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ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - Para efeitos de ressarcimento por acidente de trabalho, consideram-se como retribuição todas as prestações recebidas pelo trabalhador com carácter regular, desde que não se destinem a compensar o mesmo por custos aleatórios. II - Cabe ao empregador demonstrar que uma determinada prestação regular se destina a compensar custos aleatórios do trabalhador.
Texto Integral
Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório.
AA intentou a presente acção declarativa, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra Axios Recursos Humanos, Sucursal Portugal e Companhia de Seguros Fidelidade, S. A., pedindo a sua condenação no pagamento das pensões vitalícias remidas de € 5.775,73 relativamente à segunda e € 6.205,09 quanto à primeira ré, acrescidas de € 3.314,12, no que tange à ITA devida e não paga, acrescido de juros vencidos e vincendos a final.
Para tanto, alegou, em síntese:
- ter celebrado um contrato de trabalho com a primeira ré, com efeitos a 21 de Junho de 2022, para o exercício das funções de magarefe;
- as funções seriam desempenhadas em França e teria o salário de € 1.820,00 assumindo a empresa ainda as despesas de alojamento, gás e luz;
- no dia 30 de Julho de 2022, teve um acidente quando saía do seu trabalho que motivou a incapacidade para o trabalho definida no exame médico e reconhecida pelas rés;
- a primeira ré transferiu a responsabilidade pelo risco de acidentes de trabalho para a segunda ré apenas no valor de € 11.914,00 anuais, não tendo transferido o remanescente.
Citadas, as rés contestaram, alegando, em síntese:
• a Axios Recursos Humanos, Sucursal Portugal, em 16 de Junho de 2023, que o contrato de trabalho do autor não era apenas para trabalhar em França, mas em qualquer estabelecimento da ré, incluindo Portugal; que apenas ganharia as ajudas de custo enquanto permanecesse em França, sendo o seu salário de € 846,58, o que é o salário actual em Portugal; pugna pela improcedência dos pedidos formulados;
• a Companhia de Seguros Fidelidade, S. A., em 21 de Junho de 2023, que aceita a existência do acidente, tal como descrito no exame médico, frisando apenas estar transferido para si o valor de € 11.914,00 de remuneração anual, aceitando nessa o pedido formulado quanto si.
Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.
Realizada a audiência de julgamento, foi em seguida proferida sentença, na qual a Mm.ª Juiz a quo julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência (após despacho de rectificação):
a) reconheceu como retribuição anual do autor o valor de € 23.729,05;
b) condenou a ré AXIOS Recursos Humanos, Sucursal Portugal a pagar-lhe:
b1 - a quantia de € 3.058,97 correspondente ao valor devido a título da incapacidade temporária absoluta desde 31 de Julho a 12 de Dezembro de 2022 (135 dias);
b2 - no pagamento do capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de € 413,53, acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde 13 de Dezembro de 2022 e vincendos até efectivo e integral pagamento
c) condenou a ré Companhia de Seguros Fidelidade, S.A. a pagar ao autor, a que deverão ser abatidos os valores já pagos a este título:
c1 - € 3.084,58 correspondente ao valor devido a título da incapacidade temporária absoluta desde 31 de Julho a 12 de Dezembro de 2022 (135 dias);
c2 - no pagamento do capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia de € 416,99, acrescida de juros moratórios vencidos à taxa legal sobre a referida quantia desde 13 de Dezembro de 2022 e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, a ré empregadora apelou para esta Relação de Lisboa, na qual se acordou, ex officio, anular a sentença e determinou a ampliação da matéria de facto por alegada por aquela nos art.ºs 9.º a 13.º e 16.º da sua contestação.
Baixando os autos ao Tribunal da 1.ª Instância, foi reaberta a audiência de julgamento e, de seguida, foi proferida sentença com conteúdo idêntico à anteriormente referida.
