fossem efetuados pagamentos de despesas pessoais da Sócia CR. 95. A prova documental junta aos autos é demonstrativa que os valores referentes às transferências acima identificadas estão relacionados com a atividade da Sociedade Recorrente e não são referentes a despesas pessoais da Sócia CR. 96. Cumpria ao Tribunal a quo ter valorado a documentação contabilística junta com a Contestação e ter dado como provados estes factos. 97. Por outro lado, competia ao Recorrido fazer prova de quais os movimentos/transferências que nada tinham a ver com a atividade da Sociedade Recorrente e que configuram um desvio de fundos por parte da Sócia CR. 98. Os Recorrentes fizeram prova do motivo pelo qual foi necessário proceder à transferência daqueles valores para contas da Gerente CR ou da Aludida MM e fizeram também prova – juntando a necessária documentação para o efeito – de que os valores transferidos tiveram como destino o pagamento de despesas da Sociedade que haviam sido adiantadas com fundos próprios da Gerente CR. 99. Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e ser revogada a decisão que julgou como não provado os Pontos “j”, “k” e “l” da matéria de facto dada como não provada e, consequentemente, ser julgado como provado que: • A transferência de € 43.704,99, de 4.6.2018, da conta da linha vertical para a conta pt …730 acima identificada, tratou-se: a) do reembolso das despesas correntes efetuadas no ano de 2017, que incluem segurança social, imis aimis, retenções na fonte, impostos de circulação automóvel, quotas de condomínios, manutenção dos imóveis incluindo a sede, despejas judiciais, despesas de circulação, trabalhos especializados, despesas de representação, material de escritório e outros: 1) pagas por banco (da conta da cgd ou millennium de terceiros), no montante €20.030,73; 2) pagas em dinheiro, no montante €5.328,30; b) do pagamento do vencimento da gerente da ré do ano de 2017 e da renda da sede da sociedade ré, ambos protelados para 04-06-2018, nos seguintes montantes: 1) vencimentos da gerente da ré, €12.345,96; 2) rendas da sede social, €6.000,00. • A transferência de € 26.522,56, de 18.7.2018, da conta da Linha Vertical para a conta PT…730 acima identificada, tratou-se: A) Do reembolso das despesas correntes efetuadas de Janeiro a Junho de 2018, que incluem Segurança Social, IMIs AIMIs, retenções na fonte, impostos de circulação automóvel, quotas de condomínios, manutenção dos imóveis incluindo a sede, despejas judiciais, despesas de circulação, trabalhos especializados, despesas de representação, material de escritório e outros: 1) Pagas por banco (da conta da CGD ou Millennium de terceiros), no montante €15.640,19; 2) Pagas em dinheiro, no montante €2.602,37. B) Do pagamento dos vencimentos da gerente da Ré e da renda da sede da sociedade Ré de Janeiro a Junho de 2018, protelados para 18-07-2018, nos seguintes montantes: 1) Vencimentos da gerente da Ré, €5.280,00, Janeiro a Junho de 2018, 2) Rendas da sede social de € 3.000,00, de Janeiro a Junho de 2018. • A transferência de € 2.547,43, em 23-10-2018, da conta da Linha Vertical para a conta PT…730, refere-se a quantia paga por banco da conta da CGD ou Millennium de terceiros. 100. É falso que o Recorrente AA tenha violado os deveres de cuidado de lealdade nquanto gerente da Sociedade Linha Vertical. 101. A atuação do Recorrente AA enquanto gerente da Sociedade sempre se pautou pela defesa dos interesses da sociedade e atendendo aos interesses a longo prazo dos sócios e sempre permitiu a sustentabilidade futura da Sociedade. 102. É o comportamento do Recorrido é que está a colocar em causa a futuro da Sociedade. 103. O Recorrente AA não praticou qualquer acto em benefício próprio ou em prejuízo dos sócios e/ou Sociedade Recorrente. 104. Foi o Recorrido quem ao longo dos anos utilizou fundos da Sociedade LINHA VERTICAL em benefício pessoal, 105. E nunca, enquanto o Recorrido foi Gerente, foi convocada ou realizada uma Assembleia geral para apresentação e aprovação de contas. 106. É requisito fundamental para a destituição do gerente de uma sociedade por quotas a existência de uma situação de justa causa. 107. O conceito de justa causa previsto no citado Art.º 257.º do CPC é um conceito indeterminado e que não encontra concretização normativa no Código das Sociedades Comerciais. 108. A concretização deste conceito indeterminado tem que ser aferida caso a caso e perante as circunstâncias especificas de cada situação em concreto. 109. Para se aferir da existência (ou não) de junta causa, torna-se imperioso concluir quais são os deveres que o Gerente de uma Sociedade tem que cumprir e quais os que efetivamente não cumpriu, bem como qual o impacto que esse incumprimento teve na Sociedade ou nos Sócios, ao ponto de não ser sustentável a manutenção do exercício do cargo no futuro. 110. O Recorrido alegou que o Recorrente AA adotou uma conduta generalizada, em conjunto com a outra gerente da Sociedade Recorrente, no sentido de: a. não convocar assembleias gerais; b. não prestar contas ao sócio dos atos por si praticados, mantendo-o totalmente alheado das vicissitudes atinentes à vida da sociedade; c. não prestar informações completas e exatas ao sócio, aqui Recorrido; d. Não elaborar e submeter à apreciação da assembleia geral da sociedade o relatório de gestão, contas do exercício e demais documentos de prestação de contas previstos na lei relativos a cada exercício anual; e. não cumprir oportuna e atempadamente as obrigações legais de depósito das contas na conservatória; f. prestar falsas declarações que, ainda para mais, submete à publicação em registo comercial; g. faturar (ou anuir que se fature) em nome da sociedade Ré e proceder (ou anuir que se proceda) ao pagamento com fundos da sociedade de despesas pessoais da gerente CR; h. transferir (ou permitir que se transfiram) elevados e variados montantes das contas da sociedade para as contas pessoais da gerente CR ou da sua amiga MM; e i. não registar nas contas da sociedade Ré, nem reembolsar, o empréstimo que o Autor fez à sociedade em Fevereiro de 2014. 111. De todo este elenco genérico e infundado de comportamentos que o Recorrido imputou ao Recorrente AA o Tribunal a quo entendeu que o alegado em b., c., e., f., g. e i. não se provou. 112. Contudo, quanto às alíneas a. e h., entendeu o Tribunal a quo que o Recorrente AA não cumpriu a sua obrigação enquanto gerente da Sociedade LINHA VERTICAL. 113. Como acima referido, a concretização do conceito de justa causa previsto no Art.º 257º do CSC tem que ser aferido casuisticamente. 114. Como consta da matéria dada como provada, o Recorrente AA foi nomeado judicialmente gerente da Requerida LINHA VERTICAL - CONSULTORIA E IMOBILIÁRIO, LDA., por sentença proferida em 12 de Fevereiro de 2018. 115. Assim, apenas competia ao Recorrente AA (bem como à outra Gerente) proceder à convocação da Assembleia de Sócios para discussão e aprovação das contas dos exercícios referentes aos anos de 2017 e 2018. 116. Após ter tomado posse do cargo de gerente da Recorrente LINHA VERTICAL, o Recorrente AA toma conhecimento da natureza da Sociedade Linha Vertical – estrutura empresarial de natureza familiar com o capital divido entre os dois sócios em partes iguais (50%) – e de que as contas da Sociedade não são aprovadas deste 2014. 117. Bem como teve conhecimento que o Recorrido não iria aprovar quaisquer contas que fossem sujeitas a discussão e votação. 118. O Recorrido priorizou sempre o seu interesse pessoal, mesmo que em detrimento dos seus deveres de sócio e interesse societário, gerando uma clara confusão de patrimónios, tendo transferido, entre Maio de 2006 e Janeiro de 2014, da conta bancária da Sociedade Recorrente, para a sua conta pessoal, o valor de € 435.460,00, 119. Valores que utilizou para satisfação das suas necessidades pessoais e para sustentar e engrandecer o seu património pessoal, com evidente prejuízo para a Sociedade Recorrente. 120. O Recorrido, em determinado momento, optou por renunciar à Gerência, e colocou a Sociedade num verdadeiro bloqueio, pois sem a gerência totalmente composta e atenta a forma de vinculação da Sociedade, esta ficou impedida – até à nomeação do aqui o Recorrente AA – de praticar os atos necessários para a normal prossecução do respetivo objeto social. 121. O Recorrente AA teve conhecimento que no passado o Recorrido, mesmo enquanto exerceu a gerência, nunca pretendeu a realização de Assembleias-Gerais da Sociedade LINHA VERTICAL. 122. Como também teve conhecimento que quaisquer contas que fossem apresentadas seriam objeto de chumbo por parte do Recorrido, razão pela qual o Recorrido nunca solicitou a realização de Assembleias-Gerias para discussão e aprovação de quaisquer contas. 123. A não convocação imediata da Assembleia para discussão e aprovação da contas de 2017 (e de 2018) teve na sua génese a situação de grande tensão e conflito que pairou no seio da vida dos Sócios da LINHA VERTICAL. 124. Decorrido que se encontrava algum tempo, o Recorrente AA entendeu – conjuntamente com a outra gerente, a Sócia CR, que no ano de 2021 se encontravam reunidas as condições para que pudesse ser realizada uma Assembleia-Geral para apresentação e votação de contas. 125. Assim, um ano e pouco depois de ter assumido funções, e em momento muito anterior à citação para os presentes autos, os Gerentes da Sociedade procederam à convocação da Assembleia-Geral da Sociedade Linha Vertical para o dia 21 de Junho de 2021, e que tinha como ordem de trabalhos (entre outros) deliberar sobre o relatório de gestão, as contas do exercício e sobre a aplicação dos resultados, relativamente aos exercícios de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 [Cfr. Documento 34, junto com a Contestação]. 126. O Recorrido, como mera do conhecimento do Recorrente AA, votou contra as contas apresentadas, tal como tinha acontecido em relativamente às contas de 2014. 127. Sempre com o objetivo de manter o bloqueio da Sociedade e assim atingir a sua ex-mulher, a Sócia CR. 128. O Recorrido nunca solicitou à Gerência a realização de Assembleias-Gerais para apresentação e aprovação de contas e, por outro lado, não se socorreu da ação especial para convocação judicial de assembleia nos termos dos Arts.º 375º, nº 6, do CSC e 1057º do CPC. 129. A não convocação da Assembleia-Geral da sociedade durante o escasso período que decorreu – e não olvidando o período pandémico e de confinamento em que se viveu na época – entre a nomeação do Recorrente AA e a convocação/realização da Assembleia-Geral para aprovação das contas dos exercícios de 2015. 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, não causou qualquer tipo de prejuízo à Sociedade Linha Vertical ou aos respetivos sócios. 130. O Recorrente AA não praticou atos violadores dos seus deveres que o tornassem inexigível o exercício desse cargo, e muito menos de forma culposa. 131. O Recorrente AA cumpriu os seus deveres de gerência com zelo e diligência, de forma absolutamente leal, e sem causar qualquer prejuízo à Sociedade LINHA VERTICAL e/ou aos Sócios. 132. A decisão de destituição do Recorrente AA, com base neste fundamento terá que ser revogada, por a mesma não integrar o conceito de justa causa. 133. Independentemente da procedência do recurso quanto à matéria de facto, a verdade é que foi o facto de a gerência da Sociedade ter ficado incompleta que originou a necessidade de realização das aludidas transferências para contas da Sócia-Gerente CR ou de terceiros. 134. O Recorrente AA não praticou atos violadores dos seus deveres e muito menos que tais atos o tornassem inexigível o exercício do cardo de Gerente da Sociedade LINHA VERTICAL. 135. Os valores das transferências em causa estão todos demonstradas em sede de prova documental junta aos autos, e nenhuma dessas transferências consubstancia um desvio ou aproveitamento da Sócia-Gerente CR. 136. Não foi produzida prova no sentido que tenha sido o Recorrente AA AUTORIZAR alguma dessas transferências sem estar devidamente suportado na documentação comprovativa das despesas por parte da Sociedade e adiantada pela Sócia CR. 137. Não foi produzida qualquer prova que o Recorrente AA tivesse querido ou pretendido prejudicar a Sociedade ou algum dos seus Sócios, nomeadamente o Recorrido. 138. O Recorrente AA prestou todas as informações que foram solicitadas sobre as despesas e receitas da Sociedade LINHA VERTICAL. 139. Não foi produzida prova que a Sociedade LINHA VERTICAL tivesse uma situação financeira difícil e muito menos que tal situação fosse da responsabilidade do aqui Recorrente AA. 140. A relação entre o valor das identificadas transferências e o valor do património imobiliário da Sociedade Recorrente é irrisório. 141. O Recorrente AA cumpriu os seus deveres de gerência com zelo e diligência, de forma absolutamente leal, e sem causar qualquer prejuízo à Sociedade LINHA VERTICAL e/ou aos Sócios. 142. O comportamento imputado ao Recorrente AA relativamente à existência destas transferências – ainda que apenas por mera anuência – não impossibilita a manutenção do vínculo que o une à Sociedade, pois os valores em causa não consubstanciam qualquer desvio feito em benefício da Sócia CR. 143. A decisão de destituição do Recorrente AA, com base neste fundamento terá que ser revogada, por não provada, uma vez que o seu comportamento não integra o conceito de justa causa necessário para a destituição do cargo de gerente. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS., VENERANDOS DESEMBARGADORES, DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ: A. SER JULGADA PROCEDENTE POR PROVADA, A NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA, POR VIOLAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS PREVISTOS NO ART.º 607º DO CPC, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO ART.º 615º DO CPC; E CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, B. SER RECONHECIDA A DEFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, E, CONSEQUENTEMENTE, DEVERÁ SER OBJETO DE REFORMULAÇÃO POR PARTE DAQUELE TRIBUNAL, O QUE SE REQUER, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO ART.º 662º, N.º 2, AL. D), DO CPC.; E CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, C. SER JULGADA PROCEDENTE POR PROVADA, A NULIDADE DA SENTENÇA EM VIRTUDE DA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SE BASEAR EM FACTOS QUE NÃO CONSTAM DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, SENDO ESTE UM FACTO ESSENCIAL [SOCIEDADE RECORRENTE VIVIA UM CONTEXTO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS] QUE CARECIA DE PROVA NESSE SENTIDO, POR VIOLAÇÃO DO PRECEITUADO NO ART.º 607.º DO CPC, NULIDADE QUE SE INVOCA NOS TERMOS E PARA OS EFEITO DO ARTS.º 615.º DO CPC.; E CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, D. SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO O RECURSO QUANTO À IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; E E. SER JULGADO PROCEDENTE O RECURSO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!”
