DEPOIMENTO DE PARTE
DECLARAÇÕES DE PARTE
ÓNUS DE DISCRIMINAÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Sumário

I- Compete às partes discriminar a matéria factual objeto do depoimento e das declarações de partes, por si requeridas.
II- Se após convite de aperfeiçoamento, a parte continua a não observar o ónus de discriminação, o requerimento probatório deve ser rejeitado.

Texto Integral

I – Relatório
1. AA intentou ação, com processo comum contra Nordigal – Indústria de Transformação Alimentar, SA e BB.
Na petição inicial que apresentou, a autora, requereu as suas declarações de parte à matéria dos artigos 4º a 69º e 80º a 155º da petição inicial e, ainda, o depoimento de parte da 1ª ré, na pessoa do 2º réu à mesma matéria.
2. Em sede de despacho saneador e a propósito das declarações de parte e depoimento de parte requeridos pela autora, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
Como é sabido, quem requer o depoimento da outra parte tem o ónus de indicar os factos sobre que há-de recair o depoimento de parte (cfr. n.º 2 do art.º 452.º do C.P.C.), sendo certo que, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 454.º, o depoimento só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, sendo certo que, requerendo-se depoimento de parte quanto a factos que nunca poderiam, caso o Réu os admitisse como verdadeiros, integrar confissão, deve o mesmo ser indeferido. Relativamente às declarações de parte têm por objeto factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto – art.º 466º C.P.C.. A exigência prevista no artigo 452º, n.º 2 do Código de Processo Civil quanto à indicação discriminada dos factos sobre que há-de recair o depoimento de parte, aplicável ex vi artigo 466º, n.º 3 do mesmo diploma legal às declarações de parte, não é meramente formal, resultando de um dever de cooperação para com o Tribunal, que deve controlar se os factos escolhidos são passíveis de confissão e/ou factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, para além de tal indicação assegurar o contraditório e a organização da produção de prova no julgamento.
Ora, na parte final da petição inicial, a Autora veio requerer que sejam tomadas «declarações de parte da A. à matéria de artigos 4.º a 69.º e 80.º a 155.º deste articulado» e «depoimento de parte da 1.ª R na pessoa do 2.º R à matéria de artigos 4.º a 69.º e 80.º a 155.º».
Ou seja: não só requer que sejam prestadas declarações de parte (pela Autora) e depoimento de parte ([a]parte contrária) à mesma exata matéria, como indica que as mesmas partes sejam ouvidas a matéria que sequer foi alegada porquanto pese embora extenso, o articulado da Autora tem 135 artigos, pelo que não se compreende que indique que sejam ouvidas dos arts «80.º a 155.º».
Pelo que se conclui que o requerimento, para além do mais, padece de erro ou lapso manifesto, cuja retificação se impõe seja feita pela Autora.
Em conformidade, convido a Autora para que esclareça, em 5 dias, a que matéria factual alegada na sua petição inicial pretende que preste declarações de parte (a Autora) e a que matéria factual alegada na petição inicial pretende, por sua vez, que sejam tomadas declarações de parte ao 2.º Réu, com a cominação de, não o fazendo, ver indeferidos tais requerimentos de prova.
Notifique.”
3. A autora veio responder, em 02.11.2024, nos seguintes termos:
AA nos autos à margem referenciados e ali melhor identificada, notificada que foi do D. Despacho Saneador, e do convite para esclarecimento dos factos a provar com o Depoimento de Parte e as Declarações de Parte, vem para bem cumprir o mesmo esclarecer que as declarações de parte da A. e o depoimento de parte do Réu, o qual é igualmente legal representante da Ré devem ser prestados [à] matéria de 4.º a 69.º e de 80.º a 133.º da PI.
Ainda com [exceção] dos factos já aceites pelos RR. e logo confessados por acordo, a saber:

--
São verdadeiros os factos alegados nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 5.º apenas quanto ao comprovativo CTT referente ao envio da comunicação, 31.º, 38.º apenas quanto a “e pediu para antecipar uma semana nas suas férias a começar a 6 junho de 2023 em vez de 12 de Junho de 2023.”, 56.º apenas quanto ao teor do documento, 72.º apenas quanto ao teor o documento, 73.º apenas quanto ao teor o documento, 74.º, 80.º apenas quanto ao teor dos documentos, 81.º, 82.º apenas quanto ao teor dos documentos, 83.º apenas quanto ao teor dos documentos,90.º, 95.º apenas quanto ao teor dos documentos, 97.º, 105.º apenas quanto ao teor dos documentos e 110.º da Petição Inicial.