De novo irresignada, a ré empregadora apelou, culminando a motivação com as conclusões:
"I. O douto Tribunal a quo, na sentença proferida, mal andou, ao considerar as ajudas de custos recebidas pelo autor recorrido como retribuição e consequentemente, montante devido pela ora recorrente ao autor recorrido;
II. As presentes alegações supra, visaram demonstrar que efectivamente, o trabalhador não presta a sua actividade em exclusivo em França, nem tão pouco, os valores que recebeu aquando da sua estadia em França tinham carácter regular, logo, não podiam ser considerados como retribuição.
III. As presentes alegações supra, visaram, também, demonstrar que efectivamente, o trabalhador não demonstrou que os valores por si recebidos aquando da sua estada em França configuram retribuição, conforme bem refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sob o número de processo 4212/18.2T8CBR.C1.S1 in www.dgsi.pt: 'O trabalhador tem o ónus da prova de que estão preenchidos os pressupostos da segunda parte do art.º 260.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho', o que, in casu, não ocorreu.
IV. Não se preenchendo, deste modo, todos os requisitos essenciais para que as ajudas de custo recebidas configurem o carácter de retribuição, contrariamente à opção preconizada pelo Tribunal a quo;
V. Assim, mesmo com novo julgamento, não se verificou o preenchimento dos três requisitos cumulativos: I) as deslocações ou despesas compensadas com as ajudas de custo sejam frequentes; II) as importâncias devidas a título de ajudas de custo excedam os custos normais das deslocações ou despesas; e III), na medida em que excedam os custos normais das deslocações ou despesas, hajam sido previstas no contrato ou devam ser consideradas pelos usos como elemento integrante de retribuição do trabalhador.
VI. Sendo que no caso dos presentes autos, ficou claramente provado que I) o não houve regularidade de pagamentos uma vez que o contrato só durou 1 mês e meio, II) as importâncias devidas a título de ajudas de custo não foram superiores ao normal para a situação em apreço e, III) tais valores não estavam expressos em contrato de trabalho como elemento integrante da retribuição do Trabalhador;
VII. Assim, não há, pois, prova mais cabal do que o próprio Tribunal a quo questionar as testemunhas sobre o local de trabalho do trabalhador e valores a receber em cada local, tendo ficado expresso que o Trabalhador não trabalhava só em França e que só recebe ajudas de custo quando está fora de Portugal, sendo o salário efectivo o valor transmitido à seguradora.
VIII. Não se podendo, pois, aplaudir a decisão deste primeiro Tribunal quando vem preterir quer a prova documental, quer a prova testemunhal apresentada, requerendo-se, por tal inversão de decisão, alterando-se, assim, os factos dados como não provados nos pontos a) e b) da douta sentença proferida para como provados, e o ponto 16) dos factos provados para: 'O trabalho a prestar pelo autor seria desempenhado em França e' passado 6 meses em Portugal (…)'.
IX. Concluindo, em face do supra, que o Autor não fez prova que os elementos integrantes dos valores recebidos em França faziam parte efectivamente da retribuição do Trabalhador, o que desde já se requer".
O autor e a seguradora não contra-alegaram.
Os autos foram com vista ao Ministério Público, tendo a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar o mérito do recurso, delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente e pelas questões de que se conhece ex officio. Assim, dir-se-á que importa apenas apreciar as seguintes questões:
i. se as quantias pagas pela empregadora ao sinistrado a título de ajudas de custo não constituíam retribuição;
ii. nessa medida a apelante não responde pelas consequências do acidente de trabalho por ele sofrido.
*** II - Fundamentos. 1. Factos julgados provados:
"1 - AA celebrou contrato de trabalho com Axios Recursos Humanos, Sucursal Portugal com data efeito a 21 de Junho de 2022, para a profissão de magarefe.
2 - Enquanto o Autor trabalhasse em França, seria ainda assumido pela empresa: alojamento, gás e luz, o que se concretizou.
3 - Em momento posterior ao início do trabalho do autor para a ré, foi reduzido a escrito, no contrato, na sua cláusula quinta, sob a epígrafe de 'retribuição', o valor de € 849,58, valor que constava do recibo de vencimento como 'vencimento'.