Pelo requerente foram apresentadas CONTRA-ALEGAÇÕES, nas quais concluiu: “A decisão recorrida não padece de qualquer um dos vícios que lhe são imputados pelos Recorrentes no seu recurso, devendo manter-se inalterada, porquanto: 1. Ao invés do que alegam os Recorrentes, a sentença recorrida não incorre em nulidade por falta de fundamentação por referência ao disposto no artigo 607º do CPC e nos termos do artigo 615º do CPC, porquanto: 1.1 Só ocorre nulidade da sentença nos teros previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito, ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, o que não é o caso em apreço, pois a decisão quanto à matéria de facto: 1.1.1 Enumera os factos que considera provados e não provados; 1.1.2 Indica, relativamente a cada facto que considera provado, o concreto meio de prova produzido que sustenta a sua demonstração; 1.1.3 Aprecia os meios probatórios produzidos; 1.1.4 Fundamenta, de forma desenvolvida e pormenorizada, a sua decisão quanto à matéria de facto, detendo-se na apreciação e justificação do motivo pelo qual os factos foram dados como provados ou como não provados. 1.2 O depoimento da única testemunha VH foi ponderado, mas não foi decisivo na formação da convicção do Tribunal, nem é determinante na decisão de qualquer um dos pontos da matéria de facto dada como provada, como resulta da própria decisão, que indica de forma pormenorizada e específica qual o meio de prova concreto que foi decisivo para a convicção do tribunal; 1.3 Do mesmo modo e pelas mesmas razões, também não se verifica na decisão recorrida uma deficiente fundamentação que imponha a sua reformulação nos termos previstos no artigo 662º, n.º 2, alínea d) do CPC, pelo que também essa pretensão deverá improceder. 2. Do mesmo modo, a decisão recorrida também não padece do vício de nulidade a que se refere o artigo 615º, n.º 1, alínea b) do CPC por se fundar, alegadamente, em facto que não conta da lista de factos provados, porquanto: 2.1. O Tribunal em momento algum assenta a sua decisão num facto não provado – a situação de dificuldade financeira da Recorrente – estando a decisão final de destituição assente nos factos que efetivamente deu como provados com os números 9, 11 e 13; 2.2. A mera menção, no meio de uma longa fundamentação de direito, a um contexto de dificuldade financeira, para além de não constituir o fundamento da decisão recorrida, é feita por referência ao facto provado n.º 12 de onde se retira que é o próprio Recorrente a declarar que a sociedade não tem disponibilidade financeira; 3. A decisão quanto à matéria de facto dada como provada não padece dos vícios que lhe são apontados pelos Recorrentes, devendo manter-se inalterada, porquanto: 3.1. O facto provado n.º 3 contém um manifesto lapso ou gralha pois, nos termos do documento que lhe serve de suporte (certidão comercial), o capital da sociedade Recorrente está distribuído em duas quotas iguais de € 2.550,00 cada uma, devendo o mesmo ser retificado pelo Tribunal a quo no despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, nos termos previstos no artigo 617º, n.º 1 e 2 do CPC, e sendo certo que o lapso verificado não tem a mais ínfima interferência ou reflexo na decisão final proferida. 3.2. O facto provado n.º 9 está perfeitamente assente e reconhecido por todos, estando demonstrado que o Recorrente AA, desde que foi nomeado gerente da sociedade Recorrente, em 2018, e até ao ano de 2021 não convocou qualquer assembleia geral. 3.3. Não pode proceder a pretensão dos Recorrentes no sentido do aditamento de um novo facto à lista de factos provados com o seguinte teor “Desde o ano de 2005 [constituição da sociedade] até julho de 2016 [cessação de funções de gerente por renúncia] – período em que o Recorrido exerceu funções de gerente da Recorrente Linha Vertical – nunca promoveu a realização de assembleias gerais para aprovação das contas da sociedade” porquanto: 3.3.1. O Recorrente AA não pode pretender justificar a sua conduta omissiva e displicente enquanto gerente da sociedade Recorrente com alegadas condutas anteriores do Recorrido; 3.3.2. Ao Recorrente AA impunha-se que cumprisse a lei e convocasse assembleias gerais anuais; 3.3.3. O que está a ser apreciado neste processo é a violação dos deveres de gerente por parte do Recorrente AA e não por parte do Recorrido; 3.3.4. Não é verdade e não está minimamente demonstrado nos autos que o Recorrido não tenha promovido assembleias gerais durante os anos em que exerceu a gerência, tendo, aliás, sido referido pela testemunha VH que, até ao litígio matrimonial, as contas eram analisadas e aprovadas pelos sócios da sociedade Recorrente, casados entre si, em reuniões de trabalho informais realizadas de forma presencial: 3.4. Não pode igualmente proceder a pretensão dos Recorrentes no sentido do aditamento de um novo facto à lista de factos provados com o seguinte teor “Que o Recorrido JA, enquanto as contas relativamente ao ano de 2014 não se encontrarem aprovadas, votará contra todas as contas relativas aos exercícios seguintes, impedindo assim – atenta a distribuição do capital social da sociedade Linha Vertical – a aprovação e quaisquer contas que venham a ser apresentadas.”, porquanto: 3.4.1. Não é admissível que o Recorrente AA assuma, apenas com base na informação absolutamente parcial que lhe será transmitida pela sócia e gerente CR, que a convocação de assembleias gerais é inútil porque o Recorrido iria sempre votar contra, sendo certo que, ainda que assim fosse (o que nãos e concede), o gerente AA continuava a ter a obrigação de convocar as assembleias gerais e de aguardar pelo resultado da votação dos sócios; 3.4.2. O facto que os Recorrentes pretendem aditar, para além de não refletir a verdade, não é, sequer, um facto sim uma conclusão, presunção ou total divagação dos Recorrentes totalmente insustentada e carente de prova. 3.5. O facto provado n.º 10, que os Recorrentes entendem que deve ser dado como não provado ou, pelo menos, contextualizado no sentido de que aquando da prolação da decisão que condenou a Recorrida Linha Vertical a pagar os valores que o Recorrido se arrogava titular e que são decorrentes do contrato de arrendamento da casa sita em Lisboa já se encontravam a ser pagos através da execução da sentença proferida no âmbito do processo n.º 25925/19.6T8LSB, está perfeitamente assente, demonstrado e reconhecido pelos Recorrentes, inexistindo motivo para a sua alteração, porquanto: 3.5.1. É inegável que o Recorrente AA, a partir do momento em que foi designado gerente da sociedade Recorrente, em fevereiro de 2018, e independentemente do motivo, não promoveu o pagamento ao Recorrido da parcela da renda devida pelo arrendamento deste imóvel de Lisboa; 3.5.2. É, também, inegável que a ação judicial onde se discutiu a matéria do despejo e rendas em dívida – o processo n.º 25925/19.6T8LSB - só deu entrada em juízo em 29 de novembro de 2019 e foi contestada em março de 2020, sendo que, até lá e durante cerca de dois anos (2018 a 2020), o motivo indicado para o não pagamento das rendas (a matéria estava a ser discutida no âmbito do processo judicial) não existia e, ainda assim, o Recorrente AA não pagou as mencionadas rendas; 3.5.3. O facto provado n.º 10 que os Recorrentes impugnam não influiu na decisão final que veio a ser proferida quanto ao mérito do processo, nem contribuiu para que o Tribunal concluísse pela existência de justa causa para a destituição do Recorrente AA, dele não tendo sido extraída qualquer consequência ou efeito para o efeito de qualificação do comportamento do Recorrente, sendo por isso irrelevante a apreciação desta matéria nesta sede recursiva porquanto, ainda que este facto fosse considerado como não provado – o que não se concede – a decisão final de destituição do Réu AA com justa causa manter-se-ia inalterada, atendendo aos factos que lhe serviram, efetivamente, de fundamento. 3.5.4. A reapreciação de matéria de facto que é irrelevante para a decisão final constitui atividade processual inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais plasmados nos artigos 2º, nº 1, 137º e 138º do C.P.C.. 4. A decisão quanto à matéria de facto dada como não provada não padece dos vícios que lhe são apontados pelos Recorrentes, devendo manter-se inalterada, porquanto: 4.1. O facto não provado que consta da alínea o) dos factos dados como não provados deve manter-se inalterado e na lista de factos dados como não provados, por ausência de prova cabal, porquanto: 4.1.1. Os documentos juntos pelos Recorrentes como Doc. 27, Doc. 28, Doc. 77 e Doc. 78 da contestação não são aptos para demonstrar este facto, admitindo-se que possam sustentar a demonstração do facto n.º 29 da lista de factos provados; 4.1.2. Também aqui se verifica que esta pretensão recursiva é manifestamente irrelevante para a decisão final e constitui atividade processual inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais plasmados nos artigos 2º, nº 1, 137º e 138º do C.P.C., pois o facto em apreço não contribuiu para o sentido decisório que veio a ser plasmado na sentença e a sua eventual alteração, no sentido de passar a considera-se este facto como provado, não redundaria em qualquer alteração na decisão final de destituição com justa causa do Recorrente AA; 4.2. Os factos não provados que constam das alíneas j), k) e l) dos factos dados como não provados devem manter-se inalterados e na lista de factos dados como não provados, por ausência de prova cabal, porquanto: 4.2.1. Estando cabalmente demonstrada nos autos e reconhecida pelos Recorrentes a realização, pela gerência da sociedade Recorrente, das transferências da conta bancária da sociedade recorrente para a conta bancária com o IBAN …730 que pertence a MM (facto provado n.º 26) ou para a conta bancária da gerente CR, a que reportam os factos provados n.º 11 e 13 (factos que os Recorrentes não impugnaram), impunha-se aos Recorridos que demonstrassem a bondade e legitimidade destas operações no contexto do desenvolvimento da normal atividade social e justificassem a sua realização; 4.2.2. Mas os Recorrentes não lograram fazer esta demonstração, tendo apenas juntado aos autos um vastíssimo conjunto de faturas, talões, tickets, recibos, extratos e comprovativos de pagamentos dos mais variados artigos e itens realizados, mas desacompanhados de qualquer explicação, enquadramento ou justificação que permitisse ao Tribunal aferir se cada uma das despesas a que reporta cada um dos inúmeros documentos juntos ao processo corresponde a uma despesa da sociedade, relacionada com a respetiva atividade, que tenha sido paga por terceiro e que deva, por isso, ser reembolsada. 5. A decisão proferida quanto à matéria de direito não padece de qualquer um dos vícios que lhe são imputados, devendo manter-se inalterada e improcedendo a argumentação expendida pelos Recorrentes porquanto: 5.1. Quanto à não convocação de assembleias gerais anuais, não se vislumbra qualquer razão atendível que o justifique, na medida em que: 5.1.1. Esta não convocação não decorre de um pequeno atraso, mas da deliberada intenção do Recorrente de não convocar assembleias durante mais de três anos; 5.1.2. O facto de as contas da sociedade não serem colocadas à consideração dos sócios desde 2014, deveria ter impelido o Recorrente AA a regularizar esta situação de forma minimamente célere e não a protelar a inércia e a perpetuar as irregularidades; 5.1.3. Não é verdade, nem está demonstrado que o Recorrido não pretendesse assembleias gerais e que não tivesse convocado assembleias quando era gerente da sociedade Recorrente, como atestou a testemunha VH, que descreveu o modo como, enquanto os sócios mantiveram a sua relação matrimonial, os sócios aprovavam as contas em reuniões informais; 5.1.4. Corresponde a uma infundada divagação a afirmação feita pelo Recorrente no sentido de que quaisquer contas que fossem apresentadas aos sócios seriam objeto de chumbo pelo Recorrido; 5.1.5. Em qualquer caso, e fosse qual fosse a posição do Recorrido quanto à realização das assembleias gerais e o seu voto relativamente aos documentos contabilísticos, a obrigação do Recorrente AA era dar cumprimento à lei e convocar as assembleias gerais anuais para aprovação de contas, o que não fez por iniciativa e responsabilidade próprias; 5.1.6. Não se admite igualmente que um gerente nomeado pelo Tribunal e supostamente isento e imparcial se abstenha de convocar assembleias gerais anuais para apreciação das contas em virtude de uma alegada situação de grande tensão e conflito entre sócios; 5.2. Quanto à realização de transferências de avultados valores da conta bancária da sociedade para contas bancárias da gerente CR e da sua amiga MM: 5.2.1. Como bem notou o Tribunal a quo, não resultou minimamente demonstrado que se destinassem a “repor” valores pagos e, supostamente, referentes à sociedade, sendo certo que o amontoado de documentos juntos aos autos, sem qualquer contexto ou explicação, não permite demonstrar em que medida é que cada uma dos valores suportados era uma despesa da sociedade Recorrente que devesse ser por esta suportada, atendendo ao respetivo objeto social, e não uma despesa pessoal da gerente CR; 5.2.2. A decisão recorrida não está fundamentada no facto não provado referente à situação financeira da sociedade, mas sim nos factos provados n.º 9, 11 e 13, sendo certo que a consideração vertida na sentença no sentido de que Num contexto de dificuldades financeiras, mal se compreende que tenham sido transferidos valores elevados para terceiros, sem se ter apurado uma justificação atendível é feita por referência ao facto dado como provado n.º 12 que os Recorrentes não impugnam e do qual resulta que foi o próprio Recorrente que atestou as dificuldades de tesouraria da sociedade Recorrente; 5.2.3. Não ficou demonstrado no processo qual o valor do ativo imobiliário da sociedade Recorrente ao tempo da realização das transferências, pelo que também não seria curial concluir, como pretendem os Recorrentes, que a relação entre o valor das transferências e o valor do património imobiliário sociedade recorrente é irrisório, sendo certo que o montante das transferências realizadas – que ascende a mais de setenta mil euros – não pode, de modo algum, ser considerado irrisório, principalmente se atendermos às circunstâncias concretas da sociedade Recorrente e, particularmente, às suas dificuldades de tesouraria. 5.3. Quanto ao preenchimento do conceito de justa causa para a destituição do Recorrente: 5.3.1. Ficou cabalmente demonstrado que o Recorrente AA praticou atos que violam os seus deveres enquanto gerente, pois: Atuou de forma displicente, não cumprindo de forma atempada e oportuna as suas obrigações legais, nomeadamente a obrigação legal de levar as contas sociais à apreciação dos sócios, para respetiva aprovação, por via da convocação de assembleias gerais anuais; Atuou de forma parcial e descurando o interesse social, permitindo e participando na realização de transferências bancárias de valores que pertenciam à sociedade em benefício de uma sócia e gerente, sem justificação cabal, o consubstancia desvio ilegítimo de fundos da sociedade. 5.3.2. Esta conduta é tanto mais reprovável quanto se sabe que o Recorrente AA foi nomeado gerente pelo Tribunal e num contexto de intensa litigiosidade entre sócios e de contas sociais não regularizadas, o que impõe especiais deveres de cuidado, zelo e diligência que o Recorrente não satisfez, antes compactuando com a não convocação de assembleias gerais anuais e com a prestação de informação falsa em documentação oficial, como a IES, bem como com a realização de transferências de avultadíssimos fundos da conta bancária da sociedade para a conta bancária de uma sócia gerente ou, pior ainda, de uma amiga da sócia gerente, sem que esse fluxo pecuniário estivesse absolutamente clarificado e justificado. 5.3.3. Posto isto, não é exigível à sociedade que mantenha na sua gerência um gerente que, apesar de ter sido designado pelo Tribunal para ultrapassar uma situação de vazio que dificultava a operacionalidade da sociedade e de quem se esperava, por isso mesmo, absoluta imparcialidade e idoneidade, vem perpetuar as irregularidades e dificuldades, vem agudizar as dúvidas quanto ao regular exercício da gerência da sociedade e vem, ademais, constituir um foco adicional de divergência societária. 6. Em face de tudo o que resultou demonstrado, esteve bem o Tribunal a quo ao concluir pela existência de justa causa para a destituição do gerente AA, pelo que nada haverá a apontar à decisão recorrida, que deverá manter-se inalterada. 7. Caem, deste modo, todos os argumentos invocados pelos Recorrentes para fundamentar o seu recurso, o que deverá determinar a sua total improcedência com a manutenção da decisão recorrida, que de nenhum vício padece. Termos em que, Espera o Autor / Recorrido ver negado integral provimento ao recurso interposto pelos Réus / Recorrentes, Como é de JUSTIÇA!”
