INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
LAPSO DE ESCRITA
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
Sumário

Sendo invocado erro na identificação de contas bancárias mencionadas em transação homologada no incidente de reclamação da relação de bens, o poder jurisdicional do tribunal não pode afirmar-se esgotado, competindo apreciar antes de mais a existência de um erro rectificável.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Nos autos de inventário para partilha de acervo hereditário de AA e de BB, em que são interessadas as filhas do casal CC, cabeça de casal, e DD, foi proferido o seguinte despacho:
“Compulsados os autos, constata-se que:
- Os presentes autos de inventário foram apresentados tendo em vista a partilha do acervo hereditário por óbito de AA (falecida em .../.../2012) e BB (falecido em .../.../2013), pelas suas duas filhas: a cabeça-de-casal EE e a interessada DD.
- Por requerimento de 05/12/2017, a Cabeça-de-Casal apresentou uma relação de bens por óbito dos inventariados, composta, resumidamente, por saldos bancários, bens móveis (mobiliário, electrodomésticos e dois veículos automóveis) e bens imóveis;
- Por requerimento de 16/01/2018, a interessada DD veio reclamar da relação de bens apresentada;
- Após outras vicissitudes processuais, por despacho de 13/06/2021, foi determinado:
“[…] Quanto aos certificados de aforro, os mesmos, ainda que tenham sido doados em vida do inventariado, como refere a cabeça de casal, têm de ser relacionados […].
Assim, consigna-se, desde já, que os certificados de aforro deverão ser relacionados.
O mesmo se diga quanto à garagem sita no Feijó. Tal bem, se doado em vida, deverá ser relacionado.
No entanto, quanto à omissão de dívidas (ponto 3), importa consignar, desde já, que não devem ser indicadas como dívidas da herança as dívidas dos Interessados. Com efeito, as dívidas da herança são isso mesmo: dívidas que a herança tem perante alguém, sejam herdeiros, sejam outros sujeitos. Portanto dívidas de herdeiros não são dívidas da herança.
Quanto aos acórdãos citados pela Interessada DD, a sua citação é impertinente, porquanto os mesmos nada têm que ver com o inventário para fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens (artigo 1082.º-a) do Código de Processo Civil). Uns nada têm que ver com o processo de inventário; outros referem-se a dívidas entre ex-cônjuges em processo de inventário para partilha de bens comuns do casal (artigo 1082.º-d) do Código de Processo Civil).
[…]
*
Para a realização de julgamento no incidente de reclamação da relação de bens, determino o dia 29-11-2021, pelas 14:00 e não antes por indisponibilidade de agenda do Tribunal.” [negritos e sublinhados nossos]1
- Após alteração da data inicialmente fixada, a diligência agendada viria a realizar-se no dia 24/01/2022.
- Nessa data, a Cabeça-de-Casal e a interessada DD declararam “que pretendem pôr termo ao presente litígio mediante a seguinte:
TRANSAÇÃO
I.I) Como compensação das verbas da herança levantadas pela cabeça de casal, são adjudicados à interessada DD os valores em depósito na Caixa Geral de Depósitos constituídos, um pela conta corrente a prazo número ...000 com o valor de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros).
I.II) Mais terá direito a ser compensada a identificada interessada pelo mesmo saldo da conta à ordem cujo montante nesta data ronda mais de €10.000,00 (dez mil euros).
I.III) Pela mesma razão é ainda adjudicada à mesma interessada os certificados de aforro com os números ..., que em 26-05-2021 ostentava o valor de €12.307,66 (doze mil, trezentos e sete euros e sessenta e seis cêntimos) e número ..., que na mesma data ostentava o valor de €10.476,71 (dez mil, quatrocentos e setenta e seis euros e setenta e um cêntimo).
I.IV) A interessada DD vincula-se a pedir no prazo de 8 dias a contar desta data o pedido de desistência da instância da ação da prestação de contas, que recentemente instaurou contra a cabeça de casal CC, assim prescindindo das rendas recebidas até janeiro de 2022 inclusivé.
I.V) Ambas as partes prescindem desde já do prazo de interposição de recurso referente à matéria supra.
II.I) O projecto para evitar dúvidas que surgem entre as partes, será sorteado um dos projectos de partilhas que após isso e também por sorteio, ditará a partilha que foi aprovada.
II.II) Acerca dos bens móveis e imóveis constantes da relação de bens, as interessadas, conjuntamente com os respectivos mandatários, elaborarão cada uma delas um projecto de partilhas, que posteriormente remeterão à outra por e-mail.
II.III) O sorteio que se seguirá vinculará ambas as partes e disso darão conhecimento ao tribunal no prazo de 90 dias a contar de hoje” [negritos e sublinhados nossos]
- Foi proferida sentença homologatória da transacção obtida.
Desde esse momento processual, deram entrada neste Tribunal um total de 10 requerimentos, nenhum deles com o projecto de partilhas que as partes se comprometeram a elaborar e sortear.
O processo de inventário é um processo de natureza especial que comporta várias fases distintas.
A primeira dessas fases é uma fase de articulados (cfr. artigos 1097.º a 1104.º do Código de Processo Civil), seguida de uma fase instrutória (cfr. artigo 1105.º, n.º 1 a 3, do Código de Processo Civil), que culmina com um despacho de saneamento do processo em que o Juiz resolve todas as questões susceptíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar (cfr. artigo 1110.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil).
Após, seguem-se as fases relativas à forma da partilha (cfr. artigo 1110.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil) e à distribuição dos bens a partilhar pelos interessados, que culmina com o mapa de partilha e respectiva sentença homologatória (cfr. artigos 1111.º a 1117.º e 1120.º a 1122.º, todos do Código de Processo Civil).
Reportando-nos ao caso dos autos, a “transacção” obtida pelas partes foi alcançada na fase de instrução no âmbito do incidente de reclamação sobre a relação de bens, mas vai além desse incidente, abrangendo também a distribuição dos bens a partilhar pelas interessadas.
Assim, a transacção obtida pelas interessadas, enquanto contrato vinculativo para ambas (cfr. artigo 1248.º do Código Civil), visou pôr fim aos autos na sua totalidade e não apenas ao incidente de reclamação sobre a relação de bens, conforme resulta da redacção da acta da diligência realizada.
Nos termos do disposto no artigo 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, com a prolação de sentença esgota-se o poder jurisdicional sobre a relação controvertida, até porque as partes passam a estar munidas de um título executivo (cfr. artigo 703.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil).
Se alguma das partes não cumpre o acordado, então caberá à outra instaurar a respectiva execução (seja para pagamento de quantia certa, para prestação de facto e/ou para entrega de coisa certa).
Se alguma das partes considera verificar-se alguma dúvida interpretativa e/ou invalidade do contrato celebrado entre ambas, então caber-lhe-á instaurar a respectiva acção declarativa visando essa declaração por parte do Tribunal competente.
Em qualquer dos casos, relativamente aos presentes autos, esgotado que está o poder jurisdicional sobre o mérito da causa, nada mais há a ordenar, ficando na disponibilidade das partes interessadas pôr efectivo fim ao litígio entre ambas ou continuar a prolongá-lo no tempo.
Pelo exposto, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional, indefere-se tudo o requerido desde a prolação da sentença homologatória.
Remetam-se os autos à conta, se a ela houver lugar, e, oportunamente, proceda-se ao arquivamento dos mesmos”.
*
Inconformada a interessada DD interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
“6.1. Aceita-se que a 1.ª parte da transação, respeitante à partilha dos valores monetários – partes I.I a I.V - desse acordo, tenha transitado em julgado.
6.2. O mesmo não se diga no que tange à partilha dos bens móveis e imóveis – II.I a II.III do acordo – porquanto, sobre o mesmo recaiu uma homologação condicional, ou seja,
6.3. O trânsito em julgado desse acordo, só podia ocorrer, 30 dias após a junção aos autos, pelas partes, do acordo a que chegassem, particularmente.
6.4. Acordo esse que não foi alcançado e por isso não consta dos autos.
6.5. Encontrando-se por isso o processo pronto para prosseguir nos seus ulteriores termos, de harmonia com o estatuído no art.º 628.º do NCPC (a contrario).
6.6. Posição esta que retomaremos mais à frente.
6.7. Retomando a parte do Douto Despacho/Sentença, que transitou em julgado, respeitante à partilha dos valores monetários,
6.8. A interessada DD está impedida de proceder à movimentação dos valores em depósito na Caixa Geral de depósitos de cerca de 56.000,00 € e cerca de 10.00,00 €,
6.9. porquanto a cabeça de casal, ao relacionar as respetivas verbas – 5 e 6 - cometeu um erro de escrita.
6.10. O que levou esta instituição de crédito a não a deixar movimentar tais montantes à ora Apelante.
6.11. O que só seria alcançável se a cabeça de casal, escrevesse ou se deslocasse a qualquer dependência de tal instituição de crédito, conjuntamente com sua irmã, sendo-lhe de imediato entregue aqueles montantes.
