CONDENAÇÃO ILÍQUIDA
JUROS
Sumário

I\ A conjugação dos artigos 609/2 do CPC e 566/3 do CC faz-se assim: se os factos dados como provados não permitem averiguar o valor exacto dos danos, mas é previsível que a situação se altere se se relegar para liquidação a fixação deles, é a condenação ilíquida que se impõe.
II\ Por outro lado, o art. 609/2 do CPC impõe que o tribunal condene logo os devedores no crédito que já seja líquido.
III\ Quanto ao crédito líquido são devidos juros desde a citação (porque esse valor já era líquido e a citação representa a interpelação para o pagamento: artigos 805/1 do CC e 610/2-b do CPC).
IV\ Juros que são os juros comerciais legais do §5 do art. 102 do Código Comercial (artigos 102.º, corpo e §3º, e 2.º ambos do CCom, Portaria 277/2013, de 26/08, e DL 62/2013, de 10/05) visto que esta divida emerge de uma transacção comercial.
V\ Quanto ao crédito ilíquido só serão devidos juros a partir da data da liquidação (e não do trânsito) e os juros são civis.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

S-SA intentou uma acção comum contra F-SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe 66.959,24€, valor remanescente ainda em dívida pela ré pela entrega da produção de pêra adquirida à autora, acrescidos de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva, desde a data da citação até pagamento integral.
Alegou para tanto, em síntese, que: forneceu à ré 280.221kg de pêra rocha, no valor de 91.959,24€ e a ré só lhe pagou, ainda, 25.000€ com IVA; “tem direito ao valor peticionado, na sequência de a ré ter indevidamente considerado, como refugo, 73.908 kg das pêras; de ter comercializado em intervalos superiores a 5mm de dimensão 115,9 toneladas das pêras; de ter comercializado 15,1 toneladas de pêras de categoria 75/80 por valor muito inferior ao preço que obteve pelas categorias 65/75 mm; e por ter comercializado sem calibragem 75 toneladas, todas das pêras por si produzidas, tudo em prejuízo da autora.”; sendo a ré responsável pelos prejuízos provocados à autora, nos termos dos artigos 483 e seguintes do Código Civil.
A ré foi citada a 01/07/2020 e contestou; na parte que ainda interessa, impugnou parte dos factos alegados pela autora; no art. 118 da contestação “admite dever à autora não o montante pela mesma solicitado na acção, mas 54.544,15€ mais IVA – correspondente ao valor da produção de pêras – 2019 – da autora, que comercializou, deduzida de 25.000€ mais IVA que por conta daquele montante já foi adiantado.”
Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar a acção procedente e, consequentemente, a condenar a ré a pagar à autora a quantia que se vier a liquidar, com o limite máximo de 66.959,24€ referente ao valor dos prejuízos causados pela venda de parte da produção a FPV sem calibração (75.005,11 kg), por ter considerado como refugo sem qualquer discriminação das concretas quantidades e motivos (73.908 kg) e desvalorização da restante produção por não proceder à calibragem de 5mm em 5mm.
A autora recorreu desta sentença – para que seja revogada na parte em que considera não liquidado o pedido da autora, substituindo-se por outra em que se condene a ré a pagar à autora a totalidade do valor peticionado, acrescido de juros desde a data da citação, ou caso assim não se entenda e seja confirmada a sentença, então deverá considerar-se procedente o disposto na conclusão 7, condenando-se desde logo a ré a pagar à autora o montante líquido provado, acrescido de juros desde a citação, prosseguindo os autos para liquidação do restante.
A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
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Questão que importa decidir: (como decorre das conclusões que se transcreverão mais à frente) se deve ser aditado um facto aos provados; se a condenação da ré devia ter sido liquidada na sentença; se a ré devia ter sido condenada logo no valor do crédito que reconheceu que a autora tinha sobre si; e se a condenação devia ter incluído juros.
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Estão dados como provados os seguintes factos:
A\ A ré é uma organização de produtores, da qual a autora é membro produtor e accionista da mesma, reconhecida pelo Ministério de Agricultura, sob o n.º […] para o sector de frutas e produtos hortícolas.