O recurso foi admitido pelo tribunal a quo por despacho proferido em 19/11/2024, tendo a Mma. Juíza a quo se pronunciado no sentido de não padecer a sentença de nulidade[2].
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando estejam em causa questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado- artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Não está, porém, este tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelos recorrentes, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio.
No caso, importa decidir:
1. Da nulidade da decisão recorrida;
2. Da impugnação do julgamento da matéria de facto;
3. Da verificação dos pressupostos para a destituição do requerido como gerente da sociedade requerida.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1. Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda., NIF …, tem sede no Passeio …, …, freguesia de Parque das Nações, em Lisboa (cf. certidão da matrícula a fls.88v e ss.). 2. Tem por objecto social: prestação de serviços de consultoria na área da gestão, serviços de contabilidade, análise e gestão de projectos empresariais; acções de formação nas áreas comercial, financeira, recursos humanos, logística, planeamento e gestão estratégica; projectos de decoração; avaliações e auditorias empresariais; compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; arrendamento e administração de imóveis; consultoria e promoção imobiliária; urbanização de terrenos, compra e venda de materiais de construção e, em geral, todo o tipo de actividades relacionadas com a construção e promoção imobiliária (cf. certidão da matrícula a fls. 88v e ss.). 3. Tem o capital social de €5.100,00, repartido da seguinte forma (cf. certidão da matrícula a fls .88v e ss.): - CR – €2.550,00; - JA – €2.450,00. 4. A sociedade vincula-se com a assinatura de dois gerentes (cf. certidão da matrícula a fls.88v e ss.). 5. Em 27.12.2005 mostra-se registada a nomeação de JA como gerente da sociedade e em 4.7.2016 a cessação dessas funções, por renúncia (cf. certidão da matrícula da requerida a fls. 88v e ss.) 6. Em 14.3.2006 mostra-se registada a nomeação de CR como gerente da sociedade (cf. certidão da matrícula a fls.88v e ss.). 7. O Requerente e CR foram casados um com o outro, encontrando-se actualmente divorciados (acordo nos articulados). 8. O Requerido AA foi nomeado judicialmente gerente da Requerida Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda., por sentença de 12 de Fevereiro de 2018, transitada em julgado (cf. decisão proferida no p.p. em 12.2.2018). 9. Não foram convocadas assembleias gerais para apreciação das contas da sociedade e para apreciação dos demais aspectos da vida da sociedade, até 2021 (acordo nos articulados). 10. O Requerido AA, enquanto gerente da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda., não promoveu o pagamento ao Autor da parcela da renda devida pelo arrendamento da fracção “A3”, integrante do prédio urbano sito no Passeio das ..., n.º ..., freguesia do Parque das Nações, em Lisboa. 11. Os gerentes da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda. ordenaram a transferência da conta bancária da sociedade, para a conta bancária de MM n.º PT…730, da quantia de €2.547,43, indicando como descritivo da transacção o pagamento de “despesa a sócia” (doc. n.º 7 a fls. 32v). 12. No âmbito do processo executivo instaurado pelo Requerente, que corre termos com o n.º 13951/16.1T8LSB, a sociedade subscreveu escrito com data de 20 de Abril de 2020, dirigido ao Agente de Execução, nos termos do qual: «Tendo a Linha Vertical, Lda. tomado conhecimento da vossa notificação para penhora relativa ao processo 13951/16.1T8LSB.1 no dia 15/4/2020, informa-se V. Ex.a que a entidade patronal, Linha Vertical, Lda. não está a pagar a remuneração a CR - Nif xxxx, por não existirem disponibilidades financeiras.» (cf. escrito, com cópia a fls. 33v, com data de 20 de Abril de 2020). 13. Os gerentes da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda. ordenaram a transferência da conta bancária da sociedade da quantia de €43.704,99, em 4 de Junho de 2018 e de €26.522,56, em 18 de Julo de 2018, para a conta da gerente CR (cf. docs. a fls. 34, 34v e 35 e admissão dos factos na oposição, acompanhada de explicação para tais movimentos). 14. A sociedade Requerida é proprietária do imóvel constituído por fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente a moradia de R/C e primeiro andar sita na Rua das … - Jardins da …, Lote 137, freguesia de União das Freguesias de …, concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais com o n.º … da freguesia de Parede e inscrito na respectiva matriz sob o artigo … (cf. conforme caderneta predial junta como doc. n.º 10 com a oposição, sendo que o facto não foi impugnado). 15. O imóvel constituído por fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente a moradia de R/C e primeiro andar sita na Rua das … - Jardins da …, Lote 137, freguesia de União das Freguesias de Carcavelos e Parede, concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais com o n.º 2480 da freguesia de Parede e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5910 está arrendado a terceiros, para habitação, desde Junho de 2018, tendo sido fixado o pagamento de uma renda mensal no valor de €2.950,00 (doc. 29 junto com a oposição – contrato de arrendamento do imóvel em causa). 16. A sociedade Requerida fez registar as prestações de contas referentes aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 sem que as mesmas tenham sido objecto de aprovação em assembleia geral de sócios, mas nelas se fazendo menção declarando que as mesmas foram aprovadas por unanimidade dos sócios e que as assembleias gerais de aprovação foram regularmente convocadas, com excepção das contas relativas ao exercício de 2018, alegadamente aprovadas em assembleia universal (cf. doc. n.º 12 junto com a oposição). 17. Na acção correu termos com o n.º 20947/19.0T8LSB, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 3, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, por provada e declarou a inexistência das deliberações da assembleia geral da Requerida de aprovação das contas dos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 (cf. doc. n.º 12 junto com a oposição). 18. Essa sentença foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação, o qual julgou a apelação improcedente e manteve inalterada a sentença recorrida, que transitou em julgado em 13 de Janeiro de 2021 (cf. doc. n.º 12 junto com a oposição). * 19. Por contrato de 7.5.2018, a sociedade Requerida arrendou a Vivenda dos Jardins da ... (cf. contrato de arrendamento junto como doc. 29 com a oposição). 20. O referido contrato foi comunicado ao Serviço de Finanças (cf. declaração que constitui o doc. 30 com a oposição). 21. A gerência da sociedade Requerida, convocou uma Assembleia Geral da Sociedade LINHA VERTICAL - Consultoria e Imobiliário, Lda., com sede na Avenida do …, n.º …, escritório 5.07, Parque das Nações, NIPC .., a realizar no dia 21 de Junho de 2021, pelas 10h30, na respectiva sede social, com a seguinte ordem de trabalhos, de acordo com a carta/convocatória: Ponto um – Deliberar e ratificar, a propositura da ação que corre termos sob o n.º 14031/19.3T8LSB, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 2, com vista a obter a condenação do sócio JA, a: a) Devolver à sociedade os veículos com as matrículas ..-EJ-.. e ..-NB-..; b) Pagar, a título de indemnização, os danos decorrentes da utilização das viaturas sem autorização da sociedade; c) Pagar à sociedade o valor que o sócio JA, recebeu das sociedades que detém a título de ajudas de custo; d) Pagar à sociedade o valor correspondente aos custos derivados da desvalorização e desgaste das viaturas; e) A pagar à sociedade o valor correspondente aos custos extraordinários que venham a surgir até à data em que o sócio JA, devolva as viaturas à sociedade. Mais informamos V.Exa., que nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 384º do CSC, ex vi n.º 1 do artigo 248º do CSC, não pode votar neste ponto um, nem por si nem por representante. Ponto dois – Deliberar sobre o relatório de gestão, as contas do exercício de 2015 e sobre a aplicação dos resultados. Ponto três – Deliberar sobre o relatório de gestão, as contas do exercício de 2016 e sobre a aplicação dos resultados. Ponto quatro – Deliberar sobre o relatório de gestão, as contas do exercício de 2017 e sobre a aplicação dos resultados. Ponto cinco – Deliberar sobre o relatório de gestão, as contas do exercício de 2018 e sobre a aplicação dos resultados. Ponto seis – Deliberar sobre o relatório de gestão, as contas do exercício de 2019 e sobre a aplicação dos resultados. Ponto sete – Deliberar sobre o relatório de gestão, as contas do exercício de 2020 e sobre a aplicação dos resultados (cf. carta/convocatória junta como doc. 34 com a oposição). 22. A carta remetida para convocatória do Requerente, por ele recebida, refere, além do mais, que em anexo seguem: relatórios de gestão, balanços e demostrações de resultados dos exercícios de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 (cf. carta/convocatória, registo e aviso de recepção junta como doc. 34 com a oposição). 23. A assembleia geral da sociedade Requerida a que se refere a convocatória referida no facto 21) realizou-se em 21 de Junho de 2021 (cópia da Acta da assembleia - doc. 35 junto com a oposição). 24. Foram apresentadas na AT as “IES” da sociedade Requerida relativamente ao período de 2018 a 2021 (cf. docs. 38 a 41 juntos com a oposição). 25. Em 3.7.2018, foi entregue na Vivenda dos Jardins da ..., sita na Rua das …, Vivenda J, …, Jardins da …, uma máquina de lavar roupa (cf. doc. 51 com a oposição). 26. A conta bancária PT…730 é da titularidade da Dr.ª MM e a sócia e gerente CR foi “autorizada” a movimentar tal conta até 18.12.2019 (cf. declaração da CGD junta como doc. 63 com a oposição). 27. Foram efectuados os seguintes pagamentos ao Estado, da responsabilidade da sociedade Requerida, através de fundos da conta aberta no Millenium BCP, S.A., com o n.º …319: - €109,53 (docs. fls. 260v e 262v) - €63,00 (docs. fls. 267v e 268) 28. Foram efectuados os seguintes pagamentos ao Estado, da responsabilidade da sociedade Requerida, através de fundos da conta aberta na Caixa Geral de Depósitos, S.A. com o n.º …730: - €406,38 (docs. fls. 264 e verso) - €63,00 (docs. fls. 279 e 282) - €347,50 (docs. fls. 282 e 284) - €350,38 (docs. fls. 282 e 286) 29. Relativamente ao imóvel - Vivenda dos Jardins da ... sita na Rua das …, Vivenda J, …, Jardins da …, a sociedade Requerida comunicou às finanças: - Arrendamento com início em 1.6.2018 (cf. doc. 30). - Cessação de arrendamento com início em 8.7.2019 e termo em 7.7.2021 (cf. docs. 77 e 78 juntos com a oposição).
