MAIOR ACOMPANHADO
RECURSO DE APELAÇÃO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
MEDIDA DE ACOMPANHAMENTO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário


O artigo 901º do Código de Processo Civil visa essencialmente definir a legitimidade para a interposição de recurso neste processo especial não cuidando do regime da sua admissibilidade e não restringindo, portanto, o objecto da apelação à estrita questão da fixação da medida de acompanhamento de maior, pelo que é de admitir a impugnação por essa via (pelo menos num único grau) relativamente a matérias conexas.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

Instaurou AA, com residência em Rue..., em ..., em França, ao abrigo do disposto nos artigos 138º e 141º, ambos do Cód. Civil, a presente acção especial de acompanhamento de maior, relativamente a BB, identificado nos autos, requerendo que se decrete o acompanhamento do requerido.

Tendo o processo seguido os seus regulares termos foi, a final, proferida decisão do seguinte teor:

“Nestes termos, julgando a ação procedente, decide-se:

1. Declarar suprida a autorização do beneficiário para a interposição da presente ação;

2. Decretar a medida de acompanhamento de representação geral a BB, nascido no dia ... de ... de 1939, sendo filho de CC e de DD;

3. Fixar a data provável do início da necessidade de acompanhamento, pelo menos, no decurso do mês de setembro de 2023;

4. Nomear como acompanhante do beneficiário o mencionado EE, identificado nos autos, ao qual competirá a representação geral do acompanhado;

5. Determinar a desnecessidade de constituição de conselho de família, nomeando, no entanto, a indicada AA, filha do beneficiário, melhor identificada nos autos, para exercer o cargo de acompanhante substituta;

6. Determinar que a publicidade da decisão se limita ao que decorre do registo;

7. Consignar que não há notícia da existência de testamento vital ou de procuração para prestação de cuidados de saúde outorgados pelo beneficiário.

8. Consignar que o beneficiário fica impedido de perfilhar, adotar, exercer responsabilidades parentais, decidir as suas intervenções cirúrgicas e tratamentos, deslocar-se no país ou no estrangeiro, fixar domicílio/residência e testar;

9. Não são devidas custas, nos termos do artigo 4º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais.

Registe e notifique”.

Não se conformando com o assim decidido veio o Requerente interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:

I. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não poderia ter afirmado na fundamentação da matéria de facto da sentença:

a. “A este propósito, cumpre salientar que o mesmo [(rectius,

EE, filho do beneficiário)] já vem

desempenhando essas funções, sendo que o beneficiário e a

esposa outorgaram uma procuração para o efeito.

b. Acresce que não se provou que essa procuração tenha sido

outorgada pelo beneficiário sem que o mesmo não detivesse

capacidade para o efeito”.

II. A intitulada “procuração” não é um instrumento notarial público, não está autenticada, nem as assinaturas reconhecidas em conformidade com a lei; a intitulada “procuração” para ser válida teria de cumprir com o preceituado no artigo 152.º do Código do Notariado, o qual estabelece que “Se o documento que se pretende autenticar estiver assinado a rogo, devem constar, ainda, do termo o nome completo, a naturalidade, o estado e a residência do rogado e a menção de que o rogante confirmou o rogo no acto da autenticação”;

III. Do mesmo modo, o artigo 154.º, n.º 3 do Código do Notariado estabelece que “O rogo deve ser dado ou confirmado perante o notário, no próprio acto do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante”.

IV. E nos termos do artigo 155.º, n.º 4 do Código do Notariado “O reconhecimento da assinatura a rogo deve fazer expressa menção das circunstâncias que legitimam o reconhecimento e da forma como foi verificada a identidade do rogante”;

V. E, independentemente do rogo, sempre teriam de se verificar e ser imperativamente cumpridos os requisitos essenciais referidos na alínea a), do n.º 1 e n.º 2 do artigo 151.º do Código de Notariado, nomeadamente “1

- O termo de autenticação, além de satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º, deve conter ainda

[…a] declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade; 2- É aplicável à verificação da identidade das partes, bem como à intervenção de abonadores, intérpretes, peritos, leitores ou testemunhas, o disposto para os instrumentos públicos”.

VI. Ora, da intitulada “procuração” junta aos autos com o requerimento de referência n.º ...28 (ref.ª citius n.º ...56, de 08 de fevereiro de 2024) consta apenas o papel timbrado de um Cartório Notarial da ..., a palavra “conteúdo” e três assinaturas.

VII. Do mesmo modo, em instrumento notarial público, autenticação de documentos ou reconhecimento de assinaturas tem de constar obrigatoriamente o dia, mês e ano ou lugar em que foi lavrado (rectius, o ato notarial);

VIII. A violação das normas imperativas suprarreferidas conduz, necessariamente, à nulidade das declarações inscritas na intitulada “Procuração”, nos termos do artigo 220.º do Código Civil;

IX. E, sempre com todo o devido respeito, sendo a nulidade de conhecimento oficioso (art. 286.º do C.C.) não poderia o tribunal a quo fundamentar a sua decisão em um documento que encerra declarações negociais nulas.