4 - Do recibo de vencimento do autor constava, além do vencimento, na coluna de remunerações, dois outros valores: um de 'ajudas de custo' no valor de € 79,07 e de € 1.015,85 'Ajudas de custo diferença salarial França'.
5 - Axios Recursos Humanos, Sucursal Portugal transferiu o risco de acidente de trabalho para Companhia de Seguros Fidelidade, S.A., através da apólice AT82613846.
6 - No dia 30 de Julho de 2022, pelas 14h30 o autor estava a sair do local de trabalho quando, escorregou nas escadas caindo de costas sobre o seu lado direito, e, após ser chamado ao local o serviço de emergência médica.
7 - O autor foi transportado e ficou internado no Centre Hospitaleir de Fougéres.
8 - O autor sofreu traumatismo de ombro direito (com fractura cominutiva da omoplata) e do tórax (com fracturas das 2.ª, 7.ª e 11.ª costelas direitas com pneumotórax ligeiro e derrame pleural) e traumatismo da bacia (sem referência a qualquer fractura).
9 - O autor teve alta da entidade responsável, Companhia de Seguros Fidelidade, S.A., em 12 de Dezembro de 2022.
10 - O autor esteve em situação de Incapacidade Temporária Absoluta de 31 de Julho de 2022 a 12 de Dezembro de 2022, data da consolidação das lesões.
11 - O autor ficou afectado com uma Incapacidade Permanente Parcial de 5%.
12 - Ambas as rés reconhecem a caracterização de acidente de trabalho.
13 - Ambas as rés reconhecem o nexo causal entre o acidente e as lesões.
14 - Ambas as rés não se opõem ao resultado do exame médico, bem como os períodos de incapacidades temporárias.
15 - O valor do salário base do autor constante do recibo de vencimento é de € 848,58, o qual multiplicado por 14 dá a quantia de € 11.880,12 + horas extra € 19,88 x 1, ou seja, corresponde ao salário anual de € 11.914,00.
16 - O trabalho a prestar pelo Autor seria desempenhado em França, nas instalações de um cliente da Ré Axios Recursos Humanos, Sucursal Portugal.
17 - A Ré Axios Recursos Humanos, Sucursal Portugal também tem actividade em Portugal.
18 - O valor por risco de acidente de trabalho transferido para Companhia de Seguros Fidelidade, S.A. pela Axios Recursos Humanos, Sucursal Portugal, relativamente ao Autor, é de € 11.914,00 anuais.
19 - Além do valor referido em 15, o Autor auferia ajudas de custo identificadas como 'Ajudas de custo diferença salarial França' no valor de € 32,37, por dia.
20 - Apenas o valor da prestação por incapacidade temporária absoluta correspondente ao valor transferido para a Ré Seguradora foi pago". 2. O direito.
2.1 A primeira questão a apreciar na apelação da ré empregadora consiste em saber se as quantias que pagou ao sinistrado a título de ajudas de custo constituíam retribuição.
Sobre isso a sentença recorrida respondeu afirmativamente louvando-se no estabelecido pelos art.ºs 71.º da Lei dos Acidentes de Trabalho e 258.º e 260.º do Código do Trabalho e em similar entendimento colhido nos acórdãos da Relação de Lisboa, de 15-09-2021, no processo n.º 194/18.9T8TVD.L1-4 e de 15-12-2016, no processo n.º 220/14.0TTTVD.L1-4 e da Relação do Porto, de 09-10-2023, no processo n.º 17861/20.0T8PRT.P1, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
Por seu turno, a apelante pretexta que o sinistrado não provou, como lhe competia, que os valores por si recebidos aquando da sua estada em França configuram retribuição, citando em suporte da sua tese o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-11-2020, no processo n.º 4212/18.2T8CBR.C1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt, de acordo com o qual "o trabalhador tem o ónus da prova de que estão preenchidos os pressupostos da segunda parte do art.º 260.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho".