E considerou não provados: a) O Requerido AA, enquanto gerente da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda., não presta contas dos actos por si praticados no exercício das funções de gerência, nem das decisões que toma e implementa. b) O Requerido AA, enquanto gerente da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda. não presta informações completas e exactas ao Autor sobre a sociedade Requerida, ignorando os pedidos de informação que este lhe dirigiu. c) O Requerido AA, enquanto gerente da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda., não procedeu ao depósito das contas na Conservatória do Registo Comercial. d) O Requerido AA admite que sejam utilizadas verbas da sociedade Requerida para aquisição de bens pessoais, por via da compra de cartões presente da SONAE SIERRA que depois utiliza (ou admite que sejam utilizadas) na aquisição de bens e pagamento de despesas pessoais que não têm qualquer relação com a actividade da sociedade Requerida. e) O Requerido AA admite que sejam utilizadas verbas da sociedade Requerida para aquisição directa de bens pessoais, tais como despesas de jardinagem e aquisição de uma máquina de lavar roupa. f) O Requerido AA não contabilizou o empréstimo feito pelo Autor, na qualidade de sócio, à sociedade Requerida, em Fevereiro de 2014, no valor de €50.000,00. g) Os gerentes da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda. ordenaram a transferência da conta bancária da sociedade da quantia €8.500,00, realizada em 15 de Fevereiro de 2018, para a conta de MM. h) O contrato de arrendamento do imóvel constituído pela fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente a moradia de R/C e primeiro andar sita na Rua …, freguesia de União das Freguesias de …, concelho de Cascais, com início em Junho de 2018, não foi declarado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira i) O Requerido AA, enquanto gerente da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda., aceita e valida a apropriação pela sócia gerente CR do valor da renda mensal do imóvel referido no ponto anterior. j) A transferência de €43.704,99, de 4.6.2018, da conta da Linha Vertical para a conta PT …730 acima identificada, tratou-se: A) Do reembolso das despesas correntes efectuadas no ano de 2017, que incluem Segurança Social, IMIs AIMIs, retenções na fonte, impostos de circulação automóvel, quotas de condomínios, manutenção dos imóveis incluindo a sede, despejas judiciais, despesas de circulação, trabalhos especializados, despesas de representação, material de escritório e outros: 1) Pagas por banco (da conta da CGD ou Millennium de terceiros), no montante €20.030,73; 2) Pagas em dinheiro, no montante €5.328,30; B) Do pagamento do vencimento da gerente da Ré do ano de 2017 e da renda da sede da sociedade Ré, ambos protelados para 04-06-2018, nos seguintes montantes: 1) Vencimentos da gerente da Ré, €12.345,96; 2) Rendas da sede social, €6.000,00. k) A transferência de €26.522,56, de 18.7.2018, da conta da Linha Vertical para a conta PT…730 acima identificada, tratou-se: A) Do reembolso das despesas correntes efectuadas de Janeiro a Junho de 2018, que incluem Segurança Social, IMIs AIMIs, retenções na fonte, impostos de circulação automóvel, quotas de condomínios, manutenção dos imóveis incluindo a sede, despejas judiciais, despesas de circulação, trabalhos especializados, despesas de representação, material de escritório e outros: 1) Pagas por banco (da conta da CGD ou Millennium de terceiros), no montante €15.640,19, 2) Pagas em dinheiro, no montante €2.602,37. B) Do pagamento dos vencimentos da gerente da Ré e da renda da sede da sociedade Ré de Janeiro a Junho de 2018, protelados para 18-07-2018, nos seguintes montantes: 1) Vencimentos da gerente da Ré, €5.280,00, Janeiro a Junho de 2018, 2) Rendas da sede social de € 3.000,00, de Janeiro a Junho de 2018. l) Transferência de € 2.547,43, em 23-10-2018, da conta da Linha Vertical para a conta PT…730, refere-se a quantia paga por banco da conta da CGD ou Millennium de terceiros. m) O inquilino do escritório das Amoreiras titulado pela Requerida, deixou de pagar rendas desde Novembro/2019, sendo que só em Junho/2022 é que se se recuperou o imóvel. n) Estando o escritório das Amoreiras em obras de recuperação, a sociedade Requerida não recebeu qualquer renda entre Novembro de 2019 e a data de apresentação da oposição. o) A sociedade Requerida comunicou às finanças, quanto ao imóvel - Vivenda dos Jardins da ... sita na Rua das …, Vivenda J, …, Jardins da …: - Cessação do arrendamento com PS, em 31.12.2016. - Novo arrendamento com início em 8.7.2019, com a renda de € 3.000,00.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Da putativa nulidade da sentença
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Como decorre desta norma, as causas de nulidade aqui previstas reportam-se à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, consubstanciando as mesmas, vícios formais da sentença ou vícios referentes à extensão/limites do poder jurisdicional (não contendendo, pois, com o mérito da decisão)[3].
Tais nulidades, para além de não serem de conhecimento oficioso, respeitam, nas palavras de Rui Pinto[4], “ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objeto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento”.
Invocando a al. b) desta norma e, ainda, o artigo 607.º do mesmo código, pugnam os recorrentes pela nulidade da sentença, com os seguintes argumentos:
- ausência de fundamentação quanto à matéria de facto dada como provada, por violação dos requisitos legais previstos no art.º 607º do CPC; - deficiente fundamentação da decisão proferida pelo tribunal a quo, - fundamentação da decisão baseada em factos que não constam da decisão da matéria de facto, sendo este um facto essencial [sociedade recorrente vivia um contexto de dificuldades financeiras] que carecia de prova nesse sentido.
O recorrido refuta que a sentença padeça de tais vícios.
Assim também o defendeu a Mma. Juíza a quo.
A nulidade prevista na citada al. b) – falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão -, tem correspondência com o n.º 3 do artigo 607.º do CPC, segundo o qual deve o juiz “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”[5], estando igualmente conexionada com o artigo 154.º, n.º 1 do mesmo código, o qual dispõe que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”[6].
Contudo, como tem vindo a ser decidido de forma uniforme pela nossa jurisprudência, apenas a absoluta falta de fundamentação é susceptível de integrar nulidade, já assim não ocorrendo se a sentença, embora de forma insuficiente ou mesmo incorrecta, se mostre fundamentada[7].
Ora, da leitura da sentença recorrida, constata-se que a Mma. Juíza a quo elencou quais os factos que considerava provados, bem como os que considerava não provados.
Acresce que igualmente se procedeu à indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas nas quais se sustentou o decidido.
Já em sede de motivação, a Mma. Juíza a quo expôs de forma clara a razão pela qual formou a sua convicção, seja fundamentando-a nas posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados (permitindo concluir não se tratar de matéria controvertida, sobre a mesma existindo acordo[8]), seja por referência aos documentos que foram juntos ao processo, seja, ainda, por referência ao depoimento da única testemunha inquirida – “O depoimento foi conjugado com os documentos juntos nestes autos e indicados em cada facto provado” (sublinhado nosso).
E se é certo que, em sede de fundamentação da matéria de facto provada, apenas se alude especificamente ao facto n.º 10, tal circunstância deve-se a este ser o único ponto cuja prova não resultou de documento junto (e não impugnado) ou do acordo entre as partes. Todos os demais mostram-se sustentados nos documentos expressamente indicados em cada um deles ou na circunstância de as partes quanto a eles estarem de acordo.
Ora, em face de assim ser, desnecessário seria voltar a descriminar tais meios probatórios quanto aos demais factos, porquanto a correspondência com cada um dos pontos de facto se encontrava devidamente efectuada.
E, acrescenta-se, não obstante o tribunal tenha igualmente valorado o depoimento da testemunha inquirida, como também se referiu, o mesmo não deixou de ser conjugado com a mencionada prova documental (sendo esta que, no caso, assume relevância).
Por seu turno, no que concerne aos factos não provados, consignou-se expressamente que os mesmos tiveram subjacente a “insuficiência de prova”, sendo que, com relação a cada um deles, se esclareceu, de forma fundamentada, o porquê de assim se ter entendido. Aliás, o tribunal escalpelizou a documentação apresentada para prova de tal factualidade, desmontando a defesa que, através dos mesmos, o requerido pretendia levar a cabo.
Na sentença recorrida foi, pois, cumprido o dever de fundamentação, dever esse que se assume como relevante para um processo equitativo e respeitador do contraditório (permitindo à parte reagir caso não concorde com o fixado na sentença e com a convicção sustentada pelo julgador, como sucedeu com os aqui recorrentes), viabilizando que, em face de toda a factualidade (provada e não provada), possa a sentença ser sindicada em sede de recurso (designadamente para efeitos de eventual reapreciação da decisão referente à matéria de facto).
Apenas se poderia equacionar uma omissão de tal dever na eventualidade de a sentença se revelar ininteligível – sendo que, nesta hipótese, cair-se-ia já no âmbito da previsão da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º -, o que não é o caso, porquanto dúvidas inexistem de terem os apelantes percepcionado a realidade que foi considerada demonstrada e o juízo valorativo levado a cabo pelo tribunal recorrido.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[9], “O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da ação, (…) o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada (…)". Mais esclarecendo o primeiro desses autores[10]: “quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais (…)”.
Em suma, resulta da sentença recorrida estarem suficientemente indicados os fundamentos de facto e de direito em que assenta, mais se tendo demonstrado de forma clara as razões que estiveram subjacentes à motivação do julgador, pelo que a mesma não padece do vício que lhe é imputado (falta de fundamentação).
Por assim ser, igualmente não poderá proceder a pretensão de, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. d), do CPC, serem os autos remetidos ao tribunal a quo para que fundamente a decisão de facto (que seja a sentença recorrida objecto de reformulação por alegada deficiente fundamentação), porquanto tal decisão encontra-se devidamente fundamentada por referência a cada um dos factos provados e não provados.
Defendem, também, os apelantes que sempre a sentença se terá de julgar nula por estar fundamentada com base em factos que não constam da matéria dada como provada, designadamente ao considerar que a sociedade requerida “vivia um contexto de dificuldades financeiras” (acrescentando tratar-se de facto essencial que carecia de prova, prova essa que referem não ter sido feita).
Argumentam não estar demonstrado que a mesma tivesse uma situação financeira difícil. Antes pelo contrário, da prova documental resulta que a mesma possui activo imobiliário composto por dois imóveis com valor de marcado não inferior a 1.500.00€.
Segundo os apelantes, o constante do facto provado n.º 12 - “No âmbito do processo executivo instaurado pelo Requerente, que corre termos com o n.º 13951/16.1T8LSB, a sociedade subscreveu escrito com data de 20 de Abril de 2020, dirigido ao Agente de Execução, nos termos do qual: «Tendo a Linha Vertical, Lda. tomado conhecimento da vossa notificação para penhora relativa ao processo 13951/16.1T8LSB.1 no dia 15/4/2020, informa-se V. Ex.ª que a entidade patronal, Linha Vertical, Lda. não está a pagar a remuneração a CR - Nif xxxx, por não existirem disponibilidades financeiras.» (cf. escrito, com cópia a fls. 33v, com data de 20 de Abril de 2020) – não permitiria ao tribunal a quo assim ter concluído, mas tão somente que foi enviada tal comunicação com esse teor.
Isto posto,
Sendo certo que estamos em face de um documento/comunicação que se mostra assinado por ambos os gerentes da sociedade requerida (assinaturas essas cuja autoria e genuinidade não foram questionadas – cfr. Doc. 8 junto com o requerimento inicial), importa relembrar que o decidido pela 1.ª instância não teve por fundamento a situação económica da sociedade requerida.
O documento em causa (a que alude o facto provado n.º 12) permitiu ao tribunal unicamente formular um juízo conclusivo, assente na circunstância de a sociedade requerida ter comunicado em processo executivo que não estava a pagar a remuneração devida à gerente CR por não “existirem disponibilidades financeiras”.
Foi nessa sequência que, na fundamentação de direito da sentença, se escreveu: “[n]um contexto de dificuldades financeiras, mal se compreende que tenham sido transferidos valores elevados para terceiros, sem se ter apurado uma justificação atendível” (aludindo-se às transferências descritas nos factos provados n.º 11 e 13).
Em momento algum a sentença se mostra sustentada em matéria não consignada na matéria de facto provada.
Como a Mma. Juíza a quo referiu aquando da admissão do recurso, “da perspectiva do tribunal, foi considerado assente um facto e na fundamentação de direito foi extraída a conclusão que, na convicção do julgador, tal facto habilitava. Tal não equivale a, como defendem os recorrentes, basear a decisão em factos não provados, antes pelo contrário, posto que não podia o tribunal declarar provadas conclusões.”.
Acresce que o fundamento (um deles) para que a destituição do gerente tivesse sido decretada foi, no entendimento da 1.ª instância, a ausência de justificação para as mencionadas transferências (e não a situação económica da sociedade).
Nessa medida, uma vez mais, se impõe concluir no sentido de não padecer a sentença da invocada nulidade.