X. Quer os artigos 151.º, 152.º, 154.º e 155.º do Código do Notariado, quer os artigos 220.º e 286.º do Código Civil são normas imperativas e deveriam ter sido interpretados no sentido de o documento junto aos autos não ter qualquer validade e relevância para a fundamentação da matéria de facto nos termos e para os efeitos do artigo 639.º, n.º 2, al. a) e b) do C.P.C.

XI. As declarações negociais integradas na intitulada “procuração” para poderem ser consideradas, como considerou o tribunal a quo, como resultantes de procuração outorgada em Cartório Notarial teriam de constar obrigatoriamente de documento autêntico ou autenticado;

XII. Não sendo o caso, não pode esse facto ser dado como provado com base em documento “que não seja de força probatória superior” (art. 364.º do C.C.);

XIII. Ademais, se alguém pretendesse prevalecer-se dos direitos que eventualmente resultassem da intitulada “procuração” cabia a essa pessoa fazer prova dos factos constitutivos dos direitos alegados (art. 342.º do CC);

XIV. Sempre com o devido respeito, ao inverter o ónus de prova em contradição com o estipulado no referido artigo 342.º do CC, o tribunal a quo aplica também erradamente esta norma legal;

XV. Devendo este artigo 342.º do CC ser aplicado em conformidade com a interpretação referida no ponto XIII destas conclusões;

Consequentemente, nos termos e para os efeitos do artigo 640.º, n.º 1 do C.P.C.

XVI. O ponto 30. da matéria de facto dada como provada e descrito como “Em 19 de Agosto de 2022, o beneficiário e a sua esposa conferiram procuração no Cartório Notarial do Dr. FF, na ..., a favor do seu filho EE, a quem concederam poderes para gerir e administrar os seus bens” foi incorretamente julgado, devendo passar a fazer parte integrante dos factos dados como não provados, pois não tem sustentação na prova produzida, nem nas regras atinentes ao ónus de prova suprarreferidas;

XVII. Não havendo prova, porque o documento referido na fundamentação da decisão proferida pelo tribunal a quo padece de nulidade, esse facto deveria necessariamente ter sido dado como não provado, pois não há nos autos qualquer procuração validamente celebrada em Cartório Notarial que tenha sido junta até à data de interposição deste recurso;

Do mesmo modo, ainda sob a alçada do artigo 640.º, n.º 1 do C.P.C.

XVIII. Sempre com o devido respeito, o tribunal a quo andou mal ao integrar o ponto n.º 26 na matéria de facto dada como provada da forma como o fez, consagrando que “O requerido perdeu a sua capacidade de autonomia, pelo menos em Setembro de 2023”, apesar de o tribunal a quo ter prova suficiente, inequívoca e especializada para considerar que “o requerido perdeu a sua capacidade de autonomia em 27/08/2018, ou seja, à data do 1.º AVC”;

XIX. Porquanto o relatório pericial e os esclarecimentos prestados pela Sra. Perita são inequívocos quanto a esse facto; na conclusão do relatório pericial está dito inequivocamente pela Sra. Perita que “o requerido mostrou à observação sintomatologia compatível com o diagnóstico défices cognitivos e alterações do comportamento decorrentes de AVC. É provável que este quadro clínico tenha tido início aquando do 1.º AVC, com agravamento acentuado em Setembro de 2023 (último AVC). É uma patologia com tratamento de suporte e não curativo, com prognóstico desfavorável (cfr. relatório pericial junto aos autos através de e-mail enviado pelo Hospital de ... em 04 de março de 2024 (referência citius n.º ...31, de 04 de março de 2024).

XX. Ora, a Sra. Perita apresentou o seu relatório pericial ao abrigo do artigo 899.º do C.P.C., ou seja, “elabora[ndo] um relatório que precis[ou ...], a afeção de que sofre o beneficiário, as suas consequências, a data provável do seu início […]”;

XXI. Quanto à afirmação perentória por parte da Senhora Perita sobre a data provável do início da afeção de que sofre o beneficiário o Meritíssimo Juiz a quo não suscitou quaisquer reservas, nem pediu esclarecimentos e, por esse facto, a aqui recorrente aceitou legitimamente que o Meritíssimo Juiz a quo não considerou, à data, que permanecessem dúvidas sobre a data provável do início da afeção de que sofre o beneficiário, pois se assim fosse deveria ter lançado mão do disposto no n.º 2 do artigo 899.º do C.P.C.

XXII. Foram pedidos esclarecimentos pelo filho do beneficiário (!) e a Senhora Perita manteve perentoriamente que a data provável do início da afeção de que sofre o beneficiário é a do 1.º AVC, ou seja, o AVC que o beneficiário sofreu em 27/08/2018 (cfr. esclarecimentos prestados e juntos aos autos através de e-mail do Hospital de ... em 02 de julho de 2024, referência citius n.º ...00, de 02 de julho de 2024);

XXIII. Nestes esclarecimentos prestados pela Senhora Perita, esta reafirma perentoriamente que “Segundo os registos clínicos no processo, o requerido era autónomo previamente ao AVC sofrido em 2018. Após este evento ficou com sequelas motoras e cognitivas” e que “o requerido mostrou à observação sintomatologia compatível com o diagnóstico défices cognitivos e alterações do comportamento decorrentes de AVC. É provável que este quadro clínico tenha tido início aquando do 1.º AVC, com agravamento acentuado em Setembro de 2023 (último AVC);

XXIV. Destarte, atendendo ao relatório pericial, aos esclarecimentos prestados e ao preceituado no referido artigo 899.º do C.P.C. o tribunal a quo deveria ter dado como provado que “o requerido perdeu a sua capacidade de autonomia em 27/08/2018, ou seja, à data do 1.º AVC”;

XXV. Devendo ser alterado o referido ponto n.º 26 da matéria de facto em conformidade, pois que o agravamento sofrido em 2023 nada altera a posição sempre defendida pela Senhora Perita quanto à data provável do início da afeção de que sofre o beneficiário, que não teve dúvidas em afirmar e reafirmar ter ocorrido aquando do 1.º AVC, ou seja, em 27/08/2018; e inexistem nos autos quaisquer outras provas que infirmem o que sempre foi defendido em perícia médica realizada;

XXVI. E em conformidade deverá ser alterado o ponto 3 da parte dispositiva da sentença no sentido de “Fixar a data provável do início da necessidade de acompanhamento em 27 de agosto de 2018”.

Sem prescindir,

XXVII. No âmbito da fundamentação de Direito, o tribunal a quo estabelece que “como acompanhante substituta desde já se designa a indicada AA, filha do beneficiário, melhor identificada nos autos, à qual o acompanhante deverá periodicamente fornecer todas as informações referentes à saúde e à gestão do património do beneficiário” e no ponto 5 da parte dispositiva da sentença o tribunal a quo apenas consagra “Determinar a desnecessidade de constituição de conselho de família, nomeando, no entanto, a indicada AA, filha do beneficiário, melhor identificada nos autos, para exercer o cargo de acompanhante substituta”;

XXVIII. Ora, sob pena de não ser possível à aqui recorrente dar cumprimento à decisão proferida e cumprir com o seu dever de cuidado e diligência no interesse imperioso do beneficiário em conformidade com preceituado no artigo 143.º. n.º 2 do C.C., deveria a sentença fixar expressamente a concreta periodicidade com que o acompanhante EE deve fornecer todas as informações referentes à saúde e à gestão do património do beneficiário”;

XXIX. Posto que só com essa informação prestada pelo acompanhante, em prazo não excessivamente longo, poderá a aqui recorrente exercer as suas funções de acompanhante substituta no imperioso interesse do beneficiário nos impedimentos do acompanhante designado, sem correr o risco de enquanto acompanhante substituta atuar erradamente por ação ou omissão face à falta de informação minimamente atualizada;

XXX. Devendo, por isso, a decisão do tribunal a quo ser alterada no sentido de fixar no ponto 5 da parte dispositiva da mesma uma periodicidade, no máximo, de 3 em 3 meses para o acompanhante fornecer todas as informações referentes à saúde e à gestão do património do beneficiário.

Sem conceder e, salvo o devido respeito,

XXXI. Na remota hipótese de improcederem os fundamentos aduzidos supra então, a sentença é igualmente nula (art.º 615.º, n.º 1, alínea c);

XXXII. Porquanto sempre será ambígua quanto ao modo e espaço temporal com que o acompanhante EE deverá fornecer à aqui recorrente (acompanhante substituta) as informações referentes à saúde e à gestão do património do beneficiário;

XXXIII. Para a salvaguarda do imperioso interesse do beneficiário, a aqui recorrente (acompanhante substituta) deverá estar informada, com uma periodicidade concretamente determinada e não muito longa, sob a evolução da saúde do beneficiário e o modo como a gestão do património do beneficiário está a ser levada a cabo pelo acompanhante EE, evitando-se desse modo o risco de acompanhante substituta não adotar a conduta adequada face à evolução da saúde e gestão do património do beneficiário; atendendo à afeção de que padece o beneficiário não poderá a aqui recorrente obter deste algumas dessas informações.

Respondeu o Ministério Público pronunciando-se pela improcedência do recurso de apelação.

Pelo Juiz Desembargador relator foi proferida a seguinte decisão singular:

“Preceitua a este respeito o artigo 900.º do CPCivil sob a epígrafe “Decisão” que:

1 - Reunidos os elementos necessários, o juiz designa o acompanhante e define as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º do Código Civil e, quando possível, fixa a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes.

2 - O juiz pode ainda proceder à designação de um acompanhante substituto, de vários acompanhantes e, sendo o caso, do conselho de família.

3 - A sentença que decretar as medidas de acompanhamento deverá referir expressamente a existência de testamento vital e de procuração para cuidados de saúde e acautelar o respeito pela vontade antecipadamente expressa pelo acompanhado.

Por sua vez o artigo 901.º do mesmo diploma legal sob a epígrafe “Recursos” estatui que:

“Da decisão relativa à medida de acompanhamento cabe recurso de apelação, tendo legitimidade o requerente, o acompanhado e, como assistente, o acompanhante”.

Da concatenação destas duas normas ressalta que o recurso de apelação tem o seu objeto restringido apenas e só à medida de acompanhamento.

Repare-se que o artigo 900.º, nº 1 define aquilo que deve ser o conteúdo da decisão, nele se referindo que nela o juiz designa o acompanhante e define as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º do Código Civil e, quando possível, fixa a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes.

Acontece que, no artigo 901.º, o legislador restringe o âmbito do recurso apenas à decisão da medida de acompanhamento, dele ficando excluídos os restantes segmentos decisórios.

E contra isso não se argumente que o citado preceito visa regular simplesmente o pressuposto de legitimidade para efeitos de recurso da sentença, à semelhança do que já acontecia com o artigo 902.º do anterior CPCivil.

Como preceitua o nº 3 do artigo 9.º do Código Civil, o interprete, na fixação do sentido e alcance da lei, presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Ora, se fosse intenção do legislador que o recurso de apelação fosse mais abrangente, teria adotado uma diferente redação do preceito, pois que, bastava que tivesse dito, “tout court”, que da decisão (sentença) cabia recurso de apelação, ainda que de seguida se referisse, em concreto, à legitimidade para a sua interposição como, de resto, sucedia na redação do antigo artigo 902.º.

Todavia, não foi isso que se verificou.

O legislador de modo enfático, referindo-se aos recursos, restringiu-o à decisão da medida de acompanhamento, adotando, portanto, uma redação específica para o preceito e diferente da que tinha o pretérito artigo 902.º.

E, respeitando-se, entendimento diverso, não vemos que outra leitura possa ter o citado preceito.

Na verdade, não obstante o acompanhamento se limite ao necessário (cf. artigo 145.º, nº 1 do CCivil), o certo é que o tribunal, em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes que a seguir vêm discriminados nas várias alíneas do nº 2 do citado artigo 145.º, ou seja, são as medidas decretadas que poderão ditar a maior ou menor compressão no pleno exercício de todos os direitos do acompanhado, tanto mais que a medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam (cf. nº 2 do artigo 140.º do Civil).

Como assim, é perfeitamente compreensível, que nesse segmento decisório o legislador tenha querido assegurar, pelo menos um grau de recurso.

Mas tais preocupações de sindicância, entendeu o legislador que já não se justificariam nos restantes segmentos decisórios e, concretamente, para as questões elencadas nas alegações recursivas pela recorrente, a saber:

a) - impugnação da matéria de facto quando não vem posta em causa a medida de acompanhamento decretada;

b) - alteração da data provável do início da necessidade de acompanhamento;

c)- fixação concreta da periodicidade com que o acompanhante EE deve fornecer todas as informações referentes à saúde e à gestão do património do beneficiário à acompanhante substituta designada.

Não é, portanto, posta em causa a medida de acompanhamento decretada. *

Ainda sempre se dirá que da pretendida alteração factual a recorrente não retira daí qualquer pretensão de alteração da medida.

Quanto à data de início da incapacidade não só não é obrigatório fixá-la como também a recorrente não indica minimamente qual o interesse na sua alteração (em que medida essa decisão a prejudica?)

Quanto à periodicidade com que deve ser informada pelo acompanhante não só a lei não exige que seja fixada como pode, caso venha a ocorrer conflito entre o mesmo e a Recorrente quanto à informação a prestar, vir a ser fixada posteriormente já que se trata de um processo de jurisdição voluntária.

Por ora, não exigindo a lei que se fixe qualquer periodicidade de contactos entre o acompanhante e a substituta não há qualquer motivo para a fixação sendo certo que, mais uma vez, a alteração pretendida não contende nem respeita ao conteúdo da medida de acompanhamento.

Relativamente à nulidade da sentença também invocada pela recorrente e não se conhecendo do objeto do recurso, a mesma já foi apreciada pelo tribunal recorrido aquando da prolação do despacho que admitiu o recurso.”

Veio a Ré interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

I-O recurso de apelação interposto para o Tribunal da Relação do Porto teve como fundamentos o errado julgamento por parte do tribunal de primeira instância no que se refere à medida de acompanhamento (representação geral), modo de exercício da medida de acompanhamento por parte da aqui recorrente fixado pelo tribunal de primeira instância (exercício de representação geral em substituição), assim como a impugnação da matéria de facto dada como provada e a data provável do início da necessidade de acompanhamento;

II- A inadmissibilidade de recurso decidida pelo Tribunal da Relação Porto incide, nestes autos, sobre a interpretação do artigo 901.º do C.P.C. e está, s.m.o., em absoluta contradição com o decidido no próprio Tribunal da Relação do Porto em outros processos, em outros Tribunais da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça, que se mencionam nas conclusões seguintes e que incidem sobre a mesma questão fundamental de Direito;

III- No processo n.º 215/20.5T8EPS.G1 foi proferido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que considerou dever conhecer do recurso de apelação que visava a nomeação de acompanhante e o modo como deve exercer funções para a “melhor salvaguarda o interesse imperioso do beneficiário”, por considerar que se trata de parte integrante de um dos segmentos decisórios que admite recurso de apelação;

IV- No processo n.º 11405/22.6T8SNT.L1-6, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que o segmento decisório relativo ao exercício de representação geral em substituição por parte da recorrente e o modo como devem estar articulados acompanhante e acompanhante substituta para salvaguarda do interesse imperioso do beneficiário é suscetível de recurso de apelação pois […]

[…] “No âmbito de uma acção de maior acompanhado nomeadas duas acompanhantes, uma para as questões pessoais e outra para as questões patrimoniais, e fixadas na sentença as funções a exercer por cada uma das acompanhantes, estas devem, a todo o passo, articular-se no sentido do cabal exercício das mesmas […] sempre do prisma da salvaguarda daquilo que é o interesse imperioso do beneficiário”;

V- Em Acórdão proferido em 23 de maio de 2024, foi o próprio Tribunal da Relação do Porto a considerar que a decisão de que se pode interpor recurso nos termos do artigo 901.º do C.P.C. deve ser delimitada por via de uma interpretação articulada com a norma processual que o antecede (o artigo 900.º do C.P.C), pois que admitiu recurso de apelação quando estava tão somente em causa como objeto do recurso o seguinte:

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações de recurso demandam desta

Relação que decida as seguintes questões:

i. Se a fundamentação de facto da sentença deve ser alterada.

ii. Se para efeitos do artigo 900.º do Código de Processo Civil, é possível fixar a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes e, na afirmativa, que data deve ser fixada”.

VI- A questão suscitada pela aqui Recorrente (no recurso de apelação interposto) sobre o facto de não ter sido fixado pelo tribunal de primeira instância o modo de substituição do acompanhante nas suas faltas e impedimentos integra, também, um dos segmentos decisórios tal como foi considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em Acórdão proferido no processo n.º 4060/19.2T8LRS.L1.S1;

VII- E este Acórdão do STJ admitiu o recurso quando estava em causa o exercício de acompanhamento devidamente articulado com outras pessoas que deveriam substituir o acompanhante nas suas faltas e impedimentos;

VIII- Ora, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto nos presentes autos está em contradição com os Acórdãos suprarreferidos e incide sobre a interpretação de uma mesma norma legal e sobre a mesma questão fundamental de Direito, ou seja, a admissibilidade de recurso de apelação ao abrigo do artigo 901.º do C.P.C.

IX- Assim, por consequência, requer-se que o Sapientíssimo Supremo Tribunal de Justiça reveja e revogue o Acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação do Porto, determinando a admissibilidade do recurso de apelação interposto ao abrigo do artigo 901.º conjugado com o artigo 900.º, ambos do C.P.C., por ser a interpretação mais conforme com o espírito da lei, com a inserção sistemática da norma e para garantia da tutela jurisdicional efetiva, como foi fixado nos Acórdãos com os quais se encontra em contradição sobre a mesma questão fundamental;

X-Por outra banda, a condenação da Recorrente em custas no âmbito do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto nos presentes autos, ao abrigo do artigo 527.º, nº 1 do C.P.C.mostra-seem contradição com vários outros Acórdãos das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça no que concerne à isenção de custas em processos de acompanhamento de maiores;

XI- Em todos os Acórdãos referidos nas conclusões que se seguem foi considerado não haver lugar a condenação em custas em processos de acompanhamento de maior pelo facto de estar legalmente consagrada isenção objetiva de custas nesses processos, devendo o artigo 527.º, nº 1 do C.P.C. ser aplicado em articulação com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, al. h) do Regulamento de Custas Processuais;

XII- Destarte, sobre a condenação em custas o Acórdão de que se recorre está em contradição com outros no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito, ou seja, a isenção de custas;

XIII- Sendo visível essa contradição com o Acórdão do TRG quanto à isenção de custas em incidentes (apesar de improceder o recurso o recorrente ficou isento de custas no processo n.º 989/19.6T8VVD-D.G1), com os Acórdãos do TRP no que concerne a isenção objetiva de custas processuais em recursos de apelação (apesar de improceder o recurso o recorrente ficou isento de custas no processo n.º 472/23.4T8MTS.P1, no processo nº 2588/22.6T8VNG.P1, no processo nº 1215/22.6T8MTS-A.P1 e no processo n.º 4742/23.4T8MTS.P2), com os Acórdãos do TRG no que concerne a isenção objetiva de custas processuais em recursos de apelação (apesar de improceder o recurso o recorrente ficou isento de custas no processo n.º 188/11.5TBCMN-B.G1 e no processon.º 225/23.0T8CBT.G1) e com o Acórdão do STJ no que concerne a isenção objetiva de custas processuais em recursos de revista (processo n.º 2822/23.5T8PRT.P1.S1 que, citando, decidiu “1)Julgar improcedente a revista confirmar o acórdão recorrido. 2) Sem custas (art.4º nº2 h) RCP)”);

XIV- No Acórdão do TRL (processo n.º 45824/18.8YIPRT-A.L1) foi considerado não haver lugar a condenação em custas ao abrigo do 527.º, nº 1 do C.P.C. em processos em que não há um vencido em recurso interposto, como sucede nos presentes autos em que o processo é intentado para salvaguarda dos interesses do beneficiário, não podendo a aqui Recorrente considerar-se vencida por não se verificar a causalidade;

XV- Destarte, estando o Acórdão proferido nos presentes autos em completa contradição com os Acórdãos das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça referidos nos itens anteriores destas conclusões, deverá ser revisto e revogado pelo Sapientíssimo Supremo Tribunal de Justiça, declarando-se a isenção objetiva de custas nos termos do artigo 527.º, nº 1 do C.P.C. conjugado com o artigo 4.º, n.º 2, al. h) do Regulamento de Custas Processuais (RCP);

XVI- Porquanto por via da redação que foi dada ao referido artigo 4.º, n.º 2, al. h) do RCP, pelo artigo 424.º da Lei n. Lei n.º 2/2020, de 31 de março, passou a consagrar-se a isenção objetiva de custas em “processos de acompanhamento de maiores” e afastou-se a anterior previsão que só se aplicava aos “maiores acompanhados ou respetivos acompanhantes nos processos de instauração, revisão e levantamento de acompanhamento”-

Termos em que, e nos demais de Direito que V. Exas. mais doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, através deste, ser revogado e alterado o Acórdão recorrido nos incisos identificados e descritos nas conclusões destas alegações de recurso, declarando-se a admissibilidade do recurso de apelação interposto com todas as consequências legais.

Não houve resposta.

II – FACTOS PROVADOS.

Os indicados no RELATÓRIO supra.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

Admissibilidade e âmbito do recurso de revista no processo especial de maior acompanhado

Passemos à sua análise:

O presente recurso de revista versa exclusivamente sobre o âmbito do disposto no artigo 901º do Código de Processo Civil, onde se refere:

“Da decisão relativa à medida de acompanhamento cabe recurso de apelação, tendo legitimidade o requerente, o acompanhado e, como assistente, o acompanhante”

No acórdão recorrido entendeu-se que:

“(…) o artigo 900.º, nº 1 define aquilo que deve ser o conteúdo da decisão, nele se referindo que nela o juiz designa o acompanhante e define as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º do Código Civil e, quando possível, fixa a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes.

Acontece que, no artigo 901.º, o legislador restringe o âmbito do recurso apenas à decisão da medida de acompanhamento, dele ficando excluídos os restantes segmentos decisórios.

E contra isso não se argumente que o citado preceito visa regular simplesmente o pressuposto de legitimidade para efeitos de recurso da sentença, à semelhança do que já acontecia com o artigo 902.º do anterior CPCivil.

(…) se fosse intenção do legislador que o recurso de apelação fosse mais abrangente, teria adotado uma diferente redação do preceito, pois que, bastava que tivesse dito, “tout court”, que da decisão (sentença) cabia recurso de apelação, ainda que de seguida se referisse, em concreto, à legitimidade para a sua interposição como, de resto, sucedia na redação do antigo artigo 902.º.

Todavia, não foi isso que se verificou.

O legislador de modo enfático, referindo-se aos recursos, restringiu-o à decisão da medida de acompanhamento, adotando, portanto, uma redação específica para o preceito e diferente da que tinha o pretérito artigo 902.º.

E, respeitando-se, entendimento diverso, não vemos que outra leitura possa ter o citado preceito.

Na verdade, não obstante o acompanhamento se limite ao necessário (cf. artigo 145.º, nº 1 do CCivil), o certo é que o tribunal, em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes que a seguir vêm discriminados nas várias alíneas do nº 2 do citado artigo 145.º, ou seja, são as medidas decretadas que poderão ditar a maior ou menor compressão no pleno exercício de todos os direitos do acompanhado, tanto mais que a medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam (cf. nº 2 do artigo 140.º do Civil).

Como assim, é perfeitamente compreensível, que nesse segmento decisório o legislador tenha querido assegurar, pelo menos um grau de recurso.

(…)

Mas tais preocupações de sindicância, entendeu o legislador que já não se justificariam nos restantes segmentos decisórios e, concretamente, para as questões elencadas nas alegações recursivas pela recorrente, a saber:

a) - impugnação da matéria de facto quando não vem posta em causa a medida de acompanhamento decretada;

b) - alteração da data provável do início da necessidade de acompanhamento;

c)- fixação concreta da periodicidade com que o acompanhante EE deve fornecer todas as informações referentes à saúde e à gestão do património do beneficiário à acompanhante substituta designada.

Não é, portanto, posta em causa a medida de acompanhamento decretada”. *

Com estes fundamentos o Tribunal da Relação do Porto, actuando em Conferência, manteve a decisão singular reclamada e decidiu não conhecer do objecto do recurso de apelação, julgando-o findo.

Apreciando:

Entendemos não ser aceitável a posição adoptada no acórdão recorrido.

A norma em causa, cuja redacção foi introduzida pela Lei nº 49/18, de 14 de Agosto, reporta-se essencialmente à definição da legitimidade para a interposição de recurso neste processo especial.

O mesmo preceito não trata, propriamente e nessa medida, do regime da sua admissibilidade, não restringindo, portanto, o objecto da apelação à questão da estrita fixação da medida de acompanhamento de maior, sem admitir sequer a sua impugnação (pelo menos num único grau) relativamente a matérias conexas.

(Neste sentido, vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa in “Código de Processo Civil Anotado. Volume II, Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial. Artigos 703º a 1139º”, Almedina, 2020, a página 342; Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2024, 8ª edição, a página 718, onde se salienta que no artigo 901º “pretende-se abarcar qualquer decisão judicial do processo especial”, bem como que “Ademais, tendo em conta que a norma visa regular especificamente a legitimidade recursória e não tanto a admissibilidade do recurso”; vide também Miguel Teixeira de Sousa in “O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspectos Processuais”, in O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, Fevereiro de 2019, pág. 53., disponível em www.cej.mj.pt).

De resto, no recurso de apelação apresentado são suscitadas diversas questões susceptíveis, por si só, por via do efeito anulatório que a recorrente – bem ou mal - lhes atribui de colocar hipoteticamente em crise a configuração concreta da decisão que fixou a medida de acompanhamento de maior, nos exactos termos em que o fez, não se justificando de modo algum a restrição do direito ao recurso – até num único grau – que o acórdão recorrido estabeleceu.

De resto, o Tribunal Constitucional no seu muito recente acórdão nº 186/2005, de 25 de Fevereiro de 2025 (relator Carlos Medeiros de Carvalho), publicado in Diário da República nº 65/2025, II Série, de 2 de Abril de 2025, numa situação perfeitamente similar à tratada nos presentes autos concluiu:

“Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1 da Constituição, o n.º 1 do artigo 901.º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual o recurso de apelação não é admissível quando a discordância quanto à sentença respeite apenas ao segmento relativo à nomeação da pessoa do acompanhante”.

Pode ler-se, a este mesmo respeito no mencionado acórdão do Tribunal Constitucional:

“Não se vislumbra qualquer razão para uma interpretação restritiva do artigo 901.º do Código de Processo Civil que, tem de ser interpretado no sentido de abranger qualquer segmento da decisão, pois na verdade não existem um sem o outro.

Se o que se visa acautelar é a pessoa do acompanhado, nomeadamente, os seus interesses, seria, no mínimo, irónico optar por uma via interpretativa que colocasse em causa esses mesmos interesses.

O artigo deve ser interpretado no sentido de que sobre as medidas de acompanhamento, apenas aquelas pessoas têm legitimidade. Não pode ser vista no sentido de excluir o recurso sobre as demais questões que se possam colocar num processo de acompanhamento de maior.

Sob pena de manifesta inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º e 202.º da CRP.

Neste sentido,

Atente-se o Acórdão do STJ de 14/01/2021,

Na interpretação do art. 901.º do CPC deve atender-se a que, estando em causa, nas acções de acompanhamento de maiores, o direito à capacidade civil, consagrado nos n.os 1 e 4 do art. 26.º da CRP, se justifica plenamente a possibilidade de o STJ sindicar as decisões da Relação quanto às quais não se verifica dupla conforme, tal como sucede, em geral nos demais processos especiais.

II. Assim, e uma vez que a letra do art. 901.º do CPC não o exclui, entende-se que não vigora neste tipo de processos um princípio de irrecorribilidade para o STJ, sendo de concluir que o sentido útil da norma legal será o de regular especificamente a legitimidade para recorrer de decisão relativa a medida de acompanhamento de maior.

Arresto, onde se pode ler,

A 1.ª instância fundamentou a decisão de admissão do recurso de apelação no facto de o processo especial de acompanhamento de maiores não prever regras especiais para recorrer, salvo – como se viu supra – a regra prevista no art. 901.º do CPC a respeito do recurso da decisão relativa à medida de acompanhamento. Considerando que tal não significa que as demais decisões proferidas nestes processos sejam irrecorríveis, mas antes que às mesmas é aplicável o regime geral previsto nos arts. 627.º e segs. do CPC, ex vi art. 549.º, n.º 1, nomeadamente, o disposto no n.º 2 do art. 631.º do CPC: “As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”.

Concluir que a designação do acompanhante não pode ser objeto de sindicância superior, é atribuir um poder discricionário absoluto que nem o nosso ordenamento jurídico nem a Constituição permitem. Note-se que tal nem sequer era ponderado no anterior regime das interdições, em que o interesse do acompanhado não estava devidamente acautelado. A decisão viola manifestamente o preceituado no artigo 143.º do Código Civil.

A sentença de que se recorre evidencia esta violação quando refere “a referida designação pertence em princípio ao acompanhado”.

Essa decisão foi tomada por um sujeito capaz do ponto de vista jurídico civil e o tribunal não respeitou a decisão.

O Tribunal superior entende que a verificação do cumprimento legal dos critérios estimulados na Lei e que norteiam o espírito dessas mesmas normais, não merece a sindicância superior, o que se não pode conceder.

In casu, o recurso versa sobre a não aplicação dos critérios previstos no artigo 143.º CC e não pode estar vedado ao acompanhado recorrer desta decisão. Não podemos concluir que existem normas que instruem e regulamentam a nomeação do acompanhante e não possa haver controlo e sindicância superior sobre a aplicação dessas normas.

Doutra forma tais normas seriam letra morta.

IV – Da inconstitucionalidade

Muito se estranha este sentimento de que existem normas que atribuem critérios que o Julgador tem de seguir, que não estão sujeitas a qualquer controlo jurisdicional.

Não está em causa o princípio da admissibilidade ilimitada do recurso mas a possibilidade de existir uma instância de recurso, um grau de recurso de uma decisão do Tribunal de primeira instância, sobre o primado das próprias normas em causa.

Mais, a interpretação da norma no sentido da separação dos segmentos decisórios e da não admissibilidade do recurso não é compatível com as garantias constitucionais plasmadas no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

(…)

O direito fundamental a um processo justo e equitativo não seria acautelado se não for admissível recorrer da decisão que designa o acompanhado [sic], deixando o acompanhante [sic] à mercê de uma decisão imponderada do Tribunal da 1.ª instância, que não poderia ser controlada por uma instância superior.

Entendeu a Relação do Porto que o artigo 901.º do CPC é claro e que o legislador só quis permitir recurso sobre as medidas de acompanhamento e afastou a possibilidade de recurso sobre a designação do acompanhante.

Não deixa de ser curioso o facto de esta decisão da Relação invocar que a designação encontra-se prevista no artigo 143.º do CC, nomeadamente respeitar-se a decisão do acompanhado, se houver.

In casu, o acompanhado decidiu, escolheu os acompanhantes, encontrando-se tal registado quer no relatório médico, quer nas suas declarações gravadas em áudio quando foi ouvido.

O recorrente entende que o Tribunal não respeitou essa escolha, mas o recorrente não pode recorrer dessa gritante omissão do Tribunal!

Afigura-se não pode ser possível harmonizar o critério legal de escolha do acompanhante previsto na Lei, com a impossibilidade de o acompanhante não pode recorrer da violação desses critérios.

Não se compreende como o Tribunal entende que determinados critérios legais foram fixados pelo legislador, se violados pelo Tribunal, não possam ser corrigidos, não possa o acompanhante requerer que a Lei seja cumprida, ou que se fiscalize se tais critérios foram respeitados!

Tal raciocínio levado ao extremo implica que qualquer decisão do Tribunal, que não seja relativo às medidas concretas, não possa ser objeto de recurso e consequentemente qualquer atropelo à Lei não possa ser corrigido!

Seria um poder absoluto do julgador a quo! Que manifestamente viola o disposto no artigo 20.º e 202.º da CRP.

Será a denegação dos mais elementares princípios de acesso ao direito e à Justiça, em gritante violação aos princípios constitucionais referidos.

Deste modo, seria sempre inconstitucional a interpretação do art. 901.º do CPC no sentido da inadmissibilidade do recurso da decisão que designa o acompanhante”.

São várias aliás as decisões do Supremo Tribunal de Justiça onde são tratadas matérias que não se cingem unicamente à fixação da medida de acompanhamento, sem que em momento algum se tenha concebido a leitura tão altamente restritiva defendida no acórdão em apreço.

Vide neste sentido:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2023 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 4285/18.8T8MTS.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, no qual se discutiu a extinção da instância por falecimento do requerido.

Escreveu-se nesse aresto:

“Quanto à questão de saber se o actual regime do art. 901.º do CPC tem ou não o alcance de afastar o recurso de revista nos processos de acompanhamento de maiores, reconhece-se que a redacção equívoca da norma legal (“Da decisão relativa à medida de acompanhamento cabe recurso de apelação...”) permite que se questione se o sentido útil da mesma norma será o de, em tais processos, não se admitir mais do que um grau de recurso.

Considera-se, porém, que, na interpretação daquele regime normativo, se deve antes atender a que, estando em causa, nas acções de acompanhamento de maiores, o direito à “capacidade civil”, consagrado nos n.os 1 e 4 do art. 26.º da Constituição da República Portuguesa, se justifica plenamente a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça sindicar as decisões da Relação (tanto decisões determinativas de medidas de acompanhamento como outras decisões) em relação às quais não se verifique dupla conforme, tal como sucede, em geral, nos demais processos especiais.

Assim, e uma vez que a letra do art. 901.º do CPC não o exclui, entende-se que não vigora neste tipo de processos um princípio de irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça. Sendo de concluir que o sentido útil da norma legal será o de regular especificamente a legitimidade para recorrer de decisão relativa a medida de acompanhamento de maior, atribuindo essa legitimidade ao requerente, ao acompanhado e ao acompanhante”.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2021 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 76/15.6T8ALJ.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se discutiu a remoção do cargo de acompanhante, com a designação de outra pessoa para o cargo.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 2022 (relator Ferreira Lopes), proferido no processo nº 1895/19.0T8BCL.G2.S1, publicado in www.dgsi.pt, no qual se discutiu a data a partir da qual se tornou necessária a aplicação da medida de acompanhamento, bem como a composição do Conselho de Família.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2022 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 786/20.6T8PVZ.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se questionou a validade de laudos periciais, sem colocar em crise a necessidade de fixação de medida de acompanhamento e se decidiu se a recorrente teria impugnado a decisão de facto com observância dos requisitos legais previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2020 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 5095/14.7TCLRS.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se discutiu a substituição da acompanhante designada.

Pelo que a revista merece provimento.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) conceder provimento à revista, revogando o acórdão recorrido e ordenando ao Tribunal da Relação que proceda ao devido conhecimento do recurso de apelação.

Sem custas por das mesmas se encontrar isenta a recorrente nos termos do artigo 4º, nº 2, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 15 de Abril de 2025 (em turno).

Luís Espírito Santo (Relator)

Maria João Vaz Tomé

Rosário Gonçalves

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V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.