…”
Cf. artigo 1.º da Contestação.
Sendo este o seu objeto.
Mais se sugerindo a V. Exa. que se comece pelo depoimento de parte do R. e legal representante da Ré sociedade, pois a matéria que for confessada dispensará, quanto a esta a demais produção de prova.”
4. Na sequência desta resposta, o Tribunal a quo proferiu despacho a indeferir o requerimento probatório apresentado pela autora, na parte referente às declarações de parte e depoimento de parte, com o seguinte teor:
Requerimento entrado a 02/11/2024:
Na parte final da petição inicial, a Autora veio requerer que sejam tomadas «declarações da parte da A. à matéria de artigos 4.º a 69.º e 80.º a 155.º deste articulado» e «depoimento de parte da 1.ª R na pessoa do 2.º R à matéria de artigos 4.º a 69.º e 80.º a 155.º», sendo que o articulado da Autora tem 135 artigos, pelo que não se compreende que indique que sejam ouvidas dos arts «80.º a 155.º».
Convidada a vir especificar os pontos sobre os quais pretende que recaiam as suas declarações de parte e o depoimento de parte, sob pena de indeferimento, conforme despacho proferido a 27/10/2024, a Autora vem, por requerimento que antecede, dizer o seguinte, que passamos a transcrever:
«esclarecer que as declarações de parte da A. e o depoimento de parte do Réu, o qual é igualmente legal representante da Ré devem ser prestados [à] matéria de 4.º a 69.º e de 80.º a 133.º da PI.
Ainda com [exceção] dos factos já aceites pelos RR. e logo confessados por acordo a saber:

--
São verdadeiros os factos alegados nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 5.º apenas quanto ao comprovativo CTT referente ao envio da comunicação, 31.º, 38.º apenas quanto a “e pediu para antecipar uma semana nas suas férias a começar a 6 junho de 2023 em vez de 12 de Junho de 2023.”, 56.º apenas quanto ao teor do documento, 72.º apenas quanto ao teor o documento, 73.º apenas quanto ao teor o documento, 74.º, 80.º apenas quanto ao teor dos documentos, 81.º, 82.º apenas quanto ao teor dos documentos, 83.º apenas quanto ao teor dos documentos, 90.º, 95.º apenas quanto ao teor dos documentos, 97.º, 105.º apenas quanto ao teor dos documentos e 110.º da Petição Inicial.
…”
Cf. artigo 1.º da Contestação.
Sendo este o seu objeto.» (sic)
Cumpre apreciar e decidir.
O depoimento de parte pode ser determinando oficiosamente pelo juiz ou requerido por uma das partes, sendo que caso seja requerido por uma das partes, estas devem indicar “…logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair” (452º, 2 parte final, CPC). Por outro lado, o depoimento só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento (454º, CPC).
Para este efeito, são actos pessoais os praticados pelo depoente, ou em que interveio, ou que foram praticados na sua presença. Por sua vez, factos de que o depoente deva ter conhecimento são aqueles que se presumem ser por elas conhecidos. Já as declarações de parte são, actualmente, um meio de prova expressamente reconhecido prestado em juízo que incide sobre os factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou dos quais tenha conhecimento directo (466º CPC).
Ao contrário do depoimento de parte quando haja confissão, as declarações de parte são apreciadas livremente - salvo se elas constituírem também confissão- (466º, 3, CPC). A prestação de declarações de parte só pode incidir sobre factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, excluindo-se assim todo o saber que de adveio de modo indirecto (466º, 1, CPC) Dada a remissão (466º, 2, CPC) para as disposições do depoimento de parte, tal significa, entre o mais, que as partes também têm o ónus de discriminar logo os factos sobre os quais deve incidir.
Tendo presente o disposto no art.º 63º do CPT, a autora deveria ter cumprido logo nos articulados, onde se requerem as provas, o ónus de discriminação dos factos sobre os quais incidiriam o depoimento de parte e deveria ter discriminado, no mesmo momento, o objecto das declarações de parte, na medida em que, podendo requere-las mais tarde, optou por logo o fazer na petição inicial, devendo então observar os requisitos de admissibilidade processual referentes à discriminação do seu âmbito (466º, 1 e 2, CPC).