Os apelantes poderão discordar do decidido, discordância essa que, quanto muito, consubstanciará imputação de erro de julgamento, mas já não contende ou interfere com um qualquer vício formal de estrutura na fundamentação da sentença[11].
Improcedem, pois, os invocados vícios, nenhuma nulidade se verificando.
Da reapreciação/alteração da matéria de facto
Considerando que os apelantes deram cumprimento às exigências previstas pelo artigo 640.º, n.º 1, do CPC, nada obsta à apreciação da requerida impugnação da matéria de facto.[12]
Importa, contudo, realçar que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5 do CPC[13]), pelo que o tribunal sustentará a sua decisão (relativamente às provas produzidas), na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (força probatória plena dos documentos autênticos – artigo 371.º do CCivil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o citado princípio.
Mais se dirá que resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC ser admissível que, através do recurso, seja alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, ou procedendo inversamente (o que poderá suceder a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa).
Insurgem-se os apelantes quanto aos pontos 3, 9 e 10 da factualidade provada e quanto às alíneas “o”, “j”, “k” e “l” da factualidade não provada.
O apelado refuta as pretensões dos recorrentes, defendendo dever manter-se a factualidade nos moldes em que foi firmada pela 1.ª instância.
Analisemos cada um deles em separado.
- Facto provado n.º 3
Segundo o mesmo, a sociedade requerida “Tem o capital social de €5.100,00, repartido da seguinte forma (cf. certidão da matrícula a fls.88v e ss.): // - CR – €2.550,00; // - JA – €2.450,00.”.
Os apelantes pretendem a sua alteração, propondo a seguinte redacção: “A Sociedade LINHA VERTICAL Tem o capital social de € 5.100,00, repartido da seguinte forma: // - CR – €2.550,00; // - JA – €2.550,00.”.
Defendem que, a partir de 14/03/2006, o capital social subscrito passou a ser detido na proporção de 50% para cada um dos sócios.
O apelado corrobora o defendido pelos recorrentes.
Analisada a certidão permanente da sociedade (junta com a contestação), constata-se que o capital social foi inicialmente constituído por duas quotas, uma detida pelo requerente/apelado (no valor de 2.550€) e outra detida pela sociedade Neoplus – Serviços de Gestão, Unipessoal, Lda. (no valor de 2.450€) – cfr. Insc.1 AP. 4/20051227.
Por escritura pública celebrada em 13/03/2006, a recorrente CR adquiriu a segunda das mencionadas quotas, tendo ainda subscrito integralmente o aumento de capital então realizado, o qual passou de 5.000€ para 5.100€ - cfr. inscrições 2 AP. 2/20060314 e 3 AP. 3/20060314 (Docs. 2 e 3 juntos com a contestação).
Nessa sequência, cada um dos sócios passou a deter uma quota no valor de 2.550€.
Assiste, assim, razão aos apelantes, devendo o facto 3.º ser alterado nos moldes requeridos, o qual passará a ter a seguinte redacção: “A Sociedade LINHA VERTICAL tem o capital social de € 5.100,00, repartido da seguinte forma: - CR – €2.550,00; - JA – €2.550,00.”.
- Facto provado n.º 9
O mesmo tem como teor: “Não foram convocadas assembleias gerais para apreciação das contas da sociedade e para apreciação dos demais aspectos da vida da sociedade, até 2021 (acordo nos articulados).”
Os recorrentes nada requerem quanto ao modo como o mesmo foi consignado mas defendem que se revela descontextualizado (invocando o que, nessa matéria, foi alegado na petição inicial e na contestação).
Segundo os recorrentes, a conflitualidade existente entre os dois sócios inviabilizava a realização das assembleias gerais (a requerida CR não conseguia estar junto do requerente), as quais também nunca foram promovidas pelo requerente, sendo que este foi gerente entre 2005 e 2016 (referem nunca terem sido elaboradas quaisquer actas de assembleias de sócios para aprovação de contas, invocando nesse sentido o depoimento da testemunha inquirida).
Uma vez que a sociedade se vinculava com a assinatura dos dois gerentes, quando o requerente renunciou à mesma, aquela ficou impedida de praticar diversos actos, designadamente, de movimentar a respectiva conta bancária (o que sucedeu entre 04/07/2016 e 17/04/2018) e de solver os seus compromissos.
Apenas a partir de 17/04/2018 foi nomeado gerente o requerido AA, tendo então ambos os gerentes convocado uma assembleia geral para 21/06/2021, na qual, para além do mais, se pretendeu aprovar as contas dos anos de 2015 a 2020, o que não foi possível por o requerente ter votado contra. O mesmo voltou a acontecer na assembleia geral convocada para 12/10/2023.
Argumentam que a convocação de assembleias gerais para aprovação de contas se assume como um acto inútil, desde logo porque nunca o requerente as irá aprovar, sendo que se mostra necessário o voto favorável dos dois sócios (o que não será viável, já que o requerente apenas pretende “liquidar a sociedade Ré e partilhar os bens da mesma e, por outro lado, “esmagar financeiramente” a sócia-gerente da Recorrente”). Mais acrescentam que, sem que estejam aprovadas as contas do exercício do ano de 2014 (o que ainda não sucedeu), nunca as demais o poderão ser (invocando nesse sentido o depoimento da testemunha inquirida).
Em face do que alegam, pretendem os recorrentes que sejam aditados à factualidade provada dois novos factos, com o seguinte teor:
- “Desde o ano de 2005 [constituição da Sociedade] até Julho de 2016 [cessação de funções de gerente por renúncia] – período em que o Recorrido exerceu as funções de Gerente da Recorrente LINHA VERTICAL – nunca promoveu a realização de assembleias-gerais para aprovação das contas da Sociedade”; - Que o Recorrido JA, enquanto as contas relativas ao ano de 2014 não se encontrarem aprovadas, votará contra todas as contas relativas aos exercícios seguintes, impedindo assim – atenta a distribuição do capital social da Sociedade LINHA VERTICAL – a aprovação de quaisquer contas que venham a ser apresentadas.”
O apelado pugna no sentido de improceder tal pretensão, nada havendo a alterar.
E também nós assim o entendemos.
Sendo certo que o facto provado n.º 9, em si mesmo, não foi alvo de impugnação (porquanto não foi requerida a sua alteração ou eliminação), também os solicitados aditamentos à matéria de facto provada não têm qualquer pertinência ou justificação.
No que concerne ao primeiro facto, há a realçar que a presente acção visa sindicar a actuação do gerente AA e já não a actuação do requerente enquanto exerceu tal cargo.
Nessa medida, nenhuma relevância assume para o desfecho da lide o facto cujo aditamento os recorrentes propõem, tanto mais que nunca a actuação do requerido AA poderá ser “justificada” com fundamento no que anteriormente terá sucedido, (mais a mais quando o mesmo foi judicialmente nomeado para o cargo de gerente)[14].
Já quanto ao segundo aditamento requerido, considerando a natureza claramente conclusiva do facto proposto (de cariz até futurista), terá igualmente a pretensão dos recorrentes de improceder.
Termos em que, nesta parte, nada há a alterar à matéria de facto provada.
- Facto provado n.º 10
O mesmo tem como teor: “O Requerido AA, enquanto gerente da sociedade Linha Vertical - Consultoria e Imobiliário, Lda., não promoveu o pagamento ao Autor da parcela da renda devida pelo arrendamento da fracção “A3”, integrante do prédio urbano sito no Passeio das …, n.º …, freguesia do Parque das Nações, em Lisboa.”
Os apelantes pretendem que tal facto seja antes considerado como não provado.
Ou, assim não sucedendo, que, pelo menos, seja consignado que “aquando da prolação da decisão que condenou a Recorrida LINHA VERTICAL a pagar os valores que o Recorrido se arrogava titular e que são decorrentes do contrato de arrendamento da casa sita em Lisboa já se encontravam a ser pagos através da execução da sentença proferida no âmbito do processo sob o 25925/19.6T8LSB”.
O apelado, uma vez mais, discorda, defendendo a manutenção do que foi consignado.
Na sentença, em sede de motivação, escreveu-se: “Quanto ao facto provado indicado em 10) resulta demonstrando pela conjugação do teor da decisão proferida no J13 do Juízo Central Cível de Lisboa (cópia a fls. 252v e ss.) com a alegação do Requerido no art.117º da oposição, no qual admite que o pagamento não foi realizado e que foi interposto recurso daquela decisão”.
Quanto a este ponto, importa considerar o que para tanto as partes alegaram nos seus articulados.
Na petição inicial, pode ler-se: “40. Não procedem ao pagamento ao Autor da parcela da renda, no valor de € 500,00 (quinhentos euros) mensais, que lhe é devida pelo arrendamento do imóvel que é propriedade do Autor e da gerente CR, que está arrendado à sociedade Ré por uma renda anual no valor de € 12.000,00 (doze mil euros), cabendo € 6.000,00/ano ao Autor e € 6.000,00/ano à sócia gerente CR; // 41. Isto sem prejuízo de pagarem à sócia gerente CR a sua parcela da renda, como resulta do recibo de renda que se junta como DOC. N.º 6 e aqui se dá por integralmente reproduzido, o que, aliás, está na origem de uma ação judicial executiva desencadeada pelo Autor com vista ao recebimento deste valor de renda que lhe é devido”. Já na contestação, refere-se: “O alegado no artigo 40º e 41º da PI está ainda descontextualizado e não corresponde à verdade, encontrando-se tal matéria a ser discutida no âmbito da ação de despejo no processo que corre termos sob o 25925/19.6T8LSB, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 13, a qual foi objeto de recurso, como se verifica pela sentença que se junta e aqui se dá por reproduzida, (doc. 62)”.
Daqui decorre que os apelantes não negam o vertido no facto n.º 10, ou seja, reconhecem claramente que tal pagamento não ocorreu. Simplesmente, contrapõem que se trata de matéria que estava a ser discutida numa outra acção (intentada pelo requerente JA contra a sociedade requerida e a sócia CR)[15].
Ou seja, mostra-se incontrovertido que o pagamento não foi efectuado ao requerente (sendo esse o teor do facto n.º 10), o que não se confunde com a questão de esse mesmo pagamento ser ou não devido (o que foi objecto da referida acção que corre termos sob o Proc. n.º 25925/19.6T8LSB).[16]
Carece, pois, de fundamento proceder à alteração deste ponto da matéria de facto, sendo que a relevância que o mesmo poderia (ou não) assumir para a decisão de destituir o gerente AA seria já matéria a apreciar em sede de direito e, no caso, a destituição do gerente AA nem sequer foi fundamentada em tal facto.
Logo, não tendo o tribunal a quo extraído qualquer consequência jurídica desta matéria para efeitos da decisão proferida, mostra-se a mesma inócua para apreciação do presente recurso. Mesmo que a matéria de facto fosse alterada nos moldes pretendidos, nenhum efeito juridicamente útil daí resultaria.
Nada há, assim, a alterar quanto ao descrito segmento.
Analisemos agora a impugnação atinente aos pontos constantes da factualidade não provada:
Consta da al. o): “A sociedade Requerida comunicou às finanças, quanto ao imóvel - Vivenda dos Jardins da ... sita na Rua das …, Vivenda J, …, Jardins da …: - Cessação do arrendamento com PS, em 31.12.2016; - Novo arrendamento com início em 8.7.2019, com a renda de € 3.000,00”.
Em sede de motivação refere-se que “os documentos apresentados para prova não demonstram que tenha sido efetuada a comunicação à AT dos factos alegados”.
Os recorrentes argumentam assim não se poder considerar, devendo tal alínea integrar a factualidade provada, para tanto invocando o já constante do artigo 144.º da contestação: “(…) a sociedade Ré sempre participou os seus contratos de arrendamento às finanças, nomeadamente do imóvel da Parede, nos seguintes termos: // 1) Cessação do arrendamento com PS em 31/12/2016, como se verifica pela carta de comunicação e fatura apresentada pela Ré (cfr. doc. 27 e 28); // 2) Novo arrendamento com início em 01/06/2018 (e não antes por falta de gerente para assinar) e termo em 31/05/2019, com a renda de € 2.950,00, como se verifica pelo contrato de arrendamento e participação às Finanças, (cfr. doc. 29 e 30). // 3) Tendo este último cessado em junho de 2019, como se verifica pela carta de comunicação que se junta e aqui se dá por reproduzida, (doc. 76). // 4) Novo arrendamento com início em 08/07/2019, com a renda de € 3.000,00, como se verifica pelo contrato de arrendamento e participação às Finanças que se juntam e aqui se dão por reproduzidos, (doc. 77 e 78)”.
O apelado defende que, com relação a tais factos, não foi provada qualquer comunicação às finanças.
Na transcrita al. o) apenas está em causa a comunicação às finanças da cessação em 31/12/2016 do contrato de arrendamento celebrado com PS e a comunicação de um novo contrato de arrendamento em 08/07/2019.
Nessa medida, importa tão somente atender aos documentos referentes a tais negócios.
Ora, no que ao primeiro concerne, os recorrentes limitaram-se a juntar uma comunicação de denúncia do arrendamento pelo referido arrendatário (Doc. 27) e uma factura datada de 29/12/2016 referente à renda (Doc. 28), pelo que nunca dos mesmos se poderá concluir ter a mencionada cessação do contrato sido comunicada às finanças.
Já relativamente ao segundo arrendamento, foi junto o respectivo contrato de arrendamento (Doc. 77) e uma declaração Modelo 2 para comunicação à autoridade tributária da “cessação de contrato” em “2022-04-08” (Doc. 78), sem que resulte demonstrado que tenha sido feita a comunicação do início desse negócio, pelo que igualmente não será possível concluir nos moldes pretendidos pelos recorrentes. Aliás, estes dois últimos documentos sustentaram antes o descrito no facto provado n.º 29.
