REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
AUDIÇÃO DO MENOR
DIREITO DE VISITA
ALIMENTOS
Sumário

1. O ponto de vista afirmado pelo menor quanto à questão a decidir, obtido no âmbito da sua audição, não significa que na decisão dessa questão se deva seguir tal ponto de vista, já que o mesmo pode não ser coincidente com a solução que melhor respeite o superior interesse do mesmo.
2. Nem sempre a vontade manifestada por um menor, designadamente quanto à recusa de convívios com o progenitor não guardião, significa que só a aceitação dessa vontade (com a consequente interrupção desses convívios) é que corresponde a uma decisão respeitadora do superior interesse do mesmo, tal como impõe o nº 5 do art.º 1906º do Código Civil.
3. Só não deve haver lugar a um regime alargado de convívios do menor com o progenitor não guardião na medida em que tal coloque em risco o normal desenvolvimento do menor na sua vertente física, psíquica, intelectual e moral, designadamente em face de algum comportamento do progenitor não guardião, no âmbito desses convívios, que represente objectivamente uma situação de perigo para o menor.
4. Não estando por qualquer forma colocado em crise o desempenho parental do progenitor não guardião nem a sua capacidade de avaliação das necessidades do menor, designadamente no âmbito da interacção com o mesmo em sede de convívios, não se justifica que o início dos mesmos fique condicionado à intervenção do CAFAP, enquanto entidade que determinará quando e como devem ocorrer os convívios.
5. Se no âmbito das possibilidades económicas ditadas pela existência de património imobiliário susceptível de gerar rendimentos o progenitor não guardião opta por não obter tais rendimentos, antes convocando as despesas fixas associadas a tal património para concluir pela insuficiência de meios para satisfazer as necessidades do seu agregado familiar e as necessidades do menor, cabe então ao mesmo estabelecer prioridades na gestão dos seus activos patrimoniais, visando a satisfação de necessidades primárias, suas e daqueles que de si dependem (desde logo a satisfação dos alimentos devidos ao seu filho menor, nas suas diversas componentes).
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 25/5/2020 I. intentou contra C. acção para alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas a D., filho de ambos, pedindo a alteração da regulação das responsabilidades parentais em vigor, quanto ao regime de residência e visitas, e alegando, em síntese, que:
• Foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais, tendo ficado estipulado que o menor residirá alternadamente e por períodos semanais com a requerente e com o requerido;
• Este regime nem sempre foi cumprido, por acordo entre ambos, sendo que, em 18/4/2020, o menor disse ao requerido e à requerente que queria viver com esta última, passando fins-de-semana alternados com cada um deles, o que o requerido acabou por aceitar;
• O menor verbaliza à requerente que o requerido o pressiona e insiste para ir para casa dele, o que o deixa muito triste, agitado e nervoso;
• A pressão exercida pelo requerido sobre o menor tem aumentado, tendo este referido à requerente e ao menor que ele vai a bem ou vai a mal e que o menor não tem de querer, o que interfere com o bem-estar do menor.
Citado o requerido, veio invocar, em síntese, que a conduta do menor resulta da manipulação que vem sofrendo por parte da requerente, a qual começou a obstar que o menor passasse os tempos acordados com o requerido a partir do momento em que este comunicou que a sua companheira estava grávida, tendo-se agudizando com o nascimento dessa irmã do menor, e recusando a requerente o acompanhamento psicológico proposto pelo requerido. Conclui pela manutenção da residência alternada, nos termos do acordo homologado.
Foi realizada conferência, em 6/10/2020, aí tendo sido tomadas declarações ao menor e tendo sido homologado acordo provisório, até Dezembro do mesmo ano, nos seguintes termos:
1. O menor visitará o pai todas as sextas-feiras indo buscar a criança à escola, no final das actividades escolares, e entregando-a em casa da mãe pelas 22:00 horas.
2. Mantêm-se a residência com a mãe, provisoriamente.
Foi ainda designada a data de 17/12/2020 para a continuação da conferência, o que ocorreu, aí tendo sido tomadas declarações ao menor e aos progenitores, e tendo ainda sido homologado novo acordo provisório, nos seguintes termos:
1. O menor estará com o pai todas as 4.ªs feiras findas as actividades escolares jantando com ele e entregando-o às 21h30 em casa da mãe.
2. O menor passará com o pai os Domingos, de 15 em 15 dias, almoçando e passando a tarde com ele; o pai irá buscar o menor por volta das 11h00 e entregará o menor em casa da mãe por volta das 19h00.
3. O menor passará a véspera de Natal com a mãe, bem como a véspera de Ano‑Novo, e passará com o pai a tarde de 25 de Dezembro e dia 1 de Janeiro, com quem almoçará, indo o pai buscá-lo às 11h00 e entregando às 19h00.
4. Na 2ª, 3ª, e 4ª feira que antecede o dia 31 de Dezembro o menor almoçará com o pai, que para tanto o irá buscar ao ATL às 11h00/12h00, e passará com ele a tarde desses dias; o pai entregará o menor em casa da mãe às 19h.
5. O menor almoçará no Domingo de Páscoa com o pai.
Foi ainda designada a data de 21/6/2021 para a continuação da conferência, o que ocorreu, aí tendo sido tomadas declarações ao menor, e tendo sido designada a data de 7/9/2021 para a continuação da mesma, atenta a ausência do requerido.
Reiniciada a conferência em 7/9/2021, não foi possível alcançar qualquer acordo entre os progenitores.
Ouvido novamente o menor, em 27/10/2021, foi suspensa a conferência e as partes foram encaminhadas para audição técnica especializada.
Junto aos autos o relatório respectivo, reiniciou-se a conferência em 13/7/2022, aí não tendo sido possível obter acordo entre os progenitores, e tendo ambos sido notificados para os efeitos do disposto no art.º 39º, nº 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
A requerente e o requerido apresentaram as respectivas alegações, bem como os requerimentos probatórios.
Em 11/2/2023 a requerente apresentou requerimento onde, em síntese, invoca a existência de comportamentos conflituosos entre o requerido e o menor, bem como a falta de contribuição do requerido para o sustento do menor, assim concluindo pela necessidade de alteração do regime provisório, nos seguintes termos:
• Relativamente aos convívios entre o menor e o requerido, deve ser determinado que o requerido estará com o menor todas as quartas feiras, devendo ir buscar o menor pelas 16 horas, a casa da requerente, centro de estudo ou escola, e entregando-o às 21h00 em casa da requerente;
• Relativamente a alimentos, deve ser determinado que o requerido contribui mensalmente, a título de pensão de alimentos para o menor, com a quantia de € 200,00, acrescida da comparticipação em metade das despesas de saúde e de educação, incluindo ATL e explicações que o menor necessitar.
Após exercício do contraditório pelo requerido foi realizada nova conferência em 31/5/2023, não tendo aí sido possível obter acordo, e tendo sido mantido o regime provisório.
Em 22/6/2023 foi proferido despacho de alteração do regime provisório, com aditamento dos seguintes pontos:
1. As despesas médicas e medicamentosas, de início de ano escolar e ATL serão a suportar, na proporção de metade, por cada um dos progenitores, mediante apresentação do respectivo comprovativo emitido em nome do menor e NIF do menor, devendo o progenitor que a realizar enviar ao outro progenitor no prazo de 15 dias, sendo o pagamento efectuada no prazo de 15 dias após a sua apresentação.
2. O pai pagará a título de prestação de alimentos a favor do seu filho a quantia de € 180 por mês, até ao dia 8 de cada mês, a entregar à mãe por depósito ou transferência bancária ou qualquer outro meio de pagamento com recibo.
O referido ponto 2. foi, entretanto, alterado por acórdão proferido em 3/12/2024 por este Tribunal da Relação de Lisboa, no recurso interposto pelo requerido dessa decisão de alteração do regime provisório, sendo a prestação de alimentos fixada provisoriamente no valor de € 165,00.
Foi realizada perícia psicológica aos progenitores e ao menor.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com audição do menor.
Entre as sessões da audiência de discussão e julgamento a requerente apresentou (em 13/10/2023) requerimento em que conclui pela suspensão dos convívios entre o menor e o requerido, sustentando tal pretensão com a existência de comportamentos do requerido que configura como correspondendo a um crime de maus tratos.
Foi encerrada a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, em 18/9/2024, com o seguinte dispositivo:
Em face de todo o exposto altero o ponto 2 da cláusula 1ª e a cláusula 2ª do regime de exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor D. e adito uma cláusula 7ª ao dito regime, tudo nos seguintes termos:
Cláusula 1º
2. O menor fica entregue à guarda e cuidados da mãe.
Cláusula 2ª
1. A título de pensão de alimentos o pai pagará a favor do filho a quantia mensal de € 180 (cento e oitenta euros), a entregar à mãe por depósito ou transferência bancária para a conta que esta vier a indicar, até ao dia 08 do mês a que respeitar.
2. A pensão será actualizada anualmente de acordo com os índices de inflação do INE, com início em Janeiro de 2026.
3. As despesas médicas e medicamentosas, de início de ano escolar e de ATL serão a suportar, na proporção de metade, por cada um dos progenitores.
Cláusula 7ª
1. O D. estará com o pai de 15 em 15 dias, em fins-de‑semana alternados, indo o pai buscar o menor na sexta-feira, no final das actividades escolares, e entregando-o na segunda feira, na escola, no início das actividades escolares.
2. O pai estará com o menor todas as quartas feiras (ou em dia da semana que os progenitores, por acordo, consideram mais conveniente), indo buscar o menor à escola, no final das actividades escolares, e entregando-o no dia seguinte, na escola, no início das actividades escolares.
3. O regime de visitas, assim como o regime quanto às férias e épocas festivas, iniciar-se-á, na sua totalidade ou faseadamente, quando o CAFAP (…) considerar que existem condições para tanto, ficando este organismo incumbido da preparação e o posterior início dos convívios entre o D. e o seu pai, até que estes possam ocorrer sem a intermediação de terceiros.
Custas pela requerente e pelo requerido, na proporção de 1/3 para a primeira e 2/3 para o segundo”.
O requerido recorre desta sentença, sendo que na sua alegação invoca que as conclusões do recurso são aquelas que constam dos 76 pontos que aqui se reproduzem (com exclusão das epígrafes):
1. O Tribunal a quo deu como provado o regime provisório fixado nas conferências de pais de 09/10/2020 e 17/12/2020 (cfr. pontos “38” e “39” dos factos provados).
2. Na conferência de pais realizada em 22/06/2023, o Tribunal a quo introduziu um complemento ao regime provisório, relativo à fixação da pensão de alimentos e despesas a favor do menor (cfr. acta da conferência de pais de fls.), o qual porém não foi dado como provado.
3. O complemento do regime provisório constitui matéria igualmente relevante para a apreciação e decisão dos autos, tanto mais que o Tribunal a quo, em sede de fundamentação, socorre-se dele, remetendo para o mesmo, a propósito do valor da pensão de alimento.
4. Deve a decisão sobre a matéria de facto ser alterada, no sentido de dela passar a constar como facto provado que: “Por despacho de 22/06/2023, em complemento do regime provisório fixado nos autos, foi acrescentado o seguinte quanto a alimentos:
1. As despesas médicas e medicamentosas, de início de ano escolar e ATL serão a suportar, na proporção de metade, por cada um dos progenitores, mediante apresentação do respectivo comprovativo emitido em nome do menor e NIF do menor, devendo o progenitor que a realizar enviar ao outro progenitor no prazo de 15 dias, sendo o pagamento efectuada no prazo de 15 dias após a sua apresentação.
2. O pai pagará a título de prestação de alimentos a favor do seu filho a quantia de € 180 por mês, até ao dia 08 de cada mês, a entregar à mãe por depósito ou transferência bancária ou qualquer outro meio de pagamento com recibo.”.
5. Por outro lado, para efeitos da fixação do valor da pensão de alimentos a cargo do Recorrente, o Tribunal a quo deu como provado, entre outros, os factos constantes dos pontos “56” e “57” da matéria de facto provada.
6. O Tribunal a quo não efectuou uma correcta apreciação dos documentos juntos aos autos pelo Recorrente no que toca ao valor dos referidos empréstimos bancários.
7. Por requerimento de fls. de 24/02/2023, no qual se juntou prova documental do valor e do pagamento das prestações dos empréstimos, provou-se que o valor actualizado do empréstimo do ponto “56” dos factos provados é de € 571,64 (e não € 366,48), verificando-se um acréscimo da despesa no montante de € 205,16, o que se traduz numa diminuição do rendimento mensal disponível do Recorrente.
8. Por via do mesmo requerimento e da prova documental aí junta, não impugnada, provou-se que o valor actualizado da prestação do empréstimo bancário que figura do ponto “57” dos factos provados, contraído para aquisição do imóvel sito em Lagos, Algarve, é de € 392,00 (e não € 297,78), verificando-se um acréscimo da despesa no montante de € 94,22.
9. Como resulta dos autos, em 11/05/2023 o Tribunal a quo proferiu despacho sobre o requerimento de 24/02/2023, onde exarou que “Tomei conhecimento dos requerimentos antecedentes.”.
10. O Tribunal a quo não rejeitou o requerimento de 24/02/2023 e os respectivos documentos, nem estes foram impugnados pela Recorrida.
11. Certo é que, não apreciou correctamente a situação dos empréstimos do Recorrente, cujo valor foi incorrectamente dado como provado na sentença recorrida.
12. Verificando-se que os valores dos empréstimos indicados nos pontos “56” e 57” dos factos provados estão incorrectos, impõe-se a sua correcção face à prova documental produzida nos autos e não impugnada pela outra parte, no sentido de passarem a ter a seguinte redacção:
56) A prestação do empréstimo para aquisição de habitação que constitui a casa de morada de família do requerido importa mensalmente em, aproximadamente, € 571,64.
57) O requerido paga mensalmente uma prestação para amortização de um empréstimo para aquisição de uma habitação sita em Lagos, no valor aproximado de € 392,00.”.
13. As alterações da decisão sobre a matéria de facto peticionadas têm relevância para a decisão dos autos, sendo susceptíveis de influírem e importarem uma decisão diferente por parte do Tribunal ad quem, nomeadamente no que toca ao valor da pensão de alimentos, uma vez que a situação financeira do Recorrente é diferente, sendo mais desfavorável, daquela que foi apreciada e ponderada pelo Tribunal recorrido.
14. Finalmente, não resulta dos factos provados em que data e em que circunstâncias é que o regime provisório fixado em 17/12/2020, dado como provado no ponto “39”, deixou de ser possível cumprir.
15. Não obstante o regime provisório, há mais de um ano a esta parte que o Recorrente está privado de ter convívios com o menor, tendo sido no dia 11/10/2023 a última vez que lhe foi permitido ter o filho, tratando-se de matéria relevante e essencial à boa decisão da causa, à qual estranhamente não é feita qualquer referência nos factos provados.
16. Da factualidade dada como provada perpassa a ideia que o regime provisório fixado em 17/12/2020 mantém-se em execução, pois não existe nenhum facto provado a referir que o menor deixou de conviver com o pai, e desde quando.
17. Por requerimento de fls. de 13/10/2023, com a referência “46793024”, a Recorrida requereu a suspensão das visitas do menor ao pai, ou seja, a suspensão do regime provisório fixado em 17/12/2020, por alegadamente a criança ter sido beliscada pelo progenitor quando se encontrava com ele no dia 11/10/2023.
18. Por requerimento de fls. de 26/10/2023, com a referência “46943107“, o Recorrente opôs-se à requerida suspensão do regime provisório, refutando a factualidade alegada no que toca ao suposto “beliscão”.
19. Desde o requerimento da Recorrida de 13/10/2023, o Recorrente nunca mais teve o menor, ficando o regime provisório de 17/12/2020 inoperante, não tendo a mãe permitido os convívios.
20. Dos factos provados não se retira a referida ausência de convívios, importando que a decisão sobre a matéria de facto seja corrigida, no sentido de passar a figurar dos factos provados que:
A última vez que o requerido teve o menor foi em 11/10/2023, no âmbito do regime provisório fixado em 17/12/2020.”.
21. Ademais, a ausência de convívios decorre da própria fundamentação da sentença recorrida, assim se explicando, aliás, a decisão do Tribunal recorrido no que toca ao ponto “3”, da cláusula 7ª aditada ao regime das responsabilidades parentais, nos termos do qual o regime de visitas do menor ao progenitor “iniciar-se-á, na sua totalidade ou faseadamente, quando o CAFAP (…) considerar que existem condições para tanto (…)”.
22. Tendo em conta o ponto “3”, da cláusula 7ª aditada ao regime das responsabilidades parentais, a sentença recorrida encerra uma grande indefinição, tendo os convívios do progenitor com o menor ficado exclusivamente dependentes do resultado da intervenção do CAFAP (…).
23. A indefinição é tanto maior, na medida em que não foi estipulado qualquer tempo ou data para o início desses convívios, nem sequer um “período probatório”, desse modo deixando em aberto a possibilidade dos mesmos nem sequer virem a existir.
24. O Tribunal a quo, ao decidir daquela forma, não efectuou uma correcta ponderação da prova produzida e dos factos provados, assim como não aplicou correctamente o Direito a esses factos.
25. Um corte indefinido, como aquele que a sentença recorrida estipula, dos convívios de uma criança de apenas 12 (doze) anos com o seu pai, colocando-a a residir com a mãe, não serve o seu crescimento harmonioso e a salutar relação de filiação que deve existir com os dois progenitores.
26. O são crescimento do menor aconselha uma proximidade com o pai, sendo que no caso dos autos era possível estabelecer-se uma evolução gradual por forma a atingir-se o necessário convívio frequente e regular, o que não se compadece com o regime condicional estabelecido pela sentença recorrida que, salvo o devido respeito, determina um recomeço do “zero”.
27. Entre outras soluções, o Tribunal a quo podia, e devia, ter estipulado um regime de convívios entre o pai e o filho em dias e horários concretos, e com uma data para o seu início concreta, a efectuar no CAFAP, sob a supervisão desta entidade.
28. É consabido que em matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores (artigo 1906º, n.º 8 do CC).
29. O critério legal de atribuição ou repartição das responsabilidades parentais é, assim, o “superior interesse da criança” – artigos 1905º do CC, 42º, n.º 1 do RGPTC, e 3º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança.
30. O Tribunal a quo, na sua decisão, não se focou no superior interesse do menor, antes preterindo-o, ao ter estipulado um regime condicional e dependente da actividade/intervenção do CAFAP, deixando a situação do pai à sorte do que dali ocorrer, quando e se ocorrer, sendo do conhecimento geral a previsível demora destes processos.
31. Mal andou o Tribunal a quo ao dar excessiva primazia à vontade da criança, porquanto sendo da maior importância o convívio com o pai para garantir a integridade emocional da criança, não pode dar-se uma relevância excessiva à vontade desta, antes se devendo apostar e acreditar numa aproximação gradual ao pai, num regime de convívio que permita ultrapassar o distanciamento.
32. Caberia ao Tribunal a quo definir os termos e tempos, seu início, desses convívios, não deixando essa decisão ao CAFAP, sendo que ao fazê-lo, salvo o devido respeito, o tribunal demitiu-se objectivamente da sua função de julgar de acordo com a prova produzida e o Direito aplicável.
33. A “solução” adoptada pelo Tribunal a quo não é consentânea com o interesse do menor, sendo axiomática a importância do pai na educação de uma criança.
34. O Tribunal a quo reconhece importância à figura do pai, para quem o mesmo é insubstituível, no sentido de não pode nem deve ser retirado à criança o direito a ter um pai e à participação deste no seu crescimento.
35. Resulta constitucionalmente consagrado que as responsabilidades parentais cabem a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade (cfr. artigo 36º, n.º 3 da CRP).
36. O convívio é fundamental para a manutenção dos laços afectivos entre o filho e o progenitor com quem este não reside, sendo ainda de primordial importância para o completo e harmonioso desenvolvimento e formação da sua personalidade.
37. Sendo certo que se mostra essencial a aproximação entre o menor e o pai, aqui Recorrente, estabelecendo-se um relacionamento interpessoal gradual e progressivo, que faculte a reconstrução sólida da relação de filiação, tal não se mostra, porém, consentâneo e compatível com o regime condicional fixado pelo Tribunal a quo.
38. Resulta dos factos provados mais de um ano de ausência total de convívio entre o menor e o pai, existindo um fosso afectivo que é preciso eliminar, a bem da estabilidade e saúde mental do menor, sendo que o regime fixado pelo Tribunal recorrido agrava esse fosso ao não pré-determinar um período e forma dos convívios, deixando essa decisão para o CAFAP, quando deveria ser o Tribunal a tomá-la, estabelecendo condições para amplas oportunidades de contacto do menor com o pai e sua família.
39. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo esqueceu-se da família paterna do menor, nomeadamente os avós, não permitindo convívios de família alargados entre estes e o menor e nos quais o pai esteja presente, violando o direito constitucional à família (artigo 36º da CRP).
40. Resulta dos factos provados que o Recorrente está inserido num agregado familiar estável, 2 adultos e 1 criança, (cfr. ponto “55” dos factos provados).
41. Não resultaram provados quaisquer factos ou situações de gravidade tal que sustentem o afastamento do menor do progenitor, inexistindo pois razões bastantes para o “vazio” estipulado pelo Tribunal a quo, em que os convívios do pai com o D. não foram determinados, nem sequer uma data para tal, deixando uma decisão, que deveria ser judicial, à consideração de entidade terceira, no caso o CAFAP.
42. O despropósito do regime estipulado pelo Tribunal a quo é tanto maior, atendendo ao regime provisório que foi fixado em 17/12/2020, dado como provado em “39” dos factos provados, isto porque na conferência de pais realizada em 31/05/2023, o Tribunal a quo proferiu despacho no qual fez constar, nomeadamente, que “Uma vez que no essencial, segundo os progenitores, o regime provisório tem decorrido sem graves incidentes, mantenho o dito regime provisório”.
43. O regime provisório vigorou até ao dia 11 de Outubro de 2023, conforme resultou provado nos autos, considerando a alteração da matéria de facto peticionada, pois por requerimento de fls. de 13/10/2023, a mãe/Recorrida requereu a suspensão desse regime, alegando para tanto que a criança tinha sido beliscada pelo pai no último dia que havia estado com o mesmo, ou seja, em 11/10/2023; Tal circunstância consta, aliás, relatada no ponto “48” dos factos provados, relativo às declarações do menor na audiência de julgamento.
44. Como resulta da sentença recorrida, para além do relato do menor, não foi produzida qualquer outra prova sobre a ocorrência desse facto (o alegado beliscão), que não foi dado como provado, sendo que esse alegado “acontecimento” marca o último contacto/convívio do menor com pai, tendo sido a partir daí, 11/10/2023, que o regime provisório deixou de operar; E assim se afasta, e afastou, um filho do seu progenitor.
45. De acordo com as regras da experiência comum, um alegado “beliscão”, que não se provou, sempre seria manifestamente insuficiente para justificar a recusa do menor, resultando patente uma desproporção entre tal circunstância e essa recusa o que, salvo o devido respeito, não foi adequadamente ponderado pelo Tribunal a quo.
46. Só um bom pai e uma boa mãe, pensando no interesse do filho, tem a capacidade de ceder, de abdicar e de reconhecer a importância do outro progenitor na vida do filho, sendo que no caso dos autos não foi devidamente reconhecida essa importância, pois resultando que o pai não está com menor há mais de um ano (desde 11 de Outubro/2023), como é bom de ver o regime condicional fixado pelo Tribunal a quo alargará ainda mais esse fosso, ao invés de o começar desde já a eliminar, nomeadamente através da estatuição de convívios supervisionados pelo CAFAP.
47. E não se diga que o demais relatado pelo menor constante dos factos provados, e não apenas o alegado “beliscão”, justificará a aludida recusa e o consequente regime condicional fixado pelo Tribunal a quo, porquanto as demais circunstâncias e factos imputados ao pai que constam dos factos provados já existiam e eram anteriores ao aludido regime provisório fixado em 17/12/2020, sendo que até à conferência de pais realizada em 31/05/2023 estava tudo bem.
48. Enquanto o aludido regime provisório se manteve operante nenhum desses factos ou circunstâncias obstaram aos convívios do menor com pai, pelo que não se compreende o regime condicional ora fixado pelo Tribunal recorrido.