No caso dos autos, na petição inicial a autora claramente não indicou nem o objecto do depoimento de parte, nem o objecto das declarações e até indicou a produção de tal prova a artigos da petição inicial que não existiam.
Feito convite de aperfeiçoamento e continuou a Autora, a nosso ver, salvo o devido respeito por melhor e mais fundada opinião, sem observar as regras processuais referentes ao ónus de discriminação, quer dos factos, quer dos factos pessoais, quer dos factos desfavoráveis.
Como é sabido os articulados, incluindo petição inicial e resposta à contestação, são peças onde se alega de facto e de direito e se conclui pelo pedido. Ou seja, ali está contido não só factos, mas também direito, conclusões e considerações, as mais das vezes misturadas, por força da má técnica jurídica utilizada. Ora, não compete ao julgador escolher a matéria quer do depoimento de parte, quer das declarações de parte, sendo que o ónus da iniciativa da prova competir às partes, às quais cumpre discriminar os factos dela objecto, verificando-se um efeito preclusivo que decorre da falta de apresentação desse meio de prova, pois que a manifesta e notória apresentação deficiente que não cumpra os requisitos legais equivale à ausência de apresentação. Podemos ainda invocar e convocar aqui os princípios de cooperação processual e de auto responsabilização das partes que não podemos deixar de ter em consideração.
Assim, uma vez que se entende que a Autora nada esclarece (continuando a indicar os mesmos artigos da petição para o depoimento de parte e para as declarações de parte e que englobam matéria conclusiva, direito, factos não pessoais e factos não desfavoráveis), não observando assim o ónus de discriminação mesmo após convite para tanto, e considerando que foi cominada, no despacho-convite, com o indeferimento de tais requerimentos de prova, a ausência de tal esclarecimento, indefere-se os mesmos requerimentos de prova (depoimento de parte e declarações de parte à matéria de 4.º a 69.º e de 80.º a 133.º da PI, «com exceção dos factos já aceites pelos RR.») , ao abrigo do disposto nos arts 452º, 2, 466º, 1 e 2, C.P.C. aplicáveis ex vi do art.º 1.º, n.º 2, al. a), do CPT.
Notifique.”
5. Inconformada com este despacho, a autora veio intentar recurso de apelação, no qual formula as seguintes conclusões:
A - Nada impede que as declarações de parte da própria parte e o depoimento de parte da parte contrária incidam sobre os mesmos factos. De resto, se alguns dos factos respeitam a assédio [laboral] e ou a conversas impróprias a dois entre o Administrador da Ré entidade Empregadora e a trabalhadora, ambos podem falar em Juízo sobre este tema, embora como iremos analisar com consequências processuais diversas. Com efeito o efeito jurídico pretendido é diverso, com o depoimento de parte da parte contrária visa-se obter a confissão, o que quando ocorre torna inútil e desnecessária a produção de qualquer outra prova. As declarações de parte visam fazer prova e o Tribunal valora-as livremente.
B - Se a parte requer declarações de parte ou o depoimento de parte e identifica um conjunto de artigos da sua Petição inicial onde tais factos constam, tal corresponde à exigência legal de discriminar os factos, não podendo o meio de prova ser rejeitado pelo Tribunal. Quanto muito o Tribunal pode e deve restringir a matéria de tais depoimentos se o seu entendimento for contrário ao da parte que os está a requerer e se considerar que em parte não é admissível.
C - A parte não está obrigada a ter o exato e mesmo entendimento do Tribunal sobre se determinados factos são conclusivos, ou pessoais - cabe ao Tribunal fazer a triagem a posteriori.
D - Para efeitos do artigo 639.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC - as normas jurídicas que se entendem mal aplicadas e ou interpretadas são as seguintes: 7.º, 452.º, 454.º e 466.º do CPC e artigo 62.º e 63.º do CPT.”
Termina pedindo que seja “dado provimento ao presente recurso e revogado o Douto Despacho, sendo substituído por outra que julgue admitidos os meios de prova requeridos - depoimento de parte da Ré e ora Recorrida e declarações de parte da ali A.”
6. Os réus vieram responder ao recurso referindo, em sede de conclusões que:
“A)
A autora incumpriu o ónus de alegação que sobre si impendia quando, na Petição Inicial, requereu a tomada de declarações de parte e depoimento de parte.