Nada foi trazido ao processo que permita concluir em sentido diferente. [17]
Seja como for, não se tratando de matéria na qual a decisão de destituição se tenha sustentado, não se vislumbra qual o interesse da mesma para o desfecho da lide.
Termos em que terá, nesta parte, a pretensão dos recorrentes de improceder.
Já as als. j), k) e l)têm o seguinte teor:
j) “A transferência de €43.704,99, de 4.6.2018, da conta da Linha Vertical para a conta PT …730 acima identificada, tratou-se: A) Do reembolso das despesas correntes efectuadas no ano de 2017, que incluem Segurança Social, IMIs AIMIs, retenções na fonte, impostos de circulação automóvel, quotas de condomínios, manutenção dos imóveis incluindo a sede, despejas judiciais, despesas de circulação, trabalhos especializados, despesas de representação, material de escritório e outros: // 1) Pagas por banco (da conta da CGD ou Millennium de terceiros), no montante €20.030,73; // 2) Pagas em dinheiro, no montante €5.328,30; B) Do pagamento do vencimento da gerente da Ré do ano de 2017 e da renda da sede da sociedade Ré, ambos protelados para 04-06-2018, nos seguintes montantes: // 1) Vencimentos da gerente da Ré, €12.345,96; // 2) Rendas da sede social, €6.000,00”; k) “A transferência de €26.522,56, de 18.7.2018, da conta da Linha Vertical para a conta PT…730 acima identificada, tratou-se: A) Do reembolso das despesas correntes efectuadas de Janeiro a Junho de 2018, que incluem Segurança Social, IMIs AIMIs, retenções na fonte, impostos de circulação automóvel, quotas de condomínios, manutenção dos imóveis incluindo a sede, despejas judiciais, despesas de circulação, trabalhos especializados, despesas de representação, material de escritório e outros: // 1) Pagas por banco (da conta da CGD ou Millennium de terceiros), no montante €15.640,19, // 2) Pagas em dinheiro, no montante €2.602,37. B) Do pagamento dos vencimentos da gerente da Ré e da renda da sede da sociedade Ré de Janeiro a Junho de 2018, protelados para 18-07-2018, nos seguintes montantes: // 1) Vencimentos da gerente da Ré, €5.280,00, Janeiro a Junho de 2018, // 2) Rendas da sede social de € 3.000,00, de Janeiro a Junho de 2018”;
l) “Transferência de € 2.547,43, em 23-10-2018, da conta da Linha Vertical para a conta PT…730, refere-se a quantia paga por banco da conta da CGD ou Millennium de terceiros”.
Os recorrentes defendem que todos estes pontos deverão integrar a factualidade provada.
O apelado contrapõe não ter sido produzida prova de que as referidas transferências se tenham destinado aos fins invocados pelos apelantes[18].
Também assim o entendeu a Mma. Juíza a quo, a qual motivou a sua convicção nos seguintes moldes: O tribunal considera estas alegações não demonstradas, pois impunha-se que fosse identificado cada valor alegadamente pago, a data, a conta bancária (de terceiro) usada para efectuar o pagamento e em que medida era da responsabilidade da sociedade Requerida. // Ao invés, o Requerido alegou genericamente que as transferências efectuadas da conta da Requerida para contas de terceiros tiveram como fito “repor” valores pagos e, supostamente, referentes à sociedade e, para tanto, apresentou uma imensidão de cópias de documentos (docs. 64 a 72 - fls. 260 a 441), pretendendo que o tribunal fosse “procurar e escolher” nesses documentos aqueles que entendesse servirem para a prova do valor total alegado. // Ora, analisados esses documentos não podemos extrair que respeitavam a despesas da responsabilidade da sociedade Requerida, com excepção daqueles que se referem a obrigações fiscais e que, com esforço, conseguimos identificar os valores nos extractos e os documentos de suporte (note-se que os documentos de pagamento emitidos pelo Estado/Segurança Social surgem muitas vezes sem comprovativo de pagamento e não nos foi possível identificar qualquer pagamento do mesmo valor no extracto mediamente anterior ou posterior). // Efectivamente, foram juntos recibos de compras em supermercados, pagamentos de refeições, gasóleo, fotocópias, hotéis, electricidade, manutenção, reparação e seguro de veículos, pagamentos a advogados, títulos de transporte, entre outras, sem que a sua relação com a sociedade Requerida, a sua actividade e a responsabilidade desta tenha sido explicada. // Para ilustrar o que se acaba de referir veja-se que foram juntas facturas/recibos de combustível, seguro automóvel, reparação e inspecção de automóvel, mas o tribunal desconhece se a sociedade Requerida tinha veículos ao seu serviço e os termos da respectiva utilização (a título de exemplo os docs. fls. 263, 265, 274, 291v, 294, 296v, 304v, 309v, 314v, 317v, 318, 320v). // Por outro lado, foram apresentados recibos de táxi e estacionamento (cf. fls. 331 e verso, 337, 341v) desconhecendo-se a que se referem as deslocações e estacionamentos e qual a relação com a sociedade Requerida e a sua actividade. // Foram também apresentados recibos de compras em supermercado, desconhecendo o tribunal se os produtos adquiridos se destinavam à sociedade Requerida (a título de exemplo docs. fls. 263v, 270, 345v, 346). // O doc.64 inclui igualmente recibos de restauração sem que a relação com a sociedade fosse estabelecida (a título de exemplo docs. fls. 273,293, 294v, 299v, 305, 314, 320, 325v, 327, 329v, 332v, 333, 333v, 335v, 336, 338v, 339, 342 a 345). Foram igualmente apresentados documentos referentes a estadia em hotel por parte da sócia gerente CR, sem que esteja justificada a responsabilidade da sociedade Requerida pelo seu pagamento (veja-se o doc. fls.298v). // Anota-se que foram juntos avisos/recibos de quotas devidas por CR à Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, cujo pagamento não se vê que possa ser assacado à sociedade Requerida (cf. doc. fls. 309). // Diga-se ainda que a mera circunstância de surgirem facturas em nome da sociedade Requerida não comprova que fosse responsabilidade da mesma efectuar os pagamentos. // A título de exemplo note-se que surgem facturas de Via Verde desconhecendo-se se o veículo associado era da Requerida e em que medida o serviço cobrado era de sua responsabilidade. // A este título anota-se que as facturas de Via Verde incluem pagamentos de estacionamento em hospitais (fls.261 verso, 262, 264v, 274v, 275, 280, 283, 313, entre outras) sendo certo que não se vê em que medida várias deslocações a um hospital seriam da responsabilidade da sociedade. // No que se refere ao pagamento dos vencimentos da socia gerente, se é certo que foram apresentados os recibos de vencimento, dos documentos não é possível extrair quando e como foram efectuados esses pagamentos, mormente que o foram através da conta bancária PT …730.” (sublinhados nossos).
Concluindo depois: “Competia ao Requerido apresentar prova esclarecedora e não apenas um conjunto de documentos, sem qualquer contexto ou explicação, pretendendo que fosse o tribunal a procurar as correlações entre valores constantes de extractos bancários, valores constantes de recibos e facturas e os alegados pagamentos por conta da sociedade, que o mesmo não cuidou de detalhar no seu articulado, nem de explicar em sede de produção de prova em julgamento. // Nesta medida entendemos que o Requerido não cumpriu o ónus de demonstrar que as transferências realizadas foram para assegurar a compensação de valores pagos em nome e por conta da sociedade Requerida em momento anterior, e com meios que não lhe pertenciam.” (sublinhados nossos).
Ora, em face do que pelos requeridos foi alegado e carreado para os autos e da prova que pelos mesmos foi produzida, designadamente a documentação que foi junta, não se vislumbra fundamento para censurar o entendimento levado a cabo pela 1.ª instância, na qual se analisou de forma criteriosa cada um dos documentos apresentados e se justificou o porquê de não poderem os mesmos ser valorados nos moldes pretendidos pelos aqui recorrentes. Tal justificação, para além de clara e lógica, tem suporte no que dos documentos consta e pode ser extraído.
Mostra-se pacificamente demonstrado que a conta bancária PT …730 é titulada por MM, estando igualmente assente que a sócia gerente CR estava autorizada a movimentá-la (o que resulta expressamente do facto provado n.º 26). Mas, para a decisão a tomar no âmbito do processo, não bastava alegar que o recurso a tal conta se terá devido à invocada impossibilidade de a referida sócia “efetuar o pagamentos de quaisquer valores a débito da conta bancária da Recorrida LINHA VERTICAL, no período de 04.07.2016 até 17.04.2018 [em virtude da gerência não se encontrar completa por renúncia do aqui Recorrido]”.
Relevante seria que tivesse sido demonstrada e esclarecida a razão de ser das transferências realizadas (as quais não foram impugnadas), designadamente que o teriam sido no interesse da sociedade - que se destinavam a repor pagamentos anteriormente feitos pela sócia gerente, por conta da Linha Vertical –, o que não sucedeu.
Ao contrário do defendido pelos recorrentes, o tribunal a quo apreciou e valorou toda a documentação junta, a qual, no entanto, não permite comprovar que as transferências em causa tenham tido subjacente despesas relacionadas com a actividade da sociedade requerida. E igualmente não lhes assiste razão quando alegam que “competia ao Recorrido (…) fazer prova que tais transferências nada tinham a ver com a actividade da Sociedade Recorrente”, assim como não será relevante a alegação de que o recorrente AA não terá autorizado as transferências, porquanto é o próprio a reconhecer que “não obstou” à realização das mesmas.
Nessa medida, também quanto a estes segmentos da factualidade não provada, terá de improceder a pretensão dos recorrentes.
Decidida que se encontra a impugnação da matéria de facto, cumpre agora apreciar e decidir do mérito da causa. Da verificação dos pressupostos para a destituição do requerido como gerente
Estatui o artigo 1055.º do CPC, para além do mais, que o interessado que pretenda a destituição judicial de titulares de órgãos sociais, indica no requerimento os factos que justificam o pedido (n.º 1), sendo depois o requerido citado para contestar, devendo o juiz ouvir, sempre que possível, os restantes sócios ou os administradores da sociedade (n.º 3).
Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, e em face das regras pelos quais é regulado[19], não se mostra o mesmo vinculado a critérios de legalidade estrita (artigo 987.º do CPC), antes prevalecendo neste âmbito critérios da conveniência e da oportunidade - em face do concreto litígio a dirimir, importa indagar da solução que melhor responda aos interesses em causa.
Vigora, inclusive, o princípio do inquisitório, tendo o tribunal o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes (artigo 986.º, n.º 2 do CPC) – a factualidade a considerar para a resolução terá subjacente, não apenas a que for carreada pelos interessados, mas igualmente aquela que o juiz apurar no âmbito do exercício das suas funções.
Acresce que as resoluções alcançadas não assumem cariz definitivo – resoluções essas que poderão ser alteradas em face de circunstâncias supervenientes, embora com salvaguarda dos efeitos já produzidos (artigo 988.º, n.º 1 do CPC).
Em face do que se determinou quanto à matéria de facto, passemos à apreciação do mérito do presente recurso.
No mesmo refuta-se que o recorrente AA, enquanto gerente da sociedade requerida, tenha violado os deveres de cuidado e de lealdade, defendendo-se que sempre terá agido em prol dos interesses daquela, atendendo ainda aos “interesses a longo prazo dos sócios” (nunca tendo prejudicado estes últimos, nem se tendo beneficiado a si próprio).
Mais alegam os recorrentes ser o próprio requerente/recorrido quem prejudica tais interesses (com vista à liquidação da sociedade) com as condutas que assume (enquanto gerente utilizou em benefício próprio fundos da sociedade, nunca convocou ou realizou assembleias gerais para aprovação de contas).
Prescreve o artigo 257.º, n.º 1 do CSC que os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes, acrescentando no seu n.º 4 que “[e]xistindo justa causa, qualquer sócio pode requerer a suspensão e destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade”.
Já segundo o seu n.º 6, integra o conceito de justa causa de destituição, “designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções”.[20]
Para tanto, não basta que tenha ocorrido uma mera violação de deveres de conduta impostos ao gerente ou qualquer impedimento do mesmo para o exercício do cargo (como, por exemplo, originado por doença) – justa causa de cariz subjectivo ou justa causa de cariz objectivo, respectivamente -, antes se impondo que tal violação/impedimento assuma uma gravidade tal que comprometa a confiança dos sócios no gerente (levando a que não possa ser exigível à sociedade/demais sócios a permanência daquele nesse cargo).
Como se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 28/11/2018 (Proc. n.º 4039/17.9T8LRA-A.C1, relator Barateiro Martins), “constitui justa causa de destituição “(…) a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do administrador, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o administrador violou gravemente os seus deveres (…)”; isto é, configuram “justa causa” todas as situações que prejudicam a sociedade, afectando o equilíbrio societário e ponham em causa a confiança entre os vários intervenientes, todas as violações graves dos deveres de administrador, que tornem objectivamente insustentável a sua manutenção em funções, designadamente por constituírem uma quebra irreversível do elo de confiança imprescindível para o exercício de tais funções e para o correcto desenvolvimento do escopo social e para a realização do seu objecto. // Podemos dizer, em síntese, que os administradores duma sociedade têm o dever de se absterem de comportamentos susceptíveis de se concretizarem em alguma desvantagem para a sociedade, o dever de se absterem de comportamentos susceptíveis de se concretizarem em alguma vantagem para si próprios ou para terceiros à custa da sociedade e o dever de se absterem de actuar em conflito de interesses (…)”.[21]
Defende Coutinho de Abreu[22] que justa causa será “a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do gerente, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o gerente violou gravemente os seus deveres, ou revelou incapacidade ou ficou incapacitado para o exercício normal das suas funções.”.