B\ A ré recebeu 24 carregamentos de pêra rocha, entre as datas de 08/08/2019 e 10/09/2019, entregues pela autora, no total de 280.221 kg, em ordem a que a mesma fosse comercializada no mercado por intermédio da ré.
C\ A autora encontra-se, estatutariamente, obrigada a entregar a sua produção de fruta à ré, para que esta proceda à sua comercialização no mercado e ao melhor preço e de acordo com as melhores condições, não o podendo fazer sem que seja por intermédio desta.
D\ A ré remeteu à autora, em Dezembro de 2019, uma comunicação/quadro, no qual informava os preços e quantidades, por dimensão de pêra e outros critérios, pelos quais realizara a comercialização do produto, enquanto organização de produtores e sociedade comercial.
E\ A ré considerou 73.908 kg de pêras da quantidade referida em B, como refugo, por considerar que apresentavam “carepa” excessiva, “estenfiliose” e baixo calibre.
F\ A autora emitiu e enviou à ré, factura 2020/6, no valor de 91.959,24€ respeitante à pêra rocha referida em B.
G\ A pêra rocha referida em B tinha o valor de pelo menos, 54.544,15€.
H\ A ré procedeu ao pagamento à autora, a título de adiantamento, de 25.000€ com IVA incluído.
I\ Da fruta referida em E, a considerada pequena foi doada ao Banco Alimentar.
J\ Em 18/02/2020, a ré foi notificada judicialmente, a solicitação da autora, com vista à obtenção de resposta às seguintes informações: a) A justificação para que a pêra em apreço não tivesse sido objecto da operação necessária à sua divisão por calibres; b) A identificação do(a) responsável ao serviço da ré que validou tal qualificação; c) A justificação para a comercialização da pêra produzida pela autora agrupada em categorias englobando pêras de diversos calibres e em intervalos de 15 e de 10mm, em vez de intervalos de 5, bem como a integração da pêra de 60 a 65 na categoria de pêras pequenas; d) A justificação para que a pêra de maior calibre tivesse sido vendida a um preço muito mais baixo do que a pêra de calibres intermédios: e) A identificação da entidade ou entidades a quem e quando foram vendidas, quer a citada quantidade de pêra sem medição específica, quer as restantes categorias/calibres, e as respectivas condições contratuais; f) Todos os documentos, sem excepção, que suportaram todos os procedimentos descritos.
L\ Por carta datada de 27/02/2020, a autora enviou à ré a factura referida em F, solicitando o remanescente do valor não pago.
M\ De acordo com o contrato de sociedade civil sob a forma de sociedade anónima da ré esta tem por objecto o apoio à produção, à concentração e à comercialização das produções dos seus associados e o comércio por grosso de frutas e produtos hortícolas dos seus associados.
N\ Consta do regulamento interno da ré vigente à data dos factos e aprovado em Assembleia Geral de 16/03/2017 que:
Artigo 19/2 - Calibração (Mecânica ou Manual) O produto que passou no controlo de qualidade é posteriormente calibrado por diâmetro.
Artigo 24 (Calibres mínimos e refugo) 1\ Consideram-se como calibres mínimos fixados pela lei da normalização, salvo deliberação em contrário pelo Conselho de Administração (p. ex. para a uva de mês considera-se como peso mínimo do cacho 0,3 kg e comprimento mínimo do bago 17-18 mm). 2\ Será considerado refugo todo o produto que não possua as características mínimas exigidas pela categoria inferior para comercialização em fresco, segundo a lei da normalização referenciada no número anterior. 3\ Todo o produto classificado como refugo, não comercializável em fresco ou para transformação, não é objecto de pagamento aos Associados.
O\ Autora e ré não estabeleceram nenhum preço da pêra na árvore.
P\ As pêras da autora consideradas como refugo pela ré tiveram o seguinte destino: 3.235kg, com calibre 50+ para o Banco Alimentar, tendo a ré as valorado em 0,20€ o kg; 32.348kg para FPV, em que 30.636kg foram considerados “quebras” e 1.712kg consideradas com diferença de peso; 38.325kg para compostagem.
Q\ A ré entregou 105.641kg de pêras a FPV entre 26/10/2019 e 05/10/2019, que considerou 29% como “quebras”.
R\ As pêras entregues a FPV não foram calibradas antes da entrega [e] foram vendidas a 0,30€/kg.
