CONTRADITÓRIO
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO PROVISÓRIA
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
Sumário

Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I – A Lei 147/99, de 01/09 (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo - LPCJP) consagra no seu artigo 85º o princípio do contraditório, que constitui uma garantia de participação efetiva no processo dos titulares das responsabilidades parentais.
II – Tal princípio foi observado se a mãe teve conhecimento de relatório que noticiava a indisponibilidade de familiar para continuar a acolher a criança e propunha o seu acolhimento residencial, tendo tido a oportunidade de se pronunciar previamente a tal alteração.
III – O caráter de jurisdição voluntária inerente aos processos tutelares cíveis (cfr. artigos 986º, nº 2, CPC, ex vi artigo 12º RGPTC) não dispensa a exigência de fundamentação da decisão, quer no plano dos factos, quer no plano do direito.
IV – Porém, tal exigência deve ser aferida enquadrada na específica tramitação processual, nada obstando a uma fundamentação sumária de decisão cautelar proferida ao abrigo do disposto no artigo 37º LPCJP, quando era do conhecimento de todos os intervenientes que a única alteração factual relativamente à anterior decisão era a indisponibilidade de familiar para continuar a apoiar a criança.
V – Não podendo concluir-se que a progenitora acatou a necessidade de se submeter a acompanhamento psicológico e psiquiátrico, respeitando a medicação prescrita e cessando o consumo de haxixe, condições consideradas imperiosas para o exercício das suas competências maternais em avaliação psicológica a que se submeteu, revelando-se inviável a medida de acolhimento familiar, é adequado e proporcional o acolhimento residencial do menor nascido em ...-...-2023.

Texto Integral

Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO
Em 28-09-2023, por impulso do Ministério Público, foi instaurado em benefício do menor A, nascido em ...-...-2023, e dos seus quatro irmãos uterinos (B, nascido em ...-...-2007; C, nascida em ...-...-2009; D, nascida em ...-...-2010 e E, nascida em ...-...-2012), processo de promoção e proteção.
No requerimento inicial, em síntese, foi alegado que:
- Correu termos no tribunal de Família e Menores de Lisboa processo de promoção e proteção relativamente às crianças Ee C, arquivado em 07-11-2017;
- Foram abertos processos de promoção e proteção em 04-11-2019 relativamente às crianças E, D, C e B, na sequência de um episódio em que o progenitor F (pai das menores E, D e C) tentou arrombar a porta da casa da habitação, processos esses arquivados em 27-04-2021;
- Tais processos foram reabertos em 26-08-2021 por situações de violência doméstica, tendo sido aplicada medida de apoio junto dos pais por forma a enfrentar as situações de risco aí identificadas (historial de violência doméstica, com necessidade de acolhimento dos menores para os proteger, doença oncológica e desemprego prolongado da mãe, instabilidade emocional dos menores, tolerância reduzida aos seus comportamentos);
- Em 15-05-2023, foi aberto processo na CPCJ Lisboa oriental, após conhecimento do nascimento do menor A, tendo aquela comissão deliberado a aplicação da medida de acolhimento residencial pelo período de 6 meses relativamente aos menores E, D, C e B, que foi efetivado a 07-06-2023;
- Ocorrem vários fatores de risco relativamente ao bem estar das crianças, designadamente no que toca à falta de disciplina parental e ao nível da comunicação com os menores, que é pautada por abusos físicos e emocionais;
- No dia 22-09-2023, a progenitora opôs-se à intervenção da comissão de proteção, o que originou a remessa dos autos ao tribunal, propondo o MP a aplicação, a título cautelar, da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial aos jovens E, D, C e B (cfr. artigos 35º, nº 1, alínea f) e 37º LPCJP), e a medida de apoio junto dos pais relativamente ao menor A (35º, nº 1, alínea a) e 37º, nº 1, LPCJP).
Em 29-09-2023, declarada aberta a instrução do processo, foi proferida decisão que aplicou as medidas provisórias propostas, constando do seu dispositivo:
Face ao exposto e ao abrigo das normas legais citadas, decido:
a) Aplicar em benefício das crianças/ jovens B, C, D e E, a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, a título cautelar e provisório, por 6 (seis) meses, sem prejuízo da sua revisão no prazo de 3 meses, ficando os menores colocados à guarda e cuidados de casa de acolhimento adequada às suas idades e características pessoais;
b) Aplicar a favor do menor A a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a título cautelar e provisório, por 6 (seis) meses, sem prejuízo da sua revisão no prazo de 3 meses”.
Em 08-01-2024, foi determinada a realização de perícias psicológicas à progenitora G e ao pai do A, H.
Em 15-01-2024, foi proferida decisão que, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 34.º, 35.º n.º 1 alínea f), 37.º, n.º 3, 60.º e 62.º, n.º 3, alínea c), todos da LPCJP, manteve por três meses, a título cautelar e provisório, as medidas de promoção e proteção de acolhimento residencial e de apoio junto dos pais.
O núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal – Promoção e Proteção (NATT-PP) remeteu aos autos “informação social urgente”, datada de 09-02-2024, relatando visita domiciliária efetuada à habitação da família em 30-12-2013, informando que:
- a progenitora encontrava-se no quarto a dar sopa ao bebé, num estado psicoemocional instável, com tremores, e acabou por adormecer, depois de ter admitido a toma de 6 comprimidos de Rivotril, sem se alimentar há 2 dias;
- a toma da medicação exagerada, terá sido conjugada com o consumo de estupefacientes, já que era notável uma nuvem de fumo, cheiro intenso e um cigarro de haxixe no cinzeiro, na mesa da sala;
- a jovem B, que se encontrava em casa, terá ficado a assegurar a supervisão da criança, a pedido da progenitora que acordou por duas vezes e por breves instantes, sempre numa postura reativa;
- a 04.01.2024, a progenitora veio alegar que o episódio acima referido teria sido uma exceção e o culminar de um quadro ansiógeno alterado, mas que havia refletido sobre a sua situação atual, mostrando a intenção de criar condições para receber as suas filhas em casa;
- existem dúvidas acerca da capacidade da progenitora em garantir os seus cuidados, evidenciando, por um lado, um potencial aumento no consumo de estupefacientes, com eventual toma de medicação associada;
- a mãe revela instabilidade desconhecendo-se se os cuidados, essenciais são efetivamente prestados ao A;
- A encontra-se numa situação de perigo, uma vez que as informações relativas à única cuidadora (mãe) evidenciam uma elevada imprevisibilidade e desregulação emocional;
Em tal relatório foi proposta, a título cautelar, a medida de Acolhimento Residencial ao menor A.