Finalmente, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta motivou assim o seu parecer:
"Assim, demonstrado que o sinistrado recebia com carácter de regularidade1 determinada prestação (subsídio de refeição ou ajuda de custo), ainda que apenas enquanto se encontrasse a prestar trabalho no estrangeiro, e demonstrado que o acidente ocorreu no estrangeiro, é ao empregador que cabe demonstrar, nos termos do artigo 342.º do Código Civil, que a mesma se destina a custear custos aleatórios, para que a mesma não integre a retribuição, para efeitos de cálculo das prestações devidas ao sinistrado.
Efectivamente, para efeitos de acidente de trabalho, é irrelevante que no contrato de trabalho apenas se tenha estipulado apenas uma retribuição base, se os recibos de vencimento demonstram que foram pagas, enquanto durou o contrato, outras prestações.
É que, analisando a prova produzida em audiência é manifesto que o empregador - a quem cabia o ónus da prova, contrariamente ao que pretende -, não logrou demonstrar que os valores pagos a título de ajudas de custo correspondiam ao reembolso de despesas efectivamente realizadas ou custos aleatórios sofridos pelo sinistrado, já que o que se apurou (cf. facto provado 19) é que era pago um valor diário fixo em função dos dias em que o trabalhador se encontrava fora.
Efectivamente, sendo a natureza compensatória de custos aleatórios um facto impeditivo do direito do sinistrado ver contabilizado para efeitos de cálculo das prestações devidas por acidente de trabalho, todas as prestações recebidas no dia do acidente, é ao empregador que interessa demonstrá-la".
Vejamos então como decidir a questão em apreço.
O n.º 2 do art.º 71.º da Lei dos Acidentes de Trabalho estatui que "entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios".
Por seu turno, o art.º 258.º do Código do Trabalho estabelece no n.º 1 que "considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho", no n.º 2 que " a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie" e no n.º 3 que "presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador"; sendo que o art.º 350.º do Código Civil refere no seu n.º 1 que "quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz".
Finalmente, o art.º 260.º deste último diploma estatui, na parte que ora importa, que "1. Não se consideram retribuição: a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador".
A repartição do ónus da prova dos factos no domínio das ajudas de custo laborais foi assinalada, de forma clarividente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-10-2008, no processo n.º 08S1984, publicado em http://www.dgsi.pt, assim sumariado:
"I - Cabe à entidade empregadora, nos termos dos art.ºs 344.º, n.º 1 e 350.º do CC, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, ou seja, que as respectivas importâncias foram devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas ao serviço dela, empregadora, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art.º 260.º do CT e de valer a presunção do n.º 3 do art.º 249.º do CT, de que se está perante prestação com natureza retributiva.
II - Feita esta prova, pode entrar em aplicação a ressalva contida na norma especial da 2.ª parte do n.º 1 do art.º 260.º do CT que estabelece em que termos e medida as ajudas de custo revestem natureza retributiva.
III - Por não se encontrar demonstrada a causa concreta dos pagamentos, integram o conceito de retribuição, pelo que devem atender-se no cálculo dos direitos emergentes de acidente de trabalho, as importâncias pagas, mensalmente, pela empregadora (que se dedica à prestação de serviços de transporte de mercadorias) ao trabalhador (motorista de pesados de mercadorias), no período de Março de 2004 a Março de 2005, a título de ajudas de custo e das cláusulas 74.ª, n.º 7, 47.ª e 47.ª-A do CCT entre a Antram-Associação Nacional de Transportes públicos de Mercadorias e a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Outros (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 9, de 8-3-1980, com alteração publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 16, de 29-4-1982)".
Prolatado embora no domínio do Código do Trabalho de 2003, o total paralelismo com o regime aplicável do Código do Trabalho de 2009 leva a que se procure subsumir a jurisprudência citada no caso sub iudicio. Isto porque, em linha com o citado aresto: (i) presumindo a lei que todas as prestações patrimoniais periodicamente feitas pelo empregador ao trabalhador se presume ser retribuição (art.º 258.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho), (ii) não será assim caso o empregador prove que revestem a natureza de ajudas de custo (art.º 260.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte) do Código do Trabalho), embora o trabalhador possa provar que excedem o normal para esse efeito (art.º 260.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte) do Código do Trabalho).