6.12. O que a cabeça de casal se recusa, obstinadamente, como sempre, a fazer, sem qualquer justificação para assim proceder.
6.13. Colocando sua irmã numa impossibilidade de agir e sem saber a quem recorrer, exceto ao Tribunal.
6.14. Tendo-o feito através do identificado requerimento junto aos autos.
6.15. Requerimento esse que ali jazeu durante seis meses, sem qualquer apreciação ou decisão.
6.16. Vindo a Interessada, DD, confrontar-se com o Despacho/Sentença, sob recurso, que indeferiu, sem fundamento válido, todos os requerimentos feitos pelas partes.
6.17. O art.º 614.º do NCPC em articulação do art.º 249.º do C. Civil, permitem que ao Tribunal seja pedida correção de erro de escrita, mesmo após esgotado o poder jurisdicional nos termos do art.º 613.º daquele diploma legal.
6.18. Ao invés, as partes foram enviadas para outros tribunais, para, através de ações executivas ou declarativas – que nem sequer são identificadas – resolverem o desiderato, que apenas ao Tribunal “a quo”, cumpre apreciar e decidir.
6.19. Corrigindo oficiosamente o erro de escrita cometido pela cabeça de casal e comunicando tal correção à Caixa geral de Depósitos.
6.20. Ou convidando a cabeça de casal a apresentar nova relação de bens corrigida e de seguida, proceder, como recomendado no número antecedente.
6.21. Nos termos do art.º 1100, n.º 1; 1110.º n.º 1; 1122.º n.º 1; 6.º, n.º 1 e 7.º todos do NCPC, o juiz deve, antes de decidir, pugnar pela correção de erros de escrita, ou de outros, acaso constem dos autos.
6.22. Acresce que quem deu causa a este recurso, por se recusar a corrigir junto da C. G. de Depósitos o erro de escrita por si cometido, foi a ora Apelada.
6.23. Ao recusar-se a consumar a partilha dos bens móveis e imóveis com o argumento de que a garagem sita no Feijó é um bem pessoal (dela) e não um bem comum,
6.24. Porquanto por documento por si subscrito enviado a sua irmã, a interessada DD e por documento enviado ao signatário destas alegações e conclusões,
6.25. Confessa, entre muitas outras coisas que… «os meus pais colocaram-me como única proprietária de um bem por eles adquirido quando eu não tinha mais de vinte anos». (negrito nosso).
6.26. No mesmo sentido desta confissão e com base, certamente, em tais documentos escreveu-se, entre outras coisas no Douto Despacho de 13. 06. 2021
«Assim consigna-se desde já que os certificados de aforro deverão ser relacionados. O mesmo se diga quanto à garagem do Feijó. Tal bem, se doado em vida, deverá ser relacionado».
6.28. Perante o exposto, quando o Tribunal “a quo” pretende enviar as partes para outros tribunais, para, através de ações declarativas ou executivas, solver a demanda, além de ilegal, tal decisão premeia, mais uma vez, a infratora.
Cumpre perguntar(?)
6.29. Quem, melhor do que a Meritíssima Juiz da Causa, está em condições de corrigir, ou mandar corrigir com celeridade um erro de escrita cometido pela cabeça de casal?
6.30. Ninguém.
6.31. Atento que a segunda parte do Despacho/Sentença, não transitou em julgado, nos termos do art.º 628.º do NCPC (a contrario), quem, melhor do que a Meritíssima Juiz da causa, está em melhores condições de pôr termo à demanda com celeridade e economia de meios?
6.32. Ninguém.
Nestes Termos
Deve O Douto Despacho/Sentença da primeira instância ser revogado, obrigando-se tal Tribunal a solver as questões que lhe respeitam e a pôr termo ao litígio, (…)”.
*
Contra-alegou a recorrida, formulando a final as seguintes conclusões:
I. A Interessada/Recorrente interpôs recurso do despacho de fls…, de 21.03.2023, que se, sob a égide de considerar esgotado o seu poder jurisdicional, absteve-se de apreciar os requerimentos apresentados pelas partes após a celebração de transação e prolação da respectiva sentença homologatória.
II. Salvo melhor opinião, trata-se de um despacho de mero expediente, logo irrecorrível, nos termos do disposto no art. 152º, nº 4 e art. 630º, ambos do CPC.
III. Pelo que, em consequência, deve o recurso interposto pela Interessada ser indeferido, por legalmente inadmissível, cfr. art. 641º, nº 2, al. a) do CPC.
IV. Caso assim não se entenda, o recurso interposto pela Interessada deve ainda ser rejeitado, por manifesta ininteligibilidade.
V. Isto porque a Interessada/Recorrente reclama pela revogação do despacho recorrido, obrigando-se o Tribunal (a quo) a solver as questões que lhe respeitem e a pôr termo ao litígio, sic.
VI. Mas, das suas alegações de recurso, e das respectivas conclusões, o que a Interessada/Recorrente invoca e sintetiza é a repetição dos argumentos patentes nos requerimentos apresentados por esta.
VII. Não aponta a Interessada/Recorrente qualquer vício ao despacho recorrido, nem invoca quaisquer fundamentos e/ou argumentos que permitam alterar a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
VIII. A Interessada/Recorrente insurge-se contra o despacho recorrido, mas das suas alegações, e respectivas conclusões, não se alcança a razão de ser de discordância com o despacho recorrido, que, repita-se, não apreciou os pedidos apresentados por qualquer uma das partes.
IX. Por outro lado, a Interessada/Recorrente centra-se no trânsito em julgado da sentença homologatória proferida pelo Tribunal a quo no dia 24.01.2022.
X. Mas, o Tribunal a quo, no despacho sub judice, limitou-se a abstenção de pronúncia, por se encontrar esgotado o seu poder jurisdicional, com a prolação da sentença, ao abrigo do nº 1 do art. 613º do CPC, o qual pressupõe tal esgotamento com a prolação da sentença, e não com o trânsito em julgado da sentença.
XI. Sendo certo que é indubitável que a sentença proferida pelo Tribunal a quo em 24.01.2022 transitou em julgado, e no seu todo e não apenas parcialmente, muito menos apenas quanto ao que a Recorrente lhe interessa que tenha transitado.
XII. A Interessada/Recorrente confunde trânsito em julgado com (in)cumprimento.
XIII. Não é pelo facto de uma decisão não ser cumprida que não transita em julgado, cfr. art. 628º do CPC.
XIV. Não obstante, uma vez mais, repudia-se veementemente as (constantes e repetidas) afirmações e considerações, além de falsas, manifestamente injuriosas dirigidas à Recorrida.
XV. A Recorrida não se recusa a rigorosamente nada e muito menos à concretização da partilha, nos termos constantes da transacção do dia 24.01.2022, pelo contrário.
XVI. Atribuir à Recorrida a responsabilidade de um recurso, contra um despacho do Tribunal a quo é, no mínimo, inédito.
XVII. Assim, porque a Interessada/Recorrente não cumpre com o disposto no art. 639º do CPC, porque a Recorrente não indica, concretamente e especificamente, quaisquer fundamentos da censura que o despacho recorrido merece, por considerar esgotado o seu poder jurisdicional, e por isso, não apreciar os requerimentos apresentados pelas partes, porque a Recorrente não especifica que preceito(s) violou o Tribunal a quo, por erro de interpretação, ter-se-ão que considerar as alegações, e as respectivas conclusões, que, delimitam o objecto do recurso, ininteligíveis, e, como tal, não podem ser consideradas.
XVIII. O que equivale a inexistência de alegações e conclusões, e, consequente, falta de motivação, pelo que há que rejeitar o recurso interposto, nos termos e para os efeitos legais, o que se requer.
XIX. Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, face ao pedido formulado pela Interessada/Recorrente, “Deve o douto Despacho/Sentença da primeira instância ser revogado, obrigando-se tal Tribunal a solver as questões que lhe respeitam e a pôr termo ao litígio, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”, é absolutamente irrelevante, nesta sede, esgrimir os argumentos quanto às posições manifestadas pelas partes,
XX. Pois o que a Interessada/Recorrente peticiona não é a apreciação, por este Colendo Tribunal das questões pelas partes suscitadas, mas que seja ordenado ao Tribunal a quo apreciá-las.
XXI. Pelo que, também por esta via, as alegações de recurso, e consequentes conclusões, são manifestamente irrelevantes, e manifestamente improcedentes, face ao pedido, o que, impõe, também por esta via, a rejeição e não conhecimento do recurso interposto.
XXII. Não obstante, novamente, caso assim não se entenda, e na eventualidade de V. Exas., Venerandos Desembargadores, considerarem que, além de ser de admitir e conhecer do recurso interposto, poderão chamar a si mesmos o conhecimento das questões suscitadas, a verdade é que não assiste razão à Interessada/Recorrente.
XXIII. No dia 24.01.2022 as partes manifestaram a vontade e propósito de colocar termo ao litígio, nos termos da transacção que ficou a constar da correspondente acta.
XXIV. Não obstante, verificando-se a intransigente e injustificada vontade da Interessada/Recorrente em incluir no acervo hereditário a partilhar, a garagem sita no Feijó-Almada, solicitou a Recorrida, ao abrigo do princípio da cooperação, a intervenção do Tribunal a quo, no sentido de clarificar a questão, de forma a ultrapassar-se o desacordo das partes.
XXV. Embora o Tribunal a quo nada tenha esclarecido expressamente, escudando-se no esgotamento do seu poder jurisdicional, na verdade crê-se que, na explanação aduzida contribui para a dissipação de quaisquer dúvidas.
XXVI. É indubitável que precisamente por força da transacção celebrada entre as partes, no dia 24.01.2022, ficaram definitivamente arredadas as questões que constituíam os themas decidendum do incidente de reclamação à relação de bens, tendo assim as partes, voluntariamente, afastado a apreciação e decisão pelo Tribunal a quo nesse domínio, concretamente quanto à inclusão ou não da garagem como bem a partilhar,
XXVII. Pois que as partes, nos termos da transacção, restringiram assim a partilha aos bens patentes na relação de bens apresentada, e ainda ao que expressamente ficou a constar da referida transacção,
XXVIII. Tendo assim assumido que a dita garagem sito no Feijó-Almada, não faz parte do acervo hereditário (como nem poderia, uma vez que se trata de um bem próprio da Cabeça-de-Casal, conforme escritura de compra e venda, certidão predial e caderneta predial junta aos autos.
XXIX. A assim não se entender, o que por mera hipótese académica se equaciona, na realidade as partes não teriam efectivamente colocado termo ao litígio mediante transacção.
XXX. E pretender incluir tal bem na partilha constituiria uma subversão das suas vontades, e da sua liberdade, expressa na transacção e respectivos termos,
XXXI. Pois que, em parte alguma da transacção consta a inclusão da garagem sito no Feijó-Almada, como bem a partilhar,
XXXII. Inversamente ao que as partes vieram expressamente a determinar quanto a saldos bancários e certificados de aforro.
XXXIII. Sem conceder, em momento algum a Cabeça-de-Casal confessou ou assumiu que a garagem em causa era bem comum, fez antes uma proposta, uma vez mais, no sentido de resolver as partilhas, (à qual não obteve qualquer resposta) em momento anterior (ao seu conhecimento) da instauração do presente processo, ainda no Cartório Notarial,
XXXIV. Pois que, contrariamente ao que a Interessada/Recorrente indica, mas como expressamente resulta – o dito e-mail data de 3.09.2017 e o presente processo, instaurado pela Interessada, deu entrada ainda no Cartório Notarial, no dia 09.08.2017, do qual a Recorrida apenas foi citada por comunicação datada de 29.09.2017.
XXXV. Pelo que é evidente que tal comunicação foi enviada antes da Recorrida ter sequer conhecimento do processo de inventário entretanto instaurado pela Interessada, e muito antes de ter apresentado qualquer relação de bens.
XXXVI. Sem prejuízo, de forma alguma se está perante qualquer confissão.
XXXVII. O despacho de fls…, de 13.06.2021, é bastante explícito, haveria que relacionar a garagem, caso se tratasse de um bem comum.
XXXVIII. Mas, além de tal bem ser próprio da Recorrida e não integrante do acervo hereditário em causa, novamente como já alegado, as partes afastaram qualquer apreciação por parte do Tribunal a quo quanto à reclamação à relação de bens e respectiva resposta, nomeadamente quanto à inclusão da garagem como bem comum, como pretendido pela interessada/Recorrente e patente na sua reclamação à relação de bens,
XXXIX. E mantiveram as partes esse bem afastado, voluntaria e expressamente, do acervo hereditário e da partilha a realizar, nos termos da transacção que celebraram no dia 24.01.2022.
XL. No que diz respeito ao levantamento dos valores, importa atentar que os obstáculos, injustificados e infundados, diga-se, estão a ser levantados pela instituição bancária em causa, CGD, SA, ao que a Recorrida é absolutamente alheia e para o que nada contribuiu.
XLI. Pelo que, a haver apreciação das pretensões das partes, apresentadas após a transacção alcançada em 24.01.2022, ter-se-á que concluir que a partilha a realizar contempla exclusivamente os bens constantes da relação de bens apresentada.
XLII. Assim, em função do exposto, a ser admitido e conhecido o recurso interposto, deve o mesmo ser julgado improcedente, o que se requer, tudo com as legais consequências”.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - a questão a decidir é a de saber se se mostra esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto às questões qua recorrente lhe colocou.
*
III. Matéria de facto
A constante do relatório que antecede.
Mais se consigna que na relação de bens apresentada pela cabeça de casal não foi relacionada a garagem sita no Feijó.
Na reclamação à relação de bens, a interessada DD invocou, sob o ponto “2.8 Deverá também ser relacionada uma garagem sita em local que se desconhece, na freguesia do Feijó, que foi comprada por seu pai que, por razões de poupança de impostos, titulou este imóvel apenas em nome da cabeça de casal”; “2.9 Mas sempre alertando, enquanto vivo, que tal bem era de ambas e não apenas da cabeça de casal, o que esta sempre reconheceu, exceto desde o óbito dos pais, embora com intermitências, como se alcança dos documentos juntos sob os nº 4 e 5”; “2.10. O doc. nº 4 consubstancia uma relação de bens a partilhar, da autoria da cabeça de casal, que posteriormente enviou à Reclamante, onde ela própria considerar tal garagem um bem da herança”; “2.11 O doc. nº 5 corporiza uma carta enviada pela cabeça de casal ao signatário desta reclamação, após ter rompido o contrato de prestação de serviços com a sua ilustre mandatária, onde, entre outras coisas, declara que a garagem é um bem da herança”; “2.12 Ou seja, é a própria cabeça de casal que reconhece por escrito tratar-se de um bem da herança, desconhecendo ela, como escreve, porque é que seu pai titulou tal imóvel em seu nome”.
Respondeu a cabeça de casal:
“(…) No que respeita à Garagem, desconhece-se e reporta-se como falso o disposto em 2.8. e 2.9. da petição de Reclamação. (…) Como sempre o disse, abertamente em qualquer comunicação à Reclamante, a Reclamada reporta tal bem imóvel como bem próprio. (…) Sem prejuízo, a verdade é que também reconhece, e reconhecerá, para evitar atritos e facilitar a partilha, que a Reclamante tem o direito a ser compensada pela meação do valor da avaliação que for atribuída ao referido bem imóvel. Sem conceder, (…)Por mera hipótese académica, poderia, uma vez mais, recair a presente situação sobre o regime das liberalidades em vida, sendo que, (…) Para efeitos do disposto nos arts. 2168º e ss. do Código Civil, a mesma só se teria por inoficiosa, caso e se ofendesse a legítima da Reclamante. (…) Uma vez mais, repita-se, verifica-se que o acervo hereditário é extenso e tem valor suficiente para fazer face à eventual compensação que se tivesse que operar. Mas a verdade é que, (…) A ora Reclamante nunca alegou tal inoficiosidade, e, mais gravemente, (…) Não junta qualquer prova do por si alegado, seja em sede dos já acima referidos certificados de aforro, seja em sede da garagem.
(…) Termos em que deve a presente reclamação parcialmente deferida, no que respeita à descrição das verbas nºs 1 a 4, indeferindo-se o restante, por não provada.
Sem conceder, os bens objecto da reclamação não deverão ser relacionados, nos termos legais”.
O tribunal proferiu em 13.6.2021, despacho do seguinte teor:
“Foram os presentes autos de processo de inventário notarial remetidos do Cartório Notarial da Senhora Notária, (…), na sequência de despacho da mesma que ordenou a sua remessa para o presente Tribunal, nos termos do artigo 12.º-b) da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, proferido no dia 20-01-2020, na sequência de requerimento nesse sentido apresentado pela interessada DD. Ao presente processo aplicar-se-á o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil. Consigna-se que o presente processo se encontra em fase de incidente de reclamação da relação de bens. Resumamos brevemente o tramitado no âmbito de tal incidente junto do cartório notarial, a fim de se decidir a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial. A cabeça de casal apresentou requerimento com relação de bens, onde apresentou 105 verbas; sistematizando e resumindo: (…) 2. Bens imóveis 2.1. (…) 2.2. Sitos no município de Almada (verbas 104 e 105) (…) Sobre este requerimento, recaiu o despacho da Senhora Notária, de 22-12-2017, pelo qual se determinou a notificação da interessada, além do mais, para, querendo, reclamar da relação de bens. Nesta sequência, veio a interessada e requerente DD apresentar reclamação de bens. Sistematizando e resumindo, invoca: 1. Inexatidão de valores das contas bancárias (verbas 1 a 4). 2. Omissão de bens (…) 2.3. Garagem sita no Feijó (…). Após, veio a cabeça de casal responder a esta reclamação da relação de bens. Em resposta à questão da inexatidão de valores das contas bancárias (ponto 1 supra), (…) Quanto à garagem (ponto 2.3. supra), a reclamada entende ser tal bem um bem próprio. Após a resposta à reclamação de bens, vem a interessada e requerente DD apresentar resposta a esta resposta.
Feito este resumo, importa consignar e determinar o seguinte.
(…) Face ao exposto, o Tribunal apenas considerará para efeitos do incidente de reclamação da relação de bens o articulado da interessada DD e a resposta da cabeça de casal CC, bem como os documentos juntos com tais articulados e outros protestados juntar nesses e só nesses articulados. O demais não será admitido.
Quanto ao conteúdo dos articulados das partes. Quanto aos certificados de aforro, os mesmos, ainda que tenham sido doados em vida do inventariado, como refere a cabeça de casal, têm de ser relacionados, pela razão explicada no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14-06-2018, relatado por EUGÉNIA CUNHA, proc. n.º 156/07.1TBMDR.G1 e que se passa a citar: «não obstante as coisas doadas não integrarem o acervo hereditário devem, no processo de inventário, havendo herdeiros legitimários, ser objeto de relacionação, com o objetivo de lhes ser fixada a natureza, qualidades e valor, para efeitos de cálculo das legítimas e com vista à sua integralidade, com eventual redução, por inoficiosidade, ou à mera igualação da partilha». Assim, consigna-se, desde já, que os certificados de aforro deverão ser relacionados. O mesmo se diga quanto à garagem sita no Feijó. Tal bem, se doado em vida, deverá ser relacionado. (…)
Para a realização de julgamento no incidente de reclamação da relação de bens, determino o dia 29-11-2021, pelas 14:00 e não antes por indisponibilidade de agenda do Tribunal.
Em 24.1.2022, conforme consta da “ATA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS”, estando presentes as partes e seus il. mandatários e as testemunhas da requerente DD:
“No início da audiência dada a palavra aos ilustres mandatários da requerente e da cabeça de casal, no uso da mesma declararam que pretendem por termo ao presente litígio mediante a seguinte:
TRANSAÇÃO
(…)
Remetemos para o teor que já consta supra do relatório, tendo seguidamente o Mmº Juiz proferido sentença do seguinte teor:
“Atendendo à legitimidade das partes e à disponibilidade do objeto do litígio, julgo válida a presente transação que, consequentemente homologo, condenando e absolvendo as partes nos seus precisos termos, ao abrigo dos artigos 283.º n.º 2, 284.º, 287.º, 289.º n.º 1 a contrario sensu e 290.º, todos do CPC.
Custas em partes iguais - artigo 537.º n.º 2 do CPC”.
Mais consta da referida acta que “Quando eram 12:19 horas foi pelo Mmº Juiz declarada encerrada a presente audiência”.
Consigna-se ainda em termos de factos que interessam à decisão do presente recurso, o teor dos requerimentos referidos no despacho recorrido e que o tribunal entendeu não apreciar por esgotamento do seu poder jurisdicional:
“DD, interessada no processo de inventário com o número de processo à margem indicado, em que é cabeça de casal, sua irmã, CC, ambas com os sinais dos autos, vem expor, para requerer a V Exa, o seguinte:
1. No dia 24.01.2022, data marcada para audiência de julgamento, para apurar quais os bens que deveriam constar da relação de bens, as partes conseguiram um acordo parcial.
2. Acordo total no que tange aos valores monetários.
3. O mesmo não tendo sido possível, no que tange aos restantes bens móveis e imóveis, que compõem a respetiva relação de bens dos autos.
4. Relativamente a estes ficou consignado na respetiva ata, o seguinte:
«II.I). Acerca dos bens móveis e imóveis constantes da relação de bens, as interessadas, conjuntamente com os respetivos mandatários, elaborarão, cada uma delas, um projeto de partilhas, que posteriormente remeterão à outra parte por e-mail.
II.I). O projeto, para evitar dúvidas que surjam entre as partes, será sorteado um dos projetos de partilhas, que após isso e também por sorteio, ditará a partilha que foi aprovada.
II.II). O sorteio que se seguirá, vinculará ambas as partes e disso darão conhecimento ao Tribunal no prazo de 90 dias a contar de hoje».
5. A CC, CC, mudou, daí para cá, duas vezes de advogado.
6. O que tem tornado difícil o diálogo entre mandatários, diálogo esse que entre as partes, pura e simplesmente, inexiste.
7. Todavia, ambas as partes apresentaram o seu projeto.
8. O da autoria da interessada DD, não foi objeto de qualquer crítica por parte da CC, ou de quem a representasse, ou ora represente.
9. O que não sucedeu com a sua proposta, por ser vaga e imprecisa e por não indicar todos os bens que se encontram relacionados, ou reconhecidos como comuns.
10. Daí que, em 22.04.2022, o mandatário da interessada DD, tenha enviado e-mail ao Sr. Dr. FF, que à data representava a CC, mas que também já deixou de a representar, de harmonia com o documento que se junta sob o nº 1 e se dá por inteiramente reproduzido.
11. Nesse documento se apontando, em síntese, as seguintes deficiências de que tal proposta enfermava:
-- Para além da mera indicação dos artigos das respetivas matrizes, deveria indicar o prédio a esse artigo correspondente;
--Omitiu a garagem que é um bem comum, já por várias vezes por si reconhecido, apesar de o pai de ambas, quando comprou tal imóvel, por razões que na altura eram relevantes, o ter colocado apenas em nome da CC;
--Omitiu os recheios existentes nas várias casas da herança;
-- Um prédio urbano foi construído num prédio rústico, sem direito de passagem, convindo que ficassem ambos a pertencer a uma das herdeiras.
12. A tal crítica da parte da interessada DD, nunca obteve qualquer resposta por parte da CC.
13. O que admitimos que se fique a dever às suas constantes mudanças de mandatário.
14. É firme propósito da interessada DD, esclarecer, a muito curto prazo, a falta de cooperação e diálogo, da CC, que se arrasta há vários anos a esta parte.
15. Pensando-se que em benefício próprio, pois vai administrando a herança, não prestando contas de tal administração, usufruindo de duas rendas dos imóveis urbanos e da venda da madeira dos prédios rústicos.
16. Não obstante o que fica exposto, a interessada DD, entende ser útil mais uma iniciativa junto da nova mandatária da CC, cuja identificação, foi transmitida, muito recentemente, ao seu mandatário.
Termos em que,
Requer a V Eva se digne conceder-lhe novo prazo, nunca superior a 45 dias, para tentar, num derradeiro esforço, consumar o prometido acordo com a cabeça de casal, CC”.
A este requerimento a Cabeça de Casal respondeu:
1. Tal como já transmitido directamente ao Il. Mandatário da Interessada, não se pode deixar de lamentar o teor do requerimento apresentado a que ora se responde, uma vez que o mesmo foi remetido sem sequer qualquer tentativa prévia de contacto com a signatária.
2. E mais, inversamente ao ali invocado, a signatária, desde que foi constituída mandatária da Cabeça-de-Casal, no mesmo dia, 18.05.2022, e novamente no dia 25.05.2022, procurou estabelecer contacto com o Distinto Mandatário da Interessada, via correio electrónico, aos quais não obteve qualquer resposta, conforme comprovativos que se anexam.
3. Apesar da Cabeça-de-Casal, tal como qualquer parte, ter a liberdade de livremente mudar de mandatário quando bem lhe aprouver, as circunstâncias que assim ditaram foram absolutamente alheias à Cabeça-de-Casal.
4. Com efeito, o Dr. GG, Il. Advogado, no dia 5 de Março de 2022, sofreu um AVC, que o deixou manifesta, total e lamentavelmente incapacitado, conforme comprovativo que se anexa, forçando assim a Cabeça-de-Casal a procurar novo mandatário, que, in casu, foi o Dr. FF, Il. Advogado.
5. A signatária desconhecia qualquer proposta/projecto de partilha que tivesse sido apresentado pela Interessada,
6. E obviamente não pode, nem irá, pronunciar-se, sobre quaisquer comunicações trocadas entre outros Il. Mandatários, ou a sua ausência, nas quais a signatária não esteve envolvida, nem directa nem indirectamente, uma vez que era, até ao dia 18 de Maio, absolutamente alheia aos presentes autos e à representação da Cabeça-de-Casal.
7. É evidente que inexiste qualquer falta de colaboração e diálogo por banda da Cabeça-de-Casal, repudiando-se veementemente tal imputação, bem como as demais que não têm qualquer substracto fáctico e não correspondem de todo à verdade.
8. Sem prejuízo, já foi estabelecido contacto entre a signatária e o Il. Mandatário da Interessada.
9. E mantém ambas as partes o propósito de darem cumprimento ao acordo alcançado no dia 24.01.2022, sendo que o está em causa, e em falta, é apenas quanto à composição dos quinhões, por referência aos bens móveis e imóveis constantes da relação de bens apresentada, considerando expressamente o teor da transacção obtida.
10. Contudo, face à data recente em que a signatária assumiu o patrocínio da Cabeça-de-Casal e a imperativa indispensabilidade de se inteirar cabalmente do teor dos autos, e assim exercer condignamente o mandato, impõe-se efectivamente a necessidade de prorrogar o prazo patente no acordo de 24.01.2022.
11. Assim, requer-se a V. Exa. se digne admitir a prorrogação do prazo para as partes darem conhecimento aos autos do sorteio realizado para efeitos de partilha, por prazo não inferior a 90 (noventa) dias, sem prejuízo da suspensão decorrente do período de férias judiciais, pedido de suspensão e correspondente prazo ao qual o Il. Mandatário da Interessada já manifestou a sua expressa concordância”.
A prorrogação de prazo foi concedida.
Em 6.10.2022 novo requerimento da cabeça de casal, do seguinte teor:
“1. No dia 24.01.2022 estava designada a audiência de julgamento, por força do incidente de reclamação à relação de bens, do processo de inventário que já tinha sido alvo de sentença pelo tribunal a 26-02-2019, quando ainda se encontrava no cartório notarial da notária HH.
2. A diligência de 24.01.2022 destinava-se à produção de prova, com vista a habilitar V. Exa., a decidir o referido incidente, cfr. despacho de fls…, de 13.06.2021., na sequência da transição do processo de inventário da notária para a alçada do tribunal.
3. O que a Interessada havia invocado em sede de reclamação à relação de bens era a inexatidão dos valores das contas bancárias, e ainda a omissão de bens, concretamente, PPR e aplicações financeiras em seguros, certificados de aforro e uma garagem sita no Feijó.
4. Em resposta, a Cabeça-de-Casal corrigiu os valores referentes às contas bancárias, invocou que os PPR e aplicações financeiras já figuravam na conta bancária da herança, que os certificados de aforro haviam sido distribuídos ainda em vida do inventariado BB e que a garagem sita no Feijó, se tratava de um bem próprio da Cabeça-de-Casal.
5. Conforme consta do despacho de fls…, de 13.06.2021, porque, na realidade, tal bem é efectivamente um bem próprio da Cabeça-de-Casal, e não doado em vida pelos inventariados, não haveria que ser relacionado, como aliás seria documentalmente demonstrado no dia 24.01.2022.
6. Sucede que, chegados à data designada para a realização de julgamento, 24.01.2022, as partes manifestaram a vontade e propósito de colocar termo ao litígio, nos termos da transacção que ficou a constar da correspondente acta.
7. No entanto, a verdade é que, até à presente data, permanece por cumprir o sorteio para efeitos de partilha, uma vez que as partes estão em absoluto desacordo, especificamente no que diz respeito à inclusão ou não, no acervo hereditário, e consequentemente, nos bens que devem constar nos projectos de partilha a apresentar, da garagem sita no Feijó-Almada.
8. Tal desacordo está a revelar-se inultrapassável, não obstante os esforços envidados e argumentos aduzidos, e, nessa medida, a condicionar o cumprimento da transacção e o encerramento definitivo do presente processo.
9. Não se vislumbra outra forma de ultrapassar senão mediante a intervenção de V. Exa.
10. Assim, ao abrigo do princípio da cooperação, requer-se a V. Exa. se digne esclarecer e determinar que os projectos de partilha a apresentar por cada uma das partes, e a submeter posteriormente a sorteio, devem incluir apenas os bens imóveis e móveis constantes da relação de bens apresentada pela Cabeça-de-Casal em sede de resposta à reclamação à relação de bens.
11. Uma vez que é indubitável que precisamente por força da transacção celebrada entre as partes, no dia 24.01.2022, ficaram definitivamente arredadas as questões que constituíam os themas decidendum do incidente de reclamação à relação de bens, tendo assim as partes, voluntariamente, afastado a apreciação e decisão de V. Exa. nesse domínio, concretamente quanto à inclusão ou não da garagem como bem a partilhar,
12. Pois que as partes, nos termos da transacção, restringiram assim a partilha aos bens patentes na relação de bens apresentada, e ainda ao que expressamente ficou a constar da referida transacção,
13. Tendo assim assumido que a dita garagem sito no Feijó-Almada, não faz parte do acervo hereditário (como nem poderia, uma vez que se trata de um bem próprio da Cabeça-de-Casal, conforme escritura de compra e venda, certidão predial e caderneta predial, que, por mera cautela e dever de patrocínio, se juntam como doc. nº 1 a 3, respectivamente, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
14. A assim não se entender, o que por mera hipótese académica se admite, na realidade as partes não teriam efectivamente colocado termo ao litígio mediante transacção.
15. E pretender incluir tal bem na partilha constituiria uma subversão das suas vontades, e da sua liberdade, expressa na transacção e respectivos termos,
16. Pois que, em parte alguma da transacção consta a inclusão da garagem sito no Feijó-Almada, como bem a partilhar,
17. Inversamente ao que as partes vieram expressamente a determinar quanto a saldos bancários e certificados de aforro”.
A interessada DD requereu:
“1. Nos autos à margem indicados, foi marcado julgamento para o dia 24 de janeiro, de 2022, às 11H00M, para apreciar a prova produzida e decidir acerca da reclamação da ora requerente, relativamente à relação de bens apresentada nos autos pela CC, CC
2. Previamente verificou-se uma tentativa de acordo entre as partes, dela tendo resultado um acordo quanto aos valores monetários dessa relação, que constituem as verbas n.ºs 1 a 10.
3. Quanto aos demais bens móveis e imóveis seriam objeto de sorteio futuro a empreender entre as duas herdeiras.
4. No que tange aos valores monetários, ficou estatuído o seguinte:
5. - Como compensação das verbas da herança levantadas pela cabeça de casal, são adjudicadas à interessada DD os valores em depósito na Caixa geral de Depósitos, constituídos, um pela conta corrente a prazo número 038 ...000 o valor de € 56.000,00 (cinquenta e seis mil EUROS).
- Mais terá direito a ser compensada a identificada interessada pelo mesmo saldo da conta à ordem cujo montante nesta data ronda mais de € 10.000,00 (dez mil euros).
- Pela mesma razão é ainda adjudicada à mesma interessada os certificados de aforro com os números 700 383 17, que em 26.05.21, ostentava o valor de € 12.307,66 (doze mil trezentos e sete euros e sessenta e seis cêntimos), e número 800 307 18, que na mesma data ostentava o valor de € 10.476,71 (dez mil quatrocentos e setenta e seis euros e setenta e um cêntimos).
6. Se, relativamente os certificados de aforro, não foi levantada qualquer objeção à ora requerente, movimentando facilmente os valores ali depositados.
7. No que tange à movimentação das contas em depósito na Caixa Geral de Depósitos, tem sido um verdadeiro calvário, ainda não o tendo conseguido fazer.
8. Tudo isto porque a CC, na relação de bens que entregou no Cartório Notarial já identificado, se enganou na identificação do número de tais depósitos.
9. Numa primeira deslocação a tal banco, foi informada por escrito do seguinte, como se alcança do documento que se junta sob o n.º 1:
9.1. «Com referência ao assunto acima mencionado, informamos V. Exa. o seguinte: Analisado o teor da transação homologada por sentença transitada em julgado em 28 de março de 2022, no âmbito do processo de inventário n.º7126/20.2T8ALM, não é possível determinar inequivocamente, a que contas bancárias se reporta o acordo então alcançado. No sentido de poder ser determinado com rigor a que contas se reportam os termos do acordo, poderá V. Exa. exibir certidão emitida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa da qual conste em anexo, cópia da relação de bens da herança de BB que terá sido apresentada no âmbito de referido processo de inventário, sem prejuízo da entrega de valores poder ser efetuada desde já mediante instrução conjunta de V. Exa. e da outra herdeira».
10. A Requerente, requereu certidão da relação de bens em 7.06.22 a qual lhe foi deferida em 29.06.2022, e entregue na mesma data
11. A qual, imediatamente, remeteu aquela instituição bancária.
12. Apesar da exibição e entrega da certidão da relação de bens, a C. G. de Depósitos, por mail datado de 12.07.22, respondeu por escrito, conforme documento nº 2 que se junta, o seguinte:
12.1. «Agradecemos o seu contacto e a sua questão, a qual mereceu a nossa melhor atenção. Informamos que a análise do processo se encontra concluída e que estão reunidas as condições para procedermos à entrega dos valores. A entrega só poderá ser efetuada após rececionarmos instruções válidas de todos os herdeiros. Alertamos, no entanto, que também poderá por optar por, em conjunto com os restantes herdeiros, deslocar-se a uma agência, a fim de serem efetuados os pagamentos de imediato. Alertamos, no entanto, que caso existam produtos não mobilizáveis antecipadamente, ou cujas caraterísticas não permitam a sua mobilização imediata, a entrega terá de respeitar as respetivas condições de movimentação».
13. Por fim, em 17.08.2022, a Requerente obteve na mesma instituição de crédito, um extrato bancário das contas da herança ali existentes, tituladas em nome do “de cujus” BB e das herdeiras DD e CC.
13.1. Tais contas têm a seguinte descrição
- Conta n.º ...161 conta poupança – saldo á data do óbito € 0.00 - saldo atual € 56.201,25.
- Conta n.º ...000 – depósito à ordem – saldo à data do óbito € 10.236,78 – saldo atual € 10.895,30.
- Conta n.º ...220 – conta a prazo – saldo à data do óbito €56.000,00, saldo atual € 0.00.
14. Na sequência do recomendado pala C. G. de Depósitos, a Requerente, por intermédio dos respetivos mandatários, solicitou à CC, que acedesse a tal sugestão, e, nessa senda, que a acompanhasse a qualquer agência de tal banco, para movimentar os valores que lhe foram adjudicados no acordo, devidamente homologado, em 24.01.2022, e transitado em julgado em 22.03.2022.
15. A resposta demorou, como sempre, mas, mais uma vez, correspondeu ao que já se esperava, ou seja, à habitual e reprovável conduta patenteada ao longo de todo o processo.
16. Ou seja, só a tal acederia, se a garagem fosse considerada um bem pessoal seu, e, só iria ao banco para o fim indicado, após partilhados todos os bens, com exclusão da dita garagem.
17. Que é o mesmo que dizer, que quando levasse avante mais esta sua iníqua iniciativa, jamais se deslocaria ao banco para o que quer que fosse, e, muito menos, para ajudar a irmã.
18. Aqui chegados, Meritíssimo Juiz, sabendo de antemão que a CC, não colaborará em nada para sanar o conflito – o que lhe convém, pois recebe rendas de dois imóveis, sem até hoje prestar contas de tais réditos e de nunca ter pagado um tostão, sequer, a sua irmã, situação esta que lhe convém manter ad aeternum.
19. Só vislumbramos uma hipótese, qual seja a de V Exa mandar oficiar à Caixa Geral de Depósitos, que se digne entregar à Requerente, DD, as contas ali depositadas, identificadas no n.º 13.1 deste requerimento, porque lhe foram adjudicadas, por acordo, em sessão judicial de 24 de janeiro de 2022.
20. Ou qualquer outra solução que a V Exa se afigure mais ajustada.
II
A partir daqui, responderemos ao requerimento recente do CC, mais concretamente ao que considera como obstáculo á obtenção de um acordo final.
21. Veio a CC, insistir em tal requerimento, que ainda não foi possível chegar a um acordo, porque a garagem é um bem pessoal seu, que, por isso mesmo, não deve entrar na partilha. Vejamos,
22. Logo após a sessão judicial de 24.01.22, remetemos um plano de acordo para sorteio á CC., com os bens móveis e imóveis devidamente identificados, e com os quinhões elaborados para sorteio.
23. A CC, como sempre, demorou imenso a responder.
24. Até que o fez, mas indicando os bens pelos artigos da matriz, e não também pela respetiva denominação, como lhe competia.
25. Após andarmos de artigo em artigo, respondemos à CC, que na sua proposta omitia a garagem, bem como pretendia num quinhão a partilhar, separar um imóvel urbano e um prédio rústico, onde aquele está situado.
26. Respondemos que os dois imóveis tinham de ser inseridos no mesmo quinhão a partilhar, sob pena de se criar um futuro litígio, pois assim o prédio urbano ficaria encravado, pois só teria entrada e saída pelo prédio rústico.
27. Na sua resposta apenas concordou em juntar na mesma sorte os dois identificados prédios, continuando a discordar, no que tange à garagem.
28. Vejamos, então, o histórico da dita a garagem.
29. É verdade que após ter afirmado inúmeras vezes, que a garagem, embora registada em seu nome, é um bem comum, o certo é que à medida que foi agravando a má relação, que criou contra a irmã, por conveniência pessoal já atrás descrita. (cfr. n.º 18 deste requerimento),
30. Acabou por não relacionar a garagem.
31. Todavia, de dois documentos por ela subscritos, juntos aos autos, com a nossa reclamação à relação de bens, a qual deu entrada no tribunal pelo sistema citius em16.01.2018, com a referência 40116957, consta o seguinte:
32. No primeiro documento, elaborado algum tempo após o óbito do pai de ambas, a CC elabora um inventário de todos os bens a partilhar, que remete à irmã, ora requerente, onde na seção dedicada aos bens imóveis escreve o seguinte:
- imóveis 2 urbanos – sitos em Moreira do Castelo;
3 urbanos - sitos no Feijó, Almada (2 andares + 1 garagem)
4 rústicos sitos em Moreira do castelo».
- Num outro documento, que se consubstancia num extenso mail que enviou ao signatário deste requerimento, em 3 de setembro de 2017- já muito depois de entregar a relação de bens - após se incompatibilizar com mais um dos inúmeros ilustres mandatários, que a representaram ao longo deste processo, escreveu, entre muitas outras coisas, na parte que interessa, o seguinte:
- GARAGEM
«A garagem não consta do rol de bens e a caderneta predial está em meu nome. Para se fazer uma partilha mais equilibrada e evitar complicações desnecessárias, proponho pagar em dinheiro (tornas) 50% do valor da avaliação dessa garagem, mantendo-se depois os registos como já estão.
Obviamente terá que ser lavrado documento, onde constará que dei esse dinheiro como tornas em sede de partilhas da herança do património dos meus pais, pelo facto de terem sido eles a colocarem-me como única proprietária de um bem por eles adquirido quando eu tinha pouco mais de vinte anos.
Não me pergunte a mim porque o meu pai o fez, porque nem eu sei responder.
Mas é a forma mais prática e justa de contornar a situação. Porque sabe muito bem que se eu fosse vingativa faria a minha irmã ir a tribunal reclamar a garagem…e mesmo assim seria difícil ganhar. Portanto nunca quis problemas e quis que se tivessem feito as partilhas há muito tempo, de forma equilibrada e de acordo com a vontade dos meus pais e as necessidades. E se eles, por qualquer motivo, decidiram aparentemente beneficiar-me, foi porque confiaram que eu faria partilhas justas e sem mesquinhez. Pois caso fosse a minha irmã a divorciada, sem casa apenas sua e ainda ordenado decente certo, jamais eu teria a postura lamentável que a minha irmã teve em relação a mim e à sobrinha e afilhada. Podemos-lhe agradecer também a ela e ao pai da minha filha, as dificuldades que a minha a minha filha II passou, nos últimos 4 anos, sem nenhum apoio familiar a não ser a mãe, amigos e família»
33. Tais documentos nunca foram impugnados pela CC, quer no que tange à letra e assinatura, quer no que respeita ao seu teor, pelo que, perante o estatuído nos artigos 374.º e 376.º do C. Civil, fazem prova plena nos autos.
34. A propósito do naco de prosa da autoria da CC, apenas cumpre anotar o seguinte:
34.1 Trata-se duma confissão irretratável de que a garagem é um bem comum e não pessoal (dela).
34.2. Sua irmã, a ora requerente, à data deste escrito – 3.09.17 – estava desapossada de várias contas bancárias e certificados de aforro pertencentes à herança, porquanto a CC, apoderou-se abusiva e ilegitimamente, com ardis vários, de tais valores;
34.3. Razão pela qual a conduta de sua irmã, a ora requerente, não merece qualquer censura, pois nunca se apoderou, licita, ou ilicitamente, de qualquer bem pertencente à herança, ao contrário do que a CC, fez.
35. Daí que no Douto Despacho de 13.06.2021, se tenha escrito que:
35.1. «Assim consigna-se desde já, que os certificados de aforro deverão ser relacionados.
35.2. O mesmo se diga quanto à garagem sita no Feijó. Tal bem, se doado em vida, deve ser relacionado. (negrito e sublinhado nosso)
36. Face ao exposto parece não restar qualquer dúvida de que a garagem é um bem comum, que por isso mesmo deve ser relacionado.
37. Se dúvidas subsistirem, então poderá recorrer-se à produção de prova testemunhal, porquanto já se mencionou a prova documental que se consubstancia numa confissão da CC, de que, tal bem, é comum.
38. A tal não obsta a circunstância de tal bem se encontrar registado em seu nome, porquanto apenas se trata duma presunção “júris tantum”, suscetível de prova em contrário.
Nestes termos
Requer-se a V Exa, o seguinte:
A. Que se digne mandar oficiar à Caixa Geral de Depósitos (Área de Habilitação de Herdeiros relativo ao processo Nº...818) que permita à interessada DD, o levantamento dos depósitos nas contas com os números ...161, cujo montante, em 17 de agosto de 2022 era de € 56.201,25, e da conta com o número ...000, cujo montante em 17 de agosto de 2022, era de € 10.895,30.
B. Que se digne determinar que a garagem dos autos seja definitivamente considerada um bem comum, a qual deve ser aditada à reação de bens para efeitos de partilha, como, aliás, já havia sido determinado no Douto Despacho de 13 de junho de 2021”.
Respondeu a cabeça de casal:
“1. Antes de mais, repudia-se veementemente, novamente, as imputações, no mínimo, insinuosas e inverídicas feitas pela Interessada à Cabeça-de-Casal.
2. Impugna-se ainda, assim, para todos os efeitos legais, o patente nos arts. 8º, 15º, 17º, 18º, 23º, 29º, 32º, 33º e 34º do requerimento apresentado pela Interessada, em 10.10.2022.
3. No que tange à primeira questão suscitada pela Interessada, importa atentar que os obstáculos, injustificados e infundados, diga-se, estão a ser levantados pela instituição bancária em causa, CGD, SA, ao que a Cabeça-de-Casal é alheia e para o que nada contribuiu.
4. Em momento algum a Cabeça-de-Casal demorou a responder (excepto por força da impossibilidade súbita que vitimou o seu anterior mandatário, Dr. GG, Il. Advogado), e as suas respostas, contemplando a totalidade dos bens que constituem o acervo hereditário e não apenas os bens imóveis, foram, sempre, tentativas de resolver, de uma vez por todas, o presente pleito, cumprindo a transacção alcançada em 24.01.2022.
5. De forma alguma a Cabeça-de-Casal tem qualquer interesse em manter esta situação, sendo o seu comportamento evidência disso mesmo, ao contrário do que a Interessada pretende fazer crer.
6. A Interessada, convenientemente, indica apenas o que sucedeu, em termos de apresentação de projectos de partilha, até ao momento em que a signatária assumiu o patrocínio da Cabeça-de-Casal.
7. Sem prejuízo, parece-nos inequívoco que é absolutamente indiferente e dispensável tais informações, e até questionável a sua revelação, em termos deontológicos.
8. Razão pela qual nos absteremos que trazer a verdade nesse domínio para os autos (estando, no entanto, ao dispor para o efeito, caso V. Exa. julgue pertinente).
9. No entanto, é mais do que evidente e manifesto que a Cabeça-de-Casal não pauta a sua conduta nos termos adjectivados pela Interessada.
10. Concretamente no que concerne à resposta ao requerimento apresentado pela Cabeça-de-Casal, no dia 03.10.2022, além da Interessada corroborar o impasse verificado e naquele requerimento indicado, nada mais acrescenta de relevante.
11. Sendo certo que, em momento algum a Cabeça-de-Casal confessou ou assumiu que a garagem em causa era bem comum, fez antes uma proposta, uma vez mais, no sentido de resolver as partilhas, (à qual não obteve qualquer resposta) em momento anterior (ao seu conhecimento) da instauração do presente processo, ainda no Cartório Notarial,
12. Contrariamente ao que a Interessada indica, mas como expressamente resulta – o dito e-mail data de 3.09.2017 e o presente processo, instaurado pela Interessada, deu entrada ainda no Cartório Notarial, no dia 09.08.2017, do qual a Cabeça-de-Casal apenas foi citada por comunicação datada de 29.09.2017.
13. Pelo que é evidente que tal comunicação foi enviada antes da Cabeça- de-Casal ter sequer conhecimento do processo de inventário entretanto instaurado pela Interessada, e muito antes de ter apresentado qualquer relação de bens.
14. Sem prejuízo, de forma alguma se está perante qualquer confissão.
15. O despacho de fls…, de 13.06.2021, é bastante explícito, haveria que relacionar a garagem, caso se tratasse de um bem comum.
16. Mas mais, novamente como já alegado, as partes afastaram qualquer apreciação por parte do Tribunal quanto à reclamação à relação de bens e respectiva resposta, nomeadamente quanto à inclusão da garagem como bem comum, como pretendido pela Interessada e patente na sua reclamação à relação de bens,
17. E mantiveram as partes esse bem afastado, voluntaria e expressamente, do acervo hereditário e da partilha a realizar, nos termos da transacção que celebraram no dia 24.01.2022.
18. E seguramente não pretenderá a Interessada o melhor dos dois mundos, ou seja, manter a transacção no que tange à entrega dos valores monetários, e ainda pretender que conste do acervo hereditário um bem que não é comum e que não foi relacionado, nem sequer contemplado na aludida transacção de 24.01.2022.
19. Ou bem que a transacção é plenamente válida, ou bem que não é, no seu todo, e não apenas no que à Interessada convém e lhe interessa.
20. Assim, em função do supra exposto, pugna-se como no nosso requerimento de 03.10.2022”.
Num novo requerimento da Cabeça-de-Casal, lemos:
“(…) vem reiterar o teor do seu requerimento apresentado em 06.10.2022 (bem como de 19.10.2022), apelando e requerendo a V. Exa. a sua apreciação, com a máxima brevidade possível”.
A interessada DD veio requerer:
“1.Por requerimento datado de 10.10.2022, com a referência n.º 43506963, demos conta da dificuldade que a C. G, de Depósito levantou quando a interessada, acima identificada, pretendeu levantar as verbas ali em depósito, lhe foram adjudicadas por acordo obtido em 24 de Janeiro de 2022, devidamente homologado por V Exa.
2. Tendo a C. G. de Depósitos sugerido, como resulta de documento que se juntou, que facilmente as verbas seriam, por si, levantadas, desde que estivessem presentes todos os herdeiros.
3. Só existe mais uma herdeira que é a cabeça de casal acima identificada, a qual, solicitada para o efeito, disse logo que não, a não ser que fosse de novo beneficiada na partilha dos bens que falta adjudicar.
4.Chantagem essa recusada, liminarmente, pela Requerente, pois está farta de ser prejudicada por tal personagem.
5. Os verdadeiros números dos depósitos ali existentes - ao contrário dos que constam da relação de bens apresentada pela cabeça de casal e que foram transcritas para o termo de transação datado de 24 de Janeiro de 2022 – são os seguintes:
-- Conta n.º ...000 – depósito à ordem – Que em 24.01.2022 ostentava o valor de € 10.895,30.
-- Conta n.º ...220 – conta aprazo – que em 24.01.2022, ostentava o valor de € 56.000,00.
6. Perante a recusa da cabeça de casal em colaborar na resolução da questão levantada, a interessada não tem a quem recorrer, que não seja ao tribunal para ver reconhecido e materializado um direito que, inquestionavelmente, lhe assiste.
7. Direito esse, que até consta de despacho judicial, há muito transitado em julgado.
8. Pese embora o excesso de carga de trabalho que impende sobre os magistrados judiciais, solicita-se que o pedido da requerente seja por V Exa apreciado e decidido,
9. Pois o dinheiro a todos faz falta, sendo certo que a cabeça de casal há muito tempo que está inteirada com quantias equivalentes, ou superiores, que se permitiu desviar, ilegitimamente da “vis hereditária”.
Termos em que se requer a V. Exa se digne mandar oficiar à Caixa Geral de Depósitos no sentido de permitir o levantamento das verbas atrás identificadas, pela interessada, DD”.
*
IV. Apreciação
O presente recurso foi mandado subir por decisão do ora relator, deferindo a reclamação apresentada nos termos do artigo 643º do Código de Processo Civil, do despacho que o não havia admitido, por considerar que o despacho recorrido era um despacho de mero expediente.
Sustenta ainda a recorrida que o recurso deve ser rejeitado por, em suma das razões que apresenta, não apresentar argumentos contra o despacho recorrido, que nada decidiu.
Não concordamos: - percebe-se claramente das conclusões do recurso que não se concorda com a tese do tribunal recorrido de que o seu poder jurisdicional se extinguiu, porquanto a transação a que as partes chegaram foi total. A recorrente entende que a transação foi parcial e que consequentemente havia questões que ainda importava resolver no inventário, que não foram resolvidas, sendo os requerimentos que as partes apresentaram depois da transação ligados a essas questões. Pelo menos, ligados à questão de saber se relativamente a bens imóveis e concretamente à garagem, a transação os abrangia. É certo que relativamente à questão das dificuldades de levantamento de depósitos, essa questão se refere precisamente a bens que foram abrangidos pela transação. Ainda assim, a questão é saber se ocorreu erro na identificação dos depósitos bancários, que deva o tribunal considerar e determinar seja rectificado. Mais precisamente, a questão é saber se estas duas questões estão ou não resolvidas pela transação, de tal modo que o tribunal possa dizer que nada decide, porque já decidiu. A isto, salvo melhor opinião, se resume o recurso.
Resolvendo já a questão da identificação do depósito, manifesto é que nos termos do artigo 613º nº 2 e 614º, ambos do Código de Processo Civil, é lícito ao juiz retificar erros materiais. Se tais erros efectivamente estão nas condições em que é lícita a retificação, é juízo que se faz depois do primeiro juízo a fazer quando uma retificação é pedida, ou seja, o esgotamento do poder jurisdicional só podia funcionar como impedimento à apreciação dos requerimentos relativos à incorrecta identificação dos depósitos pela cabeça de casal na relação de bens, depois do tribunal ter entrado na apreciação dos requerimentos para, num primeiro momento, verificar se se tratava de um erro de escrita ou de uma inexatidão devida a omissão (por exemplo de um algarismo, letra ou sinal) ou lapso manifesto.
Em suma, quanto a esta questão procede necessariamente o recurso: - tendo sido invocado um lapso ou erro na identificação dos depósitos bancários na relação de bens, sobre os quais incidiu a transação homologada, o tribunal não podia invocar o esgotamento do poder jurisdicional para não apreciar os requerimentos oferecidos pelas partes a esse propósito, tendo antes de os apreciar para, antes de mais, avaliar se estava perante um lapso ou erro retificável.
Repare-se aliás que a interessada DD identifica as contas assim:
Conta n.º ...161 conta poupança – saldo á data do óbito € 0.00 - saldo atual € 56.201,25.
- Conta n.º ...000 – depósito à ordem – saldo à data do óbito € 10.236,78 – saldo atual € 10.895,30.
- Conta n.º ...220 - €56.000,00.
Na transacção o que ficou a constar foi: “(…) ...000 com o valor de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros).
I.II) Mais terá direito a ser compensada a identificada interessada pelo mesmo saldo da conta à ordem cujo montante nesta data ronda mais de €10.000,00 (dez mil euros)”.
Na relação de bens foram identificadas duas contas, sendo a ...000 com saldo de €56.000,00 e a ...000 (o número que foi indicado é mesmo o mesmo) com saldo de €9.931,78, donde com probabilidade haverá alguma omissão de indicação do número certo (pois que os saldos diferentes na mesma conta aparentemente não estarão correctos).
Sobra a apreciação do que se refere à garagem. A transação resolveu definitivamente as questões que as partes colocavam relativamente à garagem?
A transação corresponde necessariamente ao encontro de duas vontades declaradas, a propósito de um determinado objecto jurídico. No caso concreto, a vontade da interessada e da cabeça de casal incidiram mediamente sobre a partilha e adjudicação de bens e imediatamente sobre o incidente de reclamação da relação de bens. As declarações de vontade são interpretadas de acordo com a teoria da impressão do destinatário e evidentemente podendo atender-se ao contexto em que as declarações são produzidas.
Se ambas as partes e seus ilustres mandatários estão em juízo, acompanhados das testemunhas que a interessa DD, reclamante da relação de bens, ofereceu para a prova de quanto alegou na sua reclamação, o que inclui a questão da garagem não ser um bem próprio da cabeça de casal, e se as partes, devidamente assistidas pelos seus ilustres mandatários, declararam querer por fim ao litígio mediante transação, e ditam os termos da transação, e se não ditam que estão a fazer uma transação parcial, e se, findo o ditado da transacção e a sentença homologatória que o tribunal proferiu, então, pergunta-se, se a transação afinal não incluía a garagem, porque é que a audiência terminou? Porque é que as partes não interpelaram o tribunal para prosseguir os termos da audiência com a produção de prova testemunhal relativamente à garagem?
Diz-nos a recorrente que a transação transitou em julgado quanto à primeira parte, mas não quanto à segunda, basicamente, quanto aos bens móveis e imóveis outros que os expressamente mencionados, porque nesta parte ficou condicionada à apresentação dos projectos que iriam ser sorteados, o que não chegou a acontecer.
Mas não. Não foi deixada qualquer margem de jurisdição ao tribunal: - os projectos relativos à partilha dos bens constantes da relação de bens, que cada parte ia apresentar seriam sorteados (sem que haja qualquer previsão de intervenção do tribunal nesse sorteio) e o projecto que fosse sorteado seria aquele que vincularia as partes aos respectivos termos de partilha e adjudicação de bens, limitando-se a transacção a prever uma comunicação do projecto sorteado ao tribunal. O carácter vinculativo do sorteio exclui qualquer intervenção do tribunal, regulando definitivamente, nos termos que sorteados fossem, a questão da partilha das heranças entre as herdeiras. Do mesmo modo, o carácter vinculativo do projecto sorteado resolve, entre as partes, elas mesmas resolvem, as dúvidas que surgem entre elas - II.I) O projecto para evitar dúvidas que surgem entre as partes, será sorteado um dos projectos de partilhas que após isso e também por sorteio, ditará a partilha que foi aprovada. Atente-se no tempo verbal “surgem”, e não “surjam”, o que indica que tudo o que, há data da transação, era dúvida entre as partes, terá ficado resolvido através da escolha deste mecanismo.
Por outro lado, é absolutamente indiferente qualquer controvérsia que surgisse após o envio dos projectos, relativamente aos projectos: - II.II) Acerca dos bens móveis e imóveis constantes da relação de bens, as interessadas, conjuntamente com os respectivos mandatários, elaborarão cada uma delas um projecto de partilhas, que posteriormente remeterão à outra por e-mail.
Não foi previsto nada mais do que, vamos simplificar, cada parte faz o seu projecto e dele dá conhecimento à outra. Assim, ambas sabem quais são os projectos que irão ser submetidos a sorteio, e ambas se conformam com o resultado do sorteio – “II.III) O sorteio que se seguirá vinculará ambas as partes e disso darão conhecimento ao tribunal no prazo de 90 dias a contar de hoje”.
Não havia de resto qualquer necessidade de intervenção posterior do tribunal para decidir nada do que pertencesse à partilha dos bens constantes da relação de bens sorteada, porque o que viesse a ser sorteado estava já abrangido pela sentença homologatória já proferida.
Em suma, a transação foi total, e transitou em julgado, numa parte, logo, e na segunda parte, após o decurso do respectivo prazo de impugnação da sentença homologatória.
E a garagem? Ela não constava da relação de bens, logo não estará abrangida pelo mecanismo do sorteio, logo haverá necessidade do tribunal continuar a apreciar os requerimentos produzidos pelas partes a esse respeito?
É certo que a garagem não consta da relação de bens. É porém certo que antes da data em que as partes celebraram a transação, já existia a controvérsia entre elas sobre a garagem dever ser partilhada ou não. E era precisamente para obter a prova dos factos alegados por cada parte a esse respeito que, além do mais, se destinava também a audiência em que a transação foi obtida. Como dissemos, dá-se até a estranheza que nos ajuda a interpretar os termos da transacção, que é a de, após a transação e a sentença homologatória, a audiência não ter continuado para a produção de prova.
Depois, repare-se, num despacho anterior, o tribunal já tinha dito que a garagem devia ser relacionada, se tivesse sido doada. Quer dizer, o tribunal não decidiu nada, em tal despacho, relativamente à inclusão ou não da garagem na relação de bens. Quando as partes vão para a audiência no incidente de reclamação à relação de bens, sabem que a questão da garagem não está decidida. Quer isto dizer, ao transacionarem nos termos em que o fizeram e ao não promoverem – nem acusarem o tribunal de não promover – a produção de prova sobre a inclusão da garagem, as partes deixaram cair, por assim dizer, a reclamação, conformando-se com o facto da garagem não constar da relação de bens.
Precisava a questão de ter sido expressamente mencionada na transação? Não, porque a transação é apreciada, em termos interpretativos das declarações de vontade nela contidas, na sua globalidade e na sua instrumentalidade relativamente às questões que estavam em discussão entre as partes.
Podemos assim secundar a decisão do tribunal de primeira instância, quando considera que o seu poder jurisdicional se havia esgotado.
Em suma, procede parcialmente o recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em que considerou esgotado o seu poder jurisdicional quanto à apreciação dos dois requerimentos da interessada DD na parte, e apenas na parte, em que invocou que:
Os verdadeiros números dos depósitos ali existentes - ao contrário dos que constam da relação de bens apresentada pela cabeça de casal e que foram transcritas para o termo de transação datado de 24 de Janeiro de 2022 – são os seguintes:
-- Conta n.º ...000 – depósito à ordem – Que em 24.01.2022 ostentava o valor de € 10.895,30.
-- Conta n.º ...220 – conta a prazo – que em 24.01.2022, ostentava o valor de € 56.000,00”.
Tendo ambas as partes decaído, são responsáveis pelas custas, a proporção de 50% para cada uma – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
*
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento parcial ao recurso e em consequência revogam a decisão recorrida na parte em que considerou esgotado o seu poder jurisdicional relativamente à apreciação dos dois requerimentos da interessada DD em que invocou o erro na identificação das contas bancárias acima referido, mantendo a sentença em tudo o mais.
Custas por ambas as partes, na proporção de 50% para cada.
Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Abril de 2025
Eduardo Petersen Silva
António Santos
Jorge Almeida Esteves
Processado por meios informáticos e revisto pelo relator
_______________________________________________________
1. Para efeitos do presente relato, é indiferente manter os sublinhados e negritos.