Segundo o mesmo Professor, os deveres cuja violação grave (com dolo ou negligência forte) constituirá a referida justa causa, podem ser legais específicos (os que resultem imediata e especificamente da lei), legais gerais (deveres de cuidado e deveres de lealdade: art.º 64º, n.º 1, do CSC), ou estatutários.
Para que se possa concluir pela existência de justa causa de destituição de gerente é necessário que tenha ocorrido um comportamento doloso ou gravemente negligente (elemento subjectivo) e que que se mostre insubsistente a relação de confiança entre a sociedade e o gerente (elemento objectivo), sendo que o exercício das funções de gerência sempre terá que ser regido em respeito pelos princípios da confiança e da boa fé.[23]
Aqui chegados, importa ter presente o estatuído no artigo 64.º, n.º 1 do CSC, segundo o qual os gerentes devem observar: “a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.”, acrescentando no seu n.º 2 que, estando em causa titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização, “devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade”.
Continuando a citar Coutinho de Abreu[24], “Relativamente aos deveres (legais gerais) de cuidado, são destituíveis por justa causa os gerentes que violem gravemente o dever de controlo ou vigilância organizativo-funcional, ou o dever de atuação procedimentalmente correta (para a tomada de decisões), ou o dever de tomar decisões (substancialmente) razoáveis. // Por sua vez, entre os deveres de lealdade dos gerentes cuja violação constitui justa causa de destituição destacamos o dever de aproveitarem as oportunidades de negócio da sociedade em benefício dela, não em seu próprio benefício ou no de outros sujeitos, o dever de não utilizarem em benefício próprio ou alheio informações ou bens da sociedade e o dever de não abusarem do seu estatuto ou posição de gerentes.”[25]
Reportando ao caso, não obstante a sentença recorrida elencar como factualidade relevante, os factos provados n.º 9, 10, 11, 13, 16, 17 e 18 – mais acrescentando estarem em causa “questões relacionadas com a não convocação de assembleias gerais; com o depósito de contas não aprovadas e com transferências bancárias da conta da sociedade para contas de terceiros” -, acabou por desvalorizar a factualidade descrita nos pontos 10 (referente ao não pagamento ao requerente da parcela de renda) e nos pontos 16 a 18 (referente ao registo das prestações de contas dos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018).
Já quanto aos demais, designadamente quanto ao constante do facto 9 (não convocação de assembleias gerais), defendeu a 1.ª instância: “No que concerne ao tema da falta de convocação de assembleias gerais, verificamos que durante a gerência do Requerido, que se iniciou em 2018, deveriam ter sido convocadas assembleias para apreciação e aprovação das contas de 2018 e 2019, respectivamente em 2019 e 2020, o que não aconteceu (sendo que apenas foi convocada uma assembleia em 2021). // Constitui dever da gerência (no caso de uma sociedade por quotas) relatar a gestão e apresentar contas, como prescreve o artigo 65º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais. // Note-se que a razão apresentada pelo Requerido para a falta de convocatória (a elevada litigiosidade existente entre sócios, o facto de a sede social ser a casa de morada de família e a circunstância de a sócia CR não pretender estar na presença do outro sócio), não constituem justificação atendível. // Com efeito, se a sócia gerente não pretendia encontrar-se com o outro sócio, seu ex-marido, poderia fazer-se representar na assembleia. // Em qualquer caso, o Requerido AA é alheio a questões pessoais entre os sócios, sendo a sua responsabilidade para com a sociedade, pelo que as questões entre ambos não poderiam impedi-lo de exercer as suas funções. (…) // É certo que ficou por demonstrar que a não convocação de assembleias-gerais tenha tido reflexo no exercício da gestão da sociedade. // Ademais, lembramos que o atraso, superior a nove meses, na aprovação e depósito das contas, constitui fundamento de declaração de insolvência de uma sociedade. (…)”
E, no que concerne aos factos 11 e 13 (referentes às transferências ocorridas), consignou-se: “(…) não podemos olvidar que se provaram transferências da conta da sociedade para contas de terceiros, nos valores de €2.547,43, €26.522,56 e €43.704,99 (subtraídos os valores indicados nos factos 27) e 28), sem que as se considerem devidamente justificadas face à actividade prosseguida pela sociedade (como explicado na fundamentação da decisão dos factos não provados). // Portanto, o que temos apurado é um “desvio” injustificado de fundos da sociedade que, lembramos, no âmbito do processo executivo instaurado pelo Requerente, que correu termos com o n.º 13951/16.1T8LSB, subscreveu escrito com data de 20 de Abril de 2020, dirigido ao Agente de Execução, afirmando que «Tendo a Linha Vertical, Lda. tomado conhecimento da vossa notificação para penhora relativa ao processo 13951/16.1T8LSB.1 no dia 15/4/2020, informa-se V. Ex.a que a entidade patronal, Linha Vertical, Lda. não está a pagar a remuneração a CR – Nif xxx, por não existirem disponibilidades financeiras.» // Num contexto de dificuldades financeiras, mal se compreende que tenham sido transferidos valores elevados para terceiros, sem se ter apurado uma justificação atendível. // (…) considerando o montante que está em causa tendo em mente, na falta de outros elementos, o valor do capital social - €5.100,00 - consideramos que a violação pelo Requerido do dever de lealdade é de tal modo intensa e grave que implica uma quebra de confiança que torna inexigível à sociedade a manutenção do vínculo que a une ao seu gerente. // Note-se que a nomeação do Requerido não ocorreu num contexto de regular governo das sociedades, mas teve por base o conflito pré-existente entre os sócios e a necessidade de garantir o prosseguimento da actividade e vinculação da sociedade, tendo para o efeito sido investido no cargo um terceiro, considerado auxiliar da justiça, de quem se espera uma actuação integralmente norteada pelo interesse social, o que no caso não se verifica.”
Concluindo depois: “Em suma, ficou provada a prática de actos, pelo gerente AA, que podem ser qualificados como actos de má gestão, violadores dos seus deveres de cuidado e lealdade, e que, por conseguinte, podem ser qualificados como integradores de justa causa para a destituição das suas funções.”
Não encontramos razões para censurar tal entendimento, porquanto a actuação do recorrente AA, enquanto gerente da sociedade, não poderá, na verdade, ser qualificada como estando conforme ao estatuído nas als. a) e b) do n.º 1 do já transcrito artigo 64.º do CSC.
Pelo contrário, tal actuação, para além de consubstanciar violação dos deveres de cuidado e de lealdade a que o mesmo estava obrigado, acarreta clara quebra de confiança por parte da sociedade.
Concretizando:
Desde logo viola o dever de cuidado o facto de o gerente não diligenciar pela convocação/realização de assembleias gerais.
Trata-se de um dever específico (dever funcional) de quem exerce tal cargo – artigo 248.º, n.º 3 do CSC -, por forma a que os sócios possam exercer o respectivo direito a participar nas deliberações – artigo 21.º, n.º 1, al. b), do CSC[26], sejam elas referentes à aprovação das contas do exercício (cfr. artigo 65.º do CSC), sejam referentes a quaisquer outras matérias respeitantes à administração e fiscalização da sociedade. A assembleia geral permite ainda aos sócios obter informações por forma a inteirarem-se dos diversos assuntos que à sociedade respeitem.[27]
Ora, não obstante o recorrente tenha sido nomeado por sentença proferida em 12/02/2018, apenas no ano de 2021 (em 21/06/2021) foi convocada/realizada uma assembleia geral com vista, para além do mais, à apreciação das contas da sociedade.
Ao não o ter feito no período que mediou essas duas datas, o recorrente como que se demitiu do exercício das funções para as quais foi nomeado, não podendo validar-se o argumento pelo mesmo invocado de que seria inútil convocar e realizar assembleias gerais porque sempre o requerente iria votar contra a apreciação das contas dos exercícios da sociedade.
Mas, mesmo que se entendesse que tal omissão, por si só, não seria suficiente para decretar a requerida destituição, igual conclusão não se poderá retirar com relação à deliberada conivência do recorrente para com a realização das descritas transferências bancárias (as quais ascenderam ao montante global de 72.774,98€[28]) que tiveram como destino contas tituladas pela sócia gerente CR ou por terceiro totalmente alheio à sociedade (MM) - não afastando tal gravidade a circunstância de esta segunda conta poder ser movimentada pela referida sócia-gerente -, transferências essas que, em face da prova produzida, e com exceção dos casos concretamente identificados (cfr. factos provados n.º 27 e 28), não visaram satisfazer interesses da sociedade requerida (como se escreveu na sentença recorrida, “o Requerido não cumpriu o ónus de demonstrar que as transferências realizadas foram para assegurar a compensação de valores pagos em nome e por conta da sociedade Requerida em momento anterior, e com meios que não lhe pertenciam”.
Não lograram os recorrentes demonstrar qualquer facto que permitisse validar/justificar tais actos, os quais se assumem, inequivocamente, como lesivos dos interesses/património da sociedade (património esse que ficou objectivamente lesado).
O recorrente AA assistiu, permitiu, viabilizou que assim se procedesse, o que afronta os deveres gerais de cuidado e de lealdade que se impunha que observasse em defesa dos interesses da sociedade, tanto mais que foi judicialmente nomeado para o cargo de gerente e tinha conhecimento dos conflitos existentes entre os dois sócios (conhecimento esse que o mesmo admite, não se coibindo de enfatizar tal conflitualidade).
Não obstante se poder admitir que tais conflitos pudessem dificultar e acarretar “um conjunto de obstáculos ao normal funcionamento da Sociedade”, nem assim poderia o gerente, uma vez mais, demitir-se do exercício efectivo das suas funções (seja não agendando assembleias gerais sob o argumento de que as mesmas seriam inúteis em face da eventual postura que nas mesmas o requerente pudesse vir a assumir, seja pactuando com a administração do património societário sem que cuidasse de fiscalizar, de forma atenta e cuidada, o destino de cada um dos montantes pecuniários movimentados).
Na qualidade de gerente deveria ter-se abstido de levar a cabo comportamentos (por acção ou omissão) susceptíveis de acarretar desvantagens para a sociedade ou vantagens para algum dos sócios ou terceiros (vantagens essas alcançadas à custa da primeira). Era-lhe exigível que tivesse mantido uma posição de imparcialidade, alheia aos conflitos e desavenças existentes entre os dois sócios (conflitos que assumiram maiores proporções em virtude de os mesmos terem sido casados entre si, casamento esse que não terá terminado de forma pacífica).
Ao não agir dessa forma, permitindo que fossem levados a cabo os actos descritos (com maior enfoque para as descritas transferências efectuadas a partir da conta bancária da sociedade), infringido ficou o dever de lealdade que teria de ter sido observado, com prejuízo objectivo para o património da Linha Vertical (não sendo tal conclusão afastada por não resultar dos autos, nem ter sido alegado, que o recorrente AA tenha beneficiado de alguma das transferências ocorridas ou que tivesse “querido ou pretendido prejudicar a Sociedade ou algum dos seus sócios, nomeadamente o Recorrido”).
Em suma, as descritas condutas violaram, de forma grave e culposa, os citados deveres de cuidado e lealdade para com a sociedade, sendo contrárias aos interesses sociais (nomeadamente do requerente/apelado, mas também de todos aqueles que com a sociedade se relacionem), conclusão à qual se mostra inócua quaisquer eventuais comportamentos que o requerente/apelado possa ter assumido anteriormente, porquanto, reitera-se, não é o modo pelo qual o mesmo possa ter exercido o cargo de gerente (até 2016) que aqui está em causa.
Por assim ser, não se mostra exigível impor à sociedade a continuidade do recorrente no cargo de gerente, sendo que a relação de confiança que se exige para tal cargo ficou, inevitavelmente, comprometida.
Mostram-se, pois, preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 257.º do CSC para a destituição do recorrente enquanto gerente da sociedade Linha Vertical – Consultoria e Imobiliário, Lda., tal como decidido pela 1.ª instância.