Este modo de ver as coisas tem sido insistentemente repetido pela jurisprudência. Assim:
"II - Cabe à entidade empregadora, nos termos dos art,ºs 344.º, n.º 1 e 350.º, n.º 1 do Cód. Civil, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art.º 260.º do Cód. Trab. e de valer a presunção do n.º 3 do art.º 249.º do Cód. Trab. de que se está perante prestação com natureza retributiva.
III – Tal ónus não fica satisfeito se apenas se prova que determinadas quantias eram processadas nos recibos de vencimento a título de ajudas de custo, uma vez que daí não resulta que tivessem efectivamente essa natureza - os recibos de vencimento não fazem prova plena da veracidade das declarações neles emitidas pelo empregador e também não existe qualquer presunção legal nesse sentido.
IV - Não estando provada a causa concreta dos pagamentos referidos como 'ajudas de custo', cai-se, por isso, na previsão do n.º 3 do art.º 26.º da LAT97, por força da presunção, não ilidida pela entidade empregadora, do n.º 3 do art.º 249.º do Cód. Trab., sendo, por isso, de considerar, que tais verbas entram na noção de retribuição auferida pelo trabalhador e, consequentemente, no cálculo das prestações infortunísticas a que este tem direito".
Acórdão da Relação de Lisboa, de 08-09-2010, no processo n.º 530/06.0TTVFX.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt
"II - As LAT’s de 1997 e de 2009 deixaram de fazer remissão para os critérios da retribuição da lei geral, mas continuaram a conferir especial atenção ao elemento da regularidade no pagamento.
III - E exceptuam do conceito as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, pois que não se traduzem num ganho efectivo para o trabalhador.
IV - Cabe ao empregador o ónus de alegar e provar a natureza compensatória de custos aleatórios dos valores regularmente pagos".
Acórdão da Relação do Porto, de 01-12-2014, no processo n.º 166/09.4TTOAZ.P1, publicado em http://www.dgsi.pt
"I. As ajudas de custo não configuram uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho, antes têm como finalidade compensar despesas feitas pelo trabalhador por causa do trabalho; daí que, a não ser na parte em que as exceda, não constituem retribuição (art.ºs 71.º, n.º 1 da LAT de 2009 e 259.º, n.º 1 e 260.º, n.º 1 do CT 2009).
II. Cabe ao empregador o ónus de alegar e provar a natureza compensatória de custos aleatórios dos valores regularmente pagos (art.º 234.º, n.º 2 do CC)".
Acórdão da Relação de Lisboa, de 15-12-2016, no processo n.º 220/14.0TTTVD.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt
"A LAT adopta um conceito próprio de retribuição, com contornos mais abrangentes que o constante do artigo 258.º do CT, não se referindo como neste a expressão 'prestação a que… o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho'.
Para efeitos de ressarcimento por sinistro laboral, consideram-se todas as prestações com carácter regular, desde que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
Cabe ao empregador demonstrar que uma determinada prestação regular se destina a compensar custos aleatórios".
Acórdão da Relação de Guimarães, de 04-11-2021, no processo n.º 3966/18.0T8VNF.G1, publicado em http://www.dgsi.pt
"II - Na noção da n.º 2, do art.º 71.º, da Lei 98/09, assume preponderância a regularidade no pagamento. Não pressupõe necessariamente a existência de correspectividade entre as prestações do empregador e a disponibilidade do trabalhador, antes abrangendo também quaisquer outras prestações que tenham causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, desde que recebidas com carácter de regularidade e não destinadas a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
III - São custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade.