S\ A ré aceitou que o volume de perdas indicado pela FPV era correcto.
T\ FPV não devolveu as 30t de pêra rocha que considerou como perdas, ficando-se sem saber que destino tiveram.
U\ FPV indicou à , sem referir porquê, e esta aceitou, que teria existido uma quebra de peso de 1.712 kg.
V\ A autora não foi consultada na doação da sua pêra ao Banco Alimentar.
W\ As 38t de pêra da autora que foram para compostagem não seguiram com guia de transporte ou de remessa por terem sido depositadas em propriedade contígua às instalações da ré.
X\ As 38 toneladas de pêra da autora foram entregues à R-Lda., pela ré, sem conhecimento da autora e sem emissão de quaisquer documentos contabilísticos de carácter oficial.
Y\ À data a R-Lda tem como gerentes MR, MR e PR, enquanto que a ré tem como presidente do conselho de administração MR e como vogal PR.
Z\ Pelo menos a pêra rocha da autora entregue a FPV ficou à guarda da ré durante mais de um mês, o que causou a sua degradação.
AA\ A ré nunca quantificou que problemas tinham os 73.908kg de pêra.
AB\ Se a pêra rocha da autora tinha estenfiliose, competia à ré pesar e avaliar com exactidão as quantidades afectadas.
AC\ A quinta onde a autora explora o seu pomar de pêra rocha encontra-se isolada relativamente a outros pomares, e situa-se no concelho de Alenquer.
AD\ A ré nunca recebeu instruções da autora para dispor como quisesse de qualquer quantidade da sua fruta.
AE\ Quer na colheita da fruta, quer já com a mesma nas instalações da ré, esta, nem pela sua técnica, Eng.º I, nem por outras pessoas ou meios, reportou à autora qualquer problema na pêra rocha em apreço.
AF\ A carepa é perfeitamente visível com a pêra na árvore para um técnico, assim como os danos provocados pela estenfiliose.
AG\ As boas práticas em uso no mercado estabelecem que as pêras são comercializadas em intervalos dimensionais de 5 mm.
AH\ As pêras produzidas pela autora e entregues à ré foram comercializadas em intervalos dimensionais de 15mm (50/65) em 57,7t; de 10mm (65/75) em 58,2t; e de 5mm (75/80) em 15,1t.
AI\ Foi atribuído pela ré o preço de 0,40€/kg da categoria 65/75 e de 0,25€ na categoria 75/80.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
A autora pretende o aditamento de um facto aos factos provados, qual seja:
AJ\ A factura emitida pela autora referida em F corresponde ao valor dos prejuízos sofridos pela mesma autora, relativos aos factos E, I, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Z, AA, AB, AD, AE.
Fundamenta a sua pretensão no seguinte:
1\ A autora, no art. 135 da sua PI, refere o seguinte: […O] valor da produção de pêra entregue pela autora à ré correspondia a 91.959,24€, cf. factura 2020/06, do mesmo valor, emitida pela autora para pagamento pela ré, documento que se junta como doc.9, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e é justificativo dos números e critérios ora apresentados pela ora autora no seu pedido.
2\ E no art. 136 da PI refere: Para liquidação do referido valor, a autora considera, apenas, o preço médio por kg de 0,33€, considerando 260.543kg de pêras comercializáveis no mercado e 19.678kg de refugo, cf. mapa justificativo de preços e quantidades por dimensões, de acordo com o que se encontra regulamentado e que é o usual das boas práticas no mercado da pêra rocha, junto como doc.10.
3\ Finalmente, no art. 137 da PI esclarece: Sendo que os preços e quantidades relativas por dimensão da pêra rocha constantes do citado mapa, que se dão aqui por devidamente reproduzidas, resultam das médias respectivas que a autora contabilizou rigorosamente nos anos de 2017 e 2018, anos em que a produção obtida teve as mesmas características do ano de 2019, quer ao nível das percentagens na produção total de cada tipologia/dimensão de pêra, quer ao nível de refugo.
4\ Pelo doc. 4 junto com a contestação, verifica-se que a ré respondeu à carta contendo a factura 2020/06 e o mapa anexo de forma genérica e sem refutar fundamentadamente as quantidades e valores apresentados pela autora, de boa fé e sujeitas a eventual correcção da ré.