*
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar:
1. Parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto;
2. Improcedente a apelação, mantendo-se o decidido pela sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Lisboa, 8 de Abril de 2025
Renata Linhares de Castro
Susana Santos Silva
Elisabete Assunção
_______________________________________________________ [1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem. Já no que concerne às transcrições referentes às peças processuais, respeitou-se integralmente o que das mesmas consta, pelo que não se procedeu a qualquer rectificação dos lapsos de escrita ou inexactidões que foram detectados. [2] Para tanto, consignou-se: “Das nulidades invocadas // Argumentam os recorrentes que a decisão recorrida é nula por ausência de fundamentação quanto à matéria de facto dada como provada e por estar assente em factos que não constam da factualidade assente. // Apreciando. // No que se refere à ausência de fundamentação da decisão sobre os factos cremos que não assiste razão aos recorrentes, porquanto o tribunal explica em que elementos atentou para formar a sua convicção, concretamente, os documentos indicados em cada facto e, quanto ao facto indicado em 10) a própria alegação do Requerido. // Neste particular, os recorrentes contestam a possibilidade de o depoimento da testemunha inquirida alicerçar a convicção do tribunal. // Sucede que todos os factos assentes estão suportados por documentos que foram claramente identificados na decisão, pelo que não vemos como possa considerar-se inexistir fundamentação. // Por ser assim, cremos que não assiste razão aos impugnantes, não se verifica a indicada nulidade. // No que se refere invocada nulidade por a decisão assentar em factos que não foram considerados provados, diga-se que se nos afigura que os recorrentes perspectivam erradamente a questão. // Com efeito, da perspectiva do tribunal, foi considerado assente um facto e na fundamentação de direito foi extraída a conclusão que, na convicção do julgador, tal facto habilitava. Tal não equivale a, como defendem os recorrentes, basear a decisão em factos não provados, antes pelo contrário, posto que não podia o tribunal declarar provadas conclusões. // Donde, não se vislumbra que tenha sido cometida a apontada nulidade (…)”. [3] Veja-se, nesta matéria, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018 (Proc. n.º 1867/14.0TBBCL-F.G1, relator José Alberto Moreira Dias), disponível in www.dgsi.pt, como todos os demais que forem citados sem menção à fonte. [4]Os Meios Reclamatórios Comuns na Decisão Civil (artigos 613.º a 617.º do CPC), Revista Julgar online, Maio de 2020, pág. 10. [5] Acrescentando o n.º 4 do artigo 607.º do CPC: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” [6] O dever de fundamentação tem, aliás, consagração constitucional – cfr. artigo 205.º do CRP. [7] O que apenas será valorado para efeitos de uma eventual revogação ou alteração do decidido. Acrescente-se que igualmente não configura nulidade o putativo desacerto da decisão. [8] Segundo o n.º 2 do artigo 574.º do CPC, “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior” [9]Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 743. [10]Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4.ª edição, 2017, págs. 296- 297. [11] Segundo ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, pág. 686, não se inclui na previsão do artigo 615.º o chamado erro de julgamento, designadamente quando se discorda do enquadramento jurídico adoptado (erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou na interpretação desta última) ou quando possa ter ocorrido injustiça na decisão. [12] Decorre desta norma que o recorrente que impugne a matéria de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da requerida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Mais acrescenta na alínea a) do número seguinte que incumbe ao recorrente o ónus de “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. [13] Segundo este preceito, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” [14] Não sendo o requerente/apelado visado pelo presente processo, quaisquer condutas que tivessem sido praticadas pelo mesmo e que os recorrentes reputassem de ilícitas ou ilegais, sempre teriam de ter sido objecto de reacção em processo próprio (pelos meios legalmente previstos para o efeito).
Como bem refere aquele nas suas contra-alegações, “o facto de A ou B não terem convocado assembleias gerais anuais quando eram gerentes da sociedade Recorrente não retira a ilicitude, nem justifica uma idêntica conduta do Recorrente AA enquanto gerente da sociedade”, mais acrescentando: “Atendendo a que ambos os sócios / membros do casal trabalhavam no mesmo local, o que se fazia eram, então, reuniões informais de trabalho entre os dois, onde também estava presente o contabilista da sociedade, aí se discutindo as contas da sociedade, aprovando as receitas e despesas, as opções contabilísticas, etc., que depois eram formalizadas e levadas a registo”. Independentemente da correcção deste procedimento (o que não está aqui em causa), o certo é que o circunstancialismo factual subjacente a ambas as situações é distinto (desde logo em face do claro conflito que passou a existir entre os dois únicos sócios) e nunca poderá constituir fundamento para destituir ou não destituir o gerente que o veio sobrevir. [15] Refira-se que, no âmbito de tal acção, em 30/06/2022, foi proferida sentença que a julgou parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo final: “a) Declarar resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre o A e a 2ª R na qualidade de senhorios e a 1ª R na qualidade de arrendatária; b) Condenar a 1ª R a pagar ao A a quantia de € 30.000,00 (…) referente às rendas devidas e não pagas nos anos de 2015 a 2019; (…)” (Doc. 62 junto com a contestação). Tal sentença, segundo os próprios recorrentes alegam, veio a ser confirmada por acórdão desta Relação proferido em 14/12/2023. O facto de ter sido interposto recurso dessa decisão, bem como a data na qual o mesmo veio a ser decidido, de nada releva para a apreciação do objecto da presente acção, nem interfere com o modo como tal matéria foi vertida para a fundamentação de facto. [16] Igualmente não releva que o período relativamente ao qual tais rendas foram reivindicadas seja (ou não) anterior à data na qual o recorrente AA foi nomeado gerente (tanto mais que, no facto n.º 10, não se refere que este “não pagou”, mas antes que este “não promoveu o pagamento”, o que assume contornos distintos), não obstante, na sentença proferida na acção n.º 25925/19, a sociedade tenha sido condenada a pagar as “rendas devidas e não pagas nos anos de 2015 a 2019. Assim como não assume relevância o facto de o requerente/apelado ter entretanto instaurado execução da sentença. Ou, ainda, a circunstância de o mesmo ter ou não interpelado a sociedade para que o pagamento fosse efectuado (até porque tal interpelação sempre teria ocorrido com a instauração da referida acção). Note-se que, ao contrário do que parece ser o entendimento dos recorrentes, o que então foi alegado pelas partes no âmbito da referida acção não poderá ser aqui valorado. Sequer os factos aí considerados provados poderão ser transpostos para a acção a que se reporta o presente recurso. E, menos ainda, poderá o recorrente escudar-se na alegação de não ter “qualquer razão para duvidar” do que a sócia CR lhe transmitiu quanto a esta matéria. [17] Ao contrário do defendido pelos recorrentes, a informação prestada pelo Serviço de Finanças de Cascais 2 (Carcavelos) em 29/11/2023 não permite concluir em sentido diverso, porquanto da mesma resulta unicamente: “(…) após consulta ao sistema informático destes Serviços, consta que existiu contrato de arrendamento no período de 01/06/2018 A 31/05/2019, de 08/07/2019 A 08/04/2022.” [18] Nas contra-alegações defende-se: “(…) pretendem os Recorrentes justificar a realização daquelas transferências como correspondendo ao reembolso, pela sociedade à gerente CR, de valores que eram devidos pela sociedade Recorrente mas que foram suportados pela gerente CR, à custa do seu património pessoal e durante o período de tempo em que a gerência da sociedade não se encontrava completa, o que inviabilizaria a realização de pagamentos. // Para o efeito, e porque incumbe aos Recorrentes o ónus da prova sobre esse facto por si alegado, os Recorrentes juntam aos autos uma enormidade de faturas, talões, tickets, recibos, extratos e comprovativos de pagamentos dos mais variados artigos e itens realizados // – Nomeadamente, extratos bancários, extratos de via verde, comprovativos de pagamento de gasóleo, supermercado, passe metropolitano de Lisboa, cartão sonae sierra, variadíssimas refeições em variadíssimos restaurantes, táxis, lavandaria, sapateiro, correios, reparações automóveis, parquímetro, faturas de água, faturas de eletricidade impostos, pintura de moradia, entre muitas outras – // Todos eles desacompanhados de qualquer explicação, enquadramento ou justificação que permitisse ao Tribunal aferir, desde logo, se cada uma das despesas a que reporta cada um dos inúmeros documentos juntos ao processo corresponde a uma despesa da sociedade, relacionada com a respetiva atividade, que tenha sido paga por terceiro e que deva, por isso, ser reembolsada. (…) Não é, por isso, verdade, que os valores daquelas transferências estejam devidamente justificados e que a razão de ser das transferências esteja clarificada, ao invés do que pretendem os recorrentes. (…) do amontoado de documentos que os recorrentes juntaram com a contestação, não era possível, nem se exigia ao Tribunal que destrinçasse, de entre aquela amálgama de papel, quais os documentos que efetivamente sustentam o pagamento de encargos da sociedade recorrente relacionados com a respetiva atividade, tais como o pagamento do vencimento da gerente ou o pagamento da renda correspondente à sede social ou mesmo o pagamento de honorários a advogados pelos serviços prestados à sociedade recorrente (e não por serviços prestados à própria gerente CR). // A este propósito, sempre deverá referir-se que a documentação junta pela parte para fazer a prova de determinado facto juridicamente relevante que alega tem de ser idónea e apta a fazer essa prova. // Neste contexto, cabe à parte contextualizar cada documento que junta, especificar o facto concreto para cuja prova se destina por forma a habilitar o tribunal com os dados sobre a pertinência e idoneidade do documento e a apreciá-lo, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e das regras gerais sobre o ónus da prova, concluindo sobre a demonstração ou não do facto alegado. (…)”. [19] Os processos de jurisdição voluntária, enquanto processos especiais, são regulados pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns, e, subsidiariamente, pelas normas do processo comum – cfr. artigo 549.º, n.º 1 do CPC. [20] Estamos, contudo, em face de “noções orientadoras e meramente exemplificativas”, como alerta DIOGO PEREIRA DUARTE, Código das Sociedades Comerciais Anotado (coordenação de António Menezes Cordeiro), Almedina, 4.ª edição, 2021, págs. 906/907. [21] Cfr., ainda, os acórdãos do STJ de 30/05/2017 (Proc. 4891/11.1TBSTS.P1.S1, relator Alexandre Reis), no qual se pode ler: “o conceito de justa causa, para este efeito de destituição de gerente, deve ser encarado pelo prisma da protecção da confiança e com a dose de maleabilidade ou plasticidade que a lei concede na sua aplicação, perante as concretas circunstâncias de cada caso: verifica-se a justa causa para a destituição do gerente quando, dos factos provados, se retire a prática por este de actos que impossibilitem a manutenção da relação contratual de gerência, por quebrarem gravemente a relação de confiança que o exercício do inerente cargo supõe, ou que, segundo a boa-fé, tornem inexigível à sociedade o prosseguimento do seu exercício. Existe justa causa para a destituição se não for justo exigir que a sociedade mantenha o contrato vinculante.”, mais acrescentando: “A invocação de justa causa assente em «violação grave dos deveres do gerente», supõe, naturalmente, a ilicitude dos imputados comportamentos e, por outro lado, por se tratar da violação do contrato celebrado entre o gerente e a sociedade, a censurabilidade, a título de culpa, de tais comportamentos ilícitos do gerente, deve presumir-se nos termos do artigo 799 nº 1 do CC.” – e de 30/09/2014 (Proc. n.º 1195/08.0T8LSB.L1, relator Fonseca Ramos) – “Constitui justa causa de destituição de gerente, actuação sua que exprima violação grave dos deveres de gerente, mormente, dos deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, que impliquem perda irreparável da confiança dos afectados por essa actuação, seja no contexto interno da sociedade, seja na sua relação com terceiros a justificar a impossibilidade da manutenção do vínculo que o une ao ente societário, por existir conflito de interesses gerador de danos efectivos ou potenciais, que devam ser consideradas razão inequívoca da inexigibilidade da manutenção daquele vínculo jurídico.” [22] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, Almedina, 2.ª edição, 2017, pág. 128.
Cfr. ainda, quanto à noção de justa causa, do mesmo autor, Curso de Direito Comercial, vol. II, Almedina, 7.ª edição, 2021, págs. 591-596. [23] Cfr. acórdão do STJ de 22/02/2022 (Proc. n.º 1917/18.1T8AMT.P2.S1, relatora Graça Amaral) - “I - A destituição de funções de gerência pressupõe a demonstração da justa causa traduzida na violação dos deveres cometidos ao gerente, que não se basta com a simples violação de algum deles, exigindo a lei que se trate de uma violação grave que comprometa a confiança, desaconselhando ou impedindo a manutenção do vínculo contratual. II - Não definindo a lei o conceito de justa causa, cabe à jurisprudência e à doutrina a sua concretização e pode ser reconduzido às situações em que, segundo a boa-fé, ocorra uma quebra de confiança por forma a que não seja exigível à sociedade a continuidade da relação contratual com o seu gerente. (…)”. [24] Obra citada, pág. 129. [25] Segundo escreve ANA PERESTELO DE OLIVEIRA, Lições e Casos de Direito das Sociedades, AAFDL editora, 2024, pág. 431, “no caso do dever de lealdade, o apelo feito à prossecução do interesse da sociedade tem em vista resolver ou gerir eventuais conflitos de interesses, ao passo que o dever de cuidado se situa no campo da diligência”.
Ainda segundo esta autora, os deveres de cuidado “[c]orrespondem à imposição de um determinado padrão de diligência na gestão societária, tendo em vista a realização dos interesses da sociedade. // Está em causa um dever de diligência objetivo e não apenas um padrão de culpa: existe, pois, um dever de prosseguir o interesse social, traduzido num dever de diligência objetivo, cuja violação gera ilicitude. // Não significa que da alínea a) do n.º 1 do artigo 64.º não se retire, simultaneamente o padrão de culpa aplicável: a diligência de um gestor criterioso e ordenado”. Já os deveres de lealdade “são expressão do princípio da boa fé e fundamentam-se na especial posição de poder assumida (…) e na confiança” depositada (págs. 422/423 e 430/431). [26] Como escreve MARGARIDA COSTA ANDRADE, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2021, pág. 374, “O direito a participar nas deliberações sociais compreende, assim, o direito de estar presente nas assembleias, de nelas discutir os assuntos sobre os quais se deliberará (ou o direito a ser consultado sobre as deliberações a tomar por voto escrito) e o direito de votar propostas (dentro e fora das assembleias).” [27] Refira-se, inclusive, que a falta de convocação de assembleia geral para aprovação de contas é susceptível de ser sancionada nos moldes previstos pelos artigos 515.º, n.º 1 e 528.º, n.º 1, ambos do CSC – nesse sentido, cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 20/02/2024 (Proc. n.º 3072/23.6T8LRA-A.C1, relator Arlindo Oliveira). [28] Montante que, ao contrário do invocado pelos recorrentes, não se poderá considerar irrelevante, independentemente do património imobiliário de que a sociedade possa ser detentora (cujo valor nem sequer consta da matéria de facto).