IV - O facto de serem pagas ao sinistrado ajudas de custo nos termos previstos no Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transporte de Pessoal da Administração Pública não significa, só por si, que os valores pagos a esse título se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
V - Atenta a noção estabelecida no n.º 2, do art.º 71.º da LAT, sobre a Ré recaía o ónus de alegação e prova de factos de onde resultasse demonstrado que aquele pagamento se destinava a compensar custos aleatórios, nos termos referidos na parte final da norma, isto é, custos de natureza acidental e meramente compensatória".
Acórdão da Relação do Porto, de 23-01-2023, no processo n.º 3024/19.0T8PNF.P1, publicado em http://www.dgsi.pt
No caso, provou-se que "4 - Do recibo de vencimento do Autor constava, além do vencimento, na coluna de remunerações, dois outros valores: um de 'ajudas de custo' no valor de € 79,07 e € 1.015,85 'Ajudas de custo diferença salarial França'", pelo que é a todos os títulos seguro concluir que essas quantias não eram pagas para prover a despesas aleatórias do trabalhador; pelo contrário, apontam é precisamente em sentido contrário, ou seja, embora designadas como ajudas de custo, na verdade compunham a retribuição do trabalhador já que expressamente se provou que visavam compensar o diferencial entre os salários de França e de Portugal (e não o diferencial de custo das concretas despesas com a alimentação ou outras básicas que suportasse por prestar trabalho naquele país).
De novo dando voz ao citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-10-2008, no processo n.º 08S1984, publicado em http://www.dgsi.pt:
"Ora, no caso dos autos apenas vem provado, com interesse, que o A. foi admitido ao serviço da R. AA – sociedade que se dedica à prestação de serviços de transporte de mercadorias – com a categoria de motorista de pesados, que a R. lhe pagava, em Abril de 2005, a retribuição mensal de € 630,19 x 14 meses, e que a R., nos meses de Março de 2004 e Março de 2005 pagou ao A. as quantias discriminadas nos factos n.ºs 14 a 25, a título de ajudas de custo e das cláusulas 74.ª, n.º 7, 47.ª e 47.ª-A do aludido CCT.
Não vem, pois, provada a causa concreta dos pagamentos referidos nesses factos, isto é, qual o correspectivo dessas contrapartidas – designadamente, se a prestação da actividade laboral ou da respectiva disponibilidade pelo A., em si mesmas, ou a compensação devida pela R AA por deslocações, novas instalações ou despesas por este feitas ao seu serviço, como, neste caso, se tornava necessário para que tais importâncias não revestissem, nos termos do n.º 1 do art.º 260º, a natureza de retribuição, e se subsumissem à noção de ajudas de custo ou à previsão das referidas cláusulas, 47.ª, 47.ª-A e 74.ª, n.º 7 - (11) .
Assim sendo, não podemos ter como assente que as prestações pecuniárias em causa, por parte da R. AA., têm a natureza constante dos factos n.ºs 14 a 25 (ou seja, a de ajudas de custo ou de prestações das cláusulas 47ª, 47ª-A e 74ª, n.º 7 do mencionado CCT, coincidente, aliás, com os dizeres constantes dos recibos de fls. 62 a 74 dos autos).
Cai-se, por isso, na previsão do n.º 3 do art.º 26.º da LAT, por força da presunção, não ilidida pela R. AA, do n.º 3 do art.º 249.º do CT.
E, assim sendo, é de considerar, como o fizeram as instâncias, que tais verbas entram na noção de retribuição auferida pelo A. e entram no cálculo das prestações infortunísticas a que este tem direito".
Fica, pois, assente que embora aquelas quantias fossem denominadas ajudas de custo nos recibos salariais, na verdade eram retribuição do recorrido trabalhador e sinistrado, pelo que a apelante responde na correspondente medida pelas consequências do acidente de trabalho por ele sofrido.
E assim sendo, não pode conceder-se apelação da ré empregadora, antes confirmar a sentença recorrida.
*** III - Decisão.
Termos em que se acorda negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante empregadora (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).
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Lisboa, 09-04-2025.
Alves Duarte
Manuela Bento Fialho
Alda Martins
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1. Para este efeito cremos que é irrelevante que o contrato apenas tenha durado um mês e meio.