B)
O Tribunal a quo, em cumprimento do seu poder-dever perante as insuficiências do requerimento de prova, convidou a Autora a proceder à correção das mesmas.
C)
Perante este convite, a Autora persistiu no incumprimento do ónus de discriminação processual, limitando-se a esclarecer que pretendia que fossem prestadas declarações de parte e depoimento de parte à matéria de 4º a 69º e de 80º133º da Petição Inicial, com exceção dos factos já aceites pelos Réus, nos termos referidos na Contestação.
D)
Os artigos indicados contemplam matéria conclusiva, Direito, factos não pessoais e factos não desfavoráveis e, por conseguinte, o depoimento de declarações de parte não poderiam recair sobre a totalidade da matéria indicada.
E)
Em linha com a jurisprudência assente quanto esta matéria, a Autora não cumpriu o ónus de discriminação dos factos objeto do depoimento e das declarações de parte, porquanto limitou-se a indicar uma generalidade de artigos, recorrendo a uma fórmula genérica e notoriamente deficiente, que engloba matéria conclusiva, direito, factos não pessoais e factos não desfavoráveis (cfr. Ac. do TRP, proc. N.º3144/12.2TBPRD-Q,P1, datado de 02/06/2020).
F)
O Tribunal a quo não tinha, nem tem de substituir-se à parte que incumpre o ónus que sobre si recai, designadamente, selecionando os factos sobre os quais podem incidir as declarações de parte e depoimento de parte. (cfr. Ac. do TRP, proc. N.º3144/12.2TBPRD-Q,P1, datado de 02/06/2020).
G)
A decisão recorrida não merece, pois, qualquer reparo, devendo ser integralmente confirmada por este Venerando Tribunal.”
Termina, concluindo, que deverá ser negado provimento ao recurso.
7. A Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de improcedência da apelação.
8. Notificada a autora veio responder referindo, no essencial não concordar com o Parecer.
II – Objeto do Recurso
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, do CPC(Código de Processo Civil), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º2, al. a) do CPT ( Código de Processo de Trabalho), que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim sendo fixa-se como questão a resolver saber se o Tribunal a quo podia ter indeferido as declarações de parte da autora e depoimento de parte da 1ª ré.
III – Fundamentação de facto.
A constante do relatório que antecede e, ainda, a petição inicial da recorrente que possui 135º artigos, conforme certidão com a ref.ª citius ....
IV- Fundamentação de Direito
A recorrente insurge-se quanto à decisão proferida pela 1ª instância, que indeferiu as suas declarações e o depoimento de parte da 1ª ré, defendendo que o despacho recorrido violou os artigos 7.º, 452.º, 454.º e 466.º do CPC e artigo 62.º e 63.º do CPT., já que nada impede que as declarações de parte e o depoimento de parte incidam sobre os mesmos factos, e tendo identificado “um conjunto de artigos da sua Petição inicial onde tais factos constam, tal corresponde à exigência legal de discriminar os factos”.
Vejamos.
O regime legal da prova por declarações de parte mostra-se regulado no art.º 466.º do CPC, que dispõe que:
“1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.
Decorre, assim, do n.º 1 do citado art.º 466º do CPC, que são pressupostos legais da admissibilidade da prestação de declarações de parte, a existência de requerimento formulado pela própria parte que irá prestar as declarações, a sua apresentado até ao início da fase das alegações orais na audiência de discussão e julgamento em 1ª. Instância, e que as declarações incidam sobre factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.
A prova por declarações de parte pode ter como resultado declarações favoráveis ou desfavoráveis ao declarante, com diferente valor probatório. Referindo-se à demonstração de factos favoráveis, tais declarações de parte são livremente valoradas pelo juiz, nos termos gerais, no caso reconhecimento de factos desfavoráveis, valem como confissão, nos termos previstos no art.º 352º do CC( Código Civil), no caso de reconhecimento de factos desfavoráveis que não possam valer como confissão, serão livremente valoradas pelo tribunal, nos termos a que alude o art.º 361º do CC.
O meio de prova “depoimento de parte” encontra-se previsto no art.º 452.º do CPC.
Nos termos desse referido artigo é estabelecido que:
«1 - O juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa.
2 - Quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair».
E como resulta dos arts. 352º e 356º, n.º 2 do CC, o depoimento de parte constitui um meio de obter uma confissão judicial provocada, ou seja, o reconhecimento de factos que é desfavorável à parte que o presta e aproveita à parte contrária.