Após promoção nesse sentido, em 19-02-2024, foi proferida decisão que substituiu a medida de apoio junto dos pais pela de acolhimento residencial do menor A por três meses, com o seguinte conteúdo:
RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo judicial de promoção e proteção, a favor do menor A, foi aplicada a medida de apoio junto dos pais, a título cautelar e provisório, por 6 (seis) meses, por decisão proferida em 29.09.2023, revista em 15.01.2024.
Em 09.02.2024, o NATT-PP propôs a substituição da medida atual pela medida de acolhimento residencial ou acolhimento familiar, com a máxima urgência possível.
Em 15.02.2024, a Digna Magistrada do Ministério Público promoveu a substituição da medida aplicada, pela medida cautelar de acolhimento residencial e/ou familiar, a título cautelar e provisório.
FUNDAMENTAÇÃO
Com base nos elementos documentais constantes dos autos, nomeadamente o teor dos relatórios e informações sociais, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e com relevância para a presente decisão de revisão, resulta a seguinte factualidade:
1. A nasceu no dia 26 de abril de 2023, e é filho de H e de G.
2. Por despacho proferido em 29.09.2023, decidiu-se aplicar em benefício do menor, A a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a título cautelar e provisório.
3. Segundo as Equipas Técnicas que têm acompanhado a situação da criança:
« (…) no decorrer deste último período de acompanhamento, ocorreu “… uma escalada de consumos de substâncias psicoativas (…) da intervenção realizada pelo MDV, o parecer é de que “… não consideramos que a garantia do bem-estar e a supressão de necessidades básicas do bebé A estejam a ser garantidas, na medida em que a progenitora se encontra desregulada, promovendo um ambiente pouco saudável ao crescimento e desenvolvimento da criança…”, bem como não se perceciona que “… a progenitora reúna condições e equilíbrio necessário à execução do seu papel funcional da parentalidade, sem ajuste e reforço contínuo de uma Equipa de Acompanhamento…”
O MDV concluiu ainda que “… não estão reunidas as condições minimamente desejáveis no agregado familiar, nomeadamente no que se refere à Sra. G, para se poder dar continuidade para já a um trabalho ao nível do reforço/ desenvolvimento de competências, visto que a potencialidade de mudança, capacidade de reconhecimento e reflexão estão condicionados pelo comportamento/ saúde mental da progenitora, com impacto nos resultados ao nível da regulação/ alteração de comportamentos…” (cit).
Por último, são identificados diversos fatores que “… condicionam o desenvolvimento, a segurança e bem-estar de toda a fratria…”, sendo necessário acautelar as seguintes áreas: estabilidade emocional da mãe, saúde mental, rede suporte informal/formal contínua, alteração de padrões de comportamento face ao consumo de estupefaciente, alteração na capacidade para a mudança, visto que esta se encontra numa fase de pré-contemplação, sem intenção de mudar à resistente às orientações dadas pelas equipas, colocando-se numa posição de afronto…»
4. Na presente data, não são conhecidos elementos da família alargada (materna ou paterna), que se possam constituir como alternativa ao acolhimento familiar ou residencial.
Por força do disposto no artigo 62.º n.º 1, da LPCJP, as medidas são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses.
Acrescenta o n.º 2 do citado artigo 62.º que «A revisão da medida pode ter lugar antes de decorrido o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, oficiosamente ou a pedido das pessoas referidas nos artigos 9.º e 10.º, desde que ocorram factos que a justifiquem.».
Por seu turno, artigo 37.º, da LPCJP estabelece que:
«1- A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente. (…)
3- As medidas aplicadas têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.»
No caso dos autos, atenta a posição expressa pelas Equipas Técnicas, que têm acompanhado a situação vivencial do menor, com a concordância da Digna Magistrada do Ministério Público, ponderando a factualidade supra descrita, com vista a acautelar o superior interesse da criança, a afastar a situação de perigo em que o mesmo se encontram, e por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento harmonioso, a sua segurança, saúde, formação e educação (artigos 3º, nº 1, n.º 2, alíneas b), c), f), g) e 34º, a), b) da LPCJP), impõe-se substituir a medida atual e aplicar, a título cautelar, a medida de acolhimento familiar/ residencial, enquanto se procede à definição do encaminhamento subsequente e do seu projeto de vida (artigos 35º, nº 1, e) f), 37º, 46.º 49º e 50.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 61.º, 62.º, n.º 2 e n.º 3, alínea b), todos da LPCJP).
DECISÃO
Face ao exposto e, ao abrigo das normas legais citadas, em sede de revisão da medida cautelar, aplicada em benefício do menor A, decido:
1. Determinar a substituição da medida cautelar de apoio junto dos pais, pela medida cautelar de acolhimento familiar, por 3 (três) meses, ficando a criança confiada à guarda e cuidados de uma família de acolhimento adequada à sua idade e necessidades específicas.
2. Caso não exista vaga em família de acolhimento, determinar a substituição da medida cautelar de apoio junto dos pais, pela medida cautelar de acolhimento residencial, por 3 (três) meses, ficando o menor colocado à guarda e cuidados de casa de acolhimento adequada à sua idade e necessidades específicas.
Solicite, de imediato e com nota de urgência, à UAACAF da SCML a indicação de família de acolhimento que possa acolher a criança, devendo informar o Tribunal logo que seja encontrada família de acolhimento adequada”.
Em 29-02-2024, foi encerrada a instrução e homologado acordo de promoção e proteção relativamente aos menores B, D, C e E, com a aplicação da medida do seu acolhimento residencial, nos termos do disposto no artigo 35º, nº 1, alínea f) e 50 LPCJP, com a duração de seis meses, com revisão semestral.