[…]
8\ A ré, no controlo de todos os procedimentos relativos à comercialização e armazenagem da pêra, foi transmitindo apenas parcialmente a informação sobre os negócios que conduzira supostamente em benefício da autora, não tendo propositadamente produzido prova documental que atestasse muitas das irregularidades, omissões e incumprimentos da sua função de Organização de Produtores na relação com a ré.
9\ Num processo com este contexto, em que todo o produto é controlado, em todas as suas dimensões, quantidade, dimensão, qualidade e preço, por uma das partes que, por sua vez, não emite uma nota, um memorando, um papel qualquer que seja sobre 26% de produto dado como lixo, evitando que haja qualquer memória documental sobre o que conduziu a tal descalabro, dificulta o apuramento rigoroso do prejuízo, mas não se pode beneficiar o próprio infractor por esse motivo.
10\ A ré nem um documento para efeitos fiscais emitiu sobre os 26% desperdiçado – para onde foi, com quem ficou, para que serviu, quem o transportou.
11\ A ré não calibrou a maior parte da produção de pêra que lhe foi entregue, impedindo a autora de saber exactamente quantas toneladas de cada calibre produziu, e por quanto foi vendida a pêra por calibre.
12\ A ré entregou dezenas de toneladas de pêra a uma empresa do ramo sem cuidar de saber o que entregou, ficando à espera que a própria empresa lho dissesse – com isto foram mais 30 toneladas de pêra alegadamente para lixo – mas de que não se conhece o exacto destino.
13\ Da prova gravada e documental produzida, designadamente do depoimento da testemunha F e do doc.9 junto com a PI, decorre que se mostra justo e adequado aditar o facto referido.
A ré contrapõe a isto o seguinte:
5\ Quanto à pretendida alteração da matéria de facto, os únicos elementos convocados pela autora e a apreciar para convencer da sua tese são o doc.9 (factura), 10 (mapa justificativo) e o depoimento da testemunha F. E analisados os mesmos concluímos que bem andou o tribunal ao decidir que não tinha elementos para quantificar o prejuízo.
6\ Desde logo atente-se ao referido na sentença: "A autora não logrou provar com segurança os factos sob os pontos a, b, c, d, f, g, h, na medida em que apenas apresentou como prova depoimentos de trabalhadores seus e umas facturas de vendas anteriores, sem muito mais suporte documental, o que seria possível. Na verdade, em face dos factos em questão a prova, para suportar com segurança tais factos, teria de ter mais suporte documental e não apenas baseada quase na opinião dos seus trabalhadores, principalmente quando são dados quantificáveis e, em alguns casos, nem sequer respeitantes à própria autora."; atente-se ainda às declarações de parte do representante da ré e de uma testemunha […]
7\ Em conclusão, da análise do conjunto da prova produzida nunca se poderia concluir que o prejuízo que a autora sofreu foi o montante que facturou, pois limitou-se a socorrer-se dos montantes e valores da produção dos dois anos anteriores para tentar demonstrar que no ano de 2019 a sua produção foi exactamente igual, o que não logrou fazer e é impossível de se ter verificado; tal como resulta inequivocamente das passagens supra referidas e das declarações e testemunho supra transcrito. Incumprindo o que se lhe impunha.
8\ Mas, mais grave, para justificar as próprias falhas o único argumento que utiliza é o facto de a ré ter incumprido os seus deveres. Note-se, toda a produção da pêra, acompanhamento da mesma, colheita, e preparação para entrega foi unicamente da responsabilidade da autora. Por outro lado, podia e devia ainda a autora ter-se socorrido de dados oficiais que são públicos e que descrevem a produção da pêra rocha no ano em causa e na zona geográfica do pomar da autora, bem como nos vários anos anteriores.
9\ Por último, a matéria alegada pela autora como forma de cálculo do valor peticionado por ser conclusiva, não foi considerada, devendo os cálculos ser apurados dos factos, e que no caso em apreço era manifestamente impossível. De onde se conclui que o problema não se cinge ao que a autora quer fazer crer, mas é prévio.