O depoimento de parte pode, ainda, independentemente da concretização da eficácia confessória, servir para prestar informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa, sendo, neste caso, as declarações prestadas livremente apreciadas pelo tribunal e conjugadas com os demais elementos probatórios, art.361º do CC.
De acordo com o n.º 1 do art.º 454º do CPC “o depoimento só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.”
O n.º 2 do art.º 452º do CPC exige que “quando o depoimento (de parte) seja requerida por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair.”
Por seu turno, quanto às declarações de parte, o n.º 2 do art.º 466º do CPC menciona que «às declarações das partes [se]aplica o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.» O que significa que às declarações se aplica o disposto no artigo 452.º, n.º 2, do CPC, impondo-se, também, a indicação de forma discriminada, logo no requerimento probatório, dos factos sobre que há de recair.
A atividade das partes, em processo civil e consequentemente em processo laboral, por via da remissão, do art.º 1º, nº2 do CPT está sujeita a uma série de princípios gerais
Como se refere, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06.02.20201, a atividade das partes está condicionada a princípios gerais como “ atuação, em boa fé ( art.º 8º do CPC), correção( art.º 9 do CPC), cooperação( art.º 7º), economia processual e limitação de atos inúteis( art.º 132º do CPC), simplicidade ( art.º 131º, n.º 1 do CPC) e celeridade ( art.º 2, n.º 1 do CPC) “ decorrendo destes princípios “o dever de os interessados conduzirem o processo assumindo os riscos daí advenientes, devendo deduzir os meios adequados para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de sofrerem as consequências (cfr. Ac. STJ de 11.07.2013, Proc. 6961/08.4TBALM.B.L1.S1 e Ac. STJ de 21.01.2014 – Proc. 689/08.2TTFAR.E1.S1).”
E, refere-se, ainda, neste acórdão que “o acentuar dos deveres de cooperação do tribunal não implica que as partes deixem de ter um dever de auto-responsabilidade e submissão ao princípio da preclusão.”
O n.º 2 do seu art.º 452º do CPC é claro ao exigir que sejam discriminados os factos sobre os quais há de recair o depoimento de parte ou as declarações de parte,
A exigência desta discriminação dos factos não será, assim, meramente formal, resultando a mesma, desde logo de um dever de cooperação para com o tribunal, cuja função não é substituir-se à parte na escolha dos factos a confessar e sobre os quais pretende que seja prestado depoimento de parte, ou sobre os factos sobre os quais pretende que sejam prestadas declarações de parte.
É que a discriminação dos factos, sobre os quais incidirá o conteúdo do depoimento ou declarações, permitirá ao tribunal constatar se o requerimento pode ser admitido tal como pedido e possibilita à parte contrária, não só sindicar os termos em que o requerimento é elaborado, bem como delinear a sua estratégia processual relativamente a prova que possa vir a ser produzida.
Não será despiciendo relembrar que, a lei ao referir-se à discriminação de factos exclui, necessariamente, a referência a afirmações conclusivas e/ou de direito ou a considerações.
Como é sabido, os articulados que são peças onde se alega de facto e de direito, contêm não só factos, mas também matéria de direito, conclusões e considerações, na maioria das vezes misturadas, por força da má técnica jurídica utilizada.
No requerimento probatório, em que a parte se limita a referir que os depoimentos ou as declarações abrangem toda a matéria dos articulados ou procede à enumeração de todos os artigos dos articulados, e onde está incluído direito, conclusões e considerações, mostra-se incumprindo o ónus de discriminação dos factos. Neste caso, não deve ser rejeitado de imediato o requerimento cumprindo ao Tribunal convidar a parte requerente a suprir tal deficiência.
Na situação sub judice é evidente que a parte não discriminou os factos sobre os quais pretendia que incidissem as suas declarações e o depoimento de parte da 2ª ré, já que indicou basicamente toda a matéria do seu articulado, sem qualquer rigor, cuidado ou diligência, limitando-se a não incluir os artigos 1º a 3º e 70º a 79º da petição inicial e incluindo artigos não alegados.
Indicou, assim, a autora mais factos dos que eram alegados na p.i. e procedeu materialmente a uma indicação genérica de factos, sem qualquer preocupação de expurgar matéria conclusiva ou de direito.
Nesta situação, impunha-se ao Tribunal, ao abrigo do dever de cooperação, que notificasse a autora, convidando-a a aperfeiçoar o seu requerimento probatório, o que foi efetuado.
Tal convite foi aceite pela autora, nos moldes em que constam do requerimento de 02.11.2024.
Da leitura do requerimento de resposta da autora resulta que a autora se limitou a reproduzir o seu requerimento anterior restringindo-o, apenas, aos artigos da petição inicial que tinha efetivamente alegado, por um lado, e, por outro lado a reproduzir o art.º 1º da contestação, para referir os factos que estariam aceites pelos réus.
Em face desta resposta, não podemos deixar de considerar que a autora continuou sem cumprir o ónus de discriminação dos factos e sem qualquer observância dos princípios da cooperação e da auto-responsabilização, bem sabendo que os artigos da petição inicial, que continua a indicar, contém não só factos, mas também direito, conclusões e outras considerações.
A autora, em resposta ao convite que lhe é efetuado pelo Tribunal, limita-se novamente a deixar a tarefa de escolha da matéria de facto para o Tribunal violando, assim, o dever de cooperação e de auto-responsabilização, sendo certo que não competirá ao julgador escolher a matéria quer do depoimento de parte, quer das declarações de parte.
No depoimento de parte misturam-se factos, com direito, com conclusões e considerações, sem que a autora tenha cuidado minimamente de discriminar a matéria de facto sobre a qual deveria incidir o depoimento de parte ao indicar praticamente toda a matéria da petição inicial. E, tratando-se do depoimento de parte de pessoa coletiva (no caso concreto não foi requerido o depoimento de parte do 2º réu mas apenas da 1ª ré ) o depoimento de parte referir-se-á sempre ao depoimento da própria parte e não ao depoimento pessoal do seu administrador, presidente ou gerente, ficando por indicar os factos pessoais que foram praticados pela primeira ré, com a sua intervenção ou perante si.
Por outro lado, no que respeita às declarações de parte também foi indicada praticamente toda a matéria da petição inicial com matéria conclusiva e de direito.
A recorrida, na sua motivação, indicou alguns exemplos de considerações e/ou matéria de direito de alguns artigos da petição inicial mas existem outros, v.g., artigos 60º, 61º, 65º, 67º, 69º, 89º, 107, 108º, 110º, 111º, tratando-se esta citação de mera exemplificação.
Refira-se, ainda que, não pode ter acolhimento a argumentação defendida em sede de recurso, de que a parte não está obrigada a ter o exato e mesmo entendimento do Tribunal sobre se determinados factos são conclusivos ou pessoais incumbindo a triagem ao Tribunal, por , em causa estar, o facto de a autora estar onerada com os deveres de cooperação e de auto-responsabilização que não cumpriu.
Importa, ainda, reafirmar “que não é exigível que o juiz no uso dos seus poderes e princípios de direito, faça o trabalho que a lei impõe às partes, pois não compete ao juiz escolher a matéria quer do depoimento de parte, quer das declarações de parte, sendo certo que as declarações de parte não podem sequer ser determinadas pelo juiz, não lhe cabendo também escolher o seu âmbito.” 2
Competindo o ónus da iniciativa da prova à parte, a quem incumbe também discriminar os factos objeto de prova, tendo sido efetuado o convite ao aperfeiçoamento, que não foi devidamente acatado, persistindo a parte sem discriminar os factos, como impõe o art.º 452, n.º 2 do CPC, apesar de ter sido notificada com expressa cominação de que o requerimento seria rejeitado, se não fosse acatado o convite, terá esta de suportar as consequências da sua atuação: a rejeição do seu requerimento probatório.
Se após convite de aperfeiçoamento, a autora continuou a não observar o ónus de discriminação dos factos sobre os quais deveriam incidir as declarações de parte e o depoimento de parte, a consequência a extrair é a rejeição do requerimento probatório, tal como o decidido em 1ª instância.
V- Responsabilidade pelas custas.
As custas do recurso são integralmente da responsabilidade da recorrente atento o seu integral decaimento, art.º 527º do CPC, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
VI- Decisão
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 9 de abril de 2025
Alexandra Lage
Paula Santos
Maria José Costa Pinto
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1. Proferido no processo 3144/12.2TBPRD-Q.P1, disponível in www.dgsi.pt
2. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo 3436/22.2T8GMR-B.G1, de 17.10.2024, disponível in www.dgsi.pt.