Em 05-03-2024, a progenitora apresentou requerimento discordando, pelos fundamentos ali exarados, da medida aplicada ao menor A, e referindo que a sua irmã I manifestava disponibilidade para ajudar, requerendo a alteração da medida pela de apoio junto dos pais.
Em 19-06-2024, foi junto aos autos relatório elaborado pelo NATT-PP, no qual é proposta a substituição da medida de acolhimento familiar para a medida de proteção de apoio junto de outro familiar, na pessoa da tia materna I, a partir de 02-07-2024.
Em 10-07-2024, foi proferida decisão, transcrevendo-se o seu dispositivo:
Face ao exposto e, ao abrigo das normas legais citadas, em sede de revisão da medida cautelar, aplicada em benefício do menor A, decido:
a) Substituir a medida atual de acolhimento familiar, pela medida de promoção e proteção de apoio junto de outro familiar, concretizada na pessoa da tia materna, I, a título cautelar e provisório, pelo período de 3 (três) meses.
b) Determinar que se solicite ao NATT-PP o envio do relatório de acompanhamento da execução da medida ora aplicada, no prazo de 2 (dois) meses, caso nada antes o justifique.
Em 23-09-2024 foi remetida aos autos avaliação clínica psiquiátrica relativa aos progenitores do A, aí se concluindo quanto à recorrente:
- Não ter sido observada a existência de perturbação da personalidade;
- Que a examinada evidencia caraterísticas de instabilidade emocional, impulsividade, baixa abertura à experiência e uma certa tendência para manter a distância emocional nas suas relações interpessoais;
- Tais caraterísticas de personalidade poderão comprometer a sua capacidade de exercer uma parentalidade consistente, previsível e emocionalmente ajustada, “o que poderá vir a impactar negativamente o desenvolvimento psicológico e emocional das crianças ou jovens sob os seus cuidados”;
- Presença de traços de personalidade borderline e alterações de humor, sendo acompanhada em psiquiatria, com prescrição de medicação;
- Não se sente confortável com a medicação e a falta de adesão ao tratamento poderá influenciar a sua estabilidade emocional e a capacidade de gerir o exercício da parentalidade de forma adequada;
- Relatos de conflituosidade verbal e recurso à punição física pela progenitora;
- Baixa abertura emocional e uso de estratégias de coping disfuncionais, como o consumo de haxixe, suscetíveis de obstaculizar o processo de recuperar os filhos;
- Para reunir as condições necessárias para um exercício adequado da parentalidade, é essencial que adira ao acompanhamento psicológico e psiquiátrico e que cesse o consumo de haxixe.
Em 20-12-2024 foi elaborado relatório pelo Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal – Promoção e Proteção, relativa a “informação de acompanhamento de intervenção familiar” quanto ao menor A, no “(…) âmbito da medida de apoio junto de outro familiar concretizada na pessoa da tia materna I”.
Nesse relatório, com interesse para a apreciação da presente apelação, refere-se que:
- O menor A integrou o agregado da tia materna em 11-07-2024, “realizando-se a transição da família de acolhimento para a tia (…) estando também presente a mãe nesse momento”;
- No dia 18-07-2024, a tia informou que o A estava hospitalizado, devido a uma virose, por se encontrar desidratado, tendo sido acompanhado durante o internamento hospitalar pela mãe (dado que os filhos da tia se encontravam também doentes);
- A tia manifestou que a integração do menor estava a ser muito exigente, sentindo que o A não se tinha ainda adaptado nem a si nem ao novo contexto familiar, chorava muito, dormia mal e parecia ter pesadelos;
- A tia manifestou ainda que a presença da mãe na sua casa se deveria cingir ao “plano definido”;
- A tia comunicou que a mãe manifestou dificuldades na avaliação do nível de prostração do filho e da necessidade de o hospitalizar;
- Em 31-07-2024 a tia I manifestou que as dificuldades se agudizavam, sentia que não estava a responder às necessidades do sobrinho, que continuava a gritar muito de noite e de dia, mostrando-se agressivo, batendo na prima, estando arrependida por se ter mostrado disponível para o receber;
- Em 01-08-2024 manifestou que o A não estava emocionalmente tranquilo na sua família, e que a sua presença produzira maior impacto nos seus filhos do que esperara, manifestou dificuldades nas noites com a sua filha mais nova a acordar sempre que o A chorava;
- Em 08-08-2024 a tia já se manifestou disponível para manter a medida e propôs que o menor passasse os domingos com a mãe;
- Ao longo do mês de agosto considerou que “tudo estava mais tranquilo”, mas em outubro manifestou que a exigência era grande “não podendo assim constituir-se como uma resposta em continuidade para o A”.
Tal relatório conclui com a seguinte proposta de intervenção futura:
Face ao exposto, pese embora esta equipa mantenha a sua disponibilidade para a integração de A no agregado da tia, existe a necessidade de equacionar uma outra medida alternativa, dado I não dispor de condições para se constituir como uma resposta em continuidade. Assim, mediante a avaliação realizada pelas equipas intervenientes no agregado materno desta criança, poderá ter que se equacionar o seu regresso ao contexto de Acolhimento Familiar. Uma vez que as irmãs de A continuam integradas em contexto de acolhimento residencial (…) e numa lógica de intervenção mínima considera (…) avaliação da possibilidade de reunificação familiar”.
Em 30-12-2024, pelo NATT-PP foi dirigido aos autos nova informação, com nota de “Muito Urgente”, dando notícia de email rececionado naquela mesma data, dirigido pela tia do A, na qual além do mais refere:
“(…) Sei que falamos a semana passada mas efetivamente não vai dar para continuar à espera que o tribunal se pronuncie sobre o destino do A. Está cada vez mais difícil para mim e eu sinto que estou só a adiar o inevitável. Sinto[me] psicologicamente e fisicamente desgasta[da] e sinto também que isto já afetou a minha dinâmica familiar e isso é o que mais me preocupa. Lamento imenso não conseguir seguir com aquilo a que me propus, mas para mim está a ser muito difícil (…)”.
Naquela informação é reiterada a proposta de acolhimento, preferencialmente familiar ou, subsidiariamente, residencial, do menor A.
Em 09-01-2025, foi proferido despacho (referência 441576974) que ordenou a notificação do relatório de 20-12-2024 nos termos e para os efeitos dos artigos 84º e 85º LPCJP.
Nesse despacho foi ainda determinado, no que se reporta ao aditamento de 30-12-2014:
Oficie à EAT – GV (Equipa de Apoio Técnico – Gestão de Vagas do CD Lisboa, ISS.IP), com nota de máxima urgência, no sentido de ser obtida vaga para o acolhimento do menor A, com preferência para a aplicação da medida protetiva de acolhimento familiar e, caso tal não seja possível, em acolhimento residencial, conforme solicitado pelo NATT-PP e promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público”.
Em 21-01-2025, respondendo à notificação que lhe foi dirigida, a recorrente pronunciou-se nos seguintes termos:
Gs, Progenitora nos autos supra identificados, notificada para o efeito (ref.ª 441661266), vem reiterar, agora ainda com maiores argumentos, uma vez que E e D estão manifestamente mal protegidas pela Instituição onde se encontram, e o A está na iminência de voltar a ver revolucionado o seu quotidiano; pronunciar-se acerca da revisão ou cessação da medida de promoção e proteção que atualmente está aplicado aos seus filhos, no sentido de que deve haver o total reagrupamento familiar, passando as três jovens e também o A a viver juntamente com a Mãe, com medida de apoio junto desta.
Mais requer que seja agendada uma Conferência para analisar e debater o futuro destes jovens e criança”.
Por ofício de 23-01-2025, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa informou que no dia 22 de janeiro de 2025, “por ordem do despacho judicial nº 441576974, procedeu-se ao acolhimento residencial da criança, A A (…) na casa de Acolhimento …Casa”.
Em 27-01-2025, foi proferido despacho de revisão das medidas de proteção aplicadas aos quatro menores B, D, C e E(acolhimento residencial), prolongando-as por seis meses.
Nesse despacho, sob a epígrafe “Revisão da medida aplicada à criança A”, determinou-se:
Antes de mais, determino que se notifiquem os progenitores do teor das informações do NATT-PP de 23.01.2025 e da promoção da Digna Magistrada do Ministério Público (artigos 84.º e 85.º, da LPCJP).
Após o decurso do prazo para o exercício do contraditório, conclua os autos.”
Respondendo a tal notificação, a progenitora reiterou o pedido de “total reagrupamento familiar”, bem como o de realização de uma conferência “(…) para que o assunto possa ser discutido”.
Em 12-02-2025 foi proferido o seguinte despacho:
Em conformidade com o despacho proferido em 20.01.2025, e o promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público em 17.01.2025 e 11.02.2025, determino que se insista junto do NATT-PP, através de ofício confidencial e com nota de máxima urgência, solicitando informação, no prazo de 5 (cinco) dias, sobre a situação vivencial da criança A, bem como se foi obtida vaga para acolhimento familiar do menor, ou caso não seja possível em acolhimento residencial.

Em 17-02-2025 foi proferido o despacho recorrido com o seguinte teor:
Revisão da medida cautelar aplicada à criança A:
RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo judicial de promoção proteção, o menor A, nascido em 26 de abril de 2023 beneficiou inicialmente da medida de apoio junto dos pais, aplicada a título cautelar e provisório, a qual foi substituída pela medida cautelar de acolhimento familiar, e posteriormente, pela medida cautelar de apoio junto de outro familiar, na pessoa da tia materna.
O NATT-PP propôs a substituição da medida cautelar de apoio junto de outro familiar pela medida de acolhimento residencial, atenta a inexistência de vaga em família de acolhimento, e de não estarem reunidas as condições para a reintegração familiar.
A Digna Magistrada do Ministério Público promoveu a substituição da medida de apoio junto da tia pela medida de acolhimento residencial, nos termos propostos pela Equipa Técnica.
Cumpriu-se o disposto nos artigos 84.º e 85.º, da LPCJP.
FUNDAMENTAÇÃO
Por força do disposto no artigo 62.º n.º 1, da LPCJP, as medidas são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na promoção e proteção de apoio junto dos pais (na pessoa da mãe) decisão judicial e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses.
Acrescenta o n.º 2 do citado artigo 62.º que «A revisão da medida pode ter lugar antes de decorrido o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, oficiosamente ou a pedido das pessoas referidas nos artigos 9.º e 10.º, desde que ocorram factos que a justifiquem.».
Por seu turno, artigo 37.º, da LPCJP estabelece que:
«1- A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente. (…)
3- As medidas aplicadas têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses.»
No caso em apreço, com base na factualidade descrita nos relatórios/ informações juntos aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, por razões de economia e celeridade processual, resulta que, na presente data, a tia materna mostra-se indisponível para continuar a prestar os cuidados ao sobrinho, os progenitores não reúnem condições para cuidar do filho menor, aguardando-se o resultado das perícias ordenadas pelo Tribunal, não são conhecidos outros elementos da família alargada (materna ou paterna), que se possam constituir como alternativa em meio natural de vida, e não existem vagas em famílias de acolhimento.
Pelo que, atenta a posição expressa pelas Equipas Técnicas, que têm acompanhado a situação vivencial do menor, com a concordância da Digna Magistrada do Ministério Público, ponderando a factualidade descrita nos autos, com vista a acautelar o superior interesse da criança, a afastar a situação de perigo em que a mesma se encontra, e por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento harmonioso, a sua segurança, saúde, formação e educação (artigos 3º, nº 1, n.º 2, alíneas b), c), f), g) e 34º, a), b) da LPCJP), impõe-se substituir a medida de apoio junto de outro familiar, e aplicar, a título cautelar, a medida de acolhimento residencial, enquanto se procede à definição do encaminhamento subsequente e do seu projeto de vida (artigos 35º, nº 1, e) f), 37º, 46.º 49º e 50.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 61.º, 62.º, n.º 2 e n.º 3, alínea b), todos da LPCJP).