Apreciação
O valor que a autora quer que seja aditado como o valor de todos os prejuízos sofridos, corresponde a três operações: primeira, à aplicação de uma taxa de 7% de refugo ao total das 280.221kg; segunda, a divisão proporcional das pêras por uma série de calibres de 5mm em 5mm e ainda dentro deles em C II, Cat II e C+; e, terceira, a aplicação de um valor por cada uma daquelas divisões e subdivisões, com o resultado final médio de 0,33€/kg.
Todas estas operações foram feitas pela testemunha que a autora indicou, com o resultado demonstrado no mapa anexo à factura referida no facto F.
Mas, como resulta daquele mapa e do que foi dito pela testemunha, os valores aplicados correspondem a preços pelos quais as pêras seriam vendidas pela ré a terceiros, preços que a testemunha foi buscar aos preços pelos quais as pêras foram vendidas no ano anterior, ou seja, 2018, por si a um terceiro, sem que haja razões para aceitar que em 2019 a ré tenha conseguido, ou devesse ter conseguido, o mesmo preço.
E as divisões proporcionais em calibres e outras subdivisões, foram feitas pela testemunha da autora alegadamente com base nos calibres e outras subdivisões pelas quais as pêras foram vendidas por ela em 2017 e 2018 a terceiros, tendo a testemunha aplicado a média das duas vendas daqueles anos. Por exemplo, na C60/65, em 2018 esse calibre ocupou 23% de toda a fruta e em 2017 ocupou 19,7%. A autora somou os 23 + 19,7 e dividiu o resultado por dois: 21,3%. Ora, também quanto a estas divisões e subdivisões, falta a demonstração de que, em 2019, a ré conseguiu, ou devia ter conseguido, vender toda a fruta com base nelas, em vez de apenas nas 3 divisões em que diz tê-lo feito; bem como que, conseguindo-o, a proporção que cada divisão e subdivisão teria seria a mesma que nos anos anteriores. Para além de que, ao contrário do que a autora sugere, as divisões e subdivisões só ocorreram em 2018 (num total de 11 preços diferentes), já que em 2017 também só ocorreram 3 preços diferentes.
Por fim, também não se vê razão para que, tendo em 2017 havido uma percentagem de refugo de 9,1% e em 2018 uma percentagem de 5%, se aplique, sem mais, a média das duas em 2019, como foi feita pela testemunha.
Assim, os elementos de prova indicados pela autora não provam o que a autora quer que seja aditado aos factos provados.
Pelo que improcede esta impugnação, sem prejuízo da consideração das razões da autora também a nível de direito, já a seguir.
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Recurso sobre matéria de direito
A autora recorre contra a decisão de relegar para mais tarde a liquidação do valor a que tem direito, pelas razões que indicou na impugnação da decisão da matéria de facto.
O art. 609/2 do CPC dispõe que: Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado […].
Como os factos provados não permitem fixar nem o objecto nem a quantidade, a condenação ilíquida impor-se-ia sem mais.
Mas a decisão condenatória inclui a referência a ‘indemnização’.
Ora, se se fala numa indemnização tem de se invocar também a norma do art. 566/3 do CC: Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
A aplicação desta norma depende, como se vê, do juízo que se fizer de não poder ser averiguado o valor exacto dos danos.
Pelo que a conjugação destas normas faz-se assim: se os factos dados como provados não permitem averiguar o valor exacto dos danos e não é previsível que a situação se altere se se relegar para liquidação a fixação deles, os danos terão que ser fixados equitativamente dentro dos limites que o tribunal tiver por provados (a aplicação desta norma vem amplamente discutida no ac. do STJ de 20/11/2012, 176/06.3TBMTJ.L1.S2).
Dito de outro modo:
“A conjugação entre o art. 566/3 [do CC] e o art. 609/2 do CPC, parece revelar a natureza subsidiária da apreciação equitativa dos danos a respeito da averiguação desse valor em liquidação ulterior, pressupondo que os factos provados indiciem a possibilidade de uma quantificação certa dos prejuízos. Neste sentido, por exemplo, os acs. do STJ de 20/11/2012, e do TRL de 06/04/2017 [proc. 519/10.5TYLSB-H.L1-2].” (Henrique Sousa Antunes, Comentário ao CC, Dtº das Obrigações, UCP, 2018, págs. 571-572).
Em suma, como se diz no ac. do STJ de 28/10/2010, proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1:
3\ O apelo a juízos equitativos para obter uma exacta e precisa quantificação de danos patrimoniais […] – consentido pelo art. 566/3 do CC – desempenha uma função meramente complementar e acessória, representando um instrumento para suprir possíveis insuficiências probatórias relativamente a um dano, inquestionavelmente sofrido pelo lesado, mas relativamente indeterminado quanto ao seu exacto montante - pressupondo que o «núcleo essencial» do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado, não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário «salto no desconhecido», dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados.
4\ Neste caso, - ocorrendo uma essencial indefinição acerca dos montantes pecuniários […] - considera-se que não é adequado o apelo à equidade, devendo antes proferir-se condenação genérica, ao abrigo do preceituado no art. 661/2 [hoje 609/2] do CPC, por não haver elementos factuais suficientemente consistentes para quantificar a indemnização devida, sem prejuízo de se manter a condenação do réu na parte líquida do pedido.
No caso dos autos, não se vê que não seja possível, se necessário com o recurso a uma perícia (art. 360/4 do CPC), apurar quais foram os preços a que a pêra rocha foi, em geral, vendida em 2019, relativamente a que calibres e em que proporção e qual a percentagem de refugo, tudo em relação a produções com as características das da autora.
Pelo que, estando transitada em julgado a condenação da ré numa indemnização, pois que só se discute se ela deve ser ilíquida ou líquida, considera-se como correcta a consideração de que ainda será possível apurar aqueles elementos necessários à fixação da indemnização que não se revele uma simples arbitrariedade, não devendo, por isso, ser fixada já com recurso à equidade.
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Parte já líquida da dívida
A autora diz que:
5\ A ré confessa que – pelo menos - o valor da pêra da autora era de 54.544,15€ (facto G).
6\ Nos termos do disposto no art. 609/2 do CPC “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”. Ora o tribunal a quo aplicou erroneamente esta norma, ao não condenar desde logo a ré a pagar à autora o valor descrito na conclusão 7.
7\ Tendo a ré confessado que a pêra que recebera da autora valia [pelo menos, diz a autora] 54.544,15€, mais IVA, do que já tinha pago 25.000€ mais IVA, então a sentença ré, na aplicação do art. 609/2 do CPC, tendo entendido que o valor a indemnizar a autora teria de ser apurado em liquidação de sentença, deveria ter condenado desde logo a ré a pagar à autora os 29.544,15€, mais IVA, da diferença entre o que já fora pago e o que faltava pagar. Este valor mínimo está provado e consta do facto G. E o resto do valor a indemnizar seria então apurado em execução de sentença.
A ré contrapõe a isto o seguinte:
4\ A condenação da ré conforme pretendido pela autora no pagamento imediato do montante de 29.544,15€, não se impunha ao tribunal a quo, pois tal montante corresponde à diferença não paga do valor da totalidade da pêra, no montante de 54.544,15€, e nunca aceite pela autora. Entendemos que, não se pode pretender a condenação da ré na sentença no referido montante pois não se refere à quantificação de uma parte concreta dos danos, mas à quantificação da totalidade da produção da pêra. Ao decidir como pretende a autora, pergunta-se em concreto quais os danos incluídos neste montante, e quais os danos que ainda faltará liquidar. Em concreto, quais as pêras que tinham o mencionado valor, e quais as pêras que ainda faltará valorizar.
Apreciação:
Como diz a autora, o art. 609/2 do CPC, impõe que o tribunal condene logo os devedores na parte do crédito que já seja líquida.
A autora forneceu à ré 280.221kg de pêra (facto B) e a ré reconheceu que a pêra tinha pelo menos o valor de 54.544,15€ (facto G) [que não tem o iva incluído, como resulta do teor do facto e do artigo 118 da contestação da ré]. Apesar disso, a ré só procedeu ao pagamento, a título de adiantamento, de 25.000€ com iva incluído (facto H), estando, pois, em dívida de 29.544,15€ mais iva. Aquele valor (54.544,15€) é líquido – é-o mesmo antes da acção -, já que é uma quantia certa em dinheiro, representando o mínimo denominador comum entre as posições da autora e da ré.
Não consta dos factos provados que autora se tenha recusado a receber a diferença (dos 25.000€ para os 54.544,15€), tal como que tenha recusado receber os 25.000€. Só a diferença entre os 54.544,15€ e os 91.959,24€ é que está em disputa e representa os prejuízos da autora, independentemente da construção jurídica que esta tenha feito e só esse valor é que é ilíquido.
Logo, o tribunal devia ter condenado a ré nos 29.544,15€, mais o IVA respectivo, em dívida.
A pergunta colocada pela ré tem resposta simples: a liquidação dos danos deve fazer-se entre os valores de 54.544,15€ e os 91.959,24€, ou seja, entre os limites de 0€ e 37.415,09€.
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Juros
A autora diz que:
14\ Certamente por lapso, o tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de pagamento de juros vencidos e vincendos a partir da data da citação e a ser suportado pela ré, violando o disposto no art. 608/2 do CPC, pelo que deverá a sentença ser alterada em ordem a pronunciar-se sobre tal pedido.
15\ O tribunal a quo violou o disposto no art. 609/2 do CPC, dado que os autos continham todos os elementos necessários para fixar o quantum da indemnização em que a ré devia ser condenada para compensar a autora dos prejuízos que a sua conduta culposa lhe causou.
A ré contrapõe a isto o seguinte:
10\ Quanto aos juros moratórios reclamados, a questão é simples e basta atentar no seguinte, o tribunal a quo decidiu que não tinha elementos para liquidar o valor dos danos causados. Ora, dispõe o artigo 805/3 do CC que se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor. De onde se conclui que, e uma vez que o crédito é ilíquido, e essa iliquidez não é imputável à ré, não há mora enquanto o crédito não se tornar líquido. De onde, não poderia o tribunal a quo condenar a ré no pagamento de juros de mora conforme pretendido pela autora, sob pena de flagrante violação do disposto no artigo 805/3 do CC.
Apreciação:
A autora pediu juros à taxa legal.
A ré entende que não os tem de pagar porque o valor em dívida ainda não está liquidado, sem culpa sua (art. 805/3 do CC).
Mas já se viu acima que há um crédito líquido (29.544,15€, mais o IVA respectivo), e há um crédito ilíquido (indeterminado entre 0€ e 37.415,09€).
Quanto ao crédito líquido são devidos juros desde a citação (porque esse valor já era líquido e a citação representa a interpelação para o pagamento: artigos 805/1 do CC e 610/2-b do CPC) e a ré não invoca nenhuma razão para não o ter pago antes.
Juros que são os juros comerciais legais do §5 do art. 102 do Código Comercial (artigos 102.º corpo e §3º e 2.º ambos do Código Comercial, Portaria 277/2013, de 26/08, e DL 62/2013, de 10/05) visto que esta divida emerge de uma transacção comercial.
Quanto ao crédito ilíquido só serão devidos juros a partir da data da liquidação (e não do trânsito – por exemplo, ac. do STJ de 01/06/2004, proc. 04A1526: […] Se a obrigação é ilíquida, por não estar ainda apurado o montante da prestação, também a mora não se verifica, por não haver culpa do devedor no atraso do cumprimento. Em situação de iliquidez, os juros moratórios são devidos apenas desde a data da sentença em 1ª instância.”) e os juros são civis (porque a dívida emerge de responsabilidade civil: art. 483 do CC).
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, alterando-se para o seguinte: condena-se a ré a pagar à autora (i) 29.544,15€, mais o IVA respectivo, com juros de mora à taxa legal comercial (do §5 do art. 102 do CCom) vencidos desde 02/07/2020 e vincendos até integral pagamento e ainda (ii) a quantia que se vier a liquidar, com o limite máximo de 37.415,09€ referente ao valor dos prejuízos causados pela venda de parte da produção a FPV sem calibração (75.005,11 kg), por ter considerado como refugo sem qualquer discriminação das concretas quantidades e motivos (73.908 kg) e desvalorização da restante produção por não proceder à calibragem de 5mm em 5mm, nesta parte com juros de mora civis vincendos a partir da decisão que os liquidar.
Custas, na vertente de custas de parte, do recurso pela autora em 55,48% e pela ré em 44,12%

Lisboa, 10/04/2025
Pedro Martins
Higina Castelo
Paulo Fernandes da Silva