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DEVER DE INFORMAÇÃO
CULPA IN CONTRAHENDO
VÍCIOS DA VONTADE
ERRO
DOLO
Sumário
I. As partes que negoceiam com vista à celebração de um contrato devem informar a outra sobre todas as questões que revelam para a formação, por partes desta, de um quadro exacto sobre a matéria objecto das negociações. II. A função essencial dos deveres de informação está presente no instituto da culpa in contrahendo mas igualmente no regime dos vícios da vontade, em particular, do erro e do dolo, pelo que tanto o dever pré-contratual de informação como o regime do erro e do dolo asseguram o princípio da autonomia privada ao proteger a liberdade de decisão das partes. III. No regime do erro haverá que considerar quer a segurança do comércio jurídico, quer ainda a confiança do declaratário, princípio que encontram a sua defesa no carácter da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, tal como se encontra previsto no artº 252º do CC. IV. No âmbito de um contrato de cessão da posição contratual, no Contrato de Arrendamento Comercial, o Réu, que assumiu a posição de arrendatário, teria de lograr provar que na base do negócio estava um locado com as características que lhe foram garantidas pelo Autor, ou seja, que dispunha de autorização para a ocupação de um local de esplanada, no exterior do espaço, do outro lado da estrada, e que tal tinha sido decisivo para que o Réu aceitasse contratar, tendo em conta o valor do negócio. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
BB move a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra AA, peticionando a condenação do Réu no pagamento ao Autor da quantia de € 78 000,00 (setenta e oito mil euros), acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 5 157,26 (cinco mil, cento e cinquenta e sete euros e vinte e seis cêntimos), e, ainda, de juros de mora vincendos, desde 22 de dezembro de 2020 até integral e efetivo pagamento.
Citado veio o Réu apresentar contestação invocando ter celebrado o contrato pelo valor nele constante por ter o Autor garantido que o estabelecimento contava com 13 mesas no exterior, o que veio a revelar-se falso. Alegando ainda que se tivesse conhecimento deste facto não celebraria o negócio pelo preço constante do contrato.
Respondeu o Autor à matéria de excepção, defendendo a sua improcedência.
Elaborado o despacho saneador, identificou-se o objecto do litígio e foram selecionados os temas de prova.
Teve lugar a audiência de julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente com o seguinte dispositivo: “condeno o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 78 000,00 (setenta e oito mil euros), acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 4 917,92 (quatro mil, novecentos e dezassete euros e noventa e dois cêntimos), e, ainda, de juros de mora vincendos, desde 22 de dezembro de 2020 até integral e efetivo pagamento. Absolvo o Réu do mais peticionado.”.
Inconformado veio o réu recorrer, pugnando pela alteração da factualidade dada como assente e não assente, bem como a revogação da sentença, substituindo-a por outra que julgue improcedente o pedido formulado pelo Autor/Recorrido. Formulou para tanto as seguintes conclusões:
«A. O Recorrente não se conforma com a Sentença que julgou parcialmente procedente a ação, tendo em conta que uma parte importante da Decisão quanto à matéria de facto não tem qualquer apoio na prova testemunhal produzida e/ou documental;
B. Entende o Recorrente que, face à prova produzida, o Tribunal a quo i) Deu como provados factos que não podiam ser dados como provados, da forma como o foram, porque não foi produzida prova suficiente para os sustentar, e porque a base do negócio se sustentou em factos que deveriam ou tendo produzida prova em sentido inverso, devendo esses factos transitar para a factualidade não provada; ii) Considerou factos não provados que, face às declarações de parte prestadas, prova testemunhal e documental, nunca poderiam ter sido dados como provados;
C. A Sentença a quo não fez a melhor interpretação da prova pelo que se impugnou expressamente a Decisão proferida acerca da matéria de facto, sendo que a interpretação correta será suficiente para motivar uma Decisão diferente;
D. Andou mal o Tribunal a quo ao dar como provada a seguinte factualidade, que deveria, ao invés, ter sido dada como não provada: 5;
E. Efetivamente, existem concretos meios probatórios que impunham uma Decisão diferente, sendo certo que a Recorrente não compreende como é que a factualidade 5º foi dada como provada essencialmente com base no contrato;
F. Ignorando, os documentos juntos pela Junta de Freguesia de São Vicente de Fora e pelo Recorrente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, que são concretos meios probatórios constantes do processo que impunham que este facto fosse julgado como não provado;
G. Andou mal o Tribunal a quo ao dar como não provada a factualidade dos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 9º, 10º, 11º e 14º pois foi produzida prova que impunha que tivesse uma redação diferente, nomeadamente as declarações de parte do Recorrente, bem como do depoimento da testemunha CC, cujos excertos relevantes foram transcritos no corpo das presentes alegações e para onde se remete por economia processual, impondo-se a alteração destes factos para s factos dados como provados;
H. O Tribunal a quo não podia ignorar documentos probatórios, com origem nas Juntas de Freguesia de São Vicente de Fora e Santa Maria Maior, que demonstram que os factos provados e não provados não poderiam sê-lo feitos da forma como o fez, mas sim conforme demonstrado no presente recurso;
I. O Recorrido criou no Recorrente uma falsa representação da realidade, sendo que esta incide sobre elementos que influenciam o destino a dar ao negócio e que interferem no valor do mesmo, através designadamente das possibilidades de utilização projetadas pelo Recorrente;
J. A atuação do Recorrido não é uma atuação de acordo com a boa-fé, concordante com o princípio da confiança no negócio jurídico.
K. Não foi uma atuação honesta e transparente visto que gizou um esquema com o objetivo de se aproveitarem da oportunidade de negócio, em seu único e exclusivo proveito.»
Não se encontram juntas contra alegações.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
As questões a apreciar e decidir são, assim, as seguintes:
- Aferir se é de alterar os factos a considerar na decisão, a saber: alterando-se o ponto 5º dos factos provados, bem como a factualidade não provada dos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 9º, 10º, 11º e 14º.
- Decidir se, em razão da factualidade ora julgada provada e de outra que resulta outrossim não provada, se é de alterar a decisão concluindo-se pelo erro, ou a violação da boa fé no âmbito negocial em causa, reduzindo o valor devido pelo réu ao montante já pago pelo mesmo ao Autor.
*
II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos:
1. No dia 12 de Julho de 2018, o autor e o réu assinaram um documento denominado “Cessão de Posição Contratual”, com Certificação do Reconhecimento das Assinaturas de ambos feita por DD, advogado.
2. Com a Cessão da Posição Contratual o autor transmitiu ao réu a sua posição contratual no Contrato de Arrendamento Comercial com Prazo, celebrado entre o autor como inquilino e EE na qualidade de representante de FF.
3. O Contrato de Arrendamento Comercial com Prazo, tinha e tem como locado a fracção autónoma “AJ”, correspondente ao estabelecimento comercial sito na ..., e teve o seu início no dia 1 de Novembro de 2017 e o seu término a 31 de Outubro de 2022 (cláusulas Primeira e Segunda do Contrato de Arrendamento).
4. No dia 5 de Julho de 2018, o proprietário e senhorio do locado, FF, assinou uma Declaração pela qual autorizou a Cessão da Posição Contratual do arrendamento, do autor para o réu.
5. A Cessão da Posição Contratual de Arrendatário produziu efeitos no dia 12 de Julho de 2018 (Cláusula Terceira), tendo o réu tomado a posse e exploração da Loja e a posição de arrendatário.
6. O preço acordado pela Cessão de Posição Contratual foi de 140.000,00 €, aceite por ambas as partes, e o seu pagamento seria feito em prestações (cláusula Segunda do Contrato)
7. Antes da assinatura do contrato de Cessão de Posição Contratual o réu pagou ao autor a quantia de 30.000,00 €, tendo sido dada quitação com a assinatura do contrato (cláusula Segunda nº 2, primeiro §).
8. No dia da assinatura da Cessão da Posição Contratual o réu pagou ao autor a quantia de 2.000,00 €, tendo sido dada quitação (cláusula Segunda nº 2, quarto §).
9. A quantia de 17.000,00 € foi entregue ao autor em 12 cheques pré-datados, cada um no valor de 1.416,00 €, que foram depositados e pagos (cláusula Segunda nº 1, segundo §).
10. O remanescente do preço, de 91.000,00 €, ficou acordado ser pago em 14 prestações mensais, iguais e sucessivas de 6.500,00 €, até ao dia 13 de cada mês, devendo a primeira ser paga no mês de Setembro de 2018 (cl. Segunda, nº 2, terceiro §).
11. Estes pagamentos parciais deviam ser feitos por transferência bancária para a conta do autor sedeada no Millennium BCP e indicada no contrato.
12. O réu pagou ao autor as prestações de Setembro e Outubro de 2018.
13. O réu não pagou ao autor as prestações vencidas a partir de Novembro de 2018, ou seja, que o réu não pagou ao autor nenhuma das 12 prestações desde Novembro de 2018 até Outubro de 2019.
14. Antes da cessão da posição contratual o réu conhecia as condições de exploração do estabelecimento instalado no locado e o número de mesas e de lugares.
15. A renda mensal do locado estipulada foi de 500,00 €/mês com um período de carência por dois anos, porque o autor realizou obras que ficaram a fazer parte do locado (cláusulas Quarta e Sexta do Contrato de Arrendamento).
*
Na sentença sob recurso foram considerados como não provados os seguintes factos:
1. Em momento anterior em momento anterior à celebração do contrato em causa nestes autos, já o Réu explorava em sociedade informal tal espaço com o Autor;
2. O estabelecimento instalado no locado tinha apenas uma mesa com dois lugares sentados.
3. O Autor garantiu ao Réu que o mesmo tinha ainda 10 mesas de dois lugares cada, no exterior do espaço, do outro lado da estrada e 3 mesas, de dois lugares cada, junto à entrada principal.
4. Para o efeito, o Autor apresentou comprovativo da Autorização para a Esplanada, documento que entregaria ao Réu para o levar a crer que a mesma estava legalizada
5. Este facto foi decisivo para que o Réu aceitasse contratar, tendo em conta o valor do negócio.
6. O facto do restaurante ter 13 mesas no exterior permitindo ao Réu receber 26 clientes, foi um dos motivos que levou o Réu a celebrar o negócio.
7. Na sequência do negócio o Réu adquiriu mobiliário exterior
8. Contudo, após a sua colocação nas áreas indicadas pelo Autor, o Réu viria a ser interpelado por funcionário da Junta de Freguesia da área de localização do imóvel para proceder de imediato ao levantamento da esplanada por falta de licenciamento.
9. O que criou dificuldades do ponto de vista comercial, com redução dos resultados esperados aquando da celebração do referido contrato uma vez que, no seu interior, apenas dispõe de 2 lugares sentados e de uma única mesa, ao contrário da zona de esplanada que permitiria ter 26 lugares adicionais.
10. Tendo em conta tal redução do número de lugares possíveis, o Réu solicitou ao Autor a redução do valor do negócio, o que este aceitou.
11. O Réu cessou os pagamentos prestacionais com o assentimento do Autor.
12. O Réu trabalhou com o Autor antes da celebração do contrato.
13. O estabelecimento tinha 26 lugares sentados existentes, 20 no interior e 6 no exterior
14. O valor do negócio foi estabelecido tendo em consideração o número de lugares sentados existentes, tanto no interior como no exterior, o valor da renda mensal e o valor das obras efetuadas pelo autor no locado.
15. E também teve em consideração a faturação do Restaurante-Bar que era conhecida do Réu
* Da impugnação da decisão de matéria de facto:
O recorrente insurge-se com os factos considerados pelo Tribunal recorrido, argumentando que não deveria ter sido dado como provada a factualidade contida no ponto 5, a qual, ao invés, deveria ter sido dada como não provada. Fundamenta com a análise dos documentos juntos emanados da Junta de Freguesia de São Vicente de Fora e da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. Também pretende que se dêem como provado os pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 9º, 10º, 11º e 14º, que foram considerados não provados, dizendo que a prova de tais factos resulta das declarações de parte do Recorrente, bem como do depoimento da testemunha CC, aliado ainda à mesma documentação indicada.
Adjectivamente importa ter presente que quando seja impugnada a matéria de facto estabelece o artº 640.º do C.P.C. que:«(…), deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. E nos termos do nº 2 no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.»
O ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, consagrado no art. 640.º do C.P.C., impõe, sob pena de rejeição, a identificação, com precisão, nas conclusões da alegação do recurso, os pontos de facto que são objeto de impugnação. Acresce que o mesmo preceito exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permite pôr em causa o sentido da decisão da 1ª instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso, não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art. 640.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados (Cfr. Ac. do STJ de 03.12.2015, , in www.dgsi.pt. ).
Salienta-se ainda que o S.T.J. «tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm que reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e de certeza, com os concretos de facto sobre que incide a impugnação.»( Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 771; cfr. ainda os Acs. do S.T.J. citados pelos Autores).
Assim, se o recorrente impugna determinados pontos da matéria de facto, mas não impugna outros pontos da mesma matéria, estes não poderão ser alterados, sob pena de a decisão da Relação ficar a padecer de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do C.P.C. É, assim, dentro destes limites objetivos que o art. 662.º do C.P.C. atribui à Relação competências vinculadas de exercício oficioso quanto aos termos em que pode ser feita a alteração da matéria de facto, o mesmo é dizer, quanto ao modus operandi de tal alteração.
Nos autos resulta quer das conclusões, quer do corpo das alegações, o cumprimento pelo recorrente do disposto quanto à possibilidade de impugnar os factos a considerar, tendo em conta a prova produzida.
No que concerne à questão da alterabilidade que se pretende, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialecticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»
Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, tal não impede a «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida(…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada» (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389).
A par do referido haverá ainda que considerar que não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
Posto isto, no tocante ao ponto 5º dado como provado este assentou no entendimento do Tribunal recorrido “na aceitação dos mesmos pelo Réu, tendo o Autor apresentados os documentos a que alude na petição inicial e que fazem prova da celebração dos contratos mencionados e respectivos termos.”.
Com efeito o teor do ponto 5º apenas reproduz o contrato, contrato esse celebrado por escrito, tal como prevê o artº 1112º nº 3 do CC – forma essa exigida por lei, pelo que nos termos do disposto no nº 1, do artigo 393º do Código Civil, se a declaração negocial por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admissível prova testemunhal.
Na verdade, o ponto 5. dado como provado apenas contém os seguintes factos: “5. A Cessão da Posição Contratual de Arrendatário produziu efeitos no dia 12 de Julho de 2018 (Cláusula Terceira), tendo o réu tomado a posse e exploração da Loja e a posição de arrendatário.”. Donde tal facto advém da data da cessão, logo, inexiste prova que contrarie o documento que consubstancia tal facto, nem se vislumbra a utilidade em considerar o mesmo “não provado”. É certo que o réu alegava nos autos que já antes da celebração de tal cessão já explorava o estabelecimento comercial em causa, resultando tal facto como não provado no ponto 1. Porém, para o desfecho ou decisão que se impõe em nada releva tal facto, nem o ponto 5. dos factos provados é totalmente contraditório com o previsto no ponto 1. dos não provados. É insofismável a data da celebração da cessão, figurando esta no documento que suporta tal negócio, documento esse exigido para a sua validade.
Outrossim, a documentação trazida à colação pelo recorrente não é de molde a infirmar tal facto, ou sequer a confirmar os factos não provados constantes dos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 9º, 10º, 11º e 14º.
Mediante solicitação do Tribunal, por impulso do réu, foi oficiado à Junta de Freguesia de São Vicente de Fora para juntar aos autos o processo de licenciamento da esplanada deferido ao Autor relativamente ao estabelecimento explorado no locado.
Da resposta obtida, informou a Junta de Freguesia de S. Vicente de Fora que: “(…) não existe qualquer pedido ou licenciamento válido para o requerente BB ou para este estabelecimento. Consultado o programa GESLIS, verificámos ter em 2017 entrado uma declaração de ocupação de espaço publico com uma esplanada de 2 mesas e 2 cadeiras cada, através do processo 11141/LZ/2017, para o qual foi emitida e paga a taxa de ocupação. Estas licenças são válidas por um ano, nunca tendo sido renovada por este requerente. A partir de 2018, e até 2021 estas licenças foram pedidas e emitidas em nome de AA”.
O réu juntou aos autos a informação emanada da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior (dada a fronteira quanto à localização do estabelecimento e a pretensão de colocar mesas no passeio do lado contrário ou em frente ao locado), desta resulta que foi solicitado pelo Autor nestes autos, um pedido de licenciamento de uma esplanada, com a ocupação correspondente a 4 mesas, oito cadeiras e um chapéu de sol. Tal pedido foi formulado pelo Autor, BB, a 16/03/2018, tendo sido indeferido a 9/04/2018, pelo facto de não prever um corredor livre de circulação no passeio que se pretendia ocupar. Na sequência foi junto um novo pedido, igualmente formulado pelo Autor, a 14/05/2018, mas com redução do número de mesas e com apenas duas cadeiras. Porém, resulta da mesma documentação junta que tal pedido foi indeferido, a 05/06/2018, mas com o fundamento na circunstância de o local destinado a esplanada e objecto de tal pedido se situar no lado oposto ao restaurante, o “que originará o atravessamento da ... para a realização do serviço de esplanada. Esta situação potencia o eventual risco de atropelamento de peões no local(…).”
Haverá que considerar que o contrato de cessão data de 12/07/2018, em data posterior a ambos os indeferimentos referidos. Logo, manifestamente tais documentos não são de molde a confirmar os factos contidos nos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 9º, 10º, 11º e 14º, permite sim confirmar a inexistência de esplanada ou ocupação do passeio nos termos alegados pelo réu.
No que concerne à inquirição e teor do depoimento da testemunha CC, confirmou que estava presente quando o réu viu pela primeira vez o restaurante em causa, mas não foi preciso quanto às negociações havidas, ou o que ocorreu limitando-se a dizer “sim” às perguntas feitas pela ilustre mandatária, sem se conseguir perceber em concreto os tramites negociados, nem sequer de forma clara o relativo ao valor, acabando por dizer que seria de 140 mil euros, mas de seguida falou em 90.000€, dizendo que foi aceite pelo Autor reduzir o valor para esse montante. Mas nem sequer conseguiu circunstanciar em que mês ou ano visitou o estabelecimento, ou sequer quantas mesas existiriam no mesmo, falando num “licenciamento de pedido de esplanada” e num “documento”. Aludiu que o réu fez obras no restaurante. De seguida falou ainda que existiu outra reunião em que se discutiu o preço. Dada a falta de percepção foi a testemunha ouvida de novo, aí afirmou que o valor inicialmente acordado foi de 140 mil euros, foi dito que existia um pedido de licenciamento da esplanada, com 4 mesas, não viu nessa altura qualquer documento. Depois afirmou que existiu uma reunião para baixar o preço, para 90 mil euros, dado não existir licenciamento, afirmando “nós pedimos” o que teria sido aceite, mas depois o Autor “noutro dia” já não aceitou. No âmbito dos esclarecimentos efectuados pelo ilustre mandatário do Autor, a testemunha acabou por dizer que existiam 2/3 mesas no restaurante, no rés do chão, e no 1º andar tinha muitas mesas, talvez 7 ou 8.
Somos, assim, em corroborar a percepção contida na fundamentação do Juiz a quo, quando expõe que “No que respeita em especial ao facto provado com o nº 14, as testemunhas GG e CC confirmam que o Réu e o Autor eram amigos, pertenciam ambos à mesma comunidade e que o Réu visitou o locado antes de concluir o negócio, tendo tido oportunidade de tomar conhecimento dos lugares existentes e restantes condições do mesmo, confirmando ainda que a esplanada foi referida e que o Réu viu um “papel” sobre a mesma, sabendo-se que o único “papel” existente era a licença concedida pela Junta de Freguesia de S. Vicente, como decorre da informação prestada por esta entidade e constante dos autos. No que respeita aos factos não provados 1 e 13, os meios de prova apresentados, nomeadamente, as testemunhas ouvidas não os confirmaram. Igualmente não foram confirmados pelos meios de prova apresentados o número de lugares existentes, não tendo as testemunhas ouvidas precisado com rigor os mesmos, nem havendo outros meios de prova sobre esse facto – por isso foram considerados não provados os factos 2 e 14. Os meios de prova apresentados não confirmam a versão dos factos apresentada pelo Réu, no que respeita aos factos nºs 3 a 6 Tribunal considerou não provados os factos com os nºs 3 a 6, 8 e 9. As testemunhas ouvidas, mesmo a que foi apresentada pelo Réu, o Sr CC, amigo do Réu que o acompanhou em parte das negociações, não confirma que o Autor garantiu que o restaurante tinha licença para instalar esplanada com 10 lugares do outro lado da estrada, na freguesia de Santa Maria, declarando apenas que o Réu viu o papel e depois comprou. Desconhece-se qual o papel a que a testemunhas se refere mas a única licença que existia no ano de 2017 havia sido concedida pela freguesia de S. Vicente e permitia 2 mesas com 2 cadeiras cada uma no exterior do estabelecimento. Com efeito, dos autos constam as informações enviadas pelas referidas Juntas de Freguesia, donde se retira que o Autor apenas pediu em 2017 e foi-lhe deferido o pedido de licença para esplanada à freguesia de S. Vicente. (…)A testemunha HH, que participou nas reuniões das partes com os chefes da respectiva comunidade para resolver o problema a que se referem os autos, declara que o réu pediu a redução do preço do negócio por não ter conseguido licenciar a esplanada do outro lado da rua mas não permite concluir que o autor tenha garantido já ter esse licenciamento ou que o mesmo seria concedido para que as partes celebrassem o negócio nos termos em que o fizeram. Por outro lado, as declarações da testemunha são ambíguas quanto à aceitação pelo Autor dessa redução, não permitindo confirmá-la.(…) Os meios de prova não permitem igualmente confirmar como foi calculado o preço do negócio, sabendo-se apenas pelas declarações do senhorio, a testemunha FF, que o Autor havia feito obras no locado, algumas para renovação do edifício e outras de adaptação para o restaurante”.
É certo que, ao contrário do referido na decisão, os pedidos de licenciamento efectuados junto da freguesia de S. Maria Maior, não foram sob a égide e iniciativa do réu, mas sim do autor, no entanto, como deixámos referido, quer os pedidos, quer os indeferimentos, são anteriores ao contrato celebrado.
Resta, por fim, considerar se as declarações de parte do réu são de molde a, por si só, confirmar tais factos, a saber:
1. Em momento anterior em momento anterior à celebração do contrato em causa nestes autos, já o Réu explorava em sociedade informal tal espaço com o Autor;
2. O estabelecimento instalado no locado tinha apenas uma mesa com dois lugares sentados.
3. O Autor garantiu ao Réu que o mesmo tinha ainda 10 mesas de dois lugares cada, no exterior do espaço, do outro lado da estrada e 3 mesas, de dois lugares cada, junto à entrada principal.
4. Para o efeito, o Autor apresentou comprovativo da Autorização para a Esplanada, documento que entregaria ao Réu para o levar a crer que a mesma estava legalizada
5. Este facto foi decisivo para que o Réu aceitasse contratar, tendo em conta o valor do negócio.
6. O facto do restaurante ter 13 mesas no exterior permitindo ao Réu receber 26 clientes, foi um dos motivos que levou o Réu a celebrar o negócio.
9. O que criou dificuldades do ponto de vista comercial, com redução dos resultados esperados aquando da celebração do referido contrato uma vez que, no seu interior, apenas dispõe de 2 lugares sentados e de uma única mesa, ao contrário da zona de esplanada que permitiria ter 26 lugares adicionais.
10. Tendo em conta tal redução do número de lugares possíveis, o Réu solicitou ao Autor a redução do valor do negócio, o que este aceitou.
11. O Réu cessou os pagamentos prestacionais com o assentimento do Autor.
14. O valor do negócio foi estabelecido tendo em consideração o número de lugares sentados existentes, tanto no interior como no exterior, o valor da renda mensal e o valor das obras efetuadas pelo autor no locado.
Importa referir que na invocação do erro pelo réu, com a pretensão da redução do valor do negócio, apesar de ter aludido à essencialidade das características enunciadas para a celebração do negócio, em momento algum aludiu o réu ao conhecimento do Autor dessa essencialidade – cf. artº 252º do CC- o que determinaria que a pretensa alteração factual não seria de molde a alterar a subsunção dos factos ao direito.
Por outro lado, o autor afirmou que visitou o restaurante a convite do Autor e que este referiu que iriam existir “mesas do outro lado da rua”, que o A. já teria pedido o licenciamento. Também aludiu que o Autor terá referido que gastou dinheiro em obras no restaurante, pediu então o valor de 140 mil euros, tentou negociar, mas o Autor manteve o preço, aceitando o pagamento em prestações. Disse que perguntou se existiria a licença de esplanada, ao que o A. respondeu que já teria sido pedida, pois sem a esplanada não aceitaria o negócio, ou seja, nas suas declarações não fala em redução do negócio, mas sim o desinteresse total no negócio. Referiu que as mesas do 1º andar não seriam viáveis, pois “estariam escondidas e ninguém, sabia dessas mesas”. Falou nos pagamentos feito ao Autor, quando foi informado, cerca de cinco ou seis meses posteriores, do indeferimento, aí teve uma reunião com o Autor, dizendo-lhe que o negócio não era viável, pediu a redução para o valor para 90.000€. Acabou por afirmar que nunca o Autor aceitou qualquer redução, dizendo que a posição deste foi que “devia cumprir o contrato”. Afirmou que teve ainda que transformar o restaurante, a nível de cozinha, passando a ser internacional e aumentou o número de mesas no rés-do-chão, retirando o balcão. Mantinha duas mesas fora, na freguesia de S. Vicente, mas não na freguesia de Santa Maria, nesta, só na altura dos Santos Populares. Também afirmou que na altura do Covid não obteve qualquer licença, só depois, mas apenas limitado à “época dos Santos”. Confrontado com os documentos relativos à freguesia de Santa Maria Maior não os confirmou, dizendo que os que viu seriam anteriores a esses. Foi ainda dito pelo réu que o Autor teria gasto cerca de 50 mil euros em obras, aludiu que tendo o local “uma esplanada grande” o valor seria de 140 mil euros. Cedeu o estabelecimento em 2023, dizendo que não era viável e que não “vendeu a sua posição”, apenas entregou o mesmo ao senhorio.
Em sede de julgamento de facto, mister é que o julgador aprecie a prova segundo a sua experiência, prudência e bom senso, e isto porque, não raro, determinados alibis/versões, ainda que prima facie amparados em alguns testemunhos produzidos, não devem de todo merecer qualquer acolhimento da parte do julgador, desde logo porque à partida desprovidos de qualquer valor cognoscitivo e fundamento racional, ou de todo desajustado das máximas da experiência e da normalidade da vida, sendo que, como bem nota Luís Filipe de Sousa (in “Prova por Presunção no Direito Civil”, 2012, Almedina, págs. 77 e ss. ), no âmbito da livre apreciação da prova, o juiz tem o dever de raciocinar correctamente e de utilizar oficiosamente as máximas da experiência e das quais não deve em principio estar arredado, sob pena de proferir decisões não sensatas porque desfasadas da realidade da vida.
É que, precisamente em sede de função probatória, hão-de as máximas da experiência servir de filtro à adesão do julgador a determinadas alegações fácticas, actuando então como elementos auxiliares do juiz em sede de valoração das provas, e isto porque, não se deve olvidar, é também o juiz um ser humano como qualquer outro, estando portanto sujeito a valorações subjectivas da realidade que o cerca, razão porque em principio se lhe exige e dele se espera que a valoração que faça das provas carreadas para os autos não deve em principio afastar-se muito da opinião comum/média que em relação às mesmas.
Logo, “há-de o convencimento do órgão jurisdicional operar-se à luz de critérios de racionalidade, utilizando-se as máximas da experiência, sendo de exigir que o juiz atente ao que acontece na normalidade dos casos, como parâmetro para concluir pela validade ou não de uma determinada pretensão, e não olvidando que tal convencimento do juiz não é asséptico, pois que, o juiz, ao formar seu convencimento sobre o facto, não age como ser inerte e neutro, desprovido de qualquer “pré-conceito”, preconceitos ou vontade anterior. Ou , dito de uma outra forma, não sendo as regras da experiência meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos de conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além da hipótese a que respeitem, permitem eles muitas vezes atingir continuidades, imediatamente, apreensivas nas correlações internas entre factos, conformes à lógica, sem incongruências para o homem médio e que, por isso, legitimam a afirmação de que dado facto é a natural consequência de outro, surgindo com toda a probabilidade forte, próxima da certeza, sem receio de se incorrer em injustiça. “(cf. Ac. do STJ de 6/7/2011, Proc. nº 3612/07.6TBLRA.C2.S1, in www.dgsi.pt).
A questão em apreço prende-se com a valoração das declarações do réu, nomeadamente se as mesmas são de molde a, praticamente por si só, confirmar os pontos objecto da impugnação do recorrente/réu.
Como tem sido entendido, a prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art.º 466. °, n.º 3 do Código do Processo Civil, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal. A credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspectiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respectivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade.
Significa que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie.
Com efeito, e apesar de o tribunal apreciar livremente as declarações das partes como meio de prova, não podemos ignorar que elas serão produzidas por quem tem um manifesto e directo interesse na acção, no processo, razão pela qual poderão ser declarações interessadas, parciais ou não isentas.
Logo, essas declarações, como princípio, não podem ser consideradas sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, já que se trata da versão da parte interessada - quem as produz tem um manifesto interesse na acção, sendo por isso de considerar, em regra, de irrazoável e insensato, que sem o auxílio de quaisquer outros meios probatórios, o Tribunal dê como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
No caso, a documentação que poderia sustentar ou auxiliar a consideração do aludido pela parte não é de molde a confirmar as mesmas, pois no que concerne à questão da esplanada e número de lugares, resulta desde logo dos pedidos formulados à junta de Freguesia de Santa Maria maior que estes foram feitos pelo Autor, é certo, mas os indeferimentos ocorrem em momento anterior à celebração do contrato. Pelo que mesmo que se considere que o réu teve acesso a tal documentação, aliás foi o próprio que a juntou, não se pode ignorar que na data da cessão da posição contratual já o indeferimento de tal pretensão tinha ocorrido. Donde, nem a questão do que motivou a celebração do contrato quanto ao seu objecto concreto, no dizer do réu, nem sequer o alegado posterior acordo de redução do preço resulta da prova produzida. Tal determina a improcedência na pretendida alteração factual almejada neste recurso, mantendo-se inalterados os factos a subsumir ao direito.
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III. O Direito:
Nos autos resulta claro que o Autor fundamentou a sua pretensão ressarcitória na celebração com o réu de um contrato de cessão de posição contratual, de arrendatário comercial, contrato esse sinalagmático, oneroso, convocando o Autor que o réu incumpriu parcialmente os pagamentos acordados.
De acordo com o princípio da liberdade contratual, as partes têm o direito de, dentro dos limites da lei, contratar e fixar livremente o conteúdo dos contratos (cfr. artigo 405.º do Código Civil). Em causa está o princípio da liberdade de celebração e de estipulação, fixação e modelação do contrato. Uma vez celebrado, o contrato passa a ter força vinculativa (pacta sunt servanda), devendo ser pontualmente cumprido.
Ora, atento o preceituado no artigo 762.º, n.º 1, do Código Civil, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que se encontra adstrito. No cumprimento da obrigação, e no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé (cfr. n.º 2 do citado preceito legal).
A prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, a menos que outro seja o regime livremente convencionado ou imposto por lei ou pelos usos (cfr. artigo 763.º, n.º 1, do Código Civil). O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, incorrendo em responsabilidade civil contratual (cfr. artigo 798.º do Código Civil).
A responsabilidade do devedor pelo não cumprimento da obrigação depende da existência de culpa, e esta pode ser definida como um comportamento reprovado por lei. A lei reprova o comportamento contrário ao cumprimento da obrigação, quando ele é devido à falta de diligência ou a dolo do devedor. E incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, de acordo com o preceituado no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil: apenas o devedor está, por via de regra, em condições de fazer a prova das razões do seu comportamento em face do credor, bem como dos motivos que o levaram a não efetuar a prestação a que estava adstrito.
Assim, a presente ação assenta no incumprimento contratual do Réu, na sua responsabilidade civil de natureza estritamente contratual, visto que entre as partes foi celebrado um “Contrato de Cessão de Posição Contratual” da posição de arrendatário, contra o pagamento de um preço, que vinculava ambas as partes. Tal contrato além de formalmente válido, foi autorizado pelo senhorio.
Com efeito, o Réu obrigou-se perante o Autor a pagar-lhe o preço de € 140 000,00 em prestações, conforme consta do contrato, sendo lícito o pagamento prestacional, por força do previsto no artigo 763.º, n.º 1, segunda parte, do Código Civil.
Nos termos do previsto no artigo 781.º do Código Civil, a falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas, ou seja, tornam-se todas as prestações exigíveis, mas tal não significa que o prazo de todas as prestações seja o da primeira prestação, o que releva para efeitos de contagem dos juros de mora.
Nessa medida, não tendo o Réu pago a prestação vencida no dia 13 de novembro de 2018, no montante de € 6 500,00, tornaram-se exigíveis todas as prestações em dívida nessa data, no valor total de € 78 000,00, acrescido dos juros de mora.
Aqui chegados releva aferir da defesa do réu, o qual excepciona o não cumprimento no erro sobre o objecto, ou a violação por banda do Autor dos ditames da boa fé, argumentado que apenas aceitou celebrar tal contrato pelo facto de o Autor ter garantido que o estabelecimento contava com uma esplanada no outro lado da rua, com 13 mesas no exterior, fazendo-lhe crer que tinha a respectiva licença. Afirmando que tal foi factor decisivo para a aceitação do negócio nos termos em que este foi concluído. Alude que afinal a instalação daquele número de mesas não veio a ser autorizado pela junta de freguesia competente, o que fez diminuir as receitas esperadas. Argumenta igualmente que o Autor veio posteriormente aceitar a redução do valor, pelo que conclui ou pela improcedência da acção, ou, caso assim, não se entenda pela redução do valor devido para a quantia de 50.000€.
A autonomia privada pressupõe que os contraentes se vinculam de forma livre e esclarecida às obrigações que resultam dos contratos que celebram, sobre tais premissas importa ter presente os mecanismos como o regime do erro sobre o objecto do negócio – art.s 251º e 247º CC – e do regime da responsabilidade pré-contratual – artº 227º CC.
A responsabilidade pré-contratual tem assento legal no artº 227º do CC, na medida em que preceitua que: “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. De acordo com Menezes Cordeiro ( in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, pág. 401 e ss.), distinguindo constelações de casos em que tem sede o recurso àquele instituto, aponta para um grupo de casos relacionado com a actuação das partes no iter negocial, anunciando que “há deveres de lealdade: as partes não podem, in contrahendo, adoptar comportamentos que se desviem da procura, ainda que eventual, de um contrato, nem assumir atitudes que induzam em erro ou provoquem danos injustificados. Os deveres de lealdade distinguem-se com certa dificuldade, dos de informação; pode, no entanto, considerar-se que neles não há apenas uma questão de comunicação; antes se joga, também um problema de actuação.”
Seguindo de perto o que se escreveu no Ac. do STJ, de 22/11/2018, processo n.º 1156/12.5TVLSB.L1.S1, disponível no site www.dgsi.pt: “O fundamento da responsabilidade pré-contratual reside na culpa na formação do contrato – artigo 227 n.º 1 citado – e assenta na violação do dever de boa-fé que também tem de estar presente na fase pré-contratual. Como se afirma no Acórdão do STJ de 31-03-2011 «A razão de ser deste preceito está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé. Esta obrigação de actuação de boa-fé tanto nos preliminares como na formação do contrato, inculca, sem margem para dúvidas, que a responsabilidade pré-contratual abrange a fase negociatória que decorre desde o início dos contactos e das negociações até à obtenção de acordo sobre todas as condições e termos tidos como relevantes (incluindo, portanto, a aceitação da proposta contratual) e a fase da perfeição e execução do acordo conseguido que inclui a formalização (se não bastar o mero consenso das partes) e cumprimento do contrato.”
Almeida Costa a propósito de tal instituto alude que: “Entende-se que, durante as fases anteriores à celebração do contrato – quer dizer, na fase negociatória e na fase decisória – o comportamento dos contraentes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade. De modo mais concreto: apontam-se aos negociadores certos deveres recíprocos, como, por exemplo, o de comunicar à outra parte a causa de invalidade do negócio, o de não adoptar uma posição de reticência perante o erro em que esta lavre, o de evitar a divergência entre a vontade e a declaração, o de se abster de propostas de contratos nulos por impossibilidade do objecto, e, ao lado de tais deveres, ainda, em determinados casos, o de contratar ou prosseguir as negociações com vista à celebração de um acto jurídico. Através da responsabilidade pré-contratual tutela-se directamente a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé; e, por conseguinte, as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua futura celebração” ( in Direito das Obrigações, 12ª ed. rev. e act., págs. 302 e 303).
Também no Ac. do STJ, de 09/02/2021, processo n.º 720/19.6T8VFR.P1.S1, também disponível naquele site, se fundamenta e caracteriza do seguinte modo a responsabilidade pré-contratual: “Este artigo [227º do CC] refere-se à observância das regras da boa fé, tanto nos “preliminares” (fase negociatória) como na “formação” (fase decisória) do contrato, entendendo-se, portanto, que abrange todo o processo negocial, desde as negociações até à formação do contrato. Como é referido pela Conselheira Maria da Graça Trigo, na anotação ao citado art.º 227.º, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 512 e no acórdão, por si relatado, deste STJ, de 7/11/2019, processo n.º 153/13.8TCGMR.P1.S1, “A atenção prestada à fase anterior à celebração do contrato permitiu identificar deveres acessórios de conduta a respeitar, bem como tipos de situações a incluir na responsabilidade pré-contratual. Entre as múltiplas enumerações de deveres propostos pela doutrina e pela jurisprudência, estrangeiras e nacionais, saliente-se aquela que distingue entre deveres de segurança, deveres de lealdade e deveres de informação. Quanto às tipologias de responsabilidade, identificam-se essencialmente três: a responsabilidade pela conclusão de um contrato inválido ou ineficaz que, por esse motivo, causa danos a uma das partes; a responsabilidade pela celebração de um contrato válido e eficaz de um modo tal que cause prejuízos a uma das partes; e ainda a modalidade, entre nós algo tardiamente reconhecida, da responsabilidade por rutura das negociações (…)”.
No caso relevará o comportamento das partes na fase negociatória do contrato, mormente na eventual desconformidade do objecto do negócio, ou pelo menos a ausência de esclarecimento cabal de todas as suas vicissitudes.
Como bem alude Eva Sónia Moreira da Silva ( in “Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação”, Almedina, 2003, pág. 79) “mesmo que as partes prossigam interesses opostos, como é normalmente o caso, haverá o dever de esclarecer a contraparte sobre as circunstâncias que podem frustrar o fim do contrato e que, por isso, são de especial significado para a sua decisão, desde que a contraparte possa esperar a sua comunicação, em conformidade com as concepções dominantes do tráfico. Ou seja, em princípio, não existirá um dever pré-contratual geral de informação: só relativamente a determinados elementos e dentro de determinadas circunstâncias. (…) O dever de informação só existirá quando o princípio da boa-fé o impuser.”
Daqui resulta que as partes negociadoras não podem dar à outra, informações deficientes, “se são relevantes para o contrato a celebrar. Mais do que isso: as partes que negoceiam com vista à celebração de um contrato devem informar a outra sobre todas as questões que revelam para a formação, por partes desta, de um quadro exacto sobre a matéria objecto das negociações.”( Autora e ob. cit. pág. 80-81).
Assim, para que as partes, que negoceiam um contrato, possam prosseguir os seus interesses, conformar a relação jurídica em causa de forma verdadeiramente livre, a sua vontade negocial não pode encontrar-se viciada. O interesse que determinada pessoa se propõe prosseguir não poderá ser atingido se esta parte de pressupostos errados. Assim, é muito provável que esta pessoa, se tivesse conhecimento da verdade dos factos ou se o seu conhecimento fosse completo, jamais tivesse contratado ou, pelo menos, não o tivesse feito nos termos em que o fez. Portanto, o dever pré-contratual de informação, ao pretender conceder às futuras partes contratuais o conhecimento que lhes permita contratar da forma mais adequada aos seus interesses, estará, obviamente, a proteger a sua autonomia privada.
Por conseguinte, é “função essencial dos deveres de informação criar as condições necessárias para a liberdade de decisão. (…) o indivíduo deve ser colocado numa posição que lhe permita exercer a sua autonomia privada em conformidade com os seus próprios interesses, de forma racional e reflectida, quer na conclusão do contrato, quer na modelação do seu conteúdo.
Evidentemente, esta é também a função do regime dos vícios da vontade, em particular, do erro e do dolo. Proteger a livre formação da vontade negocial das partes para que estas, ao contratar, o façam de acordo com a vontade que possuiriam se conhecessem todas as circunstâncias relevantes. Deste modo, verificamos que tanto o dever pré-contratual de informação como o regime do erro e do dolo asseguram o princípio da autonomia privada ao proteger a liberdade de decisão das partes.
Pode defender-se que o regime dos vícios da vontade e a responsabilidade pré-contratual por violação de deveres de informação em sede de negociações para a conclusão de um contrato têm funções diferentes. Pode dizer-se que “o primeiro pretende proteger a livre conformação dos negócios jurídicos, protegendo o processo formativo da vontade, concedendo remédio para um negócio celebrado por uma vontade viciada, permitindo que este se esvaia da realidade jurídica como se nunca tivesse existido. E é evidente que se pode defender, por outro lado, que não é esta a função da responsabilidade pré-contratual: esta, pretendendo ressarcir os danos provocados pela actuação culposa de uma das partes na negociação de um contrato, teria como função, apenas, proteger o património. Por isso, seria necessária a existência de um dano patrimonial, no sentido da teoria da diferença, para que pudesse aplicar-se o regime da c.i.c. Serão dois instrumentos jurídicos diferentes: um protege a liberdade de decisão, o outro o património; um permite anular contratos, o outro apenas permite conceder indemnizações por danos... Mas, no âmbito da responsabilidade por culpa “in contrahendo”, por que é que o princípio da boa fé fará nascer deveres de informação? Para impedir que a ausência de informações cause danos que, apesar de meramente patrimoniais, não é justo serem suportados pelo lesado. E qual o nexo causal entre a ausência de informações na fase pré-contratual e a criação de danos na esfera patrimonial do lesado? É simples: o lesado sofre danos por crer que a informação de que dispunha era verdadeira e completa, adequada para lhe permitir prosseguir os seus interesses na disputa contratual. Se possuísse mais informação (ou informação diferente) nunca contrataria ou nunca o faria nos mesmos moldes. Onde estava a sua liberdade de decisão? A informação verdadeira, adequada e completa permite às partes negociar de acordo com os seus interesses, poupando-as dos danos provenientes da celebração de um negócio desfavorável. Os danos só surgem porque não houve liberdade de decisão. É certo que a responsabilidade pré-contratual pretende proteger o património, mas não podemos considerar que, igualmente, o faz quanto à liberdade de decisão? Que, também aqui, encontramos uma manifestação (da defesa) do princípio da autonomia privada? E, sendo assim, não poderemos entender que a própria vinculação a um contrato não desejado (celebrado em clara oposição com o princípio da autonomia privada) é, em si, um dano, ainda que não um dano patrimonial, no sentido da teoria da diferença?” ( Eva Sónia Silva in ob. cit. pág.87-88).
Ora, não podemos situar tal instituto apenas como fonte de indemnização, mas igualmente assegurando pelo menos indirectamente, o princípio da autonomia privada, pelo que está estabelecida a ponte entre tal instituto e o regime dos vícios da vontade, nomeadamente, o regime do erro e do dolo, porém, verificando-se este regime o negócio será anulável, pelo que estará, à partida, afastada a indemnização do lesado, salvo se ocorrerem danos que advém da violação dos ditames da boa fé, o que não se discute nestes autos.
Analisemos então o erro convocado na acção. Na conclusão do contrato cada uma das partes deve comportar-se de forma a evitar que o seu consentimento e do seu parceiro sejam afectados por algum dos vícios do consentimento, pelo que a jusante a informação disponível é essencial. Logo, a parte deverá informar a outra sobre as qualidades que espera obter dos elementos determinantes do seu consentimento e a “outra deverá informar a primeira sobre as qualidades reais desses elementos. (…) embora o carácter determinante do erro seja uma condição de anulabilidade do contrato celebrado, não é condição suficiente. O erro terá, igualmente, de recair sobre a substância do objecto do contrato o sobre a contraparte” (Autora e ob. cit. pág. 92-93). Tal situação reportar-se-á ao erro vício, na qual o declarante emite uma declaração negocial que corresponde à sua vontade, mas na fase formativa ocorreu um erro que a distorceu, a vontade foi mal esclarecida, está viciada por uma representação interna do negócio ou circunstancialismo que o rodeia que é errada ou incompleta. Como refere Castro Mendes ( in Teoria geral do direito civil, II vol. Reimp. AAFDL, pág. 110) se o declarante tivesse tido acesso a todos os elementos representativos da realidade ter-se-ia formado uma vontade diferente, uma “vontade conjectural”. Tal erro relevará como causa de anulação sempre que tenha influenciado a formação da vontade e, assim, tenha relevado para a determinação dos contornos do negócio, quer ele seja essencial (no sentido de não celebrar qualquer negócio), quer seja incidental (celebrar o negócio com contornos diferentes), mas não deixa de estar subjacente que tal constitui sempre um erro sobre os motivos que determinaram o declarante a celebrar o negócio – cf. artº 252º do CC. Porém, o dever de informação pré-contratual de informação só existirá quando, atendendo às circunstâncias do caso, o princípio da boa fé o exija, e será assim se a outra parte conhecer do erro ou tiver obrigação de o conhecer.
Como decorre do teor da contestação, o Réu pretende a redução do negócio tendo presente que a coisa adquirida (o direito ao arrendamento do locado onde está instalado o estabelecimento comercial) não tinha as características que lhe foram garantidas pelo Autor, ou seja, não dispunha de autorização para a montagem da esplanada com o número de mesas enunciado. Desta sorte, o erro reportar-se-á igualmente ao objecto do negócio – cf. artº 252º do CC, pois alegou o Autor que a existência de uma esplanada com 10 mesas de dois lugares cada, no exterior do espaço, do outro lado da estrada, era decisivo para que o Réu aceitasse contratar, tendo em conta o valor do negócio. Importa ainda ter presente que tal realidade, no dizer do réu, foi alegadamente afirmada pelo Autor aquando das negociações, o que nos remete para o regime do dolo. Este, ao contrário do supra analisado, provém de uma actuação exterior, denominado erro qualificado, feito através de sugestões ou artifícios, mantido ou dissimulado o qual leva a que seja emitida uma declaração que não teria emitido se não fosse o engano em que caiu, mantendo-se, porém, o requisito da essencialidade – cf. artº 254º do CC.
Porém, resulta que a par da ausência de prova dos factos subsumíveis ao erro ou ao dolo, em momento algum o réu afirmou o conhecimento pelo Autor da essencialidade de tais características do locado objecto do contrato de cessão ou transmissão da posição contratual.
Como se fundamenta na decisão “O erro pode abranger o negócio todo (sem a sua ocorrência o negócio não teria sido concluído); ou pode respeitar a uma parte ou a um aspecto do negócio (sem ele o negócio não teria sido concluído nos precisos termos em que o foi, o que se designa um erro incidental. O erro incidental não diz respeito à declaração em si mesma (esta sempre teria sido feita), mas apenas aos termos em que ela o foi (sem o erro a declaração teria sido feita, mas noutros moldes). Deste modo, o erro incidental não acarreta a anulação da declaração na sua totalidade. O erro sobre o objecto do negócio compreende as hipóteses em que o desconhecimento ou a falsa representação da realidade respeitam ao bem jurídico – seja este uma coisa ou uma prestação a realizar (objecto mediato) -, assim como ao conteúdo negocial, à natureza do negócio e aos efeitos negociais (objecto imediato). O erro sobre o objecto material ou mediato tem de ser delimitado positivamente: aqui se situam os casos em que se desconhece ou se representa erradamente dada coisa ou prestação na sua configuração objectiva, isto é, nas suas qualidades (características físicas ou jurídicas, identidade ou substância - vg., cor, dimensão, localização, finalidade, atributos, entre outros índices). Numa palavra, o desconhecimento ou a falsa representação da realidade incide sobre elementos que influenciam o destino a dar ao objecto ou que interferem no valor do objecto em si mesmo, designadamente atentas as possibilidades de utilização projectadas. Como é evidente, tendo a versão dos factos trazidos pelo Réu a natureza de excepção, por serem factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, a ele compete o ónus de prova, conforme decorre do art.º 342º, nº 2 CC. Vista a matéria de facto provada, logo se constata que o Réu não logrou fazer tal prova.”.
Revisitando Eva Sónia Moreira da Silva: “Tendo ocorrido um erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio, o alcance da anulabilidade depende do alcance do erro relevante para o efeito. O erro pode abranger o negócio todo (sem a sua ocorrência o negócio não teria sido concluído); o erro pode respeitar a uma parte ou a um aspecto do negócio (sem ele o negócio não teria sido concluído nos precisos termos em que o foi; aqui estamos perante um erro incidental).
O erro incidental não diz respeito à declaração em si mesma (esta sempre teria sido feita), mas apenas aos termos em que ela o foi (sem o erro a declaração teria sido feita, mas noutros moldes). Deste modo, o erro incidental não acarreta a declaração na sua totalidade.
Significa isto que o alcance da anulação varia em consonância com o alcance do erro. Se este recair sobre o negócio em si, a anulação atinge todo o negócio; se recair apenas sobre certos aspectos do negócio, a anulação abrange somente estes. Na verdade, a anulação não pode ir mais longe do que o alcance do erro. Apenas se pode anular na medida em que a vontade está viciada. Doutro modo, a outra parte, contra a qual a anulação se dirige, ficaria prejudicada na sua expectativa quanto à estabilidade do negócio (além das vantagens injustificadas que o declarante poderia obter ao “desligar-se” de um negócio que, entretanto, talvez se tenha tornado incómodo”.
Explicitando, no regime do erro, a par do já aludido, haverá que considerar quer a segurança do comércio jurídico, quer ainda a confiança do declaratário, princípio que encontram a sua defesa no carácter da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, tal como se encontra previsto no artº 252º do CC. Logo, “entre os requisitos para a relevância do erro, avulta a sua essencialidade - isto é, o seu carácter causal (ou concausal) ou determinante para declaração do errante, em si mesma ou nos seus elementos fundamentais. (Carlos Mota Pinto in “Teoria Geral do Direito Civil” pág. 507; ver ainda Paulo Mota Pinto in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo” pág. 1293). E esta essencialidade não será abstracta ou avaliada para um declarante normal, mas sim em relação ao declarante e apreciada em concreto, considerando o desvio entre a representação e a realidade, projectada nos interesses que, naquele negócio jurídico, sejam decisivos para o declarante.
Em suma, o erro é essencial quando, sem ele, o declarante não teria sido celebrado aquele o negócio, ou não o teria celebrado com aquele conteúdo. Mas apesar de necessária, a essencialidade não é, todavia, suficiente para fazer desencadear o efeito anulatório do negócio jurídico. Pois, no caso do erro sobre o objecto do negócio, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 251º e 247º, para além da essencialidade é também necessário que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Ora, ausência quer no tocante à essencialidade necessária ao regime do erro, mas igualmente a falta de alegação do conhecimento por parte do Autor de tal essencialidade, afastado que está igualmente o facto atinente ao dolo, pois não se logrou provar que tenha sido o Autor a afirmar perante o réu tais características do locado onde estava instalado o estabelecimento comercial em causa, já naufragaria a anulação ou redução do negócio propugnada pelo réu e afirmada igualmente neste recurso.
Por outro lado, soçobra também o alegado pelo recorrente quanto ao acordo do Autor na redução do negócio, com a consequente redução do valor em dívida. Pois, competia igualmente ao réu o ónus da respectiva alegação e prova, nos termos dos art.ºs 342.º, n.º 2 do CC, o que não logrou fazer.
Termos, pois, em que, por tudo o exposto, se decide julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença da 1ª. instância.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Réu e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.
Lisboa, 10 de Abril de 2025
Gabriela de Fátima Marques
Jorge Almeida Esteves
Adeodato Brotas