49. Como resulta dos autos, designadamente da acta da conferência de pais de 17/12/2020, o regime de visitas foi fixado pelo Tribunal sem a anuência do menor, pelo que se mais razões não houvessem para censurar a sentença recorrida e a forma como o regime foi aí estipulado, esta é mais uma.
50. Sendo importante, a vontade do menor não é, porém, vinculativa do Tribunal.
51. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não soube discernir e ponderar adequadamente sobre o que teria levado o menor a deixar, de todo, de ir e estar com o pai, acabando por proferir uma decisão que é manifestamente injusta para o pai e que não protege o superior interesse da criança.
52. É consabido que nem sempre a pretensão da criança é coincidente com o seu superior interesse, tendo aqui o Tribunal a quo falhado na avaliação e ponderação de todas as circunstâncias, inexistindo factos provados que, por si só ou em conjunto, revelem gravidade tal que justifiquem o afastamento do menor do pai e que permitam, como ocorre com a sentença recorrida, protelar ainda mais esse afastamento.
53. Face à prova produzida e aos factos provados, designadamente a circunstância de o menor não estar com pai desde 11 de Outubro/2023 desaconselhava que o Tribunal a quo tivesse fixado um regime temporalmente indefinido e à consideração de entidade terceira (CAFAP).
54. Ao invés da forma do regime de visitas decidido pelo tribunal recorrido, atentas as circunstâncias do caso concreto, mostra-se mais adequado a propiciar um mais rápido restabelecimento das relações afectivas entre o pai e a criança um plano de convívios com acompanhamento por entidade técnica (CAFAP), em ponto de encontro definido por tal entidade, com imediata entrada em vigor, nomeadamente ao fim de semana (sábado e/ou domingo), no mínimo de quinze em quinze dias, em horário a definir por acordo mas de duração não inferior a 1 (uma) hora (podendo a duração ser superior caso o CAFAP assim o entendesse e contar com a participação de outros familiares do lado paterno nos termos que tal entidade entenda convenientes), sob supervisão de técnica daquela entidade.
55. E isto sem prejuízo dos contactos por telefone e de a todo o tempo ser alterado o regime em face da evolução dos convívios, a fim de reaproximar a criança do seu progenitor, dando-se assim primazia ao superior do menor, visando-se a qualidade e regularidade do regime de visitas, até atingir-se o regime “definitivo” fixado pelo Tribunal a quo.
56. O Recorrente nunca deixou nunca de contactar telefonicamente o menor, tudo fazendo para que possam estar juntos, comunicar e partilhar tempo de qualidade, o que a tramitação deste processo bem evidencia.
57. O regime “condicional” estipulado pelo Tribunal a quo não salvaguarda da melhor forma o bem-estar e desenvolvimento do D., sendo a convivência imediata do progenitor necessária à formação do menor, sendo que nada obsta a que desde já se permitisse que o pai possa estar no dia do seu aniversário e no dia do pai com o filho, assim como no dia do aniversário da criança, sem prejuízo das actividades escolares deste, sob a supervisão do CAFAP.
58. Resulta da sentença recorrida que o Tribunal a quo não se debruçou sobre a eventual responsabilidade da mãe quanto à situação existente.
59. Muito embora se diga na sentença recorrida que não foi apurada influência de terceiros, nomeadamente da mãe, quanto à recusa do menor em conviver com pai, a verdade é que a responsabilidade da mãe não encerra aí.
60. Cabe à Recorrida o importante papel de fazer ver ao menor a importância da participação efectiva e paritária do pai na vida daquele, pois que a melhor solução é aquela que poderá garantir que ambos os progenitores terão uma relação de proximidade com o filho, conforme é do seu superior interesse (cfr. n.ºs 5 e 8 do artigo 1906º do CC).
61. Perscrutando a factualidade provada pelo Tribunal a quo, dela não resulta qualquer facto ou circunstância na qual a Recorrida tenha intervindo para motivar, fomentar e potenciar o relacionamento do menor com o pai, não servindo o superior interesse apenas acatar a alegada vontade da criança, pois todos sabemos, enquanto pais e mães, que dizer apenas “Sim” a tudo é fácil.
62. Salvo o devido respeito, não pode senão concluir-se que a mãe/Recorrida não está a saber exercer as suas funções, pois como referido só um bom pai e uma boa mãe, pensando no interesse do filho, tem a capacidade de ceder, de abdicar e de reconhecer a importância do outro progenitor na vida do filho, (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/06/2015, processo n.º 960/11.6TMFAR.E1, disponível em www.dgsi.pt).
63. Sintomático do que se acabou de expor são os factos dados como provados sob os pontos “17” e “18”; a progenitora sabendo onde o menor se encontrava, numa praia com o pai e a companheira deste, não se coibiu de lá se deslocar para o ir buscar quando, face às circunstâncias, o bom senso recomendava que não o fizesse e aguardasse o regresso da criança, pois já sabia onde a mesma estava e com quem estava.
64. Ao decidir como decidiu, estipulando um regime de convívios do menor com o pai de forma indeterminada, indefinida e condicional, não estipulando qualquer tempo, data, horários para esses convívios, incluindo o seu início, deixando a sua eficácia e definição à consideração de entidade terceira (CAFAP), o Tribunal a quo demitiu-se objectivamente da sua função de julgar, violando, com tal decisão, entre outros, os artigos 4º e 5º do RGPTC, e 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, 36º, n.ºs 3 e 6 da CRP, e 1906º, n.ºs 5 e 8 do CC.
65. A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que determine os concretos termos e tempos de convívio do menor com pai, a fim de se atingir a eficácia do regime das responsabilidades parentais alterado, nos termos supra expostos, visando um mais rápido restabelecimento das relações afectivas entre o pai e a criança, o qual passará nomeadamente, por definir um plano de convívios com acompanhamento pelo CAFAP, em ponto de encontro decidido por tal entidade, designadamente ao fim de semana (sábado e/ou domingo), no mínimo de 15 em 15 dias, em horário a definir por acordo mas de duração não inferior a 1 hora (podendo a duração ser superior caso o CAFAP assim o entendesse e contar com a participação de outros familiares do lado paterno nos termos que tal entidade entenda convenientes), sem prejuízo dos contactos por telefone e de a todo o tempo ser alterado o regime em face da evolução dos convívios; devendo, de igual modo, assegurar-se que o pai possa estar no dia do seu aniversário e no dia do pai com o filho, assim como no dia do aniversário da criança, sem prejuízo das actividades escolares desta, sob a supervisão do CAFAP.
66. O Tribunal a quo não ponderou correctamente as condições pessoais e de vida do progenitor, designadamente no que toca às despesas com os empréstimos bancários que o mesmo suporta mensalmente, estando em causa um encargo mensal somado de € 963,64 que importa agora o Tribunal ad quem ponderar atenta a alteração de matéria de facto peticionada.
67. Resultou provado que o Recorrente é enfermeiro de profissão, recebendo mensalmente uma retribuição líquida de cerca de € 1.022,28, (cfr. ponto “54” dos factos provados).
68. Para além disso, resultou provado que a companheira do Recorrente é quem suporta a mensalidade referente ao infantário que a filha de ambos frequenta, assim como a prestação referente à aquisição de um veículo automóvel, (cfr. pronto "58" dos factos provados).
69. Igualmente, resultou provado que o agregado familiar do Recorrente tem despesas mensais correntes, tais como electricidade, água, gás telecomunicações, transportes, alimentação e vestuário, (cfr. pronto "59" dos factos provados).
70. Para além da pensão de alimentos provisória que foi fixada por despacho de fls. de 22/06/2023, no valor de € 175,00, que o Tribunal a quo manteve na sentença, ficou provado que o Recorrente está igualmente obrigado a suportar, entre outras, a despesa mensal relativa ao ATL do menor, (cfr. despacho de fls. de 22/06/2023 a figurar dos factos provados, conforme peticionado).
71. Como alegado e demonstrado nos autos pela Recorrida através de requerimento de 13/09/2023 e dos docs. 20 e 21 aí juntos, o valor que cabe ao Recorrente suportar do ATL é de € 57,00 (50%), sendo o valor actual de € 60,67.
72. Tal como a pensão de alimentos, o ATL é uma despesa mensal fixa, pelo que na verdade a despesa mensal a suportar pelo Recorrente a favor do menor é superior a € 235,67.
73. Muito embora se diga na sentença recorrida que teve-se “ainda em conta o rendimento mensal auferido pelo requerido e o valor das despesas necessárias ao sustento do seu agregado familiar”, não foi na verdade isso que aconteceu, mostrando-se o rendimento do Recorrente e as despesas do agregado familiar deste incompatíveis, por manifesta insuficiência e desproporcionalidade, com a pensão de alimentos fixada a favor do menor, no valor de € 175,00 acrescido do ATL.
74. O Tribunal a quo não aplicou correctamente a norma do artigo 2004º, n.º 1 do CC, nos termos do qual os alimentos serão proporcionados não só aos meios daquele que houver de prestá-los, mas também à necessidade daquele que houver de recebê-los.
75. Importa que o Tribunal ad quem, com a necessária frieza e ponderação da matéria de facto provada, com as alterações peticionadas, proceda à alteração da sentença recorrida igualmente quanto ao valor da pensão de alimentos, que não deverá exceder o montante de € 125,00, acrescido do ATL do menor, atenta a prova produzida nos autos, nomeadamente documental.
76. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outras, as normas dos artigos 2004º, n.º 1 do CC, 413º e 607º, n.º 4 do CPC.
Não foi apresentada qualquer alegação de resposta.
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Nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, as quais hão-de corresponder à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais vem pedida a alteração ou anulação da decisão.
Os 76 pontos da alegação do requerido acima reproduzidos não correspondem, de todo, à referida indicação sintética.
Todavia, e sem necessidade de lançar mão do disposto no nº 3 do art.º 639º do Código de Processo Civil (desde logo porque se antevê a incapacidade de síntese que se pretende), é possível identificar como questões a conhecer as que a seguir se enunciam:
i. A alteração da matéria de facto;
ii. A determinação do regime de convívios;
iii. A determinação do montante fixo a pagar pelo requerido a título de alimentos.
***
Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais):
1. D. nasceu em ...-...-2012 e é filho da requerente e do requerido.
2. Em 13-10-2017, por decisão proferida nos autos de divórcio por mútuo consentimento que correu termos na Conservatória do Registo Civil (…), foi homologado o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor, nos termos da qual ficou instituído o seguinte:
Cláusula 1ª
Exercício das responsabilidades parentais
1- As responsabilidades parentais relativas às questões particular importância para a vida do menor são exercidas em comum por ambos os progenitores salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2- O menor residirá alternadamente por períodos semanais com o pai e com a mãe.
3- As responsabilidades parentais a que se refere o número anterior serão exercidas pelo pai e pela mãe quando o menor com (ele/ela) se encontre.
Cláusula 2ª
Alimentos
1. Todas as despesas que os pais entendam necessárias ou convenientes para a formação e bem-estar do menor serão divididas por ambos em partes iguais.
2. Excepcionalmente o pai suportará a totalidade da prestação mensal do menor exclusivamente enquanto o mesmo frequentar o Colégio (…).
Cláusula 3ª
Férias
O menor passará com o pai e com a mãe metade de todos os períodos de férias.
Cláusula 4ª
Carnaval, Páscoa, Natal, Ano Novo
O menor passará de forma alternada, com cada um dos progenitores, mediante acordo destes, as seguintes ocasiões:
a) No dia de Carnaval e no domingo de Páscoa, quando o menor almoce com a mãe jantarão com o pai, e vice-versa.
b) No Natal, quando o menor passe o dia 24 de Dezembro na companhia da mãe, passará o dia de natal com o pai, e vice-versa.
c) Quando o menor passe o dia 31 de Dezembro na companhia do pai, e vice-versa.
Cláusula 5ª
Comunicações
1- As comunicações a serem efectuadas entre os pais, para os fins do presente acordo, deverão ser feitas por telemóvel para o n.º 9xxxxxx39/9xxxxxx76 (pai) e n.º 9xxxxxx60 (mãe).
2- Qualquer alteração do contacto indicado, por qualquer dos progenitores, apenas poderá ser considerada depois de comunicada nos termos atras previstos.
3- Os progenitores comprometem-se a comunicar entre si as situações de doença do menor.
Cláusula 6ª
Consenso
1- Qualquer alteração dos períodos, datas e horários previstos neste acordo será decidida por consenso dos pais.
2- Os pais comprometem-se a resolver, por mútuo consenso, todas as questões pontuais e as demais não previstas no presente acordo”.
3. Até Fevereiro de 2020 o menor residiu alternadamente com o requerido e com a requerente por períodos de 2, 3 ou 4 dias, em função dos turnos do requerido.
4. O menor queixou-se à requerente que estava cansado de andar de um “lado para o outro” e que nunca sabia com quem estava no fim de semana.
5. No final do ano de 2019, início do ano de 2020, a requerente informou o requerido das queixas do menor e disse-lhe que não era prático continuar com a residência alternada por 2 a 4 dias, pretendendo que se passasse a cumprir o regime de alternância semanal.
6. O requerido concordou que se passasse a cumprir o regime de alternância semanal.
7. O menor residiu com o requerido e com a requerente em semanas alternadas desde, aproximadamente, Fevereiro de 2020 até, aproximadamente, Abril de 2020.
8. Por volta do mês de Março de 2020, o menor começou a dizer aos progenitores que queria estar mais tempo com a requerente e a pedir ao requerido para estar mais tempo com ela.
9. Por volta do mês de Abril de 2020, o menor disse à requerente e ao requerido que queria viver com a requerente e estar com o requerido aos fins de semana, de quinze em quinze dias,
10. O que passou a ocorrer por acordo de ambos os progenitores.
11. Volvidas algumas semanas, o menor começou a recusar-se a estar com o requerido.
12. Sempre que o requerido lhe telefonava, o menor fica muito agitado, nervoso e a chorar.
13. O menor dizia à requerente que o requerido o pressionava e insistia para ir para casa dele.
14. A sugestão do requerido e em face da recusa em estar mais tempo com ele, o menor foi consultado pela médica psicóloga, Dra. M. em 30-05-2020.
15. O último fim de semana em que o menor pernoitou em casa do requerido foi de 13 para 14 de Junho de 2020.
16. No dia 24-06-2020 o menor foi lanchar com o requerido, não tendo este último entregue o menor à hora combinada.
17. A requerente telefonou ao requerido, que não respondeu às chamadas telefónicas, tendo, então, telefonado à companheira do requerido, que atendeu e lhe disse onde se encontravam: numa praia.
18. A requerente foi, então, buscar o menor ao local onde o requerido estava com o menor.
19. Quando a requerente chegou ao local, o menor correu para ela a chorar.
20. A partir dessa altura o menor verbalizava que nunca mais queria ir para o requerido, que tinha medo que o requerido não o entregasse.
21. No dia 27-06-2020, a requerente foi levar o menor para este passar o fim de semana com o requerido.
22. O menor recusou-se a ficar com o requerido para passar o referido fim‑de‑semana,
23. Tendo dito ao requerido que não ia, que não queria ir,
24. Não tendo ido com o requerido, o que este acatou.
25. No fim de semana de 27/28 de Junho de 2020, o menor recusou-se a ir e não foi com o requerido passar o fim de semana.
26. Nesse dia 27-06-2020, da parte da tarde, o requerido e o avô paterno deslocaram‑se à residência da requerente, chamaram-na para o exterior e na presença desta, abriram o carro com que ela circulava até então, com uma chave suplente, e levaram o carro.
27. O menor estava em casa da requerente nessa altura e apercebeu-se do sucedido.
28. Nesse dia, no posto da GNR, aquando da entrega de documentos pelo requerido à requerente, o requerente disse ao menor para vir para junto dele pois a “mãe é má”.
29. No dia 25-08-2020, o requerido, juntamente com a sua mulher e os avós paternos, foi visitar o menor ao Cartaxo, onde este se encontrava a passar férias.
30. Nesse dia, logo após o encontro com o requerido, o menor verbalizou à requerente que lhe ia dizer uma coisa rapidamente para não chorar, tendo então, relatado à requerente que quando chegou junto do requerido, este, os avós paternos e a madrasta cercaram-no e o avô paterno disse-lhe: “a próxima vez que viermos cá e tu não quiseres ir com o teu pai, metemos a tua mãe na prisão, que é onde a mesma já devia estar”.
31. O menor recusou-se a ficar com o requerido e família paterna nesse dia.
32. No dia 30-08-2020, o requerido deslocou-se ao Cartaxo para almoçar o menor.
33. No momento da entrega o menor recusou-se a ir com o requerido.
34. Tendo o requerido pegado no menor ao colo contra a vontade dele.
35. Tendo o menor esperneado e conseguido escapar.
36. Numa outra visita do requerido, este pegou no menor ao colo contra a vontade dele,
37. E colocado-o dentro do seu carro, contra a vontade do menor.
38. Na conferência de pais realizada em 6/10/2020 (a referência a 9/10/2020 trata-se de um lapso de escrita, que aqui se deixa rectificado) os progenitores acordaram provisoriamente e até Dezembro, o seguinte:
1 – O menor visitará o pai todas as sextas-feiras indo buscar a criança à escola, no final das actividades escolares, e entregando-a em casa da mãe pelas 22:00 horas.
2 – Mantêm-se a residência com a mãe, provisoriamente”.
39. Na conferência de pais realizada em 17/12/2020 os progenitores acordaram em fixar o seguinte regime provisório:
1 - O menor estará com o pai todas as 4.ªs feiras findas as actividades escolares jantando com ele e entregando-o às 21h30 em casa da mãe.
2- O menor passará com o pai os Domingos, de 15 em 15 dias, almoçando e passando a tarde com ele; o pai irá buscar o menor por volta das 11h00 e entregará o menor em casa da mãe por volta das 19h00.
3 - O menor passará a véspera de Natal com a mãe, bem como a véspera de Ano‑Novo, e passará com o pai a tarde de 25 de Dezembro e dia 1 de Janeiro, com quem almoçará, indo o pai buscá-lo às 11h00 e entregando às 19h00.
4 - Na 2ª, 3ª, e 4ª feira que antecede o dia 31 de Dezembro o menor almoçará com o pai, que para tanto o irá buscar ao ATL às 11h00/12h00, e passará com ele a tarde desses dias; o pai entregará o menor em casa da mãe às 19h.
5. - O menor almoçará no Domingo de Páscoa com o pai”.
40. Nessa conferência de pais, realizada em 17-12-2020, os progenitores comprometeram-se a fazer uma terapia familiar com o menor e com profissional que lhes vier a ser indicado pelo pedopsiquiatra ou um qualquer à escolha de ambos, comprometem-se a, pelo menos em Janeiro de 2021, iniciar as diligências com vista ao rápido início da referida terapia.
41. O que os pais fizeram, tendo diligenciado pelo acompanhamento psicológico do menor junto da Dra. P., Pedopsiquiatra.
42. Foi iniciada intervenção junto do requerido e do menor através da pedopsiquiatria, Dra. P., o que aconteceu até Junho de 2021.
43. Em sede de conferência de pais realizada em 27-10-2021 os pais declararam que “aceitam a intervenção de um qualquer psicólogo infantil de entre um dos dois polos, escolhendo aquele que tiver a primeira disponibilidade:
- Centro de Desenvolvimento de (…);
- Liga dos Amigos do Hospital (…).
Mais acordam os pais que a despesa que vier a ser efectuada com o psicólogo do D. será a suportar em partes iguais”.
44. Na sequência do acordado pelos progenitores, o menor iniciou consultas com a Dra. I., psicóloga clínica, tendo realizado 3 sessões de observação clínica.
45. A referida psicóloga elaborou o “Relatório de Apreciação Clínica” com o teor que consta do documento 1-A junto com as alegações do requerido de 13/9/2022 e que aqui se dá por reproduzido.
46. Foi elaborado o Relatório da ATE, com o teor que consta do documento junto em 24/2/2022 e que aqui se dá por reproduzido.
47. O menor foi ouvido em tribunal em diferentes ocasiões, tendo verbalizado, designadamente, o seguinte:
a) em 06-10-2020:
- O pai ameaçou que vai deitar todos os brinquedos fora por ele não quer estar com o pai;
- O pai ameaça que não o vai levar à mãe e não lhe dá o telefone para telefonar à mãe;
- O pai não tem coisas boas (referindo-se à maneira de ser do pai);
- O pai vive com a W., que quem gosta “assim, assim” e tem uma irmã, de quem gosta “assim, assim”;
- O pai disse-lhe que a irmã vai conhecer a voz do carteiro melhor que a voz dele;
- Quando o pai não está presente a W. não lhe “liga muito, faz só a comida”;
- A mãe vive com o Z., que não é seu pai, mas de quem gosta muito;
- Não quer estar com o pai porque este não lhe dá o telefone para telefonar à mãe;
- Não mostrou vontade de, sequer, passar a tarde de sábado ou de domingo com o pai, propondo que este o visse na escola;
- Depois de alguma insistência por parte do tribunal, aceitou estar com o pai uma vez por semana, verbalizando “ao fim-de-semana, não.”.
b) em 17-12-2020:
- As visitas ao pai estão a “correr mal”;
- “O pai chamou-lhe monstro e chamou-lhe ladrão”, com ar sério, quando ele estava a levar uma coisa que era dele de casa do pai;
- “Tenho sonhos que ele vai estragar a minha casa” (referindo-se à casa da mãe), “pesadelos que me acontecem muitas vezes”;
- “Se fosse eu a decidir, ficava com a mãe”;
- O pai pergunta-lhe, designadamente pelo telefone, o que ele faz na escola, e ele conta-lhe, e pergunta-lhe o que faz em casa (da mãe), e ele diz que não quer dizer, e o pai zanga-se com ele;
- Quando inicialmente lhe foi colocada essa hipótese, anuiu a que o pai o fosse buscar à escola, verbalizando que “à sexta feira não, porque é o dia em que sai mais cedo”;
- Aceitou passar alguns dias nas férias de natal em casa do pai e visitar o pai aos domingos, de 15 em 15 dias, almoçando e passando a tarde, desde que “dormir, não”.
c) em 27-10-2021:
- “correu médio às quartas feiras”;
- “Não quero” continuar a ver o pai;
- O pai partiu um borrifador e ficou zangado; quando estava a tirar qualquer coisa do frigorifico, o pai deixou cair um objecto e, por estar chateado, mandou esse objecto contra a parede;
- O pai disse-lhe que “os meus dias de dizer que não quero estavam a acabar e que iria fazer tudo para a juiz o obrigar a ficar lá mais tempo”.
- A escola está a correr muito bem;
- Não quer ir aos domingos a casa do pai, não lhe apetece ir aos domingos;
- Antes de sair da sala de audiências perguntou: “hoje já fui almoçar com o pai. Posso não ir hoje jantar?”.
d) Em 21-06-2021:
- Que está a correr bem com a mãe;
- “Só quero estar menos tempo com o pai”;
- “Não gosto muito de estar com ele”,
- O pai está muitas vezes maldisposto.
- Concordou em manter o regime em vigor;
- Não gostaria de voltar ao Tribunal.
48. Em sede de julgamento o menor verbalizou o seguinte:
- Respondeu que sim, que estava tudo bem a correr com ele, acrescentando “desde que não tenha de ir para o pai”;
- O pai “não para de dizer coisas más e de fazer coisas más”;
- Nas sextas feiras antes dos fins-de-semana em que ia para o pai, todos os seus colegas da escola estavam contentes, menos ele, que estava triste porque tinha de ir para o pai;
- Nas reuniões de família do pai “não gosto de estar com o pai, mas gosto de estar com as outras crianças”;
- Certo dia o pai recebeu um telefonema e ficou irritado, deu um soco numa porta e depois foi vestir-se e foi-me levar a casa e, enquanto o estava a levar, disse‑me que se não fosse ele a mãe tinha-o metido pelo cano do esgoto abaixo e que foi a mãe que o tirou de casa e que o está sempre a ameaçar.
- Ao telefone o pai está sempre a ameaçar, dando como exemplo o facto de, no dia anterior ao dos seus anos, o pai, ao telefone, ameaçou-o de que o ia buscar à escola e jantar com ele, o que ele não queria; ficou logo nervoso; “no final, depois de tanto nervosismo, para nada, nem apareceu”;
- Certo dia o pai, como não conseguia tirar facilmente o carro do local onde estava estacionado, tirou uma coisa do bolso e furou os pneus do outro carro;
- No Almada fórum, quando estava com o pai, foi à casa de banho e telefonou à mãe a dizer que queria ir para casa, ao que a mãe lhe respondeu que já falta pouco e tens de ir, é teu pai; foi, então, a bastantes lojas de que gosta; o pai ficou irritado com alguma coisa e lá em baixo, no carro, deu-lhe um beliscão e disse‑lhe: a tua sorte é que eu já estou farto disto.
- Quando está irritado o pai diz muitas coisas e faz muitas coisas.
- Não gosta muito dos avós paternos; eles já disseram muitas coisas e estão sempre a concordar com o pai; se eles quisessem estar comigo ligavam, o que não fazem;
- Todas as quartas-feiras a mãe pergunta se quero ir para o pai e eu digo que não;
- “Não quero aprender a conviver com o pai, depois de tudo o que ele disse, não”.
- Ele obriga-me a tirar fotos;
- O pai levou pessoas à porta de casa dele, o Y. e o X. (de idade aproximada à do D.), e correu mal; estava a obrigar-me a ir com ele e eu não queria;
- No Cartaxo “tentou levar-me, eu é quer consegui libertar-me”.
- Depois de lhe ter sido dito que o pai só queria estar com o filho dele, o menor irrompeu em choro e disse a chorar: “Eu não consigo ir para lá. Eu não consigo mesmo”.
- Após a sugestão de falar com o pai e de lhe dizer quando não concordar com o que ele faz, respondeu: “não adianta falar com ele, senão ele passa‑se”.
49. Em resultado da perícia psicológica realizada aos progenitores e ao menor pela Delegação do Sul do INML, IP, Serviço de Clínica e Patologia Forense, Unidade Funcional de Clínica Forense foram elaborados os relatórios juntos aos autos em 3/10/2023 e em 10/10/2023, com o teor que aqui se dá por reproduzido.
50. O menor está, actualmente, e desde Novembro de 2023, a ser acompanhado em psicologia clínica pela Dra. M., a qual elaborou o “Relatório de Avaliação Psicológica” com o teor que consta do documento junto com o requerimento da requerente de 27/3/2024 e que aqui se dá por reproduzido.
51. A requerente é enfermeira de profissão, auferindo mensalmente a retribuição líquida de cerca de € 1.127,09.
52. A requerente é casada, sendo o seu agregado de família constituído por ela, pelo marido e pelo menor.
53. A prestação do empréstimo para aquisição de habitação que constitui a casa de morada de família da requerente importa mensalmente em, aproximadamente, € 665,12.
54. O requerido é enfermeiro de profissão, recebendo mensalmente uma retribuição líquida de cerca de € 1.022,28.
55. O requerido vive com uma companheira e com a filha menor de ambos.
56. A prestação do empréstimo para aquisição de habitação que constitui a casa de morada de família do requerido importa mensalmente em, aproximadamente, € 366,48. (alterado, nos termos adiante decididos)
57. O requerido paga mensalmente uma prestação para amortização de um empréstimo para aquisição de uma habitação sita em Lagos, no valor aproximado de € 297,78. (alterado, nos termos adiante decididos)
58. A companheira do requerido é quem suporta a mensalidade referente ao infantário que a filha de ambos frequenta, assim como a prestação referente à aquisição de um veículo automóvel.
59. Ambos os agregados familiares da requerente e do requerido têm despesas mensais correntes, tais como electricidade, água, gás, telecomunicações, transportes, alimentação e vestuário.
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Na sentença recorrida ficou ainda afirmado que “com relevo para a decisão da causa não se provaram todos os factos alegados que não se compaginam com os acima dados como provados e, designadamente, que é por influência da mãe que o menor se recusa a ver o pai; que o menor é manipulado pela mãe no sentido de, de algum modo, se afastar do pai”.
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Da alteração da matéria de facto
Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 770) afirmam que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objecto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º)”, mais afirmando que “relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder apresentar a respectiva transcrição”.
E, do mesmo modo, vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (como no acórdão de 29/10/2015, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt) que do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil resulta “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…) e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…)”.
Por outro lado, impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão de facto que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se ao conjunto de factos que assumem relevo para o conhecimento da pretensão manifestada pelo impugnante. Ou seja, aqueles factos que se poderão considerar como essenciais para a decisão, quer tenham resultado da alegação das partes, quer resultem dos meios de prova produzidos (segundo o art.º 21º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
Assim, num caso como o dos presentes autos (em que está em causa a alteração da regulação das responsabilidades parentais, nos termos do art.º 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), é no confronto dos elementos factuais constantes da sentença recorrida com os factos alegados e com aqueles que decorrem da prova existente que o recorrente que pretende impugnar a decisão relativa à matéria de facto deve dar cumprimento à exigência de especificação acima referida, indicando nas conclusões da sua alegação cada um dos concretos pontos de facto que se apresente com relevo para a decisão de alteração e que merecia decisão diversa daquela tomada pelo tribunal recorrido, mais indicando qual a decisão diversa a tomar, tudo sob pena de rejeição dessa impugnação.
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objecto dessa decisão.
Isso mesmo enfatizam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 721), quando explicam que o juiz da causa deve optar “por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”. E mais explicam (pág. 722) que “o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais”.
Assim, e como tal delimitação deve estar igualmente presente na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt, quando conclui que “o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”), só há lugar à apreciação dos pontos indicados como impugnados na medida em que, não só devam constar do elenco de factos provados e não provados, no respeito pelo disposto no art.º 5º, nº 1 e nº 2, al b), do Código de Processo Civil, mas igualmente correspondam a factos com efectivo interesse para a decisão do recurso.
Por outro lado, e a respeito da enunciação dos factos instrumentais, decorre do nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil que os mesmos não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes.
Isso mesmo explicam igualmente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 718‑719), afirmando a necessidade de enunciação dos “factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda”, bem como a necessidade de “enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa” (e sendo que “a enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da acção ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso”), mas afirmando igualmente que, quanto aos factos instrumentais, “atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico”, já que “o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais”.
Revertendo tais considerações ao caso concreto dos autos, constata-se que o requerido deu cumprimento ao referido ónus de impugnação, na sua vertente primária, tendo presente que concretizou os dois pontos que pretende ver aditados ao elenco de factos provados, concretizando igualmente os dois pontos do elenco de factos provados que devem ser alterados (pontos 56 e 57).
Todavia, e no que respeita ao primeiro dos pontos que o requerido pretende ver aditado (o qual se prende com a decisão parcial e provisória proferida em 22/6/2023), não corresponde a matéria em questão a qualquer facto que haja sido alegado pelas partes ou que resulte da instrução da causa, tratando-se antes de uma incidência processual e que, nessa medida, mostra-se já reflectida no relatório acima apresentado.
Pelo que não se justifica a sua enunciação de forma autónoma no elenco de factos provados.
Do mesmo modo, o segundo dos pontos que o requerido pretende ver aditado prende-se com a determinação da última vez que ocorreu um convívio do menor com o requerido, tendo em vista a afirmação da ausência de tais convívios.
Ora, a afirmação da data em que ocorreu o último convívio não apresenta qualquer relevo no âmbito das pretendidas alterações ao regime vigente, mesmo que se considere tão só o regime provisório fixado no âmbito dos autos (e as suas sucessivas alterações).
Com efeito, aquilo que importa determinar (assente que está que é a requerente que detém a guarda do menor) é o regime de convívios entre o menor e o requerido, sendo indiferente a essa finalidade se o regime provisório em vigor tem sido (ou não) cumprido.
Por outro lado, e ainda que a afirmação da data em que ocorreu o último convívio pudesse surgir como um instrumento factual tendente à demonstração da vontade do menor de não conviver com o requerido (factualidade que se apresenta como essencial para a decisão sobre a concreta configuração do regime de convívios a estabelecer), já está a mesma plasmada no elenco de factos provados, sem necessidade de também aí fazer constar a factualidade instrumental que conduz à demonstração de tal factualidade essencial.
Por outro lado, ainda, a afirmação conclusiva da ausência de convívios não cabe no elenco de factos provados, mas antes na fundamentação de direito da decisão relativa ao regime desses convívios (como, aliás, o requerido reconhece que ocorreu tal afirmação, na sentença recorrida).
Pelo que, também nesta parte, não se justifica a enunciação da matéria em questão de forma autónoma no elenco dos factos provados.
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Relativamente à alteração dos pontos 56 e 57, no que respeita aos valores das prestações aí referidos, os valores dados como provados correspondem aos que foram alegados pelo requerido (art.º 50º e 51º das alegações de 13/9/2022).
Como se refere na motivação apresentada na sentença recorrida, “os factos relativos às condições pessoais e de vida dos progenitores provaram-se tendo em conta as declarações dos próprios e das testemunhas inquiridas, no que concerne à composição dos respectivos agregados familiares, e dos documentos juntos com as alegações de cada um deles, com destaque para os documentos bancários que atestam o valor pago por cada um deles a título de amortização de empréstimos para aquisição de habitações e dos respectivos recibos de vencimento”.
Contrapõe o requerido que, posteriormente à apresentação das suas alegações, veio alegar e demonstrar documentalmente a actualização dos valores dessas prestações, não tendo o tribunal recorrido tomado em consideração o teor de tais documentos, apesar de ter consignado que tomou conhecimento do requerimento e dos documentos em questão.
E torna-se patente a razão que assiste ao requerido.
Com efeito, se dos documentos bancários juntos em 13/9/2022 resulta a demonstração dos valores mensais das duas prestações, com referência a 7/9/2022 (€ 366,48 e € 297,78), já dos documentos bancários juntos em 18/4/2023 resulta que os valores mensais das duas prestações, com referência a 27/2/2023 e 20/3/2023, passaram a ser nos montantes indicados pelo requerido (€ 571,64 e € 392,01).
Não está colocada em crise a genuinidade dos documentos em questão, que correspondem a declarações emitidas pela entidade bancária mutuante (Novo Banco), onde estão certificados os referidos valores das prestações mensais, bem como a referência ao requerido como mutuário e obrigado ao pagamento das mesmas.
Por outro lado, prescreve o art.º 611º do Código de Processo Civil que na sentença devem ser considerados os factos que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações, impõe-se a alteração dos pontos 56 e 57, no sentido de as quantias aí referidas corresponderem aos valores das prestações suportadas pelo requerido, com referência às datas das declarações bancárias.
Assim, e na procedência da impugnação da decisão de facto, nesta parte, os referidos pontos 56 e 57 passam a ter a seguinte redacção:
56. Com referência a Fevereiro de 2023, a prestação do empréstimo para aquisição da habitação que constitui a casa de morada de família do requerido importa mensalmente em € 571,64.
57. Com referência a Março de 2023, a prestação do empréstimo para aquisição de uma habitação sita em Lagos, pelo requerido, importa mensalmente em € 392,01.
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Do regime de convívios
Na sentença recorrida ficou assim fundamentada a alteração da regulação das responsabilidades parentais, no que respeita aos convívios do menor com o requerido, na sua qualidade de progenitor não guardião:
Regressando ao caso concreto, provou-se à saciedade que o menor quer residir, apenas, em casa da mãe, recusando-se a pernoitar e, até, a visitar o pai.
Em face disso, ambos os progenitores concordam e requerem que a residência do menor seja estabelecida junto da mãe, o que entendo ser ajustado em face das actuais circunstâncias do caso concreto, devendo atender-se à vontade expressa e inequívoca do menor, uma vez que a decisão deverá ser norteada pelo seu superior interesse.
Contudo, esta vontade não pode, sem mais, ser atendida, no que concerne à recusa total em ver e estar como pai.
Com efeito, há que discernir se a vontade do menor tem real fundamento e é aquela que melhor corresponde ao seu superior interesse ou se, pelo contrário, é consequência de mero capricho ou de influência de terceiros ou se funda em circunstâncias conjunturais.
Afastada que está a influência de terceiros, por inexistir qualquer mínimo indício desse facto, e não se tratando de mero capricho do menor, considerando o estado emocional e psicológico em que o mesmo fica quando pensa na hipótese de conviver com o pai, resta-nos a hipótese de se tratar de circunstâncias conjunturais.
Ora, ainda que o D. expresse com clareza os seus sentimentos e as suas razões para não estar com o pai, não tem ainda a maturidade necessária para se aperceber de todos os contornos e consequências do seu actual “querer”.
É que, a figura de um pai, que, a meu ver, é insubstituível na sua plenitude, mostra-se extremamente relevante e determinante para o equilíbrio emocional dos menores, para o seu bem-estar e para o seu crescimento de forma harmoniosa e sã. Tanto quanto é do meu conhecimento, esta constatação é insofismável.
Só que, é necessário que a relação pai-filho seja saudável, aprazível para ambos e potenciadora do desenvolvimento equilibrado do menor.
No caso em análise, o menor vê a relação com o pai como algo não desejado, que recusa e que lhe causa tristeza, mal-estar e ansiedade, como resulta dos factos provados e, designadamente, das suas declarações em juízo. Referiu o menor, irrompendo em choro: “Eu não consigo ir para lá. Eu não consigo mesmo.”.
Perante esta atitude do menor, de recusa e clara relutância em aceitar as visitas ao pai, e tendo presente o objectivo que se pretende alcançar com o convívio entre os menores e os seus progenitores, não vislumbro que o facto de obrigar o menor a conviver com o pai possa servir o seu superior interesse e, até, beneficiar uma futura relação entre ele o pai, que se espera que venha a ser restabelecida.
Entendo, por isso, que se deverá estabelecer um regime de visitas ao pai, em termos de normalidade, o qual só se deverá iniciar depois de resolvidos os bloqueios que impedem uma agradável, saudável e desejável relação entre ambos.
Neste contexto e considerando as funções que têm vindo a ser desenvolvidas e desempenhadas pelo CAFAP (…), parece‑me que será de entregar a este organismo a preparação e o posterior início dos convívios entre o D. e o seu pai, até que estes possam ocorrer sem a intermediação de terceiros, o que se espera que venha a suceder, a bem do menor.
Por todo o exposto, deverá alterar-se o regime das responsabilidades parentais, ficando o menor entregue à guarda e cuidados da mãe, estabelecendo-se um regime de visitas do menor ao pai, nos moldes habituais, que deverá iniciar-se assim que o CAFAP considere que estão reunidas as condições para que se estabeleça uma saudável relação entre ambos.
Assim, o D. estará com o pai de 15 em 15 dias, em fins-de-semana alternados, indo o pai buscar o menor na sexta-feira, no final das actividades escolares, e entregando-o na segunda feira, na escola, no início das actividades escolares.
O pai estará ainda com o menor todas as quartas feiras (ou em dia da semana que os progenitores, por acordo, consideram mais conveniente), indo buscar o menor à escola, no final das actividades escolares, e entregando-o no dia seguinte, na escola, no início das actividades escolares.
Este regime, como ficou dito, iniciar-se-á, na sua totalidade ou faseadamente, quando o CAFAP considerar que existem condições para tanto”.
A discordância do requerido centra-se, desde logo, na definição do CAFAP como elemento condicionante da concretização do referido regime de convívios, sustentando o requerido que o tribunal recorrido “demitiu-se da sua função de julgar” e deixou à consideração daquela entidade a determinação da quantidade e qualidade dos convívios, assim prolongando o afastamento do menor do convívio com o requerido, e acompanhando a vontade do menor em não estar com o requerido, ainda que em detrimento do superior interesse do menor.
Com efeito, e interpretando o decidido pelo tribunal recorrido à face da situação que se vem verificando há praticamente cinco anos, aquilo que se constata é que a vontade manifestada pelo menor tem sido prevalente na modificação (e actual interrupção) dos convívios paterno-filiais.
Assim, e perante um regime de guarda partilhada com residência alternada semanal, os progenitores passaram a aplicar um regime de residência do menor com a requerente, “em obediência” à vontade do menor de viver apenas com a requerente, e só estando com o requerido em fins de semana alternados.
Do mesmo modo, e manifestando posteriormente o menor a sua recusa em passar os referidos fins de semana alternados com o requerido, novamente acordaram os progenitores (acordo que foi homologado) que os convívios deixavam de incluir pernoitas e limitavam-se apenas a um convívio dominical diurno a cada duas semanas e a um convívio a cada final de quarta feira (este essencialmente para jantar).
E, por fim, quando o menor declarou a sua vontade de nem sequer estar com o requerido nos referidos períodos, acabou por prevalecer tal vontade.
Será, todavia, que é essa vontade do menor, no sentido da suspensão dos convívios paterno-filiais, que deve nortear a decisão a tomar, no que respeita a tais convívios?
É certo que, como resulta da al. c) do nº 1 do art.º 4º do Regime Geral do Processual Tutelar Cível, “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito”.
Como explica Paulo Guerra (Regime Geral do Processual Tutelar Cível anotado, 2021, pág. 76 e seguintes), apenas “dois vectores de legitimação devem estar em causa aquando da tomada da decisão de ouvir uma criança – a sua idade e a sua maturidade para ser ouvida.
Contudo, a idade não é senão um indício de obtenção pela criança dessa maturidade para ser ouvida, não funcionando de, per si, como factor eliminatório para essa decisão de ouvir uma criança, a não ser nos casos flagrantes de tenríssima idade, como parece óbvio”.
Mais explica que “prévio a esta decisão, é saber se é conveniente ouvir uma criança face ao assunto específico a abordar.
De facto, na nossa opinião, pode e deve o tribunal deixar de ouvir uma criança quando o assunto não contende directa e relevantemente com o seu querer e é lateral relativamente aos seus anseios (…), sob pena de vir a sofrer mais danos do que ganhos com esta diligência”.
E explica ainda que o “critério judiciário deverá ser o da conveniência da sua audição, face ao assunto específico a abordar”.
E por isso é que, depois de afirmar que “a maturidade é mais um factor que regula o grau de relevância opinativa de alguém que depõe, não contendendo com o direito que a criança tem em ser ouvida”, conclui que a “não audição da criança, não justificada, configura, assim, uma falta processual mas também a clara violação das regras de direito material (…), não devendo um tribunal limitar-se a ver esta omissão numa restrita visão processual, reconduzindo, antes, a falta a uma violação inegável da sua intrínseca validade substancial, ao dito “princípio geral com relevância substantiva e, por isso mesmo, processual”.”.
Do mesmo modo, e como já afirmou o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 14/12/2016 (relatado por Maria dos Prazeres Beleza e disponível em www.dgsi.pt), a “audição da criança num processo que lhe diz respeito (…)não pode ser encarada apenas como um meio de prova, tratando-se antes de um direito da criança a que o seu ponto de vista seja considerado no processo de formação da decisão que a afecta”.
Todavia, e se se tem por certo que a audição do menor representa a expressão do seu direito a participar nas decisões que o afectem, o exercício desse direito à expressão do seu ponto de vista não deve conduzir a que o ponto de vista afirmado vincule o tribunal a aceitar o mesmo.
Dito de outra forma, mais simples, o ponto de vista afirmado pelo menor quanto à questão a decidir, obtido no âmbito da sua audição, não significa que na decisão dessa questão se deva seguir tal ponto de vista, já que o mesmo pode não ser coincidente com a solução que melhor respeite o superior interesse do mesmo.
E, nessa medida, nem sempre a vontade manifestada por um menor, designadamente quanto à recusa de convívios com o progenitor não guardião, significa que só a aceitação dessa vontade (com a consequente interrupção desses convívios) é que corresponde a uma decisão respeitadora do superior interesse do mesmo, tal como impõe o nº 5 do art.º 1906º do Código Civil.
Com efeito, e como vem sendo afirmado pacificamente pela jurisprudência (como no acórdão de 27/1/2022 do Supremo Tribunal de Justiça, relatado por Tomé Gomes e disponível em www.dgsi.pt), “a lei consigna a prevalência do superior interesse do filho menor como critério decisório orientador na regulação do regime das responsabilidades parentais entre os progenitores separados.
O superior interesse da criança encontra-se também inscrito como vector fundamental no artigo 7.º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU, de 20/11/1959, nos artigos 9.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, a 26/01/1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12/09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12-09, e no artigo 6.º, alínea a), da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança, adoptada em Estrasburgo, a 25/01/1996, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 13-12-2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, de 27-01.
Nessa conformidade, o superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para a criança no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral, especialmente em meio familiar, sendo, por isso, aferível em função das circunstâncias de cada caso”.
Dito de outra forma, o superior interesse do menor demanda a promoção do seu desenvolvimento total e completo de forma igualmente próxima com cada um dos progenitores, o que pressupõe a presença de ambos em todos os aspectos e fases desse desenvolvimento.
Nessa medida, o legislador passou a eleger a residência alternada como meio tendencialmente apto a assegurar a presença de ambos os progenitores no desenvolvimento do menor, por reconhecer que esse é o caminho que assegura adequadamente o necessário relacionamento do menor com cada um deles.
O que é o mesmo que dizer que só não deve ser considerado o convívio alargado do menor com cada um dos progenitores, inclusive com pernoitas com ambos, quando se constate a existência de qualquer perigo para a criança decorrente desse tipo de vivência.
Isso mesmo explica Jorge Duarte Pinheiro, no seu artigo “Residência alternada – Dois pais ou uma só casa?” (disponível para consulta em www.revistadedireitocomercial.com/residencia-alternada-dois-pais-ou-uma-so-casa), aí referindo que o interesse superior do menor determina que “em princípio, se deve decidir pela residência alternada, aplicando-se excepcionalmente a solução da residência única, isto quando não seja, em concreto, viável ou recomendável a residência alternada (por exemplo, se um dos progenitores não tem capacidade para prestar quotidianamente os cuidados de que a criança carece)”. E mais explica que “a residência única colide com o interesse do filho na “continuidade de relações, de afecto de qualidade e significativas” com o progenitor não residente e com o interesse do filho em manter também com este progenitor “relação de grande proximidade”. Na residência única, um dos progenitores é excluído do convívio corrente com o filho. Na residência alternada, ambos os progenitores podem partilhar o quotidiano com o filho, conservando e intensificando conhecimentos e sentimentos mútuos”.
Ou seja, reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, e apesar de não se colocar em causa a residência do menor com a requerente, só não deve haver lugar a um regime alargado de convívios paterno-filiais na medida em que tal coloque em risco o normal desenvolvimento do menor na sua vertente física, psíquica, intelectual e moral, designadamente em face de algum comportamento do requerido, no âmbito desses convívios, que represente objectivamente uma situação de perigo para o menor.
Mas não resultando da factualidade apurada qualquer elemento concreto que permita afirmar que os convívios do menor com o requerido são prejudiciais a tal desenvolvimento, a idade que o mesmo apresenta aconselha a que conviva regularmente com o requerido, do mesmo modo que convive quotidianamente com a requerente, e porque só assim estão asseguradas as relações de proximidade com ambos os progenitores. E a tal conclusão não obsta a recusa do menor em participar nos referidos convívios, dado que essa recusa não decorre da verificação de causas ou circunstâncias que a justifiquem objectivamente.
Tal posição é aquela que vem sendo afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como no acórdão de 30/11/2021 (relatado por Pedro de Lima Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt), quando aí se refere que a ausência de verificação de quaisquer incapacidades educativas por parte dos progenitores, aliadas à constatação de iguais ligações de afecto ao menor, conduzem ao estabelecimento de iguais oportunidades de proximidade entre cada um dos progenitores e o mesmo, “atendendo a que: i) as responsabilidades parentais são exercidas no interesse do menor; ii) o objectivo final é obter o contacto, tão próximo quanto possível, do menor com os seus progenitores, de modo a que o menor possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afecto, apoio e segurança que cada um deles lhe proporcionará”, e sendo ainda que “o superior interesse da criança integra uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores”.
Do mesmo modo, no já referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/1/2022 ficou afirmado que “no caso de progenitores separados, nem sempre se mostra fácil estabelecer um modo de convivência concomitante do filho com ambos os pais, levando, não raras vezes, a que o filho tenha de residir com um deles, assegurando-se um regime de visitas ou de convívio com o outro”, mais se explicando que é “precisamente para esse tipo de situações que o artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC elege o modelo de guarda conjunta e residência alternada do filho com os dois progenitores como meio privilegiado de proporcionar uma ampla convivência entre o filho e cada um dos progenitores, bem como a partilha das responsabilidades parentais por parte destes”, e advertindo-se ainda que “só assim não será se, atentas, nomeadamente, as aptidões, as capacidades e a disponibilidade de cada progenitor, o superior interesse do filho o não aconselhar”.
Também no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 18/6/2019 (relatado por Ana Rodrigues da Silva e disponível em www.dgsi.pt), ficou referido que, “no que se refere à residência da criança, tem-se verificado uma evolução doutrinária e jurisprudencial no sentido da consagração da residência alternada como a solução mais adequada para o desenvolvimento das crianças, desde que respeitadas as condições mínimas de adequação ao caso concreto e afastados os casos de violência ou de maus tratos a menores”, mais se constatando que “a jurisprudência maioritária admite a residência alternada, mesmo em situações de falta de acordo entre os pais, por ambos pretenderem a residência exclusiva, fundando-a, além do mais, no princípio da igualdade entre os progenitores e no superior interesse da criança”, remetendo-se para a resenha jurisprudencial e doutrinária efectuada no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 7/8/2017 (relatado por Pedro Martins, proferido no processo 835/17.5T8SXL-A e disponível em https://outrosacordaostrp.com).
Ou seja, ainda que no caso concreto já não esteja em equação a guarda conjunta com residência alternada semanal com cada um dos progenitores, mas antes a residência do menor com a requerente, ficando à guarda desta, nem por isso se deve deixar de respeitar o acima referido quanto ao estabelecimento dos convívios paterno‑filiais por forma o mais alargada possível, já que só assim se fomenta a necessária e desejada aproximação do menor com cada um dos progenitores. E, nessa medida, tem-se por adequado o concreto regime de convívios paterno-filiais estabelecido na sentença recorrida, assim se devendo afirmar estar o mesmo em linha com o superior interesse do menor, em face de tudo o que acima ficou referido.
Todavia, decorre da mesma sentença recorrida a decisão de deixar em suspenso tal regime, tendo presente que se condicionou a realização dos convívios à decisão que o CAFAP vier a tomar, no que respeita à determinação do momento do início dos mesmos, total ou faseadamente.
Ou seja, na prática o tribunal recorrido inibiu o requerido do exercício das responsabilidades parentais, no que aos convívios paterno-filiais respeita, e sem que se possa afirmar a verificação dos requisitos inibitórios a que respeita o nº 1 do art.º 1915º do Código Civil.
Com efeito, resulta do preceito legal em questão que o tribunal pode “decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes”.
Como resulta do art.º 9º da Convenção sobre os Direitos da Criança de 26/1/1990 aprovada em Nova Iorque (e ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90) e, do mesmo modo, do art.º 36º, nº 6, da Constituição da República Portuguesa, os filhos não devem ser separados dos pais, salvo se as entidades competentes decidirem que essa separação é necessária, no interesse superior do menor.
Do mesmo modo, e como se mostra afirmado no acórdão de 10/7/2018 do Tribunal da Relação de Guimarães (relatado por Margarida Sousa e disponível em www.dgsi.pt), “na determinação do “regime de visitas”, em causa está o direito fundamental da criança “a ter pai e mãe”, o direito a não ser transformado em “órfão” de um deles, o que pressupõe manter os dois implicados na vida do filho não obstante a dissociação do casal, sendo essa a razão que torna relevante acolher e estimular a vontade de ambos os pais no sentido de exercerem o mais plenamente possível o seu papel, o que demanda os “mais amplos contactos” com o progenitor não residente, só assim se defendendo o superior interesse do menor”.
Ou seja, o princípio da salvaguarda do superior interesse do menor expressa-se, no que respeita aos convívios entre os progenitores e o menor, à determinação de um regime que favoreça os referidos “mais amplos contactos”, como já acima se referiu.
Pelo que, na mesma medida, e como já referiu este Tribunal da Relação de Lisboa, através do acórdão de 19/11/2020 (relatado por Carlos Castelo Branco e disponível em www.dgsi.pt), “a negação ou restrição do direito de visita só se justificará quando ocorra fundamento que justifique a aplicação de uma medida limitativa do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1918º do CC) ou uma medida inibitória do exercício de tais responsabilidades (artigo 1915º do CC), devendo a restrição ser proporcional à salvaguarda do interesse da criança e a negação constituir a medida de último termo”.
Ou seja, porque o estabelecimento de uma condição para o início dos convívios do menor com o requerido (a devolução ao CAFAP do poder/dever de determinar quando ocorre tal início, e se de forma total ou faseada) mais não representa que a suspensão desses convívios, tal suspensão só se deve ter por válida se assentar na verificação dos requisitos inibitórios a que respeita o nº 1 do art.º 1915º do Código Civil.
Todavia, e reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, não é isso que se verifica.
Assim, desde logo se constata a ausência de desadequação parental por parte do requerido, nos convívios anteriormente mantidos com o menor. Do mesmo modo, constata-se igualmente a ausência de qualquer actuação do requerido que comprometa gravemente as suas competências parentais e que coloque em causa o desenvolvimento e bem-estar do menor, em todas as suas vertentes, incluindo a psicológica e social.
Ora, tendo presente o disposto na Portaria 139/2013, de 2/4, que estabelece a forma de intervenção, organização e funcionamento dos CAFAP, designadamente quanto ao conceito e objectivos (art.º 2º e 3º), logo se constata que esta entidade não está vocacionada para ser aquela em quem o tribunal “delega” a competência para decidir quando e como devem ocorrer os convívios paterno-filiais, desde logo porque não está em causa qualquer “prevenção e reparação de situações de risco psicossocial” (segundo o seu art.º 2º).
Ou seja, não estando por qualquer forma colocado em crise o desempenho parental do requerido nem a sua capacidade de avaliação das necessidades do menor, designadamente no âmbito da interacção com o mesmo em sede de convívios paterno‑filiais, não se justifica que a intervenção do CAFAP seja afirmada como condicionante do início dos referidos convívios.
O que equivale a dizer que tal intervenção, nos termos que ficou a constar do nº 3 da cláusula 7ª da regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor, não pode subsistir, pois caso contrário estar-se-ia a determinar uma suspensão dos convívios paterno-filiais sem base legal para tanto.
Não obstante, não se pode ignorar que as incidências já acima referidas, ocorridas, durante os quase cinco anos de pendência da presente acção, alteraram de facto a visão que o menor tem de cada um dos progenitores. E essa circunstância exige do requerido um desempenho especial da parentalidade, não só tendo em vista a recuperação do “tempo perdido”, mas essencialmente permitindo ao menor a “vinculação ao progenitor, que surge insegura, sendo essa insegurança reforçada pelo comportamento do progenitor”, como se refere no relatório pericial relativo ao requerido (junto aos autos em 10/10/2023). Ou seja, torna-se importante que os progenitores tenham em mente que o menor está a entrar na adolescência, sendo que essa etapa exige dos progenitores um “aumento do desafio” (recorrendo novamente às expressões do referido relatório pericial). E como igualmente se refere em tal relatório pericial, especificamente em relação ao requerido, é assim recomendável que este aumente a sua capacitação parental, fomentando a “literacia sobre as tarefas desenvolvimentais, nas várias etapas de vida dos menores”, bem como adquirindo “estratégias promotoras de um desenvolvimento salutar e harmonioso, sendo esta intervenção mais premente, considerando a etapa desafiante que se aproxima, e na qual é fundamental, a confiança relacional nas figuras de referência, considerando que estas balizam as relações interpessoais futuras”.
Ou seja, se é certo que deve haver lugar à determinação dos convívios paterno‑filiais nos termos acima referidos, e sem qualquer intervenção do CAFAP, também é certo que o “sucesso” dos mesmos convívios dependerá muito da capacitação do requerido para aumentar a auto‑estima do menor e criar no mesmo os sentimentos de confiança que nesta altura estão ausentes, assim se tornando altamente desejável que o requerido siga a recomendação constante do já referido relatório pericial, no sentido de encontrar acompanhamento parental tendo em vista a obtenção acrescida de meios para um desempenho da parentalidade que assegure, não só a realização cabal dos convívios, mas os objectivos visados pelos mesmos, no que respeita ao desenvolvimento e bem estar do menor. Do mesmo modo, é importante que o menor beneficie de acompanhamento psicológico, tendo em vista os mesmos objectivos, e não devendo a requerente, igualmente, excluir acompanhamento parental, tendo tudo em vista contribuir para o sucesso desta nova etapa da vida do menor.
Em suma, não havendo que fazer qualquer censura à sentença recorrida que alterou a regulação das responsabilidades parentais, quando aí se altera o regime da guarda do menor bem como o regime de convívios entre o mesmo e o requerido, enquanto progenitor não guardião, nos termos que ficaram a constar das cláusulas 1ª e 7ª, não pode subsistir, todavia, o ponto 3 da referida cláusula 7ª, que deve ser eliminado.
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Do montante fixo a pagar pelo requerido
Na sentença recorrida ficou assim fundamentada a fixação em € 180,00 do montante mensal a pagar pelo requerido a título de alimentos:
Nada se tendo provado em contrário, o menor tem as despesas normais de uma criança da sua idade, sendo que os progenitores acordaram que as despesas médicas e medicamentosas, de início de ano escolar e de ATL serão a suportar, na proporção de metade, por cada um deles.
Ora, os progenitores têm rendimentos mensais idênticos.
Os agregados familiares dos progenitores suportam as despesas mensais correntes com electricidade, gás, água, telecomunicações, transportes, alimentação e vestuário.
O pai tem despesas superiores em virtude de ter uma filha menor a seu cargo.
Alega o pai, e provou-se, que tem de pagar mensalmente a quantia de € 297,78 para amortização do empréstimo contraído para a aquisição de um imóvel em Lagos.
Todavia, a meu ver, como já referi na decisão provisória proferida nestes autos, se é certo que todos têm o direito de possuir mais que uma casa de habitação, designadamente para férias e lazer, certo é que jamais esse direito se pode sobrepor ao direito a alimentos de um filho menor.
Note-se que o pai não põe em causa a justeza do valor da pensão de alimentos proposto pela mãe, opondo-se à fixação desse quantitativo ou de qualquer outro de valor superior a € 125 por, alegadamente, não ter meios financeiros para o pagar.
Nestes termos, considerando que o valor proposto pelo pai - € 125 – é inferior a metade daquilo que uma criança da idade do menor gasta com alimentação, vestuário, calçado e consumos correntes - água, electricidade, gás, etc – e tendo em conta que o valor proposto pelo pai - € 125 – representa menos de metade da despesa com uma segunda habitação dele - € 297,78 - afigura-se adequado fixar a prestação de alimentos, a suportar pelo requerente, a favor do seu filho D., em € 180 (cento e oitenta euros)/mês, que se considera o mínimo indispensável para o sustento dele, tendo-se ainda em conta o rendimento mensal auferido pelo requerido e o valor das despesas necessárias ao sustento do seu agregado familiar”.
Contrapõe o requerido, no essencial, que o tribunal recorrido não considerou correctamente os encargos suportados mensalmente pelo mesmo com a amortização de empréstimos bancários, os quais ascendem a € 963,64, bem como as restantes despesas mensais correntes do seu agregado familiar, e bem ainda a despesa que suporta com o ATL do menor, no valor actual de € 60,67 (como comprova através do documento que junta com a sua alegação de recurso, e que desde já se deixa admitido nos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 651º, nº 1, do Código de Processo Civil, por estar demonstrada a sua superveniência objectiva). E mais contrapõe que, no confronto entre tais despesas e a sua retribuição líquida, torna-se patente que não está respeitado o disposto no art.º 2004º do Código Civil, porque só o valor de € 125,00 respeita a proporção entre os meios que tem para prestar alimentos e as necessidades que o menor apresenta.
Não está em causa a existência de uma circunstância superveniente que dita a necessidade de alterar a regulação das responsabilidades parentais, no que respeita aos alimentos devidos pelo requerido, atenta a sua qualidade de progenitor não guardião.
E estando em causa a definição do montante a pagar pelo requerido ao menor, a esse título, importa recordar o comando do art.º 2004º do Código Civil, que prescreve que a determinação do montante a pagar a título de alimentos terá em atenção os meios do devedor e as necessidades do alimentando, sendo estas aferidas pelo seu concreto desenvolvimento físico, intelectual e social, e aqueles correspondentes às possibilidades económicas do obrigado.
Importa também não esquecer que, tratando-se de prover ao sustento do menor, tal obrigação recai de igual forma sobre ambos os progenitores, como resulta do art.º 1878º, nº 1, do Código Civil. O que significa que tal princípio da igualdade entre os mesmos aponta para que, idealmente, cada um suporte metade das necessidades respectivas.
Todavia, e como já ficou referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/3/2021 (relatado por Maria João Vaz Tomé e disponível em www.dgsi.pt), o princípio da proporcionalidade pressupõe “uma apreciação comparativa dos rendimentos de ambos os progenitores”, pois que apenas aquele “consente a realização do princípio cardinal da igualdade dos progenitores constitucionalmente consagrado”. Pelo que não se pode perder de vista que “o princípio da proporcionalidade reveste-se de características específicas no direito da família”, já que “não intenciona nem uma mera operação aritmética e nem uma divisão em partes iguais do montante dos alimentos. Oferece antes um critério elástico, que exprime a própria função de garantia da satisfação das necessidades do alimentando. Tendencialmente, produz efeitos exclusivamente nas relações internas dos progenitores”.
Ou seja, para a determinação do valor mensal a entregar pelo requerido importa atentar, não só às necessidades do menor, como igualmente à condição económica da requerente e do requerido.
Mas importa igualmente atentar que não estão em causa todas e quaisquer necessidades do menor, mas apenas aquelas que escapam à regra da comparticipação em partes iguais, aqui se incluindo:
• Despesas de saúde (médicas e medicamentosas);
• Despesas escolares de início de ano lectivo;
• Despesas com ATL;
• Todas as demais despesas que a requerente e o requerido acordem ser necessárias à formação e bem-estar do menor.
Ou seja, para a definição da prestação mensal de montante fixo a entregar pelo requerido apenas estão em causa as despesas do menor relativas à sua alimentação, higiene, transportes e habitação com a requerente, e sem prejuízo de se prevenir as eventuais despesas suportadas pela requerente e decorrentes da actividade social e lúdica própria da idade do menor (actualmente tem 13 anos de idade).
Com efeito, e como já foi referido por este Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 4/6/2020 (relatado por Nelson Borges Carneiro e disponível em www.dgsi.pt), a medida dos alimentos não se afere apenas por aquilo que é necessário ao sustento do menor, em sentido restrito, já que os alimentos “têm um conteúdo mais amplo, visto que se não destinam a satisfazer apenas as suas necessidades alimentares, mas abrangendo tudo o que é considerado indispensável ao seu sustento, vestuário, habitação, segurança, saúde, instrução e educação, devendo os pais assegurar essas necessidades, de acordo com as suas possibilidades, e promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos”.
Importa então atentar nas referidas necessidades do menor, conjugando-as com as possibilidades económicas do requerido (na medida em que não se apresentem essencialmente diferenciadas das possibilidades económicas da requerente), para determinar o valor da prestação que o requerido deve entregar à requerente.
Tendo presente que o menor tem a sua residência fixada junto da requerente, emerge da factualidade apurada que o agregado familiar em questão é composto pela requerente, o seu marido e o menor, vivendo todos em imóvel adquirido com recurso a empréstimo bancário, com uma prestação mensal de cerca de € 665,12, e a que acrescem os gastos normais correntes com electricidade, água, gás e telecomunicações (aqui se incluindo, naturalmente, serviços de internet e televisão). Pelo que se pode afirmar, num juízo preliminar, que as necessidades mensais do menor com habitação, em sentido amplo, corresponderão a cerca de € 250,00.
No mais, nada de útil resulta dos factos provados, a partir de onde se possa retirar quais as despesas médias mensais do menor (e que hão-de corresponder à quantificação das referidas necessidades do mesmo com alimentação, vestuário, higiene, transportes, ou decorrentes da sua actividade social e lúdica).
Todavia, é de recuperar aqui o que ficou a constar do já referido acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 3/12/2024 (proferido no apenso E), no que respeita à quantificação em questão:
Assim, ficou aí afirmado que:
No apuramento do valor da “despesa total anual média” efectuada por um menor, podemos lançar mão dos dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE). Mais precisamente podemos lançar mão (actualmente) dos dados vertidos no Inquérito às Despesas das Famílias (2022/2023), edição de 2024 – na data da decisão impugnada poderia ter sido considerada a edição anterior, cujos dados, embora referentes a um período anterior ao relevante, não levam a diferente conclusão (decisão). Os valores vertidos neste documento referem-se ao período que nos interessa – anos de 2022 e 2023.
De acordo com os dados do INE, um agregado familiar constituído por um único adulto (não idoso) tem uma “despesa total anual média” de € 17 105,00. Já um agregado familiar constituído por um adulto (não idoso) e por uma criança dependente tem uma “despesa total anual média” de € 23 219,00. Numa extrapolação com evidentes limitações, podemos aceitar que a criança tem uma “despesa total anual média” de € 6 114,00.
Tal como seria de esperar, à medida que aumenta o número de membros do agregado familiar, algumas das despesas fixas per capita vão diminuindo. Assim, se considerarmos um agregado familiar constituído por dois adultos (não idosos) com uma criança a cargo, a “despesa total anual média” desta é de € 4 835,00 (29 184 – 24 349); se considerarmos uma fratria de duas crianças, a despesa total mensal média por criança é de € 4 723,00 ((33 795 - 24 349)/2).
Importa, no entanto, ter presente que estes são valores totais. Ora, no caso dos autos, ficou estabelecido que “as despesas médicas e medicamentosas, de início de ano escolar e ATL serão a suportar, na proporção de metade, por cada um dos progenitores”. O mesmo é dizer que a pensão de alimentos a fixar só poderá ter por referência valores totais depois de descontadas as despesas que serão suportadas à parte.
Ainda de acordo com a mesma fonte – e com base numa extrapolação idêntica –, podemos considerar o valor de € 102,00 para a despesa anual média em “saúde”. O valor de ATL é conhecido – € 1254,00 (114 x 11). O valor das despesas com o início do ano escolar pode ser fixado em € 150,00 – cfr. o estudo sobre a gestão dos custos associados ao regresso às aulas em 2024 pelas famílias portuguesas, efectuado pela ConsumerChoice, disponível nesta localização: consumertrends.pt/2024/estudos-de-mercado/61-das-familias-portuguesas-espera-gastar-ate-150e-por-filho-no-regresso-as-aulas/.
Abatendo estes montantes aos valores totais acima indicados, obtemos uma despesa média mensal por criança entre os € 384,00 (num agregado com um progenitor e um filho) e os € 268,08 (dois progenitores e dois filhos), ou seja, uma despesa a suportar por cada progenitor (admitindo ser o contributo de cada um de 50% do total) entre os € 192,00 e os € 139,00. O valor judiciosamente fixado pelo tribunal a quo situa-se dentro destes limites”.
Ou seja, tal como nesse acórdão, e na falta de outros elementos que sirvam para quantificar as necessidades do menor, pode-se aqui afirmar que o valor de € 180,00 fixado na sentença recorrida se situa dentro dos referidos limites, embora próximo do seu limite máximo. Já o valor que o requerido entende ser o máximo que pode suportar mensalmente está abaixo do limite mínimo em questão.
Do mesmo modo, os parcos elementos existentes permitem afirmar um equilíbrio entre as condições económicas da requerente e do requerido, desde logo expresso em rendimentos do trabalho essencialmente idênticos (exercem até a mesma actividade profissional) e com encargos idênticos, no que respeita aos respectivos agregados familiares, assim estando justificada a contribuição para as necessidades do menor na proporção de metade para cada um dos progenitores.
Importa então atentar mais pormenorizadamente nas possibilidades do requerido, seja para afirmar que pode suportar o referido valor de € 180,00, seja para afirmar que só pode suportar o valor por si indicado (€ 125,00), seja mesmo para afirmar que o valor a suportar deve ser distinto, dentro daquela ordem de grandeza acima referida (€ 139,00 a € 192,00).
Assim, e atendendo apenas aos rendimentos do trabalho do requerido que resultam demonstrados, quando colocados em confronto com as suas despesas fixas, ser-se-á tentado a concluir que o requerido não tem disponibilidade para suportar mensalmente mais que os indicados € 125,00.
Todavia, e como bem se observa no já referido acórdão, o que está em causa não são as disponibilidades do requerido, mas as suas possibilidades. Como aí se refere, “tratando-se da obrigação de alimentos a filhos menores dependentes, a lei determina que o conteúdo desta não se limita à prestação do que é estritamente indispensável, não se atendendo apenas aos rendimentos efectivamente auferidos pelo obrigado. Com efeito, do segmento do enunciado legal “de acordo com as suas possibilidades” (art. 1885.º, n.º 1, do Cód. Civil) retira-se, por um lado, que os alimentos prestados pelos pais devem proporcionar aos filhos um nível de vida idêntico ao seu (não inferior nem superior) e que, por outro lado, devem atender‑se às possibilidades financeiras dos progenitores, e não apenas aos seus meios disponíveis – isto é, o que pode existir, e não apenas o que existe”.
Ora, da factualidade apurada decorre que o “que pode existir” é manifestamente superior ao “que existe”.
Com efeito, e se, como bem se observa na sentença recorrida, o requerido é proprietário de um imóvel no Algarve, para além daquele onde tem instalada a sua casa de morada de família, os encargos com esse imóvel (desde logo a prestação bancária que paga para amortizar o empréstimo que contraiu para adquirir esse imóvel) não devem ser considerados para o cálculo das possibilidades do requerido, exactamente porque esses encargos não se destinam a satisfazer qualquer necessidade essencial do requerido, mas antes deixam antever a existência de uma segunda residência, para férias ou lazer. Ou seja, e se esse imóvel não gera qualquer rendimento, porque apenas satisfaz “fins voluptuários” do requerido (a expressão é do referido acórdão de 3/12/2024, proferido no apenso E), tal situação não impede que se considere o mesmo imóvel como um activo apto a gerar rendimento que, não só permita a satisfação dos encargos que lhe estão associados, mas, sobretudo, possa ser considerado no âmbito das possibilidades económicas do requerido, para efeitos da satisfação das necessidades do menor.
Dito de outra forma, se no âmbito das possibilidades económicas ditadas pela existência de património imobiliário susceptível de gerar rendimentos o requerido opta por não obter tais rendimentos, antes convocando as despesas fixas associadas a tal património para concluir pela insuficiência de meios para satisfazer as necessidades do seu agregado familiar e as necessidades do menor, cabe então ao requerido estabelecer prioridades na gestão dos seus activos patrimoniais, visando a satisfação de necessidades primárias, suas e daqueles que de si dependem (desde logo a satisfação dos alimentos devidos ao seu filho menor, nas suas diversas componentes).
Voltando ao afirmado no acórdão de 3/12/2024, “o dever de assistência imposto aos pais obriga cada um destes a procurar activamente todas as fontes de rendimento (razoavelmente ao seu alcance) que lhe permitam assegurar o sustento, habitação, vestuário e educação condignos do filho que, altruisticamente, decidiu ter”.
Nesta medida, e ainda que se reconheça que o montante de € 180,00 fixado na sentença recorrida se apresenta como desproporcional, no confronto entre as necessidades do menor que o mesmo visa suprir e as possibilidades efectivas do requerido, a medida adequada e proporcional dessa pensão de alimentos corresponde ao valor de € 160,00, e não àquele de € 125,00 pretendido pelo requerido.
Pelo que, nesta parte, procedem, ainda que parcialmente, as conclusões do recurso do requerido, havendo que alterar o valor fixado no ponto 1 da cláusula 2ª da regulação das responsabilidades parentais, de € 180,00 para € 160,00.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se procedente o recurso e altera-se a sentença recorrida, nos seguintes termos:
• Relativamente à cláusula 2ª da regulação das responsabilidades parentais, fixa-se em € 160,00 (cento e sessenta euros) o valor da quantia mensal devida a título de pensão de alimentos referida no seu ponto 1;
• Relativamente à cláusula 7ª da regulação das responsabilidades parentais, elimina-se o seu ponto 3.
No mais, mantém-se as alterações introduzidas pela sentença recorrida à referida regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor D.
As custas do recurso são suportadas na proporção de 65% pela requerente e de 35% pelo requerido.

10 de Abril de 2025
António Moreira
Inês Moura
Laurinda Gemas