DECISÃO
Face ao exposto e, ao abrigo das normas legais citadas, em sede de revisão da medida cautelar, aplicada em benefício do menor A, decido:
a) Determinar a substituição da medida cautelar de apoio junto de outro familiar, na pessoa da tia materna, pela medida cautelar de acolhimento residencial, por 3 (três) meses, ficando a criança confiada à guarda e cuidados da Casa de Acolhimento “…Casa”, com efeitos a 22 de Janeiro de 2025.
b) Determinar que se solicite ao NATT-PP o envio do relatório de acompanhamento da execução da medida cautelar ora aplicada, no prazo de 30 (trinta) dias, caso nada antes o justifique, concretizando sobre a viabilidade de medidas em meio natural de vida, ou do acolhimento familiar, atenta a idade do menor”.
Não se conformando com tal despacho a progenitora do mesmo interpôs recurso, requerendo que ao mesmo fosse fixado efeito suspensivo, com as seguintes conclusões:
1ª – É nula a decisão de acolhimento residencial de uma criança sem dar cumprimento prévio ao disposto no art.ºs 85º da LPCJP;
2ª – Tomar a decisão de acolhimento residencial da criança e ser a mesma transferida para Instituição e só após isso dar-se a palavra à recorrente para se pronunciar, ignorando-se por completo tudo quanto diga, não é dar cumprimento ao disposto no art.ºs 85º da LPCJP;
3ª – É nula por falta de fundamentação a decisão de acolhimento residencial de uma criança quando essa fundamentação é apenas que “é a opinião das equipas técnicas”, demitindo-se o Tribunal de, sequer, fazer uma análise crítica dessa opinião e, até, de a reproduzir no despacho;
4ª – A decisão de acolhimento residencial de uma criança tem de ser fundamentada por estarem verificados perigos reais e concretos para essa criança;
5ª – O facto de a mãe ter admitido que no passado consumiu esporadicamente produto estupefaciente normalmente designado como “drogas leves”, desacompanhada tal admissão de qualquer comportamento concreto que se tenha reproduzido na vida dos filhos, não é motivo suficiente para decretar o acolhimento residencial de uma criança;
6ª – A circunstância de em determinado dia a mãe ter deixado a criança ao cuidado de uma jovem, também sua filha, de 16 anos de idade e maturidade acima dessa idade, não é motivo suficiente para decretar o acolhimento residencial de uma criança;
7ª – Sobretudo se a técnica que se dirigiu à residência nesse dia e constatou esse facto sentiu-se, também ela, suficientemente segura para continuar a deixar o bebé ao cuidado de tal jovem;
8ª - O A, enquanto esteve com a mãe, sempre se apresentou com os cuidados básicos de higiene e alimentação, e com o vestuário adequando à estação do ano;
9ª - A casa do A, que é a casa de sua mãe e de seu pai, está sempre limpa e organizada e possui os equipamentos necessários para as necessidades e conforto da família – Relatório do Centro de Capacitação de Alvalade de 3.05.2024
10ª - Nem a mãe nem o pai falham uma única oportunidade de poderem estar com o filho – idem
11ª - A mãe está sempre ansiosa por ver o filho e este, com o seu modo de expressar-se de bebé, reage positivamente à presença da mãe – idem
12ª - A mãe consegue ler os sinais manifestados pelo A, no que se refere às suas necessidades. Desde logo, e por exemplo, quando está a dizer que tem sono, quando está a dizer que tem fome – idem
13ª - O A fica bem disposto com a mãe, aderindo às dinâmicas da mãe, manifestando a boa disposição às canções que lhe canta, às palminhas que bate à frente dele;
14ª – A Recorrente dispõe de cada vez mais familiares que estão disponíveis para dar apoio na missão de bem cuidar desta criança;
15ª – Pelo que mais do que injusta, a decisão de colocar esta criança numa Instituição é violadora dos mais básicos direitos da mesma, que se vê privada no amor e segurança que a família tem para lhe dar.
Face ao exposto, e com o muito que Vossas Excelências suprirão, a decisão profligada além de ser nula por falta de fundamentação, comporta uma injustiça flagrante, violadora dos direitos fundamentais da criança que deveria proteger, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que decrete a medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, assim se fazendo a costumada justiça!
O Ministério Público apresentou resposta a tal recurso, transcrevendo-se as respetivas conclusões:
1. Por decisão de 17 de fevereiro de 2025, decidiu a Mmª Juiz, em benefício do menor A, nascido em 26 de abril de 2023 determinar a substituição da medida cautelar de apoio junto de outro familiar, na pessoa da tia materna, pela medida cautelar de acolhimento residencial, por 3 (três) meses, ficando a criança A, nascido a ........2023, confiada à guarda e cuidados da Casa de Acolhimento “…. Casa”.
2. Anteriormente tinha sido aplicada a medida de apoio junto de outra familiar na pessoa da tia materna.
3. Contudo, após a progenitora – AA - se ter incompatibilizado com a tia do menor, a mesma mostrou a sua indisponibilidade para permanecer como cuidadora do menor A.
4. Sendo conhecida a fragilidade emocional da progenitora e não se encontrando a mesma disponível e/ou com capacidade para receber a ajuda dos serviços de apoio, outra decisão não poderia ser tomada, por ora (e enquanto se encontram soluções alternativas), que não fosse a alteração da medida e a aplicação urgente de uma medida de acolhimento residencial.
5. A progenitora não realizou os exames de despistes de consumo de substâncias estupefacientes que se encontravam agendados junto do INML, tendo faltado aos agendamentos realizados e para os quais se encontrava notificada,
6. Não há notícia/conhecimento de que a progenitora tenha iniciado qualquer intervenção ao nível da psiquiatria.
7. Pese embora a recorrente alegue serem falsos os factos que constam do no relatório social que motivou a decisão recorrida, não especificou, em contraposição, que atitudes de colaboração tomou para com os serviços, em benefício do filho A.
8. Considera-se situação de emergência para efeitos de aplicação de uma medida provisória prevista no artigo 37.º da Lei n.º 147/99 de 1 de setembro, a situação em que a criança ou jovem se encontre em perigo atual ou iminente para a vida ou com grave comprometimento da sua integridade física ou psíquica, a demandar uma intervenção imediata, ainda que a título precário e provisório, de modo a remover, tempestivamente, o perigo detetado a que está sujeito um menor.
9. Tratando-se de uma situação de emergência, o decretamento de uma medida provisória de promoção e proteção, nunca poderá depender da prévia observância do contraditório, uma vez que tal perderia, na maioria das vezes, o seu efeito útil de remoção imediata do perigo.
10. O douto despacho recorrido fez correta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, pelo que deve ser mantido”.
Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Remetidos os autos a este tribunal em 31-03-2025, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
III – FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Na ausência de ampliação de recurso e de questões de conhecimento oficioso, identificam-se as seguintes questões a decidir nas alegações da recorrente:
- Nulidade da decisão por falta de cumprimento do 85º LPCJP e por falta de fundamentação;
- Adequação da medida cautelar de acolhimento residencial determinada.
*
Das alegadas nulidades decorrentes da falta de cumprimento do 85º Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) e da ausência de fundamentação da decisão recorrida.
A primeira questão colocada no recurso consiste em apurar se foi violado o princípio do contraditório, previsto no artigo 85º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP - Lei n.º 147/99, de 01 de setembro).
Tal norma, sob a epígrafe: “Audição dos titulares das responsabilidades parentais”, dispõe:
1 - Os pais, o representante legal e as pessoas que tenham a guarda de facto da criança ou do jovem são obrigatoriamente ouvidos sobre a situação que originou a intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção.
2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as situações de ausência, mesmo que de facto, por impossibilidade de contacto devida a desconhecimento do paradeiro, ou a outra causa de impossibilidade, e os de inibição do exercício das responsabilidades parentais.”
Trata-se de norma inserida no capítulo relativo às disposições processuais gerais que se aplicam aos processos de promoção e proteção instaurados nas comissões de proteção ou nos tribunais, para os mesmos estabelecendo o princípio do contraditório que no regime processual civil está consagrado no artigo 3º, nºs 1 e 2, CPC. Tal princípio mostra-se também estabelecido no Regime Geral dos Processos Tutelares Cíveis (RGPTC), no seu artigo 25º, reconhecendo expressamente o direito às partes a conhecerem todas as informações e os termos do processo, e a exercerem contraditório quanto à informação e às provas.
O princípio do contraditório constitui uma garantia de participação efetiva no processo pelos sujeitos que aí intervêm e pelo mesmo são afetados, vigorando, como referido, no âmbito do regime de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo, não obstante o seu caráter de processos de jurisdição voluntária, com previsão legal nos artigos 986º a 988º, CPC.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-04-2021 (proferido no processo nº 4661/16.0T8VIS-R.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt), aos processos de jurisdição voluntária é conferido um regime processual específico “(…) por modo a que o tribunal avoque a defesa do interesse que a lei lhe confia: simplificação processual, inquisitório, não sujeição a critérios de legalidade estrita (devendo antes adotar-se em cada caso a solução mais conveniente e oportuna) e a não definitividade das resoluções (que sempre podem ser alteradas em função das circunstâncias).” Participando de tal caráter, o processo tutelar cível é norteado pelo “superior interesse da criança”, com expressa consagração legal – cfr. artigo 4º, alínea a), LPCJP, 3º da Convenção dos Direitos da Criança (ratificada pela Assembleia da República mediante a resolução nº 20/90, de 12 de setembro, publicada no DR nº 211/1990, 1º Suplemento, Série I de 1990-09-12) e 1º, nº 1, e 6º, alínea a) da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança (aprovada por resolução da Assembleia da República nº 7/2014 de 27-01, publicada no Diário da República nº 18 de 27-01-2014).
Ora, analisando a tramitação processual expressa no relatório antecedente, não pode concluir-se que tal princípio não tenha sido observado, contrariamente ao que alega a recorrente.
Das vicissitudes processuais que se extraem do relatório antecedente verificam-se os seguintes elementos nucleares para apreciação da questão suscitada:
- Em 19-02-2024 a medida de apoio junto dos pais foi substituída pela de acolhimento residencial do menor A (na sequência da informação de 09-02-2024);
- Tal medida veio a ser substituída pela de apoio junto de outro familiar (a tia materna do menor, I) em 10-07-2024, para o que contribuiu o impulso da própria recorrente que por requerimento de 05-03-2024 deu conta da disponibilidade daquela sua irmã para o efeito;
- Remetidas as informações do Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal - Promoção e Proteção, de 20-12-2024 e de 30-12-2024 que noticiavam a indisponibilidade da tia materna para continuar a acolher o menor A, foi ordenado o cumprimento do contraditório, por despachos de 09-01-2025 e de 27-01-2025 (tendo sido remetida carta para notificação do primeiro em 10-01-2025);
- A recorrente exerceu efetivamente tal contraditório, apresentando requerimentos em 21-01-2025 e em 10-02-2025, nos quais defendeu que o menor A deveria passar a residir consigo;
- O menor A foi acolhido na instituição “… Casa” em 22-01-2025.
Ora, em face da indisponibilidade manifestada pela tia materna do menor (que já resultava da primeira informação do NATT-PP), o processo não poderia deixar de ser tramitado de forma urgente. Ou seja, a permanência do menor A na residência da tia passou a revelar-se desajustada a partir do momento em que ela cessou a sua adesão a tal medida, insistindo até na sua retirada. Naquelas condições, a presença do A no agregado familiar da tia materna deixou de ser aceite e desejada, revelando-se a sua retirada adequada aos princípios orientadores da intervenção tutelar cível, consagrados nos artigos 3º e 4º da LPCJP, dado que, pelo menos, existia o perigo de não receber o cuidado, a dedicação e a afeição adequados à sua idade e à sua vulnerabilidade.
E o certo é que manifestamente a progenitora foi ouvida ainda em momento prévio ao do acolhimento residencial do A em 22-01-2025, tendo sido notificada do teor da informação social que expressava a falta de disponibilidade da sua irmã para continuar a apoiar o menor por carta que lhe foi remetida em 10-01-2025. Na sequência de tal notificação, a recorrente pronunciou-se, exercendo cabalmente o seu direito ao contraditório. É certo que logo em 22-01-2015 o A foi sujeito a medida de acolhimento residencial, embora apenas ulteriormente formalizada, o que se deveu a procedimento de gestão das disponibilidades/vagas existentes. De todo o modo, a recorrente, em rigor, teve conhecimento do contexto subjacente à alteração da medida previamente à sua ocorrência, não podendo afirmar-se que não pudesse contar com o que veio a ser decidido.
Não colhe, pois, o argumento de que a decisão recorrida é nula por falta de cumprimento do contraditório
Julgamos que o mesmo deverá ser afirmado quanto à apontada falta de fundamentação da decisão.
É inequívoco que a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão reconduz-se ao fundamento de nulidade previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b), CPC, aplicável aos despachos decisórios por forçada remissão prevista no artigo 613º, nº 3, CPC. Tal dever de fundamentação dispõe de assento constitucional, encontrando-se consagrado no nº 1 do artigo 205º CRP, ali se estabelecendo que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas nos termos da lei”.
Refletindo tal exigência constitucional de fundamentação, dispõe o artigo 154º, nº 1, CPC: “1 – As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”
Também o artigo 607º, nº 3, CPC consagra o dever de fundamentação das decisões judiciais, estabelecendo a necessidade de indicação dos factos provados e a indicação e interpretação das normas jurídicas violadas. A tal propósito, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1, Almedida, 2019, pág. 188) “O dever de fundamentação das decisões tem consagração constitucional (art. 205º, nº 1 da CRP), apenas se dispensando no caso de decisões de mero expediente. Deste modo, ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão não suscite qualquer dúvida, a respetiva fundamentação deverá ser fundamentada nos termos que forem ajustados ao caso”.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol 2º, 3ª edição páginas 735 e 736), a propósito da questão ora em análise, referem: “Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607º 3). Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicações dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão” e ainda “A fundamentação da sentença é, além do mais, indispensável em caso de recurso (…)”.
No Acórdão do Tribunal Constitucional nº 147/2000, de 21-03-2000 (disponível em www.tribunal constitucional.pt), refere-se: “Este aprofundamento do dever de fundamentação das decisões judiciais reforça os direitos dos cidadãos a um processo justo e equitativo, assegurando a melhor ponderação dos juízos que afetam as partes, do mesmo passo que a elas permite um controle mais perfeito da legalidade desses juízos com vista, designadamente, à adoção, com melhor ciência, das estratégias de impugnação que julguem adequadas. que a fundamentação visa (…)”
Porém, sendo manifesto o dever de fundamentação das decisões judiciais, pode apresentar diversos níveis de exigência adequados quer ao tipo de decisão, quer ao tipo de processo em que a mesma é proferida.
Ora, tratando-se de decisão proferida no âmbito de processo de jurisdição voluntária, ao tribunal caberá “(…) investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes” – cfr. artigo 986º, nº 2, CPC, ex vi artigo 12º RGPTC. O tribunal não está, pois, sujeito a critérios de legalidade estrita, pautando-se por critérios de conveniência e de oportunidade, embora tendo sempre em perspetiva o superior interesse da criança – cfr. artigos 987º, CPC e 4º, nº 1, RGPTC.
Tal não significa, porém, que em tal tipo de processos, cesse a exigência de fundamentação das decisões, pois como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-01-2019 (proferido no processo nº 1223/18.1T8GMR-A.G1, disponível em www.dgsi.pt), o facto de a decisão obedecer a critérios de conveniência não dispensa o juiz de a fundamentar “(…) tanto no plano fático, como do ponto de vista jurídico, sob pena de nulidade por falta de fundamentação”.
Porém, a decisão recorrida não pode deixar de ser apreciada devidamente integrada na tramitação processual antecedente. Designadamente, haverá que ponderar toda a sequência de vicissitudes processuais das quais resulta, no essencial que:
- Na sequência do relatório de 09-02-2024 elaborado pelo NATT-PP foi determinado o acolhimento residencial do menor A, por decisão de 19-02-2024;
- Em 19-06-2024 tal medida foi substituída pela de apoio junto da tia materna;
- Perante a manifestação de indisponibilidade desta tia, em 17-02-2025 foi proferida a decisão recorrida, ainda a título cautelar, nos termos do artigo 37º da LPCJP, por continuar a revelar-se necessário proceder ao diagnóstico da situação da criança e ao seu encaminhamento subsequente, como ali foi expressamente referido.
Ora, de tal decisão consta expressamente que “(…) com base na factualidade descrita nos relatório/informações que aqui se dá por integralmente reproduzida (…) a tia materna mostra-se indisponível para continuar a prestar os cuidados ao sobrinho, os progenitores não reúnem condições para continuar a cuida do filho menor, aguardando-se o resultado das perícias ordenadas pelo Tribunal, não são conhecidos outros elementos da família alargada (materna ou paterna) que se possam constituir como alternativa em meio natural de vida, e não existem vagas em famílias de acolhimento”.
Tal fundamentação factual, embora sumária, evidencia que o tribunal ponderou os factos que justificaram as decisões precedentes relativas à alteração da medida de apoio junto dos pais para a de acolhimento (preferencialmente familiar e subsidiariamente residencial), por inexistir evidência de estar removida a situação de perigo, afirmando-se expressamente que “os progenitores não reúnem condições”. Ora, dos elementos carreados para os autos e da decisão cautelar anterior resulta que, no que se reporta à recorrente, tal falta de condições identifica-se com a sua atitude, designadamente no que se reporta a consumos (medicamentos e haxixe). Efetivamente, ali se refere aguardarem-se o resultado das perícias ordenadas que constituirão meio de prova determinante para apuramento das competências parentais necessárias para equacionar um projeto de vida consistente para o menor A. Ou seja, embora sem expressa enunciação dos factos provados, a decisão recorrida deve ser interpretada enquadrada na sua específica tramitação processual, evidenciando que apenas a indisponibilidade da tia surgiu como facto novo, que era necessário ponderar na definição da medida cautelar.
Extrai-se de tal decisão que o restante contexto factual (ponderado nas anteriores decisões) se mantinha, ali se afirmando expressamente que os pais não tinham condições para cuidar do A, que se aguardava resultado das perícias e ainda que se desconhecia a existência de família alargada que, naquele momento, pudesse apoiar o menor. A este propósito, não pode deixar de ter-se presente que a perícia realizada à recorrente concluiu que deveria beneficiar de acompanhamento psicológico e psiquiátrico, sendo imperioso que cessasse o consumo de haxixe e que alterasse as suas competências parentais. E a recorrente, que vem acompanhando o processo, sabia que a sua irmã cessara a disponibilidade anteriormente manifestada, sendo esse o único facto que justificava a alteração da medida cautelar fixada.
Ou seja, como resulta das alegações de recurso, a recorrente percebeu os fundamentos da decisão, o que, aliado ao seu caráter urgente e consequente menor exigência de fundamentação, afasta a nulidade que lhe foi apontada. Como vem sendo decidido sem divergências “Apenas a absoluta falta de fundamentação, que não a sua insuficiência, determina a nulidade da decisão (…) à falta absoluta assimila-se a fundamentação que não permita descortinar as razões de decidir” – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 05-12-2019 (proferido no processo nº 3689/19.3T8LRS-F.L1-6, disponível em www.dgsi.pt)..
Pelo exposto, conclui-se que a decisão recorrida não padece dos fundamentos de nulidade invocados pela recorrente.
A derradeira questão colocada ao tribunal consiste em determinar se a medida cautela fixada (acolhimento residencial) se revela adequada.
A recorrente pugna pela reunificação familiar, considerando que reúne condições para acolher e zelar pelo bem-estar do A
Ora, não podemos deixar de realçar que o objetivo visado com a LPCJP da Lei nº. 147/99, de 01/09 mostra-se enunciado no seu artigo 1º, identificando-se com “a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral”. Por outro lado, do artigo 3º daquele diploma, que dispõe da “legitimidade da intervenção”, resulta que:
1 - A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional”.
A intervenção, neste domínio, rege-se pelos princípios orientadores consagrados no artigo 4º daquele diploma, julgando ser de destacar os seguintes:
- Princípio do interesse superior da criança e do jovem, do qual resulta que: “a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto” - cfr. alínea a) do artigo 4º LPCJP;
- Princípio da proporcionalidade e atualidade, no sentido de que “a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade” – cfr. alínea e) do referido artigo 4º da LPCJP;
- Princípio da responsabilidade parental, no sentido de que “a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem” - cfr. alínea f) do referido artigo 4º LPCJP;
- Princípio da prevalência da família, no sentido de que “na promoção de direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável” – alínea h) do referido artigo 4º da LPCJP.
Certo é que tal intervenção visa efetivar o direito reconhecido às crianças de proteção “(…) da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, com assento no artigo 69º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 19º e 20 da Convenção sobre os Direitos da Criança (já citada).
Ora, a situação que determinou o acolhimento residencial do menor A em 19-02-2024, acrescendo a algumas dificuldades na relação familiar que justificaram a institucionalização dos restantes quatro filhos da recorrente (que se mantém), mostra-se relacionada, desde logo, com consumo excessivo e desregulado de medicação e de haxixe pela progenitora, que a fez adormecer no decurso de uma visita – programada - de técnica, visando apurar do bem estar do menor. E o certo é que, apesar do que a recorrente alega no seu recurso, não se vê como normalizar tais consumos como se os mesmos não afetassem a sua capacidade de exercer a maternidade de forma segura, consciente e responsável (relativamente a criança nascida em ...-...-2023, que à data da visita em que ocorreu tal incidente - 30-12-2023 - tinha oito meses de idade). Assim como não colhe a sua argumentação considerando que a presença de um menor de 16 anos disponível para cuidar do A a desobrigava de assumir uma atitude responsável, ao arrepio do princípio da responsabilidade parental supra enunciado. Não se trata de afirmar que a existência de problemas que se inscrevem ao nível da saúde mental e de consumos de substâncias químicas inviabilize a assunção da maternidade, mas apenas de considerar que devem ser assumidos e controlados por forma a que não façam perigar o bem estar da criança. Aliás, reitera-se que a avaliação psicológica realizada concluiu que a recorrente deveria beneficiar de acompanhamento psicológico e psiquiátrico, respeitando a medicação prescrita, cessando o consumo de haxixe e adequando as suas competências parentais, por forma a garantir um ambiente adequado ao retorno dos filhos. Ou seja, embora os autos evidenciem a existência de laços afetivos significativos entre a recorrente e os seus filhos, que não deverão deixar de ser valorados, os referidos aspetos demandam alterações de comportamento e de vida ainda não efetivadas.
Afigura-se, pois, que na ausência de elementos periciais que evidenciem que a recorrente está em condições de se responsabilizar pelo projeto de vida do A (em pleno ou mediante plano de acompanhamento), inexistem elementos – de facto e de direito - que permitam censurar a medida provisória decretada.
Na realidade, afigura-se que tal medida peca apenas pelo seu prolongamento excessivo no tempo, ultrapassando os seis meses legalmente estabelecidos (cfr. artigo 37º, nº 3, LPCJP). Porém, a esse facto não é alheia a necessidade de realização de provas toxicológicas, bem como a cessação da disponibilidade da tia materna do menor e o desconhecimento de outros familiares que possam contribuir para delinear um projeto de vida para o A. Afigura-se, assim, que ocorrem “razões ponderosas” que impõem a manutenção de medida provisória, por forma a evitar que a criança regresse à situação de perigo que “desencadeou o processo” – neste sentido, Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A criança e a Família – Uma questão de direito(s)”, 2ª edição, Coimbra editora, pág. 73 e 74.
Concluindo-se pela adequação da medida decretada, indefere-se o recurso.
*
A recorrente, atento o seu decaimento, suportará as custas do recurso por aplicação da regra consagrada no artigo no artigo 527º, CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª Secção Cível em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente – cfr. artigo 527º, nº 1, CPC.

Lisboa, 10-04-2025
Rute Sobral
Pedro Martins
António Moreira