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SIMULAÇÃO
PROVA INDIRETA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Sumário
1. A força probatória plena do documento autêntico refere-se apenas ao conteúdo extrínseco das declarações no mesmo documentadas, somente destruíveis por incidente de falsidade (arts. 371º/1 e 372º CC) e não ao seu conteúdo intrínseco, passível de padecer de vícios de vontade (arts.240º ss do CC). 2. A declaração extrínseca lavrada numa escritura de compra e venda e que seja desfavorável para uma das partes: apenas tem força probatória plena de confissão entre os próprios simuladores (arts.352º e 358º/2), caso em que a ilisão exige prova em contrário (art.347º do CC); não tem essa força provatória plena em relação a terceiros. 3. São terceiros para efeitos do art.240º do CC os que não intervieram no acordo simulatório. 4. Cabe à parte que arguiu o vício de simulação de declarações extrínsecas provadas por força probatória plena de documento autêntico, o ónus de alegação e prova dos factos que o integram (arts.5º/1 e 552º/1-d) do CPC e art.342º/1 do CC), prova esta que, sendo o vício arguido por terceiro em relação aos simuladores, pode ser feita por amplos meios de prova (arts.341º ss do CC, 410º ss do CC, 394º/2 a contrario do CC), de natureza direta ou de natureza indireta de demonstração de indícios ou factos-base, dos quais se possam extrair ilações dos factos essenciais de que depende a simulação (arts.349º e 351º do CC). Constitui prova indireta, para além da possibilidade de apuramento da “causa simulandi”, a verificação de factos que integrem, nomeadamente: o indício affectio; o indício necessitas; o indício habitus; o indício locus; o indício sigillum; o indício subfortuna; o indício pretium vilis; o indício pretium confessus; o indício investimento; o indício movimento bancário; o indício retentio possessionis; o indício inércia. 5. Cabe aos réus/demandados como simuladores: apor contraprova em relação aos indícios presuntivos alegados pela autora (art.346º do CC); demonstrar factos que descaracterizem, neutralizem ou impeçam a possibilidade de extrair de factos indiciários presunções judiciais (arts.349º e 351º do CC e 342º/2 do CC), nomeadamente a prova do pagamento do preço ao vendedor, em seu real proveito.
Texto Integral
Os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte
ACÓRDÃO I. Relatório:
Na presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, movida por AA contra EMP01...– Construções em Granito e Imobiliária, Lda. (1ºs RR), e contra BB e mulher CC (2ºs RR):
1. A autora, por petição inicial de 11.03.2021: 1.1. Pediu:
«Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, que V.ª Exa. mui doutamente se dignar suprir, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência:
Ser declarada nula, por simulada, a compra e venda do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...44 – ..., celebrada entre a 1ª Ré, como vendedora, e os 2os Réus, como compradores, a qual foi outorgada por escritura pública, em ../../2018, no Cartório Notarial a cargo do Notário DD, sito em ..., negócio que não foi acordado, nem foi estipulado e pago o preço constante daquela escritura; e, ainda,
Ser ordenado o cancelamento da inscrição AP. ...56 de 2018/05/28 referente ao imóvel objecto da compra e venda simulada, bem como de quaisquer outros registos que porventura venham a ser feitos a partir ou com base na referida escritura, e, dessa forma, voltando o referido imóvel ao património da 1ª Ré.». 1.2. Alegou os seguintes factos, como fundamento dos pedidos:
a) A 1ª ré: tem um objeto social de compra e venda, construção e revenda de imóveis e empreitadas em obras públicas; tem um capital social repartido por duas quotas de € 50 000, 00 cada uma, sendo detidas uma por si, residente em Inglaterra desde 2017 (com mandato em favor do seu pai para as questões da sociedade) e a outra por EE, residente no ... (e alheia aos assuntos da sociedade); teve como gerente FF, que foi judicialmente suspensa e destituída da gerência por sentença de 13.02.2020, por ter omitido de forma consciente e premeditada toda a atividade societária à autora, sentença essa confirmada por acórdão da Relação de Guimarães de 08.10.2020 e com recurso de revista excecional pendente no Supremo Tribunal de Justiça (arts.1º a 11º e 15º e 16º, 51º da petição inicial).
b) As partes, as sócias e a gerente destituída: têm relações familiares entre si (pois a gerente destituída: é tia materna da autora; é cunhada da sócia da 1ª ré EE; é sobrinha e afilhada do 2º réu, seu tio paterno e padrinho); estão desavindas desde 2018 (altura em que o pai da autora/trabalhador da 1ª ré e irmã da gerente sofreu um acidente de trabalho, esta ré não tinha seguro de acidentes de trabalho e a gerente não assumiu o acidente e tentou impedi-lo de recorrer ao Tribunal, onde correu ação declarativa de acidente de trabalho e ação executiva) (arts.12º a 25º da petição inicial).
c) Apesar da 1ª ré, representada pela referida gerente FF, ter declarado vender aos 2º réus, por escritura de 25.05.2018, o imóvel que era a sua sede e onde a mesma sempre laborou (... inscrito na matriz predial urbana sob o art....7 e descrito na Conservatória ... sob o nº...44, com valor patrimonial de € 81 049, 20, pelo valor de € 80 000, 00, declarado como pago em duas tranches- de € 30 000, 00 a 28.07.2017 e de € 50 000, 00 a 25.05.2018) (arts.25º a 37º da petição inicial): aquela 1ª ré não quis vender e estes 2ºs réus não quiseram comprar o imóvel; estas partes acordaram retirar o imóvel da 1ª ré, transmiti-lo gratuitamente para a esfera dos 2ºs réus, com vista a que a gerente se apropriasse do mesmo (ou do seu valor), com intuito de prejudicar e enganar terceiros, esvaziando o valor da quota da sócia da 1ª ré/aqui autora e eliminando garantias de pagamento perante credores (em particular, o pagamento devido ao pai da autora/trabalhador sinistrado) (arts.38º a 44º, 64º, 78º a 80º, 93º, 108º, 112º e 121º da petição inicial). 1.3. Considerou que permitem concluir pelos requisitos da simulação:
a) O referido em 1.2. supra.
b) A possibilidade ou a necessidade da venda não ter sido levada à assembleia geral de sócios da sociedade.
c) A venda não ter sido publicitada.
d) O valor do mercado do imóvel ter seguramente o dobro do declarado na venda.
e) Não ser plausível que o sinal de € 30 000, 00 tenha sido entregue um ano antes da venda.
f) O valor da venda do imóvel, que era o maior ativo da sociedade, não ter entrado nas contas da sociedade vendedora, desconfiando-se que nunca foi apresentado a pagamento e descontado em conta.
g) A 1ª ré ter continuado a ocupar as instalações, sem contratualizar a mesma e sem pagamento de qualquer compensação aos novos proprietários, não tendo nunca os 2ºs réus tomado posse do imóvel, nem vistos no local.
h) A 18.01.2019 ter ex-gerente FF constituído a sociedade “EMP02..., Unipessoal, Lda.” com sede no imóvel que, em representação da 1ª ré, declarara vender aos 2ºs réus, sede alterada a 10.12.2019 do nº7 para o nº...1 da Rua ..., que também corresponde a terreno contíguo ao prédio onde está sediada a 1ª ré e também propriedade desta e que tem entrada pelo nº....
i) O comportamento da ex-gerente, coadjuvado e combinado com a sócia EE da 1ª ré, mostrar que a quota formal desta pertence àquela.
j) Existir um interessado na aquisição das instalações da 1ª ré do nº7 de polícia e do terreno confiante com o nº...1 de polícia, em negociações com FF quanto àquele e com o legítimo proprietário quanto a este (arts.45º a 95º da petição inicial). 1.3. Defendeu, na exposição de direito: que não ocorreu uma compra e venda (art.879º do CC) mas houve uma simulação absoluta de negócio, não tendo os intervenientes pretendido celebrar qualquer negócio (art.240º do CC), causando a nulidade, invocável em todo o tempo (art.286º do CC); que consideram ilidida a força probatória plena do documento, face à vontade real que conduz à «falsidade» do documento autêntico (arts.371º e 372º do CC). 1.4. Apresentou requerimentos de prova, nos quais requereu em b):
«b) Requer-se a V. Exa., de acordo com o disposto no artigo 417º do Código de Processo Civil, e para prova do alegado nos artigos 36º, 87º, 88º, 92º e 102º desta inicial, que se digne oficiar à Banco 1... – Agência de ..., sacada do cheque n.º ...52, datado de 25/05/2018, e que foi dado de pagamento na escritura de compra e venda do imóvel, para vir informar o seguinte:
- a data de desconto do cheque na conta do seu emissor;
- o n.º da conta na qual foi depositado, e respectivo titular, data de pagamento, e identificação do seu apresentante ou endossante.». 2. A ré sociedade apresentou contestação, na qual:
a) Impugnou os factos alegados pela autora e alegou em particular: que quando a sociedade foi constituída a 27.12.2002 a sociedade podia vincular-se apenas com a assinatura do gerente, que podia «Comprar, vender e permutar quaisquer bens móveis e imóveis; (…)»; que, de qualquer forma, a gerente da 1ª ré teve procuração da autora para a representar na sociedade, que apenas foi revogada em dezembro de 2018; que o dinheiro entrou na sociedade e está expresso na sua contabilidade, conforme considerou estar demonstrado pelos documentos nº5 e 6; que a venda ocorreu numa boa gestão da sociedade pela sua gerente.
b) Defendeu que não estão verificados os pressupostos legais da simulação, cujos factos constitutivos são ónus da autora. 3. Os segundos réus apresentaram contestação, na qual impugnaram os factos e alegaram em particular: que quiseram investir as suas poupanças (tal como com outra compra em ...); que pagaram o preço nas duas tranches (sendo o cheque entregue depositado na conta bancária da 1ª ré, conforme documento 3 que juntam); que pagaram o IMT e o IS, conforme documentos 4 e 5 que juntaram; que desde então têm suportado as obrigações tributárias, conforme documento 6 que juntam; que aceitaram que 1ª ré se mantivesse no local, nomeadamente no período do Covid, mas depois de terem insistido na sua entrega, a 1ª ré esteve a diligenciar pela entrega, não prescindindo do ressarcimento da ocupação. 4. A autora respondeu às contestações a 27.05.2021, na qual: impugnou factos e documentos; pediu, em requerimentos de prova, em particular, «E, nos termos do estipulado no artigo 429º do CPC, e para contraprova da matéria vertida nos artigos 71º e72º do mesmo articulado, requer-se a V. Exa que se digne notificar a 1ª Ré para vir juntar aos autos os documentos contabilísticos que suportam o crédito em conta dos € 50.000,00 naquele dia 29/05/2018, bem como para vir juntar todos os extractos bancários, de todas as contas bancárias da 1ª Ré, de Maio de 2018 a 31/12/2019, dessa forma pretendendo-se que seja demonstrado nos autos o destino dado pela 1ª Ré ao produto da alegada venda.». 5. Proferido despacho a 13.09.2021 para que a 1ª ré juntasse os documentos requeridos a 27.05.2021, referido em I- 4 supra, referiu em relação aos dois requerimentos de documentos de I-4 supra, a 04.10.2021: que o documento contabilístico está junto sob os doc.5 e 7 (que resulta das obrigações contabilísticas e fiscais da 1ª ré) e junta ainda o doc.8 (balancete de 2018); que o extrato bancário foi junto no doc.6 da contestação; que a autora não pode pretender fazer contraprova através da 1ª ré (fls.162 ss). 6. A Autora, notificada de I- 5 supra,a18.10.2021: impugnou o documento nº8; nada mais requereu. 7. A 20.10.2021 foi proferido despacho em sede de saneamento, no qual: 7.1. Foi referido, em relação a requerimento de I-5 supra:
«O Tribunal proferiu o despacho de 13.09.2021 de modo a recolher prova que entendeu ser necessária antes da feitura do saneamento. Por isso mesmo não se debruçou sobre os articulados apresentados pelas partes mas, apenas, quanto ao requerimento apresentado a 27.05.2021 pela autora.
De resto, não nos parece que assiste razão à 1ª ré quando se recusa a fornecer determinados documentos argumentando que uma parte pretende fazer prova “através de si”. A apresentação de documentos em poder de terceiro está prevista expressamente na lei. De resto, o ónus da prova, ónus de alegação e instrução do processo, implica que a parte alegue os factos e junte meios de prova ou solicite ao Tribunal colaboração nesse sentido. Dito isto, no presente momento, nada iremos determinar quanto à posição assumida pela ré no requerimento ora em análise, sem embargo da óbvia apreciação de ulteriores requerimentos que possam vir a surgir.». 7.2. Foi dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador tabelar, fixada à causa o valor de € 80 000, 00, enunciados os temas de prova («- Da estrutura societária da 1ª ré: titularidade das quotas. - Da omissão de comunicações sobre a vida da empresa à autora. - Da constituição da sociedade e do desempenho do cargo de gerente ao longo do tempo. - Das ligações familiares entre as partes. - Da má relação existente entre as partes. - Da venda do imóvel pertencente à sociedade sem o conhecimento da autora. - Data e conteúdo desse negócio de compra e venda. - Da simulação desse negócio. - Do valor de mercado do imóvel. -Da ocupação e fruição do imóvel depois da realização do negócio.»), apreciados os requerimentos de prova (nos quais, rem relação ao requerido em I-1.4. supra, foi determinado «No que concerne ao ofício à instituição bancária, requerida pela autora sob a alínea b) dos seus meios de prova, é importante referir que se trata de informação sujeita a sigilo bancário. Assim, concedo o prazo de cinco dias para que a autora informe a quem deverá ser solicitada a declaração de consentimento de levantamento do sigilo bancário.»). 8. As partes e o Tribunal, em referência ao meio de prova referido em I-4 supra e referido em I-7.2.-parte final: 8.1. A 01.11.2021 a autora referiu que o levantamento do sigilo bancário deveria ser pedido aos 2ºs réus, por ser a estes que cabia pagar o preço e o alegado cheque entregue para pagamento foi emitido por aqueles de conta da Banco 1... de .... 8.2. A 07.02.2022 os 2ºs réus pediram a clarificação do objeto do convite ao levantamento do sigilo bancário («1. Para efeitos de responderem ao pedido de consentimento de levantamento de sigilo bancário os Réus precisam que seja concretizada a informação pretendida, elementos nominativos, datas e movimentos, para que possam ter conhecimento concreto de qual será a informação que se pretende que seja solicitada ao Banco (Cfr. Art.ºs 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro).»). 8.3. A 17.03.2022 a autora, em resposta a 8.2. supra, referiu:
«I. Relativamente ao cheque n.º ...52, datado de 25/05/2018, sobre si sacado, pretende que seja informada:
1. Qual a data de desconto daquele cheque na conta do seu emissor;
2. Qual o n.º de conta na qual foi aquele cheque depositado e respetivo titular, data de pagamento e indicação do seu apresentante ou endossante.
II. Relativamente ao alegado no ponto 6.º da sua contestação, a fim de se demonstrar o meio de pagamento dos ali referidos € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de sinal:
3. Requer que seja junto extrato bancário da conta de que os Réus sejam titulares, referente ao período compreendido entre 1 e 31 de julho de 2017, e ali havendo indicação de débito daquele montante, mais se requer que venha indicar o respetivo meio de pagamento: a. Se o pagamento tiver sido efetuado por transferência bancária, a identificação da conta de destino e do titular da mesma;
b. Se o pagamento tiver sido efetuado por cheque, a indicação do n.º de cheque, data do mesmo, data de desconto do referido cheque na conta do emissor, n.º de conta na qual foi o cheque depositado e respetivo titular, data de pagamento e indicação do seu apresentante ou endossante.». 8.4. A 04.04.2024 os 2ºs réus: «1. Quanto à informação solicitada do cheque n.º ...52, datado de 25/05/2018, apenas pode informar o que já consta do documento n.º 3 da contestação. 2. Quanto ao referido no ponto 6 da contestação destes Réus o pagamento foi realizado em numerário em resultado de disponibilidade financeira em caixa e poupanças da actividade exercida pelo Réu marido. 3. A este respeito, a Autora, por si, ou por intermédio do seu Pai, GG tem conhecimento do acima referido pelos Réus. 4. Pelo que, o requerido pela Autora será inútil, uma vez que, por um lado, quanto à primeira parte do requerido, a informação solicitada se encontra apresentada no Documento n.º 3 da contestação. 5. E, por outro lado, a apresentação de qualquer extracto bancário não irá esclarecer, conforme explicado, a segunda parte do requerido pela Autora. 6. Ainda assim, caso a Autora persista no requerido, quanto à primeira parte do requerido, os Réus estão na disponibilidade de requerer a informação que possa ser disponibilizada pelo Banco a respeito da data de desconto do cheque, n.º de conta de depósito, pagamento e titular. 7. No demais os Réus recusam o seu consentimento nos termos dos artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, porque, além de não se enquadrar na referida informação para levantamento do segredo bancário, 8. O artigo 139.º do Código de Processo Civil, prevê que não é lícito a prática de actos que não sejam úteis ao processo. 9. O que requerem a V. Exa. que seja relevado.». 8.5. A 26.04.2022 a autora exerceu o contraditório, considerando os seus requerimentos úteis, declarando mantê-los quanto ao cheque (por entender, «não é verdade que os RR. apenas possam trazer aos autos as informações constantes do dito cheque. Isto porque, cumpre esclarecer o titular da conta na qual foi creditado. Posto isto, reitera-se, nesta parte, o já requerido anteriormente.» e quanto ao demais («Autora não conhece, nem tem a obrigação de conhecer, a disponibilidade financeira dos 2osRR, nem por si, nem por intermédio de terceiras pessoas, mormente do seu pai. Certo é, não parece credível que os 2os RR. tivessem uma quantia tão avultada em numerário, principalmente até pela experiência adveniente da actividade profissional do 2.º Réu marido (não se vislumbra tratar-se de pessoas que guardam as notas debaixo do colchão…).», concluindo «Quanto à expressa recusa para levantamento do segredo bancário, a mesma revela uma óbvia tentativa de omitir factos relevantes para a descoberta da verdade material, além da evidente falta de colaboração perante este Tribunal, pelo que deve ser apreciada nos termos previstos no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e art. 344.º do Código Civil.». 8.6. A 12.05.2022 os 2ºs réus mantiveram o declarado quanto à prova já junta, quanto à falta de pertinência do requerido, entendendo ser pessoas sérias e caber às partes cumprir deveres de probidade, nos termos do art.9º do CPC. 9. A 02.06.2022 o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
«Requerimentos de 04.04.2022, 26.04.2022 e 12.05.2022:
Visto. Os réus não prestaram o seu consentimento e a autora nada requereu que pudesse levar ao levantamento do sigilo pelo que nada existe a ordenar quanto a essa matéria.
Na sentença nos pronunciaremos quanto aos efeitos probatórios das actuações das partes.». 10. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento da causa com sessões de 19.02.2024 e 15.03.2014, com prestação de depoimento de parte da autora, inquirição de testemunhas da autora e rés, com alegações finais. 11. A 15.04.2024 foi proferida sentença, que decidiu:
«Dispositivo
Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido: a) Declarar nulo o contrato de compra e venda mencionado no ponto 7 dos factos provados; b) Condenar os réus nas custas do processo.». 12. A 1ª ré recorreu da sentença, apresentado as seguintes conclusões:
«ENQUADRAMENTO E OBJECTO DO RECURSO:
A. O objeto do presente Recurso é a Sentença proferida a 15 de abril de 2024 que decidiu “declararnuloocontratodecompraevendamencionadonoponto7dosfactosprovadosecondenarosréusnascustasdoprocesso.”
REAPRECIAÇÃO DA PROVA – MATÉRIA DE FACTO:
B. Porquanto, a decisão recorrida fez uma incorreta apreciação da prova produzida bem como dos normativos legais aplicáveis ao caso subjudice.
C. O Tribunal aquo deu como provados factos para os quais, no entendimento da Recorrente, não tem suporte probatório e, como tal, deverão ser considerados não provados, uma vez que não analisou bem o Tribunal a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.
D. Face à prova produzida, entende a Recorrente que os pontos 8), 9) e 10) da matéria dada como provada, deveriam ter sido dados como não provados, por não ter sido produzida prova para suportar aqueles factos.
E. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no facto de “mesmoapósavenda,arémanteveasuaactividadecomercialnesselocal,semnadapagar,ecombase,alegadamente,numaautorizaçãoverbaldosréus”, tendo definido tal situação como uma “situaçãoanómala”. Contudo, o Tribunal a quo não teve devidamente em conta os depoimentos das testemunhas.
F. A testemunha FF (09:55 – 10:50; 14:40 – 15:35; 28:35 – 28:53; 36:36 – 37:12), gerente da empresa Ré à altura da venda explicou convictamente ao Tribunal que o comprador do terreno permitiu à empresa, por acordo verbal, continuar a usar o terreno. Tendo ainda dito que aquela aquisição era vista pelos compradores como um investimento a longo prazo, sendo que inclusivamente os compradores já haviam comprado também um terreno em ....
G. Igualmente, de acordo com o depoimento do pai da Autora GG (30:00 – 31:20; 36:56 – 38:19) também os compradores do terreno imediatamente ao lado não ocuparam imediatamente o terreno que haviam comprado, sendo certo que se se pode considerar normal os compradores de um determinado prédio não ocuparem esse prédio assim que o compram, também poderá ser igualmente normal os compradores do prédio em discussão nos autos não o terem ocupado, mediante acordo celebrado com a vendedora.
H.O Tribunal aquo justificou ainda a sua decisão com o facto de não ter havido “qualquerdeliberaçãosocialrespeitanteaestavenda,nemestenegóciofoipublicitado”, mas mais uma vez, o Tribunal a quo não analisou devidamente a prova produzida.
I. Quer dos depoimentos do pai da Autora (01:35 – 02:25) quer do depoimento da testemunha FF (02:35 – 02:52; 03:40 – 05:00; 25:43 – 26:15) resulta que esta era gerente “deplenospoderes” e que todas as partes tinham perfeita consciência disso, não estando por isso a referida testemunha, gerente à data dos factos, obrigada a comunicar aos restantes sócios decisões que pretendesse tomar, até porque estes até ali não se interessavam pelo giro da empresa.
J. E resulta ainda do depoimento da testemunha FF (18:55 – 19:12; 20:40 – 20:49) que esta quando pretendeu pôr o terreno à venda, colocou uma placa à entrada do mesmo, a anunciar a venda, ou seja, ao contrário da douta fundamentação da sentença, resulta da prova produzida em audiência de julgamento que o negócio foi publicitado.
K. Por outro lado, na douta sentença, considera-se que o depoimento da gerente vendedora FF “corroborouaversãotrazidaaosautospelaautora” e ainda que “estatestemunhaquisfazercrerque,depoisde,alegadamente,secertificardovalordoimóveldomodocomoofez(dir-se-ia,atravésdeummétodopobre,amadorepitoresco),baixouopreçoem40%,baseando-senesseelementoobjectivofiscal.Todoestearrazoadoafigurou-se,atentaasuaposturaecomprometimento,totalmenteinverosímilearaiaroabsurdo.”, entendimento com o qual não se concorda.
L. O depoimento de FF foi claro, informado e credível.
M. A ex-gerente da sociedade 1ª Ré (05:25 – 09:53, 11:05 – 11:41; 15:50 – 16:43; 18:10 – 18:55; 19:30 – 19:45; 20:50 – 22:50; 23:00 - 23:27; 24:02 – 24:05; 30:25 – 30:32; 32:43 – 33:10; 35:15 – 36:38; 39:00 – 39:14) explicou convictamente ao Tribunal que decidiu colocar o imóvel à venda quando percebeu as diversas dívidas que a empresa tinha na altura, nomeadamente e principalmente, à Segurança Social, uma vez que não tinha outra forma de liquidar tais dívidas, e sendo igualmente certo que essas mesmas dívidas e a intenção de as liquidar foi o único motivo que a fez querer vender o imóvel.
N. Resultou igualmente provado do seu depoimento que assim que decidiu colocar o imóvel à venda publicitou a venda através da colocação de uma placa à entrada do terreno. Contudo, nunca apareceu qualquer interessado.
O. Do depoimento da testemunha FF resulta que, inicialmente, o terreno estava à venda pelo valor de 120 mil euros, valor esse que resultava de uma avaliação do terreno feita por um fiscal de obras da Câmara, que faz avaliações, contudo, nunca apareceu qualquer interessado em adquirir o terreno por tal valor.
P. Resulta ainda que, quando o seu tio viu o terreno à venda lhe disse que estava interessado em comprar mas não pelo valor de 120 mil euros pelo que tratou de averiguar o valor patrimonial do imóvel que era, àquela data, de 79.460,00 euros, tendo na sequência informado o tio que estava disposta a reduzir o preço até aos 80 mil euros, valor esse que o tio comprador aceitou.
Q. Atendendo às dificuldades da empresa, e a que nunca apareceu nenhum interessado em adquirir o terreno pelos 120 mil euros, acabou por decidir vender ao único interessado que tinha, pelo valor de 80 mil euros.
R. Resultou provado que no dia 28 de julho de 2017 foi celebrado um contrato promessa entre vendedora e compradores e que a 1ª Ré recebeu, nessa altura, um sinal de 30.000,00 euros, que depositou e usou para início de pagamento das dívidas à Segurança Social, através da celebração de um acordo com plano prestacional. Por outro lado, na data da celebração da escritura de compra e venda a 1ª Ré recebeu o restante montante, num total de 50.000,00 euros, que foi usado para proceder ao pagamento integral das dívidas à Segurança Social.
S. Resultou ainda do seu depoimento que a venda efetuada nunca teve qualquer propósito de prejudicar o seu irmão, e que fez sempre aquilo que considerava ser o melhor para a empresa.
T. O contabilista da empresa afirmou que o terreno objeto dos presentes autos constava do inventário contabilístico da 1ª Ré e que o valor de registo contabilístico da empresa era 80 mil euros e que o negócio em causa teve um tratamento normal, quer em termos de venda, quer em termos de registo contabilístico da mesma e ainda que o dinheiro pago pela venda do imóvel entrou no caixa social da empresa e que o mesmo foi gasto na empresa. (02:35 – 02:53; 03:20 – 03:56; 04:00 – 05:23; 05:39 – 06:08; 06:28 – 06:42).
U. Afirmou ainda que aquando da venda do imóvel, a empresa estava com algumas dificuldades (10:30 – 10:47; 18:42 – 19:16)
V. Por outro lado, dos depoimentos da Autora e do seu pai resulta uma clara contradição no que concerne às informações que lhes foram prestadas pelo contabilista da empresa, que devia ser tida em conta pelo Tribunal, e não foi.
W. Alega a Autora (01:58 – 02:28; 03:53 – 05:40) que se dirigiu ao contabilista na companhia do seu pai, pelo menos uma vez e que este se “recusouafornecerainformação”, e que nunca lhe foi fornecida qualquer informação documental pela empresa.
X. Já do depoimento do pai da Autora (13:02 – 14:32; 25:00 – 26:47) resulta que esta lhe havia passado uma procuração para que aquele a pudesse representar junto do contabilista certificado da empresa, que o contabilista certificado da empresa lhe deu informações acerca desta, inclusivamente, forneceu-lhe um extrato e que a sua filha, havia juntado num outro processo, documentos contabilísticos da empresa Ré nos presentes autos.
Y. Tal depoimento, do pai da Autora, foi corroborado pelo depoimento da testemunha FF (12:07 – 12:35; 13:02 – 13:20) que afirmou que o contabilista certificado da empresa prestou a informação que havia sido solicitada.
Z. E, ainda, pelo próprio contabilista (08:30 –08:46;09:03 –09:10)que não teve dúvidas em afirmar que forneceu à Autora toda a informação que esta lhe solicitou, inclusivamente forneceu todos os documentos contabilísticos solicitados.
AA. Pelo que, desta contradição, é possível retirar a postura com que a Autora esteve nos presentes autos, sempre alegando factos e contando uma história completamente inverosímil.
BB. Por outro lado, resulta do depoimento da testemunha HH (06:42 – 07:25) que o terreno do vizinho foi vendido posteriormente à venda do terreno da 1ª Ré EMP01....
CC. E do depoimento da testemunha II (06:06 – 06:47) resulta que este admite que o seu terreno, vizinho do da 1ª Ré possa ter sido vendido com ajuda de fundos comunitários. E ainda, no que concerne ao preço da venda do imóvel, quando confrontada com a venda do terreno vizinho por um preço superior, a testemunha FF não teve qualquer dúvida em explicar o Tribunal que tal venda foi feita em circunstâncias completamente diferentes daquelas em que a 1ª Ré vendeu o seu imóvel (26:30 – 26:46).
DD. Por outro lado, o Notário que interveio na escritura de compra e venda afirmou (02:17 02:30; 02:40 –03:00; 03:35 –03:48; 04:16 –04:34)convictamente que o negócio é perfeitamente válido e que o mesmo está registado, tendo assegurado que antes da celebração da escritura confere todos os documentos e que se houvesse a mínima resistência à celebração do negócio por qualquer uma das partes, não o faria.
EE. Tendo ainda confirmado que foram juntos os comprovativos do pagamento do Imposto de Selo e do IMT pelos compradores (04:40 – 05:05).
FF. Da prova produzida em audiência de julgamento resultou claro que a 1ª Ré pretendeu vender o terreno de que era proprietário, resultaram provados os motivos pelos quais pretendeu vender esse terreno, resultou provado que recebeu o preço de 80.000,00 euros pela referida venda, preço esse que, foi estipulado e aceite por ambas as partes.
GG. Por todo o supra exposto, não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto ao facto de os intervenientes no negócio em apreço terem querido celebrar aquele negócio, em toda a sua extensão, porquanto, o depoimento da antiga gerente da sociedade Ré foi prestado de forma séria, credível, e deveria ser devidamente valorizado, por corresponder à verdade, assim como por serem sustentadas pelos depoimentos prestados pelas restantes testemunhas.
HH. Face à provatestemunhal indicada, devemser dados como não provadosos pontos 8), 9) e 10) dos factos provados, pois não foi produzida prova que os sustentasse.
ERRO DE DECISÃO/JULGAMENTO QUANTO À APLICAÇÃO DO DIREITO:
II. Na douta Sentença recorrida entende o Tribunal aquo que, por um lado existiu simulação do negócio jurídico, contrato de compra e venda titulado por escritura pública, celebrado entre a 1ª Ré, como vendedora e os 2ºs Réus, como compradores, e por outro, que a simulação foi absoluta.
JJ. Contudo, não pode a Recorrente conformar-se com a decisão recorrida, uma vez que, o Tribunal aquo fez uma incorreta aplicação dos normativos legais aplicáveis incasu.
KK. Compete à parte que invoque a simulação fazer a prova dos respectivos elementos, por se tratar de um facto constitutivo do seu direito (artigos 342.º,n.º 1 e 394.º do Código Civil).
LL. O art.º349.º do Código Civil refere que “Presunçõessãoasilaçõesquealeiouojulgadortiradeumfactoconhecidoparafirmarumfactodesconhecido.” E a reapreciação das presunções judiciais do Tribunal aquo vem permitida pelos artigos 607.º, n.º 4 exvi 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.
MM. Para se concluir que o negócio foi simulado não basta ao julgador a percepção sociológica daaparênciade algunsindíciosque possam apontar para umaeventual simulação.
NN. É necessário que o sujeitoa quema leiimpõe o ónus da prova, a Autora demonstre, inequivocamente, pelos meios legalmente determinados ou admissíveis para o efeito, que se verificam os elementos constitutivos da simulação.
OO. Para que ocorra simulação é necessário que estejam preenchidos três requisitos, de verificação simultânea: intencionalidade da divergência entre a vontade real e a vontade declarada; acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório), e intuito de enganar terceiros.
PP. Trata-se no fundo de um instituto que visa fulminar com a máxima sanção o negócio jurídico, que deve ser usado em últimarácio, quando o acervo probatório assim fortemente o indicie.
QQ. Salvo o devido respeito, não se compreende como chegou o Tribunal aquo ao entendimento de que entre a sócia gerente da 1ª Ré, à data do negócio jurídico ora sindicado, e os 2ºs Réus, seus tios, existiu um acordo simulatório na venda do imóvel pertencente à 1ª Ré, e que estes não o quiseram verdadeiramente comprar, nem aquela o quis vender.
RR. Em face do explanado quanto à reapreciação da prova gravada, resulta de forma evidente que a Autora não logrou demonstrar e muito menos provar que, existe qualquer espécie de divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelos Réus, e que a mesma tenha conduzido a um acordo simulatório entre estes.
SS. Deveras, o facto de a venda ter sido efectuada a pessoas do seio familiar, no quadro de uma empresa que só por si é familiar, e por estar a família desavinda, o que por norma já é frequente nas relações familiares muito mais quando os familiares trabalham juntos, e igualmente pelo facto do valor da venda corresponder ao valor patrimonial tributário doimóvel, não constituemindícios suficientes para conduzir à presunção de simulação pelo Tribunal aquo.
TT. Muito menos os entendimentos das testemunhas, quanto ao valor do imóvel objecto do negócio jurídico em causa e do valor de venda do imóvel do vizinho, uma vez que mais não passam do que meras percepções ou relatos do que ouvem falar na freguesia (que por sinal, é onde melhor serve o brocardo “quemcontaumpontoacrescentaumponto”), sem se basearem em acervo documental ou pericial que o comprove.
UU.Não correspondendo à verdade que tenha existido divergênciaentrea vontade real e a vontade declarada, tanto mais porque, existia um motivo válido e sério para a venda do imóvel da 1ª Ré, que se prendia com as dificuldades financeiras que a sociedade atravessava no momento, o que ficou demonstrado pela prova testemunhal produzida, tal como se depreende das transcrições incitas no presente recurso.
VV. Concomitantemente, nada demonstrou a Autora que possa colocar em causa a referida dificuldade financeira e a necessidade de venda do imóvel para fazer face à mesma.
WW. Quanto à simulação absoluta, bem andou em explicar o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 1094/14.7TBLRA.C1, de 16-01-2018, que:
“Seráabsoluta,quandopordetrásdasdeclaraçõesnãosepretenderealizarnegócioalgum,quando,narealidade,ostatusrealpermaneceinalterado;porregra,essaaparênciatem,comofim,evitarumaqualquerconsequênciajurídicaprejudicial(ex.simula-sevenderparaevitarqueosbenssejamexecutados,parailudircredores).”
XX. Assim, não existe no caso subjudice qualquer consequência prejudicial que se queria evitar, nem a Autora logrou provar a mesma, mais uma vez se demonstrando a não divergência entre vontade real e vontade declarada e o respectivo acordo simulatório entre declarante e declaratário.
YY. Quanto ao intuito de enganar terceiro, e como refere a douta Sentença recorrida: “MANUELDEANDRADE,Teoriageraldarelaçãojurídica,II,9.ªreimpressão,Almedina,2003,p.169,ensinavaoseguinteconceitodesimulação:éadivergênciaintencionalentreavontadeeadeclaração(intencionalidadedadivergênciaentreavontadeeadeclaração),procedentedoacordoentreodeclaranteeodeclaratário(acordosimulatório)edeterminadapelointuitodeenganarterceiros(enganar não se confunde com prejudicar,significa iludir).”
ZZ. Conforme resulta supra da reapreciação da matéria de facto, o negócio nunca visou iludir a Autora, até porque a gerente da 1ºRé, FF, detinha a gerência com todos os poderes, isso foi acordado com a Autora, e a mesma sempre lhe disse para fazer aquilo que entendesse melhor, estando aliás completamente alheada e desinteressada da vida societária da 1ª Ré.
AAA. É o contrário do que acontece por exemplo na situação, essa sim defendida pela jurisprudência no seio das sociedades, espelhada no AcórdãodoSupremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 2810/13.0TBVFX.L1.S2, de 22-03-2018, que se transcreve parcialmente de seguida:
“Édissoquesetrataquandonosconfrontamoscomnegóciosdecaráterformalmenteonerosomas que não trouxeram para o património da sociedade qualquer retorno.Não foipago qualquer sinalpelocontrato-promessa,nemaalienaçãoemdaçãoempagamentocorrespondeuàsatisfaçãodequalquerobrigaçãoqueexistisseperantea2ªR.,tratando-sedeumaatuaçãoquetevesimplesmenteemvistaretirardopatrimóniodasociedade, semqualquer contrapartida,umbemimóveldevalorsubstancial;”
BBB. Não só não existiu intenção de enganar terceiro, mais precisamente a Autora, como não se nos afigura correcto, salvo o devido respeito, que é muito, e sem prejuízo de melhor opinião, que a Autora, no caso concreto, seja considerada um terceiro para efeitos de preenchimento do requisito integrador do conceito de simulação.
CCC. Com efeito, a Autora, como sócia da sociedade transmitente em representação da qual foi outorgada a escritura de compra e venda do imóvel que constituía o património social, não tem a condição de terceiro, pois a sociedade transmitente foi representada pela sócia-gerente com poderes para a vincular, com perfeito conhecimento e anuência da Autora. DDD. É também esse o entendimento perfilhado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 605/17.0T8AVR.P1, de 04-05-2022, quando refere que “Nãoseprovou,porém,queestenegóciotenhasidoefetuadocomintençãodeenganarterceiros,sendoaquidesublinharqueasociedadeautoraésimuladorae,porisso,nãopodeserhavidacomoterceiroparaefeitosdepreenchimentodesterequisitodasimulação.Comotal,porfaltadepreenchimentodesterequisitonãoocorresimulaçãoe,consequentemente,tambémnãoocorreanulidadedonegóciocelebradoatravésdaquelaescriturade11.9.2013.”
EEE. De facto, a Autora sempre teve conhecimento dos plenos poderes da sócia-gerente para realizar negócios de compra e venda de imóveis, uma vez que a sociedade se obrigava apenas com a assinatura de um gerente, que sempre assim foi, mesmo antes da sócia-gerente ser a FF, nomeada unanimemente pelos sócios, e ser o GG, pai da Autora, tendo aquela exercido essa função por mais de uma década.
FFF. Ora, se a Autora assim não quisesse que fosse, teria desencadeado alteração ao pacto social e conferido poderes conjuntos a ambas as sócias, só que a verdade é que nunca lhe interessou porque está como sempre esteve completamente distante da vida societária, por sua inteira e exclusiva vontade, e não porque lhe tenham dificultado o acesso à mesma, tal como quer fazer ver, nunca tendo sequer mostrado interesse pelo modo como a empresa era gerida, até porque vive no estrangeiro, nomeadamente quanto aos gastos e dívidas, que ficaram por regularizar em vários processos judiciais e até insolvências.
GGG. O contrário, efectivamente, não logrou demonstrar a Autora, como claramente se depreende da conjugação das declarações de parte da Autora e dos depoimentos das testemunhas já anteriormente analisados no presente recurso.
HHH. A figura jurídica da simulação visa proteger terceiros alheios ao negócio jurídico em causa.
III. O mesmo se depreende do artigo 243.º do Código Civil, que prevê que a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa-fé, visto que o legislador quis proteger terceiros não intervenientes no negócio jurídico.
JJJ. E Autora nunca se poderia considerar não interveniente no mesmo, uma vez que é sócia da 1ª Ré, vendedora, e nunca se opôs a que a sócia-gerente tivesse todos os poderes necessários à celebração de negócios jurídicos de compra e venda de imóveis da sociedade, que já não era a primeira vez que ocorria, visto que é uma actividade compreendida no seu objecto social, e lhe tinha dado ordens expressas para fazer o que fosse necessário para prosseguir os fins da sociedade.
KKK. Vem só agora, passados quase 3 anos, espantosamente e estranhamente, levantar-se contra esta venda, precisamente em altura em que as quezílias familiares se intensificaram, fazendo um uso reprovável dos meios judiciais com o intuito de arreliar e destabilizar a na altura sócia-gerente da sociedade e sua familiar, porque tem como fito último a intenção de dissolver e vender a 1ª Ré.
LLL. E ainda que assim não se entenda, a verdade é que as declarações de parte da Autora bem como os depoimentos das testemunhas, não conseguiram provar que a referida venda do imóvel teve o intuito de iludir terceiros, mais precisamente a Autora.
MMM Vindo só agora impugnar o negócio jurídicoem apreço, precisamente combase nos mesmos indícios presuntivos de que o Tribunal aquo se socorreu para inferir a simulação da compra e venda, que são precisamente as quezílias familiares, que mais uma vez, não podem ser facto a abonar apenas a favor de uma das partes em litígio.
NNN. Até porque, se certo é que essas inimizades poderiam constituir fundamento para a realização de um negócio simulado, o que não corresponde à verdade e apenas se hipostasia a benefício de raciocínio, certo será também que essa mesma condição poderá servir de motor à tentativa de invalidação do negócio por parte da Autora, e aí sim prejudicar asociedade, uma vez que onegócio foi realizadotendo em conta a necessidade de tesouraria e capital da 1ª Ré, necessidade essa que a Autora só não conhecia porque nunca lhe interessou conhecer, e que foi celebrado no interesse da mesma, o que igualmente resulta provado pela prova testemunhal produzida.
OOO. Nem a Autora logrou provar qualquer prejuízo, porquanto esta é sócia da sociedade e o produto da venda, para além de ter dado integralmente entrada no activo da 1ª Ré, beneficia não só a outra sócia detentora dos 50% do capital, como a ela própria.
PPP. Vem o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 6092/05.9TBOER-8, de 07-05-2009, sustentar que o sistema exige que a posição jurídica dos terceiros enganados tenha sido afectada de qualquer forma, o direito não pode ser alheio ao impacto efectivo da aparência criada: sendo inexistente, o engano é virtual, decidindo-se que Paraaexigência“enganarterceiros”tersignificado,énecessárioqueoenganosejarelevante,ouseja,queproduzaefeitosaoníveldosinteressesenglobadosnaesferajurídicadeterceiro.(...)Nãoháquecominarcomanulidadeonegóciosimulado,quandoasimulaçãofuncionou,comomerovínculointernodeprotecçãodoproprietáriorelativamenteàefectivatransmissãododireitodepropriedadeesemsaliênciaoureflexonaesferajurídicadeterceiros.”
QQQ. Da prova produzidanãoresulta,comoé bomdever e sefezalusãoemsedeprópria do presente recurso, atentas as regras da experiência, que a compra e venda visou esvaziar o património da 1ª Ré, com o intuito de prejudicar terceiros, nomeadamente a Autora, pelo contrário, a mesma serviu para suprir insuficiências económicas da 1ª Ré, como para assumir o pagamento de dívidas à Segurança Social.
RRR.Outrossim, mal andou o Tribunal aquo, salvo melhor entendimento ecomo devido respeito, ao fazer constar da decisão recorrida, quanto ao meio de pagamento do sinal relativo à compra e venda do imóvel, que “Opagamentoatravésdaquelemeiosuscita,assim,perplexidades.Eperplexidadesacrescidasjáqueosegundopagamentofoiatravésdecheque.E,comosuprasefezquestãodesublinharapropósitodoónusprobatóriodoimpugnante,nãoéexigívelàautoraquedemonstre,deformaexaustiva,anãoausênciadedinheiroporpartedosréusparapagaremaquelaquantia.Faceaoquadrofactualsupradescrito,incumbia,issosim,aosréusimpediremotribunaldeconcluir,deacordocomasregrasdobomsensoedaexperiência,quetudonãopassoudeumaencenação.”
SSS. Por muito que a lei não o exija, parece que o Tribunal aquo, pretendia uma inversão do ónus da prova, que não é legalmente admissível, nem a dificuldade de prova (provadiabólica) que incumbia à Autora podia implicar esse dever aos Réus. TTT. O douto Acórdão recorrido refere ainda que “NosentidoagorapropugnadoPINTOFURTADO,Manualdearrendamentourbano,volumeII,4.ªedição,Almedina,2008,p.1081-1082,paraquem,aprovadonãousodolocado,reportando-seaumfactonegativo,nãoémuitofácil,naprática.Éclássico,atalrespeito,obrocardolatinonegativanonsuntprobanda.Hojeemdia,nãoéestaaregra,emmatériaderepartiçãodoónusdaprovaquantoàquelamatérialocatícia,maspensamosqueoaforismodeve,aindaassim,servirparalembraraotribunaladificuldadedeprovarelativamenteaestasomissões,impondo-lheumcuidadoredobradoparapoderatingirsoluções equilibradas.”
UUU. Ora, esta solução equilibrada que o Tribunal tem o dever de encontrar, não pode correrapenas a favordequem pretendeprovara simulação, mas igualmente contra quem a simulação foi invocada.
VVV. O Tribunal a quo, sustenta ainda a sua posição, num dos seguintes acervos jurisprudenciais, conforme se transcreve: “Nomesmodiapasão,AcórdãodoSTJ,processon.º499/17.6T8STB.E1.S1,de29-09-2022:emmatériadesimulaçãoedeimpugnaçãopauliana,sendoimperiosoapurarqualaintençãodaspartesemcelebraremdeterminadoajuste,aprovadirectadessasintençõesérara(v.g.confissãooucontradeclaraçãoescrita).Estamosnumaáreadoutrinalejurisprudencialclassificadacomoprovadiabólicaeonde,pornorma,foradosraroscasosdeconfissão,aprovaobtidanãotemumafontedirectamasarespostapodeserencontradaapartirdaconciliaçãoentreosdadosobjectivos–normalmenteregistadosemsuportedocumentale,porvezes,transmitidosporavaliaçõespericiais–ejuízospresuntivosobtidosapartirdeumtrabalhodepeneiradoscontributosprobatóriospresentesnaproduçãodeprova,calibradosàluzdecritériosdeexperiência,dalógicaedenormalidadesocial.”
WWW.Sucede que, não foi pela Autora solicitada qualquer perícia de avaliação do imóvel objecto do negócio jurídico considerado simulado, baseando-se o Tribunal tão somente nas perceções de avaliação monetárias do imóvel em causa, veiculadas pelas testemunhas em Tribunal, bem como do que teriam ouvido falar ter sido o valor de venda do imóvel confinante com o ora em questão, nem se quer documentalmente comprovado nos autos, ancorando-se o Tribunal aquo na perspetiva de que o preço de venda do imóvel será um dos indícios da simulação.
XXX. Antes demais, as partes, dentro dos limites da lei, têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no código, incluir as cláusulas que lhes aprouver (n.º 1 do art.º 405 do Código Civil); podem também reunir no mesmo contrato, regras de um ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei (n.º 2 do art.º 405 do Código Civil).
YYY. Não obstante, cabendoo ónusda prova à Autora, ainda que “diabólica”, comorefere a decisão recorrida, a mesma não logrou provar a alegada simulação do negócio jurídico sob discussão, pelo menos porque não se muniu da prova necessária, e que estava ao seu alcance, para efectivamente fazer prova nos autos do que alega, não sendo a prova testemunhal a única possível incasupara a Autora demonstrar o que pretendia.
ZZZ. Ou seja, a diligência que o Tribunal aquo considera expectável e exigível aos Réus não é a mesma que acha que a Autora deve ter, sendo que era sobre esta que recaía o ónus da prova.
AAAA. Verificando-se até uma dualidade de critérios para situações semelhantes, que não se pode compreender e com a qual liminarmente não se concorda.
BBBB. Sendo certo que a invocação e demonstração não é fácil, a verdade é que quem se propõe a invocar tal patologia contratual tem de desenvolver um adequado trabalho técnico, munindo-se de todos os meios probatórios admissíveis, para provar que a realidade pactuada foi diferente daquela que se encontra contratualmente documentada.
CCCC.Não o conseguindo fazer adequadamente, como a Autora não consegue no presente caso, devem ser-lhe imputadas as consequências dessa falha probatória.
DDDD. Neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 03B2783, de 09-10-2003, “nãopoderecorrer-seapresunçõesparasuprirafaltadeprovarelativamenteafactosdiscutidoseapreciadosemaudiênciadediscussãoejulgamento”.
EEEE. Aliás, e nesse sentido, estamos até perante um abuso dedireito, previsto nos termos do artigo 334.º do Código Civil, uma vez que a Autora se faz valer de um status jurídico com a veste de dificuldade de prova, que corre a seu favor nestas situações em que se remete para juízos presuntivos, para se aproveitar da tal benesse e negligenciar o ónus de prova que sobre ela recaía, pois coibiu-se de se socorrer de todos os meios possíveis e ao seu alcance que poderiam conduzir à prova da situação que invoca.
FFFF. E da prova produzida também não resulta provado que os tios (2ºs Réus) da sócia gerente da 1ª Ré ao momento da prática do facto (venda do imóvel) e da Autora, tivessem de más relações com a sobrinha Autora, ou que desejassem de algum modo iludi-la ou prejudicá-la.
GGGG. Nem que os 2ºs Réus compradores obtiveram o imóvel sem qualquer contrapartida, ou proveito económico que daí poderiam retirar, para além de que também o podiam fazer por “favor “aos familiares, sócias da 1ª Ré, e para ajudar a superar a fase economicamente difícil que a 1ª Ré atravessava.
HHHH. Não se vislumbra como poderá o Tribunal aquo ter chegado à conclusão da existência de um pacto simulatório e intuito de enganar terceiros, quanto a esses aspectos veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 2962/20.2T8LRS.L1-6, de 26-06-2022, cujo sumário refere o seguinte:
“II.Nasimulação–atentaadualizaçãoentreoelementointernoeoelementoexternodadeclaraçãonegocial–coloca-seoacentotóniconocomportamentodeclarativo,harmonizandoovalordaautonomiacomovalordaconfiança,peloqueanulidadeapenasocorrequandoseverifiqueigualmenteointuitodeenganarterceiros. III.Omeroconluioentreaspartessemointuitodeenganarterceirosdeixadesersimulatonis,masigualmenteaexistênciadeumpactummassemdivergênciaefectivaentreaspartestambémdescaracterizatalinstituto.Poisterádeexistirparaseconsiderarasimulação:aexistênciadeumaconjuraçãopordoisoumaissujeitos,criadoradeumafalsaaparêncianocomérciojurídico,enquantoreflexodadivergênciaentreavontademanifestadaeavontadereal,comintuitodeenganarterceiros. IV.Sóquandoavontaderealdiferedaexteriorizadaéquepodemosfalaremnegóciosimulado,eaausênciadepactosimulatóriodeterminariaeventualmentereservamental,masausênciadesimulação.”
IIII. Provados os motivos que levaram à celebração do negócio jurídico, como se deduz da prova testemunhal produzida, nos termos supra alegados, a contrario, cumpre concluir pela inexistência de causasimulandi.
JJJJ. Aliás, atendendo aos mesmos “critériosdeexperiência,dalógicaedenormalidadesocial”que a douta Sentença recorrida refere, semjuízos pré-concebidos, facilmente se podem encontrar no comércio jurídico hipóteses em que existe diferença entre o valor comercial de um bem e o valor pelo qual é vendido (valor patrimonial tributário).
KKKK.A este propósito, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 9561/08-2, de 26-11-2009, no qual resultou provado que o preço da compra e venda do imóvel da sociedade entrou nos cofres da mesma, e foi inferior ao real de mercado, para menos e em mais de metade, em que ainda assim o Tribunal não concluiu pela simulação.
LLLL. No mesmo sentido, quanto à venda pelo preço correspondente ao valor patrimonial tributário ou abaixo do mesmo, ao invés do valor de mercado do bem, consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n-º 1963/18.5T8LSB.L1-7, de 07-12-2021, cujo sumário se transcreve parcialmente:
“3.–Quantoaovalordeclaradonaescrituradecompraevenda,inferioraovalortributárioedemercadodoimóvel(indíciopretiumvilisdasimulação),nãotransportaqualquerefeito“iluminador”doacordosimulatório,ouatédeusura;talactuaçãoconstituipráticacomum,sendo,pornorma,ditadapeloexclusivointeressedosoutorgantesnareduçãodopagamentodoimpostodoselo,eoutrosefeitosconexionadoscomasobrigaçõestributárias.”
MMMM. Daí que o Direito, em ordem à defesa da segurança das relações jurídicas, se tenha que orientar pela cautela, quando não foi feita prova de ter sido vontade e intenção dos contraentes não realizar determinado negócio, para não arriscar navegar em águas incertas.
NNNN. Na consecução do seu desiderato, o simulador actua como um estratega, com astúcia e ocultação, sendo certo que o resultado da sua actuacão não é em regra instantâneo mas diferido.
OOOO. Contudo, tanto os 2ºs Réus quiseram comprar, como a 1ª Ré quis vender, que o imóvel em causa está ainda, passados seis anos da referida venda, na propriedade dos compradores.
PPPP. Da prova gravada e produzido em audiência apenas resulta provada a realização de uma compra e venda por escritura pública e o pagamento do respectivo preço. Não se prova qualquer divergência entre a vontade declarada na escritura e a vontade real dos outorgantes.
QQQQ. Portanto, dúvidas não podem subsistir de que não se verifica qualquer simulação, na medida em que, a Autora não alega factos e não apresenta provas, como lhe competia fazer, à luz do preceituado no art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, para que se possa indiciar ou concluir ter ocorrido qualquer simulação do negócio, para efeito do art.º 240.º, n.º 1 do Código Civil.
RRRR. Face ao exposto, mal andou a Sentença recorrida ao decidir julgar procedente o pedido da Autora, pois que a douta Sentença Recorrida enferma de erro de decisão/julgamento, e tal erro resulta da aplicação do direito de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica e normativa.
SSSS. Assim, e salvo melhor opinião, afigura-se-nos assistir razão à aqui Recorrente, por tudo o que foi aclarado.
TTTT. Pelo que, cremos que a Sentença recorrida enferma de erro de interpretação no que respeita ao disposto nos artigos 240.º, 342.º n.º1, 349.º e 394.º do Código Civil.
UUUU. Acontece que, como facilmente se conclui da leitura da impugnação dos factos provados, em contraposição com as transcrições da produção de prova em audiência de discussão e julgamento, em nenhum momento, de facto, se concretiza a simulação que a Autora pretende alegar.
VVVV.A Recorrente e, qualquer homem médio, extrai da prova testemunhal e das declarações de parte produzidas que os argumentos são pouco claros, sem qualquer suporte factual ou legal, onde se fazem considerações genéricas sem qualquer adesão à realidade ou respaldo em provas concretas, nem concretização ou evidenciação.
WWWW. Veja-se com o mesmo entendimento o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 605/17.0T8AVR.P1, de 04-05-2022, que refere no corpo da decisão o que a seguir se transcreve: “Ora,oónusdaprovadosrequisitosdasimulação,porqueconstitutivosdorespetivodireito,cabe,segundoasregrasgerais,aqueminvocaasimulação,detalmodoquese,emdeterminadocasoconcreto,nãoocorrerocircunstancialismofácticointegradordosrequisitosenunciados,poderáverificar-sequalquerfaltaouvíciodevontade,masnão,seguramente,odasimulação.”
XXXX. A este respeito, consagra o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 1/19.5T8FAR.E1, de 23-03-2020, o seguinte:
“3–A natureza diabólica da prova num contexto de negócio simulado não se podeaqui contentar com meros indícios de fraude e exige um juízo sustentado comelevado grau de probabilidade de verificação daquele.”
YYYY. Pelo que, nestes termos deve o presente recurso ser admitido, julgado e procedente e, em consequência, a douta Sentença objecto do recurso ser revogada, absolvendo-se os Réus da instância. NestestermosenosmelhoresdeDireitodeverá orecursoserjulgadoprocedente,revogando-seadoutaSentençarecorridaproferindo-sedouto acórdãoemconformidadecomasalegaçõessupraformuladas.».
13. A autora recorrida respondeu ao recurso, opondo-se ao mesmo e apresentando as seguintes conclusões:
«1. Por questões de economia processual, o ora contra-alegante dá por reproduzida toda a matéria constante da sua Petição inicial e da douta sentença recorrida, que aqui se consideram integralmente reproduzidas.
2. Diga-se, desde já, que não se vislumbra qualquer vício ou erro a apontar à decisão ora recorrida, não merecendo, desde logo, a mesma qualquer censura ou reparo.
3. Muito bem andou o Tribunal aquo ao decidir como decidiu!
4. Inexistem incasu razões de Direito e/ou de facto que justifiquem a alteração da decisão aquo nos termos defendidos pela Recorrente, pelo que, devem tais alegações de recurso serem julgadas improcedentes, por não provadas, conforme aliás melhor infra se exporá.
5. Alega a Recorrente que o Tribunal aquo não analisou a prova testemunhal devidamente, assim como defende que os pontos 8), 9) e 10) da matéria dada como provada, deveria antes ter sido dada como não provada.
6. Ora, claro está que a Recorrida discorda, em absoluto, uma vez que entende que é também a prova testemunhal que veio a dar sustento à matéria dada como provada.
7. Ademais, e a propósito precisamente da prova testemunhal e dos “trechos” que a Recorrente se socorre para tentar, sem sucesso, credibilizar os seus argumentos, é curioso que esta retire pequenas expressões, totalmente descontextualizadas e tente extrair delas conclusões que, na verdade, das mesmas nunca se poderiam extrair.
8. Dos trechos dos testemunhos transcritos pela Recorrente, não se vislumbra em que medida é que este ou aquele depoimento merece uma valoração diferente daquela que foi dada pelo Tribunal aquo, nem de que modo é que este depoimento vem confirmar os argumentos da Recorrente.
9. Antes é de concluir que, o julgador pôde aproveitar do animus de cada testemunha, da forma verosímil como cada uma delas transmitiu a informação que detinha, e quando assim se verificou, em especial, a teia de invenções em que se forjou determinado depoimento, como foi o caso da testemunha arrolada pela Recorrente, FF.
10. No seu grosso a prova produzida, fosse a arrolada pelas Rés, fosse a arrolada pela Autora, veio concretizar o pedido da Autora, o que resultou na decisão a que o Tribunal aquo, muito bem, chegou, não merecendo a mesma qualquer tipo de censura ou reparo.
11. Com efeito, a sentença do Tribunal aquo, aprecia de forma exemplar toda a matéria, analisa cuidadosamente a prova, e a final conclui “pelofingimentodacompraevenda”, defendendo que, face também às regras de experiência, teria necessariamente que se concluir “queacompraevendavisouesvaziaropatrimóniodarésociedade,colocando-oforadaórbitadestaeaproximando-adasuagerente”.
12. Todavia, a recorrente não contente com este entendimento, insurge-se defendendo que o Julgador não tomou em consideração prova testemunhal produzida, nem valorou devidamente os depoimentos produzidos ao criar a convicção de que “mesmoapósavenda,arémanteveasuaactividadecomercialnesselocal,semnadapagar,ecombase,alegadamente,numaautorizaçãoverbaldosRéus”, argumento que merece a discórdia da Recorrida.
13. Ditam as regras da experiência que a transmissão de um bem imóvel, pela via da compra e venda, implica que o uso daquele bem seja afecto ao novo proprietário, sendo certo que, nos casos em que não é, o adquirente sempre tem a expectativa de vir a receber algum proveito com o uso, por terceiro, do bem que lhe pertence.
14. Veja-se que, no caso, o bem imóvel objecto da compra e venda, saiu da esfera jurídico patrimonial da Recorrente, mas apenas no que concerne ao direito de propriedade, já que, o uso, a posse, e o controlo sob o destino do imóvel se manteve na Recorrente, sem que esse uso implicasse qualquer tipo de contrapartida para os novos proprietários, sendo absoluto que, com a transmissão do direito de propriedade daquele imóvel para terceiros, a Recorrente desfez-se do único ativo que detinha.
15. Antes demais, importa clarificar que, uma das testemunhas que Recorrente se baseia, numa tentativa (falhada) de desconstruir a decisão de que recorre, é, nada mais nada menos, que a Gerente destituída da sociedade comercial em questão, aqui Recorrente, que terá, nessa mesma qualidade, intervindo no negócio cuja validade foi posta em causa nestes autos.
16. O certo é que o testemunho de FF, na parte que foi transcrito nas alegações da Recorrente, em nada concretiza os argumentos da Recorrente, antes pelo contrário, vem de forma clara traduzir aquilo que se converteu na convicção do Tribunal e que se concretiza na versão da Autora, na verdade!
17. A Gerente destituída prestou um depoimento carregado de insegurança e de inúmeras incongruências, tendo assumido uma postura de comprometimento que fez com que o tribunal aquo qualificasse tal depoimento como “totalmenteinverosímil,araiaroabsurdo”.
18. Segundo esta testemunha, um casal de idosos, seus familiares e padrinhos, que vivem e têm o centro da sua vida pessoal e profissional a seiscentos quilómetros de distância do prédio, com a pretensão de fazer investimentos “alongoprazo”, decidem comprar um prédio, com uma edificação e cujo destino é a indústria, para depois afinal permitirem a manutenção da sede da Recorrente (e vendedora daquele prédio), naquele exato local, sem qualquer contrapartida pelo uso do mesmo e por tempo indeterminado, sendo que a Gerente dessa sociedade, que criou uma outra, veio o instalar a sede da sua nova sociedade ali, no mesmo exato local, tudo gratuitamente, brilhante conceito de investimento! Permitindo que terceiros o usem abeternum de forma gratuita.
19. Aliás, pasme-se! Abrigam-se numa eventual compra de um outro terreno por parte dos Segundos Réus, que nunca efetivamente comprovaram, para de forma muito pouco convincente, procurar sustentar a estória e imagem de investidores que falsamente criaram. Não é assim que funcionam os investimentos, nem são estes os típicos investidores!
20. Ditam as regras da experiência que os investidores, fazem-no com o propósito de fazer crescer o seu património e gerar rendimento. Ora, serão estes a excepção à regra?! Obviamente que não! O Tribunal aquo não se deixou enganar, por tal primária patranha.
21. Este é claramente um negócio de favor, em que os Segundos Réus intervêm sem que tenham verdadeira intenção de adquirir o prédio que é objecto de venda, não passando de homensdepalha para que a afilhada possa subtrair o património da sociedade de onde foi destruída judicialmente, com o prejuízo grave para a Autora.
22. prédio transmitido no negócio posto emcausa era na verdade o único ativo da empresa, o que exigia mais ainda que aquele negócio tivesse a transparência devida e fosse tratado com um escrúpulo e rigor diferentes.
23. O facto da sede da Recorrente, as máquinas e a operação industrial/comercial que lá existia se manter inalterada, sem qualquer contrapartida para os pretensos investidores, vem sustentar a venda por mera conveniência, já que, não houve quaisquer alterações na “vida” da sociedade, a não ser, perder, por “tuta e meia” a propriedade do único imóvel e ativo de grande valor que detinha.
24. O certo é que os depoimentos desta testemunha, mesmo relativamente aos excertos selecionados pela Recorrente, não permitem, de todo em todo, confirmar a sua versão dos factos, já que os mesmos vêm contrariar a sua tese de forma segura e em harmonia com a prova testemunhal e documental junta aos autos.
25. Ademais, outras testemunhas vieram trazer aos autos uma versão completamente distinta e bem mais sustentada, que asseverou a manutenção das circunstâncias do prédio, o desconhecimento de qualquer venda, que aquele prédio era o único ativo da empresa, afirmando que desde sempre e até ao presente, associam aquele local à sociedade Recorrente, e bem assim à Gerente destituída FF.
26. Do depoimento da Testemunha GG, prestado em audiência de julgamento, a 09-02-2024, com início às 10:36 e fim às 11:15, credível e esclarecedor, resultou claro que este identificou que a Recorrente sempre laborou no prédio vendido, esclareceu a relação próxima entres os intervenientes na compra e venda, o desinteresse expectável dos compradores naquele negócio e o confesso conluio dos intervenientes. Mencionou ainda que o prédio vendido era de facto o único ativo da Recorrente, e ainda que, em conversa com o Segundo Réu, este acabou por lhe confirmar a sua atuação, tudo como aliás vem transcrito supra, no corpo da presente peça, que aqui se dá desde já, por reproduzido para os devidos efeitos.
27. A par desta testemunha outras vieram esclarecer que a Recorrente se mantinha a laborar e com sede no mesmo local, sem que alguma alteração fosse sentida, sendo que todos desconheciam a existência de uma venda, e bem assim, desde sempre e até aos dias de hoje, face á inexistência de alterações no local e naquela empresa, entendiam que aquele terreno e aquele pavilhão, pertenciam e pertencem à Recorrente.
28. Confirmaram este facto as testemunhas HH, JJ, II, tudo como se constata pela leitura das transcrições dos seus testemunhos, todas integralmente transcritas no corpo da presente resposta e que por brevidade, aqui se dão por reproduzidas.
29. Para além disso, a testemunha arrolada pela Recorrente, KK, contabilista da empresa, veio igualmente esclarecer que aquele imóvel era o único ativo da empresa, e ainda que, a Recorrente, nunca teria pagado renda pelo uso daquele imóvel aos novos proprietários, tudo como resulta das transcrições inseridas no corpo desta resposta para as quais, por brevidade, se remete.
30. É facto que a forma como operou a transmissão do prédio em causa, e considerando ainda os contornos desta compra e venda, é de concluir pelas intenções duvidosas dos seus intervenientes, que tinham como propósito único retirar aquele prédio da esfera jurídica da ora Recorrente, e bem assim, colocá-lo sob o controlo exclusivo da Gerente, já destituída.
31. Para mais, o facto da compra e venda em questão ter sido realizada em absoluto secretismo, sem que tenho sido comunicada a intenção de venda a nenhuma das sócias, ou sequer tenha ocorrido qualquer deliberação por forma a decidir-se da possibilidade da venda, ou até, eventualmente, aferir-se da possibilidade de avançar com outros tipos de financiamento que garantissem a subsistência da empresa e a estabilidade da sua tesouraria, adensam a suspeição da atuação e modusoperandi dos Réus.
32. Em bom rigor, a venda do único ativo de uma empresa deverá entender-se sempre como o último recurso, já que esta venda importará descapitalizar, em absoluto, a empresa.
33. A atuação da Gerente destituída, é absolutamente contrário à normal e diligente atuação de um gerente sensato, ponderado e zeloso, na realidade, traduz-se na intenção clara que esta tinha, de retirar, fosse de que forma fosse, o único património de valor do nome da EMP01..., aqui Recorrente, e colocá-lo antes sob o seu exclusivo controlo, por forma a poder dele retirar o proveito que entendesse, sempre em prejuízo da Autora e da sociedade que A data da venda era gerente e tinha a obrigação de defender os seu interesses.
34. Com esse propósito, em conluio com os seus tios e padrinhos, decide forjar uma venda, por um valor irrisório, que é tudo menos condizente com o valor real do prédio, e transmitir assim, sem justificação e razão plausível, um bem, dizendo que fez entrar (?????) nos cofres da empresa a quantia que atribui ao negócio, quando na realidade, não há qualquer traço desse dinheiro nos cofres da sociedade.
35. Como não podia ser de outra maneira, a Recorrente falhou, de forma catastrófica, em demonstrar que, a forma como conduziu este negócio era isenta de esquemas e más intenções, já que, a versão trazida por si aos autos tem tanto de descabida como de improvável, e por ser pouco sustentada, permitiu ao Tribunal aquo determinar que aquele negócio era (como foi), na verdade, simulado.
36. A acrescer a isso, temos o comportamento dos Réus em todo o processo que, por um lado se mantiveram inertes e não quiserem concretizar a forma como se processaram os pagamentos que dizem ter feito, escusando-se de colaborar com a justiça no sentido de demonstrar, sem sofismas, que o pagamento tinha ocorrido e de que forma; e por outro lado, verificou-se que nem os próprios Segundos Réus, diretamente interessados na ação por estarem a ser ofendidos no seu património, se interessaram a fazer prova, com sustento real e que garantisse a manutenção do seu direito de propriedade, mantendo-se praticamente inertes ao longo de todo o processo.
37. A Gerente destituída decidiu, unilateralmente, colocar à venda e efetivamente vender o único ativo, de valor considerável, que compunha o acervo da empresa, e fê-lo sem que previamente consultasse ou informasse qualquer das sócias, aproveitando-se do objeto da sociedade, para elidir a obrigação de apresentar e propor a venda às sócias.
38. Alega ainda, uma pretensa avaliação, que não mostra nem indica quem realizou. Nessa sequência afirma ter publicitado a venda, através da colocação de uma placa para venda no exterior do prédio, (que ninguém viu) sem que tenha recebido qualquer oferta.
39. Isto posto, decide então, sem dar conhecimento às donasda sociedade, reduzir o preço de venda do prédio em um terço mais concretamente em 40.000,00 € e bem assim avançar com a venda, curiosamente aos seus padrinhos, com residência a seiscentos de quilómetros de distância, pela quantia conveniente de 80.000,00€, ditada pelo valor patrimonial do prédio.
40. Assenta a sua motivação em reduzir o preço da venda, no facto de não conhecer mais interessados na compra, e ainda num contexto de muitas dificuldades financeiras que a empresa padecia na altura, o que, mais uma vez, se escusou de sustentar, contextualizar e muito menos provar.
41. Toda esta versão é absolutamente descabida! Não é normal alguém que tem um ativo, cujo valor diz ter sido avaliado em pelo menos 120.000,00€, decide, sem mais, vender o mesmoativo por doisterçosdo valor (80.000,00€), quando a empresa pretensamente está em dificuldades financeiras.
42. Por outro lado, é verdadeiramente curioso que tenha afirmado publicitar a venda e que, durante um longo período, não obteve ofertas quando, foi afirmado de modo categórico e com conhecimento direto pelas testemunhas que nunca viram qualquer publicidade/placa naquele local, mais estranho ainda não ter contactado nenhuma empresa imobiliária para potenciar a venda. Mais, nunca foi conhecida esta intenção de venda nas proximidades, nas empresas vizinhas, nos cafés e restaurantes das proximidades. Nada!
43. O certo é que esta venda foi realizada na penumbra e escondida de todos, por forma a omitir de tudo e de todos que o direito de propriedade que incidia sob aquele prédio, tinha “trocado de mãos”, tendo apenas chegado ao conhecimento da Autora essa transmissão, anos depois, em consequência e no decurso da ação judicial de destituição da testemunha da qualidade de gerente da Recorrente, sendo que a venda ocorre depois da Autora se ter incompatibilizado com a testemunha e pouco antes de intentar a ação de destituição.
44. Constata-se assim que os intervenientes neste negócio, fosse a gerente destituída da Recorrente, fossem os Segundo Réus, nunca tiveram intenção real de comprar e vender o prédio, tão somente criar a aparência de nova titularidade do prédio, de modo a prejudicar a Autora de forma indelével.
45. Do testemunho da Gerente destituída, FF, prestado em audiência de julgamento, a 09-02-2024, com início às 14:13 e fim às 14:53, já transcrito no corpo da presente resposta e para o qual desde já se remete, foi possível extrair uma série de incongruências, quer relativamente à sua postura face à venda e ao valor à mesma atribuído, quer quanto aos contornos do negócio em si, já que esta, de uma forma muito conveniente, se enganou em várias datas, até que se viu obrigada a abster-se de indicar datas dos atos com rigor, mas por via desta omissão, cometeu deslizes no seu discurso, demonstrando que a estória montada, não resistiu ao mais leve escrutínio.
46. Por outro lado, a Testemunha GG, prestado em audiência de julgamento, a 09-02-2024, com início às 10:36 e fim às 11:15, transcrição realizada supra e para a qual, por brevidade, se remete para todos os legais efeitos, esclareceu que a empresa não tinha, à data, dívidas, que nunca teve conhecimento da venda e ainda que, nunca a mesma lhe terá sido comunicada, antes foi realizada em absoluto sigilo, tudo para que não se apurasse o que estariam os intervenientes a fazer, e sempre com o propósito de prejudicar a Autora e o seu pai.
47. No mesmo sentido foi o testemunho de LL, prestado em audiência de julgamento, a 09-02-2024, com início às 11:15 e fim às 11:29, transcrição também realizada supra e para a qual, por brevidade, se remete para todos os legais efeitos, que referiu desconhecer a venda ou a intenção de venda, que nunca viu qualquer publicidade/placa da venda, ou sequer ouviu falar de tal intenção.
48. Também a Testemunha HH, (testemunho prestado em audiência de julgamento, a 09-02-2024, com início às 11:30 e fim às 11:38), a Testemunha JJ (prestado em audiência de julgamento, a 09-02-2024,cominício às 11:30 e fim às 11:38), e a testemunha II (prestado em audiência de julgamento, a 09-02-2024, com início às 11:46 e fim às 11:53) - transcrições também realizadas supra e para as quais, por brevidade, se remete para todos os legais efeitos – afirmaram que nunca viram nenhuma publicidade/placa que pudesse denunciar a intenção de venda do prédio, ou ouviram falar na intenção da Recorrente em algum momento.
49. Assim se vê que a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento e no corpo desta resposta transcrita, tendo sido realizada de forma espontânea, coerente e segura, veio contrariar a tese descabida apresentada pela Recorrente, matéria que foi seguramente absorvida pelo Julgador, levando-o indubitavelmente a formar a convicção que resulta na decisão justa e condizente, vertida na sentença.
50. Ainda, e reportando-nos ao valor do negócio, sempre se terá de afirmar que o prédio em si, nunca poderia ser vendido pelo valor que consta no contrato de compra e venda, já que o valor a que se reporta o contrato de compra e venda, corresponde ao valor patrimonial daquele prédio, à data dos factos, sendo certo que, como é sabido, o valor patrimonial, que consta da caderneta predial de qualquer prédio é, objetivamente, bastante inferior ao seu valor real e de mercado, mais a mais no caso em apreço, porquanto o prédio situa-se em ..., sendo que não há mais terrenos industriais na vila, havendo uma procura por pavilhões industriais muito grande, não havendo nem pavilhões nem lotes industriais disponíveis.
51. Pelo queé evidente, tomando emconsideraçãoo ano dacelebração do negócio e bem assim, o estado do setor e do mercado imobiliário naquela data, aquele prédio, em específico, com todas as valências de que dispunha e dispõe, obrigatoriamente, em caso de venda, importaria num valor no mínimo seis a sete vezes superior.
52. Também o valor da venda foi alvo de escrutínio pelo Tribunal aquo, uma vez que também este facto ajudou a cimentar a tese de simulação, sendo que, ficou esclarecido e assente, que o valor daquele negócio, não é ajustado e fica muito aquém daquilo que seria expectável.
53. O que ajudou a concretizar o imenso prejuízo que aquela venda, naquelas condições, importou, quer porque se vendeu o único ativo da empresa por um valor muito inferior ao seu valor de mercado, descapitalizando a empresa; quer porque, propositadamente, não se fez entrar qualquer montante nos cofres da empresa, quer porque a ser verdade a venda a mesma teria de ser efetuada por um valor muitíssimo maior, delapidando-se de forma definitiva o património da empresa, e depauperando os seus cofres.
54. Acresce que, ficou igualmente assente que o prédio vizinho, com dimensão inferior e sem qualquer edificação, material ou mais-valia, foi vendido, pouco depois da venda do prédio em apreço, por uma quantia exorbitantemente mais alta, que ascendeu à quantia de 300.000,00€, verificando-se uma diferença gigante no preço da venda de um prédio e de outro, sitos no mesmo local, em circunstância diferentes, mas mais favorecedoras do caso do prédio da Recorrente.
55. Porquanto, ficou provado que o prédio da Recorrente é maior cerca de 500m2 que o prédio vizinho, tem edificado um pavilhão, um P, está devidamente murado, enquanto o outro era somente um lote de terreno “raso”.
56. Significa isto que, na pior das hipóteses, o prédio da Recorrente valeria e poderia ser comercializado, pelo menos, pelo dobro do prédio vizinho, que, em concreto, é menor e não aproveita de metade das valências do prédio pertença da EMP01....
57. Ainda na senda do valor da venda, outra questão controversa e que, concretamente, ajudou a cimentar a certeza de que o negócio é simulado, foi o facto do valor da compra e venda, ter sido pago, segundo a Recorrente, em dois momentos distintos, bastante distanciados no tempo, a primeira tranche, de 30.000,00€ alegadamente entregue em numerário, no ato de celebração do contrato promessa; e a segunda tranche, entregue no ato da escritura, por cheque, que dizem ter tido como destino a conta da Recorrente.
58. Ora, como bem defende a sentença recorrida, “opagamentoatravésdaquelemeiosuscitaperplexidades.eperplexidadesacrescidasjáqueosegundopagamentofoiatravésdecheque”.
59. Esta atuação duvidosa, leva a crer que aquele montante nunca na verdade existiu, em bom rigor, um montante desta magnitude nos termos da Lei n.º 92/2017, de 22 de agosto, sempre deveria ter sido pago por cheque ou transferência bancária, aliás, aos particulares e aos comerciantes não são admitidos pagamentos em espécie superior a três e mil euros respetivamente.
60. Em boa verdade, tal pagamento nunca ocorreu e é nada mais do que um produto da imaginação da Recorrente, que tentou, a todo o custo, que o julgador acreditasse na sua estória disparatada e não fundamentada, que se baseia numa venda em condições duvidosas, cujo propósito se desvendou ser esvaziar o ativo da empresa e colocar esse mesmo património sob o controlo da Gerente destituída, prejudicando-se com esta conduta gravemente a Autora.
61. Tanto assim é que, o suposto sinal no montante de 30.000,00€ alegadamente entregue em numerário, só foi comunicado ao contabilista da sociedade um ano após a supositícia entrega e alegada celebração do contrato, conforme resulta do depoimento deste, a gerente só o informou quando lhe entrega a escritura da compra e venda do prédio, no final do exercício de 2018, ou seja, um ano depois.
62. Sempre se dirá que é deveras suspeito pois, trinta mil euros que supostamente entram no giro de uma qualquer empresa deixam desde logo rasto, muito mais quando se trata de uma pequena empresa, sendo certo que, a contabilidade em momento algum deu conta de tal fluxo, pela simples razão de o mesmo nunca ter existido.
63. E mais, não só não o fez no ano em que supostamente aquele movimento se verificou, como também não esclareceu o destino exato que deu àquele considerável montante, por forma a assegurar-se que não existiam falhas e incongruências na contabilidade. Ora, claro está que este pagamento foi forjado e na verdade não existiu.
64. A este propósito, resultou da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento das Testemunhas GG, LL, JJ, II KK, tudo conforme resulta pelas transcrições que constam do corpo desta resposta e para a quais, por brevidade, se remete, que o valor da venda era absolutamente desajustado, que efetivamente o prédio vizinho, mais pequeno e menos valorizado, tinha sido transacionado por 300.000,00€, e ainda que, no que respeita á última testemunha mencionada, contabilista da Recorrente, que terá tido conhecimento do pagamento do sinal e deste negócio apenas no final do ano de 2018, quando lhe foi entregue a escritura de compra e venda.
65. Estes testemunhos, trazidos aos autos de forma livre, espontânea e esclarecedora, contribuíram para que o Tribunal determinasse, sem dúvidas, que o comportamento e atuação duvidosa dos Réus, resultou num negócio francamente prejudicial e penalizador para a Autora, sendo certo que, a atuação dos intervenientes no negócio que resultou simulado.
66. Tudo considerado, é por demais óbvio que a prova testemunhal resultante dos autos vem ao encontro da tese da Autora, e não dos Réus e da ora Recorrente, tendo sido competentemente valorada pelo Tribunal aquo, nada havendo a apontar à sentença recorrida.
67. Assim sendo, a prova testemunhal e documental foi, destarte, apreciada e analisada de forma crítica, valorando de forma irrepreensível os diferentes depoimentos prestados, e resultando numa douta sentença que fez, de facto e indubitavelmente, Justiça!
68. Alega ainda a Recorrente, que o Tribunal aquo fez uma incorreta aplicação das normasaplicáveis incasu, facto que levou à decisão que incidiu sob a declaração de nulidade do negócio posto em crise e celebrado entre a ora Recorrente e os Réus, por se verificar tratar-se de simulação absoluta, tendo necessariamente a Recorrida de discordar, já que entende que o Tribunal aquo a decidir como decidiu, decidiu bem!
69. Com efeito, o Tribunal aquo foi, na sua sentença, esclarecedor quanto ao que o motivou a tomar a decisão que culminou na procedência da ação, instruindo a decisão com fundamentos de direito assertivos, reproduzindo considerações de Autores conceituados que geram doutrina, bem como de outras decisões que fazem jurisprudência, motivo pelo qual, por uma questão de brevidade e economia processual, a Recorrida, adota como seus os argumentos tão bem apresentados pelo julgador na douta sentença, aqui os reproduzindo integralmente, para os devidos efeitos.
70. Assim, importa apenas concretizar que a simulação, prevista no artigo 240º do CC, “(…)pressupõeaverificaçãocumulativadetrêsrequisitos:a)divergênciaentreavontaderealeavontadedeclarada;b)intençãodeenganarterceiros;c)acordosimulatório.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13-05-2021.
71. O mesmo Acórdão continua afirmando que “Podeasimulaçãocomportarumadestasmodalidades:a)Asimulaçãoabsoluta–quandoaspartesnãotenhamqueridocelebrarqualquernegócioe;b)Asimulaçãorelativa–quandoasimulaçãotenhaservidoparaocultarumoutronegócio,verdadeiramentequeridopelaspartes(onegóciodissimulado).Onegóciosimulado–quernasimulaçãoinocente(decipiendi)quernafraudulenta(nocendi)énulo(…).”
72. No que respeita aos pressupostos para a verificação de simulação, conforme tudo o que supra se alegou e demonstrou, é notório que a prova produzida, quer a documental, quer a testemunhal, veio ajudar a esclarecer o modusoperandi da Recorrente enquanto vendedora e do Segundos Réus enquanto compradores, bem como o seu animus e o propósito destes com a celebração daquele negócio.
73. Dúvidas não restaram de que, à luz do direito e das normais aplicadas ao caso, todos os Réus, em conluio, celebraram um negócio simulado, que em consequência é nulo.
74. Na verdade, aquele negócio resultou de um acordo de conveniência entre eles, nomeadamente porque estes nunca pretenderam que o direito de propriedade do prédio realmente se transmitisse, fazendo-o em absoluto sigilo, sem que ninguém tivesse conhecimento da sua intenção e sem que fosse feita qualquer comunicação aos interessados, e com o único propósito de prejudicar a Autora, e de fazer desaparecer o único bem imóvel e único ativo digno de registo e valor que a empresa Recorrente detinha, delapidando consciente e intencionalmente, o património desta.
75. Isto posto, de acordo com toda a prova coligida nos autos, nomeadamente a documental, mas também a testemunhal, resulta evidente que a tese da Recorrente, inventiva que é, não passa disso: de uma venda/invenção entre os Réus, usado como meio de adquirir, de forma fraudulenta, ilegal e imoral, um bem imóvel de elevado valor, colocando o prédio em causa na disponibilidade da Gerente entretanto destituída, empobrecendo assim o património da Recorrente, causando grave prejuízo à Autora, que nunca foi tida nem sabia da intenção de venda ou da própria venda, e que a final viu o património da sua sociedade ser absolutamente delapidado.
76. A versão trazida aos autos pela Recorrente não tem qualquer suporte minimamente credível e isento, nem se coaduna com as regras da experiência e da normalidade das coisas, pelo que está indelevelmente condenada ao fracasso – como bem decidiu o Tribunal aquo.
77. Aliás, a prova provada de que estamos perante uma simulação absoluta, que a gerente destituída e os 2.º Réus nunca quiseram realizar qualquer compra venda, está no presente recurso, pois, quem recorre da douta sentença é a primeira Ré, EMP01..., que com a douta sentença vê o seu património reforçado, sendo que, a ser verdade a tese peregrina apresentada pela Recorrente, os verdadeiros perdedores, porquanto pretensamente “pagaram” oitenta mil euros por um imóvel que vale mais de quinhentos mil, nãorecorreramenadadisseram,aliás,nasendadoquefoiasuaposturaaolongodetodoesteprocesso.
78. Finalmente, e a talhe de foice, está a correr no Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão a competente ação de declaração de nulidade de deliberação social, da nomeação como gerente da filha da gerente destituída FF, sendo que, tal ação está suspensa porque os mandatários da ora Recorrente, não têm tido disponibilidade de agenda para reunirem com a sua constituinte.
79. Assim, temos que inexiste qualquer motivo para alterar a decisão proferida pelo Tribunal aquo, devendo a mesma manter-se nos seus precisos termos, com o que esse douto Tribunal da Relação de Guimarães, fará a acostumada Justiça.
Nestestermos, não só certamente pelo ora alegado masprincipalmente pelo alto critério de Vªs Exªs, deverá ser dado pleno provimento à presente resposta, negando-se provimento ao recurso apresentado pela Recorrente EMP01... em Granito e Imobiliária, Lda. e mantendo-se a decisão recorrida, realizando-se assim a habitual JUSTIÇA.». 13. O recurso foi admitido na 1ª instância e recebido nesta Relação como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo. 14. Colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Definem-se como questões a decidir: 1. A impugnação à matéria de facto (se os factos provados em 8), 9) e 10) devem ser julgados não provados). 2. A reapreciação jurídica da sentença, face à alteração dos factos e à defesa que a autora não é terceira ao negócio.
III. Fundamentação:
1. Matéria de facto provada na sentença recorrida:
«1) A 1ª Ré é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objecto a compra e venda de imóveis e construção de imóveis para revenda, e ainda, empreitadas de obras públicas, e tem o capital social de € 100.000,00 (cem mil euros), dividido em duas quotas no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) cada uma.
2) Sendo que, a Autora é sócia e detentora de 50% do capital da 1ª Ré.
3) O 2º Réu marido é tio paterno e padrinho de FF.
4) EE, detentora dos restantes 50% de capital da 1ª Ré, é cunhada de FF.
5) A gerência da 1ª Ré, desde Abril de 2008, foi exercida por FF, cargo do qual foi judicialmente destituída.
6) A sede da 1ª Ré, sita na Rua ..., ..., em ..., foi instalada num imóvel próprio da sociedade, correspondendo a um edifício de ... com logradouro, destinado a armazéns e indústria, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...44 – ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...7º, com o valor patrimonial atribuído de €81.049,20.
7) Por escritura de compra e venda, outorgada no dia ../../2018, no Cartório Notarial a cargo do Notário DD, sito em ..., declarou-se que o referido imóvel era vendido pela 1ª Ré, representada pela sua gerente FF, aos 2os Réus, pelo preço de € 80.000,00 (oitenta mil euros), constando daquela escritura que, a título de sinal, havia sido pago, no dia 28 de Julho de 2017, o valor de € 30.000,00 (trinta mil euros), em dinheiro, e, ainda, que o valor remanescente de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) foi pago naquele dia, por meio de cheque, sacado sobre a Banco 1..., com o n.º ...52....
8) Apesar do declarado, os Réus pretenderam, apenas, retirar o imóvel da propriedade da 1ª Ré.
9) Nem os pretensos compradores quiseram comprar o imóvel da 1ª Ré, nem a pretensa vendedora quis vender o imóvel aos 2os Réus.
10) Aquela escritura resultou de um acordo entre os réus com o objectivo de retirar aquele bem imóvel da propriedade da sociedade 1ª Ré, com o intuito de prejudicar terceiros, designadamente a sócia da 1ª Ré, aqui Autora, e de descapitalizar a sociedade.
2. Impugnação da matéria provada de 8 e 10 sentença recorrida:
A sentença recorrida julgou provados os factos 8) a 10) («8) Apesar do declarado, os Réus pretenderam, apenas, retirar o imóvel da propriedade da 1ª Ré. 9) Nem os pretensos compradores quiseram comprar o imóvel da 1ª Ré, nem a pretensa vendedora quis vender o imóvel aos 2os Réus. 10) Aquela escritura resultou de um acordo entre os réus com o objectivo de retirar aquele bem imóvel da propriedade da sociedade 1ª Ré, com o intuito de prejudicar terceiros, designadamente a sócia da 1ª Ré, aqui Autora, e de descapitalizar a sociedade.»), mediante a seguinte subsunção de facto ao direito (realizada após defender a possibilidade de produzir prova indireta da simulação, com recurso à Doutrina e Jurisprudência):
«Voltando ao caso dos autos, mais uma vez se constata a ausência de prova directa da denominada comédia jurídica. De todo o modo, coligida toda a prova e analisando-a à luz das regras da experiência, concluímos pelo fingimento da compra e venda. Senão vejamos:
Dos autos e do julgamento pode constatar-se a existência de uma disputa societária e que, ainda para mais, é insuflada pelas más relações familiares entre as partes (no seu depoimento de parte, a autora nada confessou, mas descreveu a ausência de relações com a sua tia e que, para obter informação sobre a sociedade, tinha que se dirigir ao contabilista da mesma, sendo que o depoimento de parte requerido visava averiguar se a mesma obteve ou não informações junto do contabilista, o que, de todo, demonstra à saciedade o clima de guerrilha existente no seio societário e familiar). Repare-se que esta situação levou à destituição da gerente que, nessa qualidade, alegadamente vendeu o imóvel – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial.
Como levou o irmão da ex-gerente a instaurar execução contra a ré sociedade, já que esta não lhe liquidou o seu crédito laboral (GG, pai da autora, descreveu esta situação de modo detalhado, também se extraindo deste depoimento a acrimónia existente entre os dois irmãos).
Por outro lado, resultou unânime que o único imóvel que a ré sociedade detinha era o alegadamente vendido. Imóvel onde a ré estava sedeada. E que, mesmo após a venda, a ré manteve a sua actividade comercial nesse local, sem nada pagar, e com base, alegadamente, numa autorização verbal dos réus. Não fosse, por si, essa situação anómala, ainda mais bizarro se afigura constatar que, após a alegada venda, veio a gerente destituída criar uma empresa, em 2019, que, num primeiro momento, tinha como sede o mesmo local da sede da ré sociedade, mudando posteriormente para um diferente número de porta mas que, na prática, se situa no mesmo local – cfr. f. 74 e 75.
Apesar de tudo isto, os réus, estranhamente, não tomaram a iniciativa de serem ouvidos, isto é, não pretenderam prestar declarações sobre o negócio que os mesmos apelidam de real e lícito e que alegam que correspondeu a um investimento com a aplicação das suas poupanças num investimento. E note-se que GG, pai da autora, veio declarar em tribunal que teve uma conversa com o réu, da qual se depreende a simulação.
Por outro lado, não houve qualquer deliberação social respeitante a esta venda, nem este negócio foi publicitado. A gerente vendedora confirmou isso. Mas mais. Analisado na sua globalidade, o depoimento de FF, tia da autora, e antiga gerente da ré sociedade, mais do que imprestável, corroborou a versão trazida aos autos pela autora. Senão vejamos:
Afinal, era gerente de uma sociedade que tinha no seu objecto a compra e venda de imóveis e que decidiu vender o único imóvel que a sociedade tinha colocando, alegadamente, um valor de venda (120 mil) após auscultar uma pessoa da Câmara (sic), a qual, claro está, não foi aqui inquirida. Nessa sequência, colocou uma placa (método publicitário com muito pouco alcance tendo em conta a rua em causa) a informar que pretendia vender o terreno (apenas esta testemunha referiu esta situação, sendo que nem na contestação se alegou isto. Inquiridos LL, HH e JJ, de relevante apenas descreveram que o local permanece igual, bem como a presença de FF, e que nunca avistaram qualquer placa de venda, apesar de lá passarem com frequência). Porém, esta iniciativa, segundo a própria, fracassou. Todavia, o réu, seu tio e padrinho (reformado, antigo estofador, residente em ..., alegadamente comprador de outro terreno em ..., sem que nem o próprio o tenha alegado na sua contestação), numa visita viu o terreno à venda e ficou interessado. Porém, considerou o valor excessivo, razão pela qual foi acordado que o preço deveria corresponder ao valor patrimonial para efeitos fiscais.
Deste modo, esta testemunha quis fazer crer que, depois de, alegadamente, se certificar do valor do imóvel do modo como o fez (dir-se-ia, através de um método pobre, amador e pitoresco), baixou o preço em 40%, baseando-se nesse elemento objectivo fiscal. Todo este arrazoado afigurou-se, atenta a sua postura e comprometimento, totalmente inverosímil e a raiar o absurdo.
Como é sabido, nestes negócios o custo por metro quadrado é essencial. Ora, com este mega desconto de 40%, de 17 euros o m2, passou-se a 11,5 euros o m2. Volte a repetir-se: estamos perante a gerente de uma empresa durante vários anos e que tem por objecto a compra e venda de imóveis. Tudo isto se mostrou notoriamente implausível.
Por fim, esta testemunha confirmou que, apesar do negócio jurídico, no local tudo está como sempre esteve, embora, tenha dito expressamente que os tios com a aquisição fizeram um investimento (de longo prazo), embora, sublinhe-se, até aos dias de hoje, esse fim afigura-se frontalmente contraditório com a benesse que a sociedade ré beneficia.
Prosseguindo.
Na escritura menciona-se a entrega, por conta do preço, de uma quantia em numerário cerca um ano antes da realização daquela, não tendo sido junta aos autos a cópia de qualquer contrato promessa. Por outro lado, também se afigura estranho que tenha passado um ano do contrato promessa até à escritura.
Esse dinheiro teria sido entregue em 28-7-2017, no montante elevado de 30 mil euros, sendo que resulta dos autos que os réus se opuseram à junção de extractos bancários, não colaborando nesse sentido (…).
A nosso ver, não se impunha à autora peticionar a quebra do sigilo bancário. Nos dias de hoje, a entrega de uma quantia monetária daquele montante não se pode afigurar normal. Aliás, a mesma implica, hoje em dia, até a prática de um ilícito (cfr. art. 63.º-E, da LGT). O pagamento através daquele meio suscita, assim, perplexidades. E perplexidades acrescidas já que o segundo pagamento foi através de cheque. E, como supra se fez questão de sublinhar a propósito do ónus probatório do impugnante, não é exigível à autora que demonstre, de forma exaustiva, a não ausência de dinheiro por parte dos réus para pagarem aquela quantia. Face ao quadro factual supra descrito, incumbia, isso sim, aos réus impedirem o tribunal de concluir, de acordo com as regras do bom senso e da experiência, que tudo não passou de uma encenação.
Por seu turno, apesar da alegada venda corresponder ao (frágil e, na grande parte dos casos, irrealista) valor patrimonial para efeitos fiscais, não se pode olvidar que o prédio urbano em causa tem 6900m2, pelo que a alegada venda teria sido efectuada por 11,6 euros o metro quadrado o que se afigura, atentas as regras da experiência, muito baixo. Aliás, foi inquirido II, proprietário de um prédio confinante com o prédio aqui em litígio, e que confirmou que vendeu o seu terreno, em 4-3-2022, por 300 mil euros, sendo que o terreno dele tinha menos de 500 m2. Mais asseverando que o prédio dos autos vale muito mais, justificando, com detalhe, porque assim respondia.
Da banda dos réus, apenas foi inquirido KK, contabilista da sociedade que comprovou que o cheque de 50 mil euros foi depositado na conta da ré. Mais referiu que somente em finais de 2018 teve conhecimento da escritura, e só nessa ocasião soube que a quantia de 30 mil euros já tinha sido entregue no ano anterior, tendo registado a entrada deste dinheiro sem que lhe fosse junto qualquer suporte documental para além da escritura.
Face a tudo isto, e parafraseando novamente GALVÃO TELLES, são estes os vestígios que denunciam a simulação, são estes os factos, circunstâncias que a experiência aponta, com toda a segurança, como sintomas ou índices do carácter fictício e imaginário de um acto jurídico.
Isto é, a nosso ver, da prova resulta, atentas as regras da experiência, que a compra e venda visou esvaziar o património da ré sociedade, colocando-o fora da órbita desta e aproximando-a da sua ex-gerente.».
A recorrente impugnou os factos provados de 8) a 10), pedindo que os mesmos se julgassem não provados (conclusão D). Para este efeito:
a) Discutiu o regime jurídico da repartição de ónus de prova e de utilização de presunções judiciais.
Os fundamentos aqui expostos, apesar de terem a epígrafe “Erro de Decisão/Julgamento quanto à aplicação de direito”, reportam-se à impugnação da matéria de facto. E devem ser apreciados primariamente, uma vez que a reapreciação da prova que baseou a decisão fática e que baseia a sua impugnação deve ser feita de acordo com as regras de direito probatório material aplicáveis.
b) Contestou a análise de meios de prova constante da motivação da sentença e indicou os meios de prova e a análise que considera relevantes para impugnar os factos provados de 8) a 10) e obter a sua alteração para não provados, sob a epígrafe “Reapreciação da Prova- Matéria de Facto”.
A impugnação pode ser apreciada se estiverem cumpridos os ónus prévios deimpugnação, sem os quais não é admissível a reapreciação da prova e da decisão de facto, nos termos do art.640º do CPC («1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.»). De seguida, a decisão de facto pode ser alterada desde que na reapreciação da prova se imponha um juízo e uma decisão diferentes, nos termos do art.662º/1 do CPC («A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»).
Neste caso, estando verificados os ónus de impugnação, apreciar-se-á a impugnação concreta realizada, mediante o direito probatório material aplicável (III- 2.1.) e a reapreciação da prova realizada (III- 2.2. infra).
2.1. Regime de direito probatório material aplicável à apreciação da prova: 2.1.1. Fundamentos da recorrente:
A recorrente defendeu que cabe a quem arguir a simulação de um negócio jurídico celebrado por escritura pública a alegação e a prova dos factos que integrem os seus requisitos, através dos meios legalmente admissíveis e mediante uma demonstração forte (uma vez que a simulação fulmina com a máxima sanção o negócio jurídico), sob pena de sofrer as consequências de falta de prova se o não fizer.
Por esta razão, a recorrente entendeu que, ainda que a prova da simulação seja diabólica: não basta que o seu arguente crie a simples aparência de alguns indícios, se demita da prova que poderia produzir e se baste com presunções judiciais, o que poderia até corresponder a um abuso de direito; não se pode exigir às contrapartes demandadas que beneficiam da referida escritura que produzam prova não exigida à autora, numa verdadeira inversão do ónus de prova (como lhe parece acontecer quando o Tribunal a quo se refere às perplexidades do pagamento do preço, em que conclui que «não é exigível à autora que demonstre de forma exaustiva, a não ausência de dinheiro por parte dos réus para pagarem aquela quantia. Face ao quadro factual supra descrito, incumbia, isso sim, aos réus impedirem o tribunal de concluir, de acordo com as regras do bom senso e da experiência, que tudo não passou de uma encenação.»), devendo o Tribunal encontrar uma solução equilibrada não só para quem arguiu a simulação, mas também para quem é demandado (conclusões LL a PP, KK, SSS a VVV, ZZZ, AAAA, WWWW, XXXX; BBBB a EEEE).
2.1.2. Regime de direito aplicável: 2.1.2.1.Factos abrangidos pela força probatória plena de documento autêntico e confissão:
Um documento autêntico faz prova plena «dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora;…» (art. 371º/1 CC).
No entanto, esta força probatória plena do documento autêntico refere-se apenas ao conteúdo extrínseco das declarações no mesmo documentadas (e não ao seu conteúdo intrínseco). Luís Filipe Pires de Sousa, sintetiza assim as seguintes vertentes do documento abrangidas pela referida força probatória plena: «a sua proveniência; a identidade dos declarantes se feita com base no conhecimento pessoal do notário (cf. art.48º, nº1, al. a), do CN); as declarações proferidas pelas partes e rececionadas pelo oficial público; os atos realizados pelo documentador ou a que o mesmo assistiu; a data e lugar da outorga.»[i].
Por sua vez, a confissão extrajudicial (reconhecimento de facto desfavorável e que favorece a parte contrária) lavrada em documento autêntico ou particular «considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos» e tem força probatória plena entre as partes, isto é, «se for feita à parte contrária ou a quem a represente» (art.358º/2 do CC).
No entanto, esta prova legal plena pode ser contrariada «por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela foi objecto» (art.347º-1ª parte- do CC), sem prejuízo de «outras restrições especialmente determinadas pela lei» (art.347º- 2ª parte do CC, em referência aos arts.393º a 395º do CC e 351º do CC). 2.1.2.2. Destruição da força probatória plena das declarações externas:
A força probatória plena do documento autêntico em relação às suas declarações externas (ou a força probatória plena da declaração externa de confissão lavrada no mesmo documento autêntico, num litígio entre as próprias partes contratantes) apenas pode ser afastada pela sua destruição, através do incidente de falsidade de documento (art.372º/1 do CC; arts.446º a 448º do CPC).
Um documento autêntico é falso «2. quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi. 3. Se a falsidade for evidente em face dos sinais exteriores do documento, pode o tribunal, oficiosamente, declará-lo falso.» (art.372º/2 e 3 do CC).
Assim, no incidente de falsidade do documento é necessário demonstrar que: « (i) nele foi atestado como tendo sido objeto de prática ou de perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade não se verificou (falsidade ideológica); (ii) ou que ocorre alteração da materialidade gráfica do documento, por contrafação ou por alteração do documento após a sua formação (falsidade material) (Arts.371º, 372, nº1 e nº2, do CC, e arts.446, nº1, 448º e 449º, do CPC)» (sendo que «Só pode falar-se de falsidade ideológica com referência a declarações de ciência e, por isso, apenas à parte narrativa do documento.»).[ii]. 2.1.2.3. Prova dos vícios de vontade intrínsecos às declarações externas provadas plenamente (de documento não destruído por incidente de falsidade): 2.1.2.3.1. Âmbito da discussão:
As declarações externas provadas por força probatória plena do documento, não destruído pelo incidente de falsidade, não prejudica a discussão, no campo interno das mesmas declarações, se estas padecem de vícios de vontade (tal como a declaração externa confessória, com força probatória plena entre as partes, não prejudica a discussão da sua invalidade por vícios de vontade, nos termos do art.359º do CC).
De facto, a força probatória plena do documento autêntico ou da confissão não se estende ao conteúdo intrínseco das declarações. Neste contexto: Luís Filipe Pires de Sousa refere que a força probatória plena não se estende «à veracidade, sinceridade e validade do que foi afirmado pelas partes perante o oficial público (…) porquanto a veracidade/sinceridade/validade das declarações está subtraída às perceções do documentador», sendo que «No que tange às declarações de vontade, as mesmas esquivam-se à dicotomia singela de verdadeiro/falso, podendo subsumir-se- isso sim- ao regime dos vícios de vontade (arts.240º e ss).», razão pela qual tais factos «possam ser provados por qualquer meio de prova sem necessidade de arguir a falsidade do documento porquanto esta só se impõe quanto às vertentes do documento autêntico que beneficiam da força probatória plena», «salvo quanto ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quanto invocado pelos simuladores (art.394, nº2)»[iii]; Maria Pizarro Beleza refere que a força probatória das declarações (externas) «não tem qualquer repercussão na validade ou na veracidade da declaração documentada, nem é questionada por eventual arguição de vícios na formação da vontade ou de divergências entre a vontade e a declaração»[iv] (arts.240º a 257º do CC).
Integram vícios de vontade (arts.24º a 257º do CC), nomeadamente, as declarações simuladas, de forma absoluta, nos termos do art.240º do CC («1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. 2. O negócio simulado é nulo.»), ou de forma relativa, nos termos do art.241º do CC («1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado. 2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.»). 2.1.2.3.2. Ónus de alegação e de prova e meios de prova admissíveis: A. Cabe à parte que arguiu o vício de vontade de simulação (em relação a declarações externas provadas por força probatória plena de documento autêntico), o ónus de alegação e prova dos factos que o integram (arts.5º/1 e 552º/1-d) do CPC e art.342º/1 do CC; Ac. STJ de 14.02.2008, proferido no processo nº08B180, relatado por Oliveira Rocha).
A demonstração probatória destes factos integrativos do acordo de simulação: apenas se encontra limitada, quando tiver sido arguida entre os próprios simuladores (art.242º do CC), face às proibições de meios de prova testemunhal e por presunções judiciais neste caso particular (arts.394º/2 e 351º do CC); pode ser provada por amplos meios de prova quando for arguida por pessoa distinta das partes que intervieram no acordo simulatório (arts.341º ss do CC, 410º ss do CC, 394º/2 a contrario do CC), sendo que, de acordo com a posição maioritária, a simulação pode ser arguida por qualquer interessado e conhecida oficiosamente pelo Tribunal (art.286º do CC, em referência aos arts.240º ss do CC).
Para o efeito do art.240º/1 do CC e da amplitude da prova referida na segunda parte do parágrafo antecedente, consideram-se terceiros distintos dos simuladores, de acordo com o que sintetiza Ana Filipa Morais Antunes, com referência a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, «os sujeitos que desconheciam a existência do acordo simulatório, apesar de serem partes no negócio, representadas por outrem, que agiu em conluio com a contraparte, v. Acs. do STJ de 27.06.2000 (BMJ, nº498, pp. 206-210); 29.05.2007 (07A1334) e de 03.02.2009 (08A3732). O critério determinante, assim, é a ignorância e a não participação no conluio simulatório e não tanto a ausência de intervenção no negócio jurídico celebrado simuladamente- v. Ac. do STJ de 14.02.2008 (08B180)»[v]. B. A prova a produzir do acordo simulatório (e através da amplitude dos meios de prova disponíveis, quando a ação não é instaurada por um simulador contra outro o simulador) pode ser direta ou indireta.
Todavia, como a Doutrina e a Jurisprudência têm plenamente explicado, a prova das intenções das partes na celebração de um negócio aparente, ainda que possa ser objeto da prova direta (v.g. a confissão da própria parte simuladora, o documento que lavre a intenção das partes, o depoimento testemunhal que tenha assistido ao acordo dos simuladores), carece habitualmente de prova indireta, extraída de indícios ou realizada por presunções judiciais, pelas quais determinados factos desconhecidos se podem presumir judicialmente de outros factos conhecidos (arts.349º e 351º do CC), de acordo com as regras da normalidade lógica e da experiência. Vide, a este propósito, v. g: Ac. RG de 02.02.2017, proferido no processo nº6420/14.6T8VNF-A.G1, relatado por Maria João Matos («I. Sendo a prova da simulação quase sempre indirecta, por se reportar a eventos do foro interno dos simuladores (nomeadamente, à divergência entre a sua vontade real e a sua vontade declarada, ao acordo havido entre eles, e à sua intenção de enganar terceiros), fará comumente uso de presunções judiciais, alicerçadas em indícios condensados pela uniforme prática jurisprudencial.»); Ac. RG de 14.02.2019, proferido no processo nº6420/14.6T8VNF-B.G1, relatado por Alcides Rodrigues («I - Nos casos em que venha invocada a outorga de contratos simulados, uma vez que é necessário apurar a intenção dos contraentes ao outorgarem os negócios impugnados, e não havendo, por regra, prova direta da simulação, a prova terá de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções judiciais.»); Ac. RG de 15.12.2022, proferido no processo nº71/20.3T8BRG.G1, relatado por Margarida Fernandes («I – Na prova da simulação e da impugnação pauliana, uma vez que é muito rara e difícil a prova directa, há em regra que recorrer ao uso de presunções judiciais alicerçadas em conjunto de indícios como, por ex., o indício affectio (relações familiares, de amizade, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre os intervenientes, o indício pretium vilis (preço irrisório ou abaixo dos valores de mercado), entre outros.»).
Assim, a doutrina e jurisprudência têm vindo a condensar alguns indícios ou factos-base de presunções judiciais a partir dos quais pode ser possível produzir prova indireta de alguns dos requisitos da simulação. Enunciar-se-ão, nos campos temáticos de indícios, algumas explicações dadas e sintetizados por Luís Filipe Pires de Sousa[vi].
Por um lado, devem ser avaliadas as causas invocadas pelas partes para a simulação e para a veracidade do negócio:
a) Apesar da causa da simulação (“causa simulandi”) não ser de apuramento obrigatório (para «que se conclua pela existência da simulação não é obrigatório que se prove uma causa simulandi.), não se pode deixar de entender que «constitui um indício tipicamente axial no sentido de que a presença da mesma, só por si, não permite construir definitivamente a presunção mas constitui um catalisador heurístico que pode resultar da prova de outros indícios da síndrome simulatória. Ou seja, perante o apuramento de uma concreta causa simulandi, ficará facilitada a prova da simulação porquanto a causa simulandi operará como fio condutor na averiguação e interpretação dos demais factos sob julgamento» (pág.224 da obra citada).
b) A veracidade do negócio, no âmbito do qual pode vir a operar o “indício necessitas”, isto é, a necessidade (económica) invocada para a veracidade do negócio celebrado, decorrente «do atuar do homo aeconomicus que pretende obter o máximo rendimentos dos bens, o seu sustento ou aumentar a sua riqueza» (pág.224 da obra citada).
E, neste quadro: se o simulador alega a existência de uma «motivação atendível para a celebração do negócio, esta não deve ser admitida como válida sem que venha acompanhada da sua oportuna demonstração», sob pena da mesma se poder «limitar a um pequeno esforço imaginativo» (obra citada, pág.224; embora, neste sentido, veja-se também, recente Ac. RP de 24.09.2024, proferido no processo nº7810/22.6T8PRT.P1, relatado por Alexandra Pelayo); se o simulador demandado não justificar o negócio, «o silêncio pode ser valorado como indício endoprocessual em seu desfavor porquanto não se outorgam negócios sem qualquer razão justificativa» (obra citada, pág.225).
Por outro lado, para além do apuramento das causas apresentadas pelas partes, constituem indícios relevantes para a prova indireta do acordo simulatório, entre outros (de funcionamento não automático, mas a exigir apreciação conjugada e crítica):
a) A existência de relações de proximidade entre os invocados simuladores. Atua aqui o “indício affectio”, «gerado pelas relações familiares, de amizade, de dependência, de negócios, profissionais ou de dependência, anteriormente firmadas entre o simulador e o seu coautor e que vinculam este àquele por um motivo de tal índole. O simulador escolhe como parceiro negocial uma pessoa da sua confiança porque pretende preservar o negócio dissimulado (ou o objetivo final que preside à sua atuação) e subtraí-lo a qualquer risco que ponha em causa a sua subsistência» (pág.225 da obra citada).
b) A existência de condutas pretéritas de simulação do simulador ou coautor (“indício habitus”). «Já Beleza dos Santos afirmava que «(…) assim como a probidade de um devedor escrupuloso afasta a ideia de uma simulação fraudulenta, em prejuízo dos seus credores, assim também os seus maus precedentes, o facto de recorrer habitualmente a expedientes desta espécie, fazem aceitar como perfeitamente possível que ele pratique atos simulados.» (pág.226 da obra citada).
c) A deslocação do lugar da celebração do negócio simulado para evitar a sua publicidade, sobretudo em povoações reduzidas, constitui o “indício locus”. «Interessa-lhes que a existência do negócio persista no limbo até ao dia em que o mesmo produzirá a plenitude dos seus efeitos (…). Desta forma, é comum que a escritura ou outro documento oficial seja outorgado noutra localidade que não aquela em que residem» (pág.231 da obra citada).
d) A confidencialidade e o sigilo dos atos. Trata-se do “indício sigillum” «que se traduz na adoção das condutas que visam ocultar ou disfarçar a existência do negócio simulado. No fundo, trata-se de máxima de experiência Qui male agit odiat lucem (Quem age mal, odeia a luz).
Este indício pode apresentar várias formas, nomeadamente: - uma conduta silenciadora do simulador perante pessoas que, em virtude da sua relação afetiva ou jurídica com aquele, não poderiam ter ignorado o negócio se este prosseguisse fins lícitos, v.g., o filho só tem conhecimento que o pai vendeu um imóvel a outro filho aquando da morte do pai» (pág.232 da obra citada).
e) A inadequação dos meios do adquirente face aos encargos assumidos. Atua aqui o ”indíciosubfortuna”, isto é, a «incapacidade financeira ou desproporcionalidade entre os meios económicos do adquirente e os encargos que o mesmo assume nos termos declarados no negócio simulado». Pretendendo o adquirente neutralizar este indício através da invocação de empréstimo ou poupanças, também aqui «deverá ser exigida prova contundente desse empréstimo» e as «poupanças terão de ser devidamente explicitadas e demonstradas sob pena de também se gerar um indício endoprocessual contra o alegante» (págs.227 e 228 da obra citada).
f) O valor diminuto do preço ou de outras contrapartidas em relação às regras do mercado. Estamos perante o “indício pretium vilis” quando existeum «preço irrisório ou abaixo dos valores de mercado», «não só o preço em sentido estrito como a toda a contraprestação suscetível de valorar-se em dinheiro, v.g. permuta». Este indício pode ser infirmado por causas que sejam alegadas e demonstradas pelo demandado, nomeadamente a «prática corrente das partes declararem um preço inferior ao real por razões meramente fiscais» ou «o alegado estado de necessidade por parte do vendedor ou com a existência de vínculos de ordem familiar entre comprador e vendedor» (pág.228 da obra citada).
g) A confissão do preço e/ou a falta de identificação ou de documentação do pagamento do preço e seu destino reconduz-nos ao “indício pretium confessus”. «Tal como em negócios genuínos, é comum nos negócios simulados, v.g. venda, as partes declararem perante o notário que já receberam o preço (…). A diferença reside em que nos negócios simulados as partes dão por realizado o pagamento mas não dizem como, quando e/ou onde, sucumbindo qualquer explicação sobre as circunstâncias pretéritas integrativas do pagamento do preço. | Este indício é gerado por condicionalismos inerentes ao próprio negócio simulatório: a parte declara que já recebeu porque finge o pagamento de uma quantia que não dispõe e, deste modo, pretende obstar ao despoletamento do indício pretium vilis; a pressa ou sigilo do negócio simulatório; para evitar que se investiguem os movimentos bancários da data da escritura; para inviabilizar a investigação sobre o destino do dinheiro no património do accipiens; para sustentar a tese do preço compensado, etc» (pág.229 da obra citada).
A situação inversa de documentação do pagamento mediante notário também, por si só, não infirma a existência de uma simulação, uma vez, como refere o mesmo autor Luís F. Pires de Sousa, «o dinheiro pode circular sem um propósito sério de aquisição ou entrega, sendo certo que o ato de entrega nada diz sobre a proveniência do dinheiro e sua efetiva pertença ao comprador.», acrescentando, com referência a Luis Munõs Sabaté, que «Incumbe aos simuladores provar o efetivo pagamento e não ao autor provar o facto negativo do não pagamento pelo simulador» (pág.229 da obra citada).
h) A falta de proveito ou de investimento feito com o produto do negócio. Tem-se falado, aqui, do “indício investimento”, uma vez que «a circulação fiduciária não apresenta páginas em banco», pelo que «o accipiens normalmente fará ingressar o dinheiro numa conta bancária ou de aforro ou dar-lhe-á outro destino em conformidade com a necessidade que pretendeu provar ao efetuar a alienação. A não demonstração do destino efetivamente dado ao dinheiro, depois de ingressar no património do accipiens, despoleta, de pleno, este indício.». Todavia, o indício «pode ser infirmado, por exemplo, se a quantia em causa for reduzida ou ocorrerem circunstâncias que tenham determinado uma imediata aplicação do dinheiro» (pág. 230 da obra citada).
i) A falta de rasto bancário ou da sua documentação. Fala-se de “indício movimento bancário”, uma vez que é normal «que o pagamento e movimento de dinheiro deixe um rasto documental e bancário, sendo fácil ao titular de uma conta bancária fazer a prova dos movimentos da mesma.». Todavia, esta prova «pode ser dificultada pela pré-constituição de contas e transferência de quantias entre sucessivas contas, o que exige um trabalho acrescido na descoberta de rasto para descobrir se, afinal, o pretenso comprador não depositou o dinheiro com uma mão e o retirou com outra. Note-se que a mera existência de um depósito bancário não é autoexplicativa quanto à origem desse dinheiro». (pág.228 da obra citada).
j) A falta de exercício de poderes sobre a coisa objeto do negócio. O “indício retentio possessionis” (retenção da posse) traduz-se na falta de exercício pelo adquirente de qualquer conduta possessória sobre a coisa. «Assim, apesar da transmissão formal de bens, o vendedor continua na posse do imóvel ou aí a residir, ou seja, o contrato não é executado.| No que tange ao jus fruendi, a inexistência deste decorre, v.g. do vendedor continuar a receber as rendas, continuar a aproveitar os frutos, prosseguir o cultivo do terreno. Quanto à inexistência do ius utendi, a mesma pode demonstrar-se, v.g. pelo facto do vendedor fazer obras no imóvel ou suportar os custos das mesmas, pelo facto de o adquirente não ter sequer mudado o titular dos contratos de água ou eletricidade. (…)» Porém, é natural que os simuladores tentem «infirmar o indício retentio possessionis designadamente com recurso a documentos registais, recibos de impostos e doutro tipo de encargos gerados pela coisa adquirida. Todavia, o que mais releva do ponto de vista semiótico não é a titularidade formal aposta em tal documento porquanto o fisco proprietário é quem precisamente figura como tal no título propriedade, mas sim quem efetivamente pagou tais encargos. Ou seja, mais do que atender a elementos documentais figurativos, haverá que averiguar se o pretenso adquirente exerce uma intervenção pessoal de domínio de facto sobre a coisa» (págs.230 e 231 da obra citada).
l) A inércia e passividade do coautor ou cúmplice do simulador constitui o “indício inércia”, que se remete «para um papel passivo, alheando-se do destino da coisa, tudo demonstrando uma baixa consistência da sua posição contratual (…). A inércia traduz-se na ausência de reação do cúmplice a determinadas situações que, caso o mesmo tivesse intervindo em negócio real, não o deixariam indiferentes. | Pense-se na ausência de contactos do cúmplice com a coisa alienada, na carência de documentos atinentes à coisa, na apatia face a atos de terceiros suscetíveis de afetar a posse ou de causar danos à coisa adquirida.» (pág. 235 da obra citada). C. O demandado numa ação de simulação pode, como defesa: apor contraprova aos factos indiciários de simulação, nos termos do art.346º do CC («Salvo disposição no artigo seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre que recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte operada com a prova.»); e/ou alegar e provar factos que neutralizem as presunções judiciais extraíveis dos factos-base ou indiciários demonstrados pelos simuladores (art.342º/2, em referência aos arts.349º e 351º do CC).
2.1.3. Apreciação de 2.1.1. face a 2.1.2. supra:
Apreciam-se, assim, os fundamentos referidos em III-2.1.1. supra, face ao regime de direito referido em III-2.1.2. supra.
Por um lado, cabe efetivamente à autora o ónus de alegação e de prova dos factos integrativos do vício interno de simulação (arts.342º/1 e 240º ss do CC), subjacente às declarações externas lavradas na escritura pública de compra e venda e provadas plenamente (art.371º/1 do CC). Todavia, esta prova pode ser produzida não só de forma direta, mas também de forma indireta, mediante a demonstração de factos indiciários ou de factos instrumentais que baseiem a prova por presunção judicial, plenamente permitida por lei, nos termos dos arts.349º e 351º do CC, conforme explicado em 2.1.2. supra.
Por outro lado, cabe aos réus, demandados como simuladores numa ação de simulação, a faculdade de contraprovar a verificação fática dos indícios presuntivos alegados pela autora (art.346º do CC), mas também o ónus de demonstrar factos que descaracterizem, neutralizem ou impeçam a possibilidade de extrair de factos indiciários presunções judiciais dos factos essenciais da simulação (arts.349º e 351º do CC e 342º/2 do CC). Em particular, sendo impugnado, numa ação de simulação, o pagamento do preço declarado pelos contraentes numa escritura pública, não afastando a prova dessa declaração externa a discussão se a mesma encerra de vício da vontade e não tendo a mesma qualquer valor confessório para terceiros à mesma escritura pública onde foi feita (art.358º/2 do CC), cabe aos réus demandados como simuladores, sobretudo no caso do autor/terceiro provar factos indiciários de simulação (cujo ónus de alegação e prova lhe cabe), a prova do pagamento do preço que neutralize a possibilidade de se extraírem dos factos indiciários de simulação os factos essenciais que integram a factispecie da norma do art.240º do CC.
Assim, a aplicação das regras de direito probatório material, que oneram e beneficiam ambas as partes na defesa dos seus interesses, não pode consubstanciar qualquer abuso do exercício do direito (art.334º do CC), conclusivamente invocado pela recorrente.
2.2. Reapreciação da prova: 2.2.1. Em relação à prova produzida pela autora ou favorável à mesma: 2.2.1.1. A recorrente defendeu: que o depoimento de parte da autora valorado pelo Tribunal a quo é contraditório, quanto à falta de informação prestada pelo contabilista, face aos depoimentos do próprio pai da referida autora (que declarou ter tido uma procuração da filha e ter obtido as informações pedidas ao contabilista) e da ex-gerente FF e do contabilista (que referiram a prestação das informações pedidas) (conclusões V a AA, GG); que a autora estava alheada da sociedade, conferiu à gerente plenos poderes para fazer o que entendesse e sempre beneficiaria de 50% do valor da venda entrado na sociedade (conclusões WW a AAA, BBB a QQQ).
Todavia, a credibilidade do depoimento de parte da autora pela invocada contradição é irrelevante para alterar a apreciação da prova realizada pelo Tribunal a quo. De facto, para além deste depoimento ter estado circunscrito a uma matéria muito limitada (se a 1ª ré, através da sua ex-gerente ou do seu contabilista, deu ou não informação à autora sobre a sociedade de que era sócia e sobre as suas dívidas, matéria esta que a autora negou ter-lhe sido dada, quer pela ex-gerente/sua tia em setembro de 2017, quer no único contacto que recorda ter feito ao contabilista com o seu pai) e não se registar a contradição invocada, o Tribunal a quo não fundamentou a sua decisão de facto neste depoimento não confessório. De qualquer forma, o acórdão da Relação de Guimarães de 29.01.2020 (que confirmou sentença da 1ª instância de destituição de FF como gerente da 1ª ré, junto a estes autos a fls.20 a 53), baseou a destituição dessa gerente da 1ª ré na falta de prestação de informações à sócia/aqui autora (julgando improcedente a impugnação ao facto provado em 5 da sentença, que decidira que, desde que a autora se mudou para Inglaterra em 2017, «apesar de solicitar informações à gerente sobre a empresa esta nunca comunica atos quaisquer societários”).
Por sua vez, as demais afirmações indicadas na segunda parte do primeiro parágrafo não foram documentadas e são irrelevantes para a alteração da decisão de facto. 2.2.1.2. Arecorrente entendeu, quanto às relações familiares invocadas na motivação da decisão de facto: que não constituem indícios de simulação a celebração da compra e venda entre familiares, no quadro de uma empresa que só por si é familiar, e a existência de desavenças, o que é normal nas famílias, sobretudo quando os familiares trabalham juntos (conclusão SS).
De facto, as relações familiares entre partes contratantes ou as desavenças das mesmas com terceiros não constituem fator presuntivo de simulação por si só mas apenas na apreciação de contexto da totalidade dos factos, conforme se apreciará conjuntamente em III- 2.2.3. infra. 2.2.1.3. A recorrente considerou, quanto à falta de deliberação social prévia à venda referida na motivação do Tribunal a quo, que não era necessária deliberação social, pois a gerente tinha todos os poderes para o ato, poderes estes confirmados pelos depoimentos do pai da autora e de FF (conclusões H e I).
No entanto, não se discute nesta ação se a gerente tinha ou não poderes para ter outorgado a escritura pública de compra e venda (decorrentes do referido nos documentos de fls.17 ss e confirmados efetivamente pelos depoimentos do pai da autora e de FF), nem qualquer falta de deliberação obrigatória de sócios do art.246º do CSC.
A constatação do Tribunal a quo de que não houve deliberação de sócios para a venda do imóvel da sociedade foi feita num contexto diferente, que não deixa de ser relevante para a apreciação global do conjunto dos índices de simulação. De facto, na apreciação da prova pode e deve ser apreciado se é normal, de acordo com as regras da experiência, que a gerente de uma sociedade venda o único imóvel desta e onde a mesma desempenhava a sua atividade (neste caso, na qual funcionava a pedreira da sociedade ré e sem a qual ficaria sem imobilizado e sem meios de desempenhar a referida atividade), sem a prévia aceitação ou, pelo menos, discussão e conhecimento, das suas duas únicas sócias (atendendo, também, à responsabilidade por prejuízos que qualquer um dos sócios pode assacar aos gerentes, nos termos do art.77º do CSC). 2.2.1.4. A recorrente defendeu, quanto ao valor real do prédio e ao preço da venda (considerados pelo Tribunal a quo):
a) Que não é indício suficiente de simulação a realização de uma venda pelo valor tributário do imóvel e/ou em valor inferior ao seu valor comercial, de ocorrência comum no comércio jurídico real (conclusões SS, JJJJ a LLLL).
b) Que a autora/recorrida não produziu prova suficiente para julgar demonstrado o valor real do prédio, que permita concluir que foi vendido por valor inferior ao real e insignificante (tendo em conta: que as testemunhas da autora HH e II explicaram que o terreno vizinho foi vendido depois da venda do terreno da 1ª ré e com ajuda de fundos comunitários, e que a testemunha da ré FF explicou que esta venda foi feita em circunstâncias completamente diferentes daquelas em que a 1ª ré vendeu o imóvel- conclusões BB e CC; que a autora limitou-se a apresentar prova testemunhal sobre o valor do bem vendido, com base no que se ouviu dizer na freguesia, sem juntar documentos e sem pedir a avaliação pericial do imóvel, prova essa que não deveria ser considerada bastante pelo Tribunal a quo, em face da relevância dada ao preço da venda para aferir a simulação- conclusões TT,WWW a YYY).
c) Que os réus tivessem adquirido o imóvel sem qualquer contrapartida ou proveito económico, sendo que também o poderiam fazer por favor dos familiares, sócias da 1ª ré, e para a ajudar a passar a fase difícil que passava (conclusão GGGG).
Importa apreciar.
Por um lado, efetivamente, a inferioridade do valor da venda em relação ao valor real do imóvel não tem um carácter presuntivo automático, uma vez que se deve: verificar se o valor reduzido do preço está justificado por factos alegados e demonstrados pelas partes contratantes, demandadas na ação de simulação; e apreciar a sua relevância em conjugação com os demais factos provados. Esta apreciação conjunta realizar-se-á em III- 2.2.3. infra.
Por outro lado, não se pode considerar que a prova produzida seja insuficiente para demonstrar que o valor real do prédio (cuja demonstração não carece de meio de prova vinculado) era superior ao preço declarado na escritura de compra e venda, uma vez que:
__ Os depoimentos de HH e de II (sobretudo o relevante depoimento concreto deste vendedor de prédio contiguo) confirmaram que a venda do prédio contíguo ao imóvel da sociedade 1ª ré foi feita pelo preço de € 300 000, 00, depois da venda discutida nestes autos (em concreto, em 2022, quatro anos após aquela). Todavia, estes depoimentos já não referiram que a compra foi feita por fundos comunitários como pretende a recorrente (afirmação realizada pelo próprio mandatário à testemunha II, sem qualquer confirmação por esta), facto que, ainda que tivesse sido afirmado, não interferia por si próprio na justeza ou na falta de justeza do preço.
__ O facto da testemunha FF ter afirmado conclusivamente que a venda do imóvel contíguo de 2022 foi “feita num contexto totalmente diferente” (sem qualquer explicação do que pretendia dizer com esta afirmação), não tem qualquer relevância para contrariar o juízo extraído pelo Tribunal a quo.
__ A globalidade da prova documental e testemunhal produzida pela autora sobre esta matéria, e sem qualquer contraprova dos réus (que pusesse em dúvida os factos demonstrados pela mesma), permite constatar: que o prédio em discussão nestes autos tem uma área descrita na Conservatória de Registo Predial de € 6 910 m2, (integrada por uma parte coberta para indústria de 472, 9 m2 e por uma parte descoberta de € 6 437 m2- fls.61), área esta também referida pelas testemunhas (nomeadamente por LL e por II) e que o preço declarado na escritura de compra e venda de 2018 e objeto deste processo foi € 80 000, 00 (fls.64 ss), o que conduz a uma venda por € 11, 57 o m2; que o prédio contíguo ao discutido nestes autos, com menos 500 m2 do que estes, sem parte coberta e sem instalação elétrica, foi vendido por € 300 000, 00 em 2022 (depoimentos, nomeadamente, de LL e II), correspondente a € 46, 80 o m2.
A grande diferença entre o valor de € 80 000, 00 (declarado em 2018 na escritura de compra e venda do imóvel em análise) e o valor de € 300 000, 00 (de venda em 2022 de imóvel contíguo com área inferior) não se revela justificada por índices de aumento de preço de mercado da compra e venda de imóveis entre 2018 e 2022, face ao seu abrandamento nos anos de 2020 e 2021 por força da pandemia Covid-19[vii]. Desta forma, não se encontra afastada a conclusão do Tribunal a quo de que o valor de venda de 2018 é significativamente inferior ao valor de mercado e real do imóvel.
Por fim, e como já decorre do regime jurídico de direito probatório material exposto: a autora/como terceira, não estando vinculada à declaração de pagamento realizada na escritura pública entre a 1ª e o 2º réu, cujo facto desfavorável à parte que outorgou como “vendedora” tivesse força de confissão, não está esta obrigada a realizar a prova em contrário nos termos dos arts.358º/2 e 347º do CC; alegando a autora factos presuntivos da simulação, cabia aos réus tê-los contraprovado (nomeadamente, através da junção de prova: do efetivo pagamento do preço pelos 2ºos réus, beneficiado efetivamente pela 1ª ré; da necessidade da venda e da efetiva aplicação do dinheiro). 2.2.1.5. A recorrente entendeu que a autora não provou que os segundos réus estivessem de más relações com a sobrinha autora ou que desejassem iludi-la ou prejudicá-la (conclusão FFFF).
De facto, não se encontra apurado que o 2º réu estivesse de más relações com a autora/filha do seu sobrinho GG (testemunha que referiu, até, apesar da pouca convivência com o seu tio residente em ..., que nunca se dera mal com ele). Todavia, a falta de alegação e demonstração pela autora que os 2ºs réus estavam de más-relações consigo não é suficiente para atacar a convicção que possa ocorrer quanto à colaboração entre o 2º réu (outorgante da escritura) e a sua afilhada/ex-gerente da 1ª ré na descapitalização da sociedade, em relação às razões que a mesma lhe tenha apresentado. 2.2.1.6. A recorrente entendeu: que a manutenção da vendedora/ 1ª ré na posse do imóvel vendido encontra-se justificada, pois FF declarou que o comprador permitiu verbalmente essa ocupação e que é normal que o comprador possa não ocupar imediatamente o bem por si adquirido ou que possa dar essa permissão verbal (conclusões E a G); que o simulador atua como estratega, com o resultado da atuação diferido no tempo, sendo que os 2ºs réus continuam ainda como proprietários do imóvel depois de 6 anos (conclusões NNNN e OOOO).
É verdade que a testemunha FF explicou genericamente que o tio BB/1º réu autorizou a sociedade ré a manter a ocupação do imóvel objeto da escritura pública, pois havia encomendas a terminar e a sociedade precisava de tempo para sair. Esta versão, todavia: apenas foi apresentada neste depoimento (de testemunha com interesses pessoais e cuja credibilidade se encontra afetada, conforme se explicará infra) e não foi acompanhada de qualquer outro meio de prova; é incoerente nos seus próprios termos, uma vez que, se em maio de 2018 havia encomendas a terminar, a testemunha não justificou a razão pela qual em fevereiro de 2024 a sociedade ré ainda se mantinha na posse do imóvel; deve ser conjugada com demais factos decorrentes dos demais depoimentos das testemunhas arroladas pela autora, que nunca viram qualquer ato de ocupação ou investimento feito pelos 2ºs réus, não apenas no período imediatamente subsequente a maio de 2018 mas até ao depoimento prestado nas sessões da audiência do início de 2024, o que é contrário às regras da normalidade e da experiência. Assim, este depoimento não permite julgar credível, por si só, que tenha ocorrido este acordo e os termos do mesmo no contexto de um efetivo contrato de compra e venda.
Por sua vez, a falta de transferência da propriedade do imóvel pelos 2ºs réus, após maio de 2018, não é argumento suficiente para impedir ou neutralizar os demais índices (a apreciar globalmente em III-2.2.3. infra), uma vez que, para além de não se ter provado qualquer ato de tomada de posse, de rentabilização ou de manifestação de interesse no imóvel, os referidos réus conhecem a instauração desta ação desde a sua citação em março de 2021.
2.2.2. Em relação à prova produzida pelos réus ou favorável aos mesmos: 2.2.2.1. A recorrente considerou que não existe razão para não atribuir verosimilhança à motivação, ao procedimento de publicitação, negociação e conclusão da compra e venda objeto destes autos, face aos depoimentos de três testemunhas dos réus inquiridas em audiência.
Por um lado, a recorrente considerou que o depoimento da testemunha FF/ ex-gerente da 1ª ré e arrolada por esta, é credível, ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo (conclusão L), por entender que no seu depoimento a mesma: explicou a razão pela qual quis vender o imóvel (pagar as dívidas à Segurança Social, uma vez que não tinha forma de as liquidar), sem que tenha ocorrido qualquer facto que colocasse em causa os factos respeitantes à dificuldade financeira da ré e a necessidade de vender o imóvel; identificou o autor e o valor da avaliação do imóvel (feita pelo fiscal de obras da Câmara, que considerou que o imóvel valia € 120 000, 00); declarou que pôs uma placa no imóvel a declarar vender o terreno (durante cerca de 1 ano e meio a 2 anos antes da venda); explicou a razão de aceitar a venda por um valor inferior ao da avaliação, em 40% (a falta de aparecimento de interessados para comprar pelo preço de € 12 0000, 00; o oferecimento do tio BB para comprar o imóvel mas por preço inferior ao anunciado para a venda; o acordo numa redução do preço para € 80 000, 00, depois de constatar que nas Finanças a avaliação do imóvel fora feita apenas por € 79 460, 00); explicou que a sociedade recebeu o preço (primeiro o valor de € 30 000, 00, que a gerente entregou no caixa da empresa e com o qual pagou dívidas, sem que tivesse logo pago a segurança social; depois o valor de € 50 000, 00 na altura da escritura, depositado no banco, com o que pagou tudo o que faltava à Segurança Sociai) (conclusões H, J e N, K, M, O, P, Q, S, R,U, T, VV).
Ora, a defesa pela recorrente da credibilidade do depoimento da testemunha FF/ex-gerente da 1ª ré (no qual pretende suportar a maior parte da contestação à decisão em recurso), é frágil e insuficiente para contestar a convicção criada pelo Tribunal a quo, tendo em conta: que esta testemunha, conforme demonstra o documento de fls.20 ss, foi destituída da gerência da ré, por decisão confirmada por acórdão da Relação de Guimarães de 08.10.2020 e transitada em julgado, por violações sérias dos seus deveres societários, em particular, em relação à sócia/aqui autora (nomeadamente, de lealdade, de informação à sócia/autora desde 2017, de relato da gestão e de aprovação de contas, de convocação de assembleias e de permissão que a sócia pudesse estar presente nas mesmas, de discussão e votação das mesmas desde 2008), o que constitui, à partida, um fator enfraquecedor da credibilidade do seu depoimento; que o seu depoimento, conforma se analisará de seguida, revela interesses de uma verdadeira parte (como se explicará em III-2.2.3. infra) e padece de sérias insuficiências, a apreciar de seguida.
De facto, este depoimento da testemunha FF, integralmente ouvido por este Tribunal ad quem: foi prestado de uma forma genérica (v.g. não explicou que dívidas concretas de segurança social tinha a pagar, cujo valor justificasse a colocação à venda do imóvel de laboração da sociedade e a aceitação da mesma com uma redução de 40% do valor que declarou ter anunciado para a mesma); relatou factos desconformes às regras da experiência (caso tivesse a necessidade de obter o maior preço para a satisfação de dividas e não prejudicar a sociedade, não se compreende a avaliação feita por um fiscal de obras e a publicitação da venda apenas por uma placa no local que ninguém viu, e sobretudo quando declarou aguardar proponentes para a compra durante um ano e meio a dois anos); não foi suportado por qualquer outro meio de prova em qualquer um dos segmentos, quando teria sido fácil indicá-los (não tendo juntado prova: quer da documentação das dívidas à Segurança Social ou do seu pagamento; quer da avaliação do imóvel, através do depoimento do fiscal de obra que procedeu à avaliação; quer da publicitação da venda e do tempo de espera de proponentes, nomeadamente através de trabalhadores da empresa, que necessariamente teriam que ter visto a placa na mesma colocada); foi contrariado por outros meios de prova (a publicitação da venda foi contrariada por todas as testemunhas da freguesia inquiridas pela autora- GG, LL, HH, JJ, MM- cujo conhecimento ou isenção não foi posto em causa pelos réus, testemunhas estas que relataram que nunca viram uma placa a anunciar a venda do imóvel e que a venda os surpreendeu).
Por outro lado, a recorrente considerou que o contabilista da ré, KK, confirmou que venda foi tratada contabilisticamente de forma normal, que a empresa nessa altura estava com algumas dificuldades, que o dinheiro entrou na conta bancária e foi gasto com a empresa (conclusões R-2ª parte, U e T).
Todavia, o tratamento contabilístico da “venda” referido por este contabilista, feito na sequência das informações dadas pela gerente da sociedade ré apenas no final de 2018 e do serviço de contabilidade à mesma (abate do imobilizado; alocação à caixa social do valor de numerário de € 30 000, 00, para pagamento de despesas do seu fluxo geral da empresa e não a despesas concretas documentadas; a entrada de € 50 000, 00 na conta bancária e a saída desse valor a partir do banco, para presumíveis pagamentos de despesas da sociedade mas que não foram discriminados, analisados e contraditados em audiência), não é suficiente para confirmar a veracidade das declarações contratuais de compra e venda, conforme decorre do que se explicará em III-2.2.2.2. infra.
Por fim, a recorrente declarou que o notário confirmou que foram juntos todos os documentos para a escritura pública, que não houve qualquer resistência à celebração de negócio por qualquer das partes e que foram juntos comprovativos de pagamento do Imposto de Selo e do IMT (conclusões DD e EE).
Este argumento sobre a prova é irrelevante, uma vez: que não se discute nestes autos qualquer coação às partes nas declarações que prestaram perante notário, e que pudesse ter sido percecionada pelo mesmo; que os pagamentos de IMI e IS, obrigatórios para a celebração da escritura pública, também não são relevantes isoladamente para contraprovar os indícios de simulação (que, externamente, tem sempre a aparência de um negócio válido). 2.2.2.2. A recorrente considerou que não existiu divergência entre a vontade declarada e a real, nem pretensão das partes de iludir e de prejudicar a autora, tendo em conta que estão provados factos integrativos da veracidade do negócio: que a 28.07.2017 foi celebrado contrato promessa, com receção pela 1ª ré de € 30 000, 00, que depositou e usou para iniciar o pagamento de dívidas à Segurança Social, mediante prévio acordo de pagamento prestacional (valor que o contabilista confirmou que entrou no caixa social da empresa e foi gasto com esta); que a 1ª ré, no dia de celebração da escritura pública de 25.05.2018, recebeu o restante valor de € 50 000, 00, que usou para proceder ao pagamento integral das dívidas da Segurança Social (tendo o contabilista confirmado que o dinheiro entrou na conta bancária e foi gasto com a empresa, a venda foi tratada contabilisticamente de forma normal e que a empresa nessa altura estava com algumas dificuldades) (conclusões R ss, U, T, FF, GG e HH).
Todavia, e por um lado, examinando a prova, não se pode considerar que os réus tenham demonstrado a celebração deste contrato promessa entre a sociedade e o 2º réu a 28.07.2017, uma vez que nenhum dos réus juntou aos autos qualquer documento no qual o mesmo tivesse sido lavrado.
E também não se encontra demonstrado que o réu comprador entregou à sociedade ré/vendedora, na mesma data de 28.07.2017, o valor de € 30 000, 00 como sinal e princípio de pagamento, uma vez: que a declaração de recebimento deste valor pela 1ª ré, lavrado na escritura pública de 25.05.2018, não se impõe à autora com força de confissão, por a mesma ser externa às partes contratantes; que o pagamento pelo 2º réu e recebimento pela 1ª ré não foi suportado por qualquer prova documental; que não é credível que o 2º réu tivesse feito este pagamento em numerário em julho de 2017 (declarado na contestação dos 2ºs réus; afirmado pela testemunha interessada FF no depoimento em audiência; relatado pelo contabilista apenas como informação indireta que lhe foi dada pela gerente no final de 2018, sem conseguir afirmar a veracidade do que esta lhe disse e acrescentando que não achou normal um pagamento em numerário e de há mais de um ano antes, valor esse que se limitou a alocar contabilisticamente à caixa social, onde circulam entradas e saídas de dinheiro em espécie, com valores normais de € 2000,00, € 3000, 00 ou € 5000, 00 e nunca € 30 000, 00), uma vez que, para além da referência do Tribunal a quo (os pagamentos acima de 3000, 00 passaram a ser proibidos pelo art. 63º-A da LGT, aditado pelo Lei n.º 92/2017, de 22/08- «É proibido pagar ou receber em numerário em transações de qualquer natureza que envolvam montantes iguais ou superiores a (euro) 3 000, ou o seu equivalente em moeda estrangeira.»), não é conforme às regras da experiência a disponibilidade de € 30 000, 00 para fazer um pagamento em numerário, sem que os 2ºs réus tenham alegado e demonstrado ter fontes de circulação de dinheiro em espécie e encontrando-se até demonstrado pela autora que a não tinham (a testemunha GG referiu: que o tio BB era reformado e fazia apenas uns biscates de mudança de lâmpadas ou outras bricolagens num lar em ...; que a sua mulher “não fazia nada”. Este depoimento não foi colocado em dúvida por qualquer alegação e prova produzida dos réus, que permitisse conhecer fontes de rendimentos em dinheiro); que os 2ºs réus não deram autorização para conhecer os extratos da sua conta bancária anteriores à celebração da escritura pública ou do contrato promessa, que permitisse conhecer se a sua situação económica era compatível com essa disponibilização de dinheiro; que o documento de liquidação de 2021 de impostos de 2020 de mais três prédios urbanos (um em ... com valor patrimonial de € 8 614, 05 e dois em ... e NN- vd. fls.151), não permite qualquer ilação de disponibilidade monetária em espécie em 2017 e 2018, pois não se sabe a real aquisição dos mesmos, a data da mesma e se proporcionavam rendimentos.
Por outro lado, encontra-se efetivamente documentado que o réu emitiu um cheque no valor de € 50 000, 00 em favor da sociedade ré, com data de emissão de 25.05.2018, e que este valor entrou na conta bancária desta a 29.05.2018 (vide: cheque de fls.148/verso; extrato da conta bancária sociedade ré de maio de 2018 de fls.108/v e 109).
Porém, a prova produzida não é suficiente para demonstrar que a sociedade ré se apropriou efetivamente deste valor e o utilizou no exercício da sua atividade, em particular, para pagar dívidas à Segurança Social referidas pela ex-gerente por FF no seu depoimento em audiência, tendo em conta: que o extrato da conta bancária de fls.108/v e fls.109 reporta-se apenas a maio de 2018; que a sociedade/ré recusou expressamente juntar os extratos da sua conta bancária, quer na extensão pedida pela autora (entre 25.05.2018 e dezembro de 2019), quer em extensão mais restrita que considerasse suficiente para, em contraprova dos indícios presuntivos de simulação, demonstrar a utilização efetiva do dinheiro para pagamento das invocadas dívidas; que não foi junto aos autos qualquer documento comprovativo de dívida da ré à Segurança Social e de pagamento da mesma, declarados pela ex-gerente da ré; que o depoimento do contabilista, apesar de admitir a entrada do dinheiro e de referir que as saídas da conta bancária têm que ser justificadas documentalmente, não foi suficientemente concreto para as explicar e as sujeitar a contraditório, acentuadamente necessário num quadro em que se encontra indiciada faturação indevida (GG referiu que, na prática empresarial da sua família, punha máquinas na Executio para faturar à 1ª ré, acrescentando que “o pai fazia estas coisas”, “punha as coisas de um lado e de outro”).
2.2.3. Análise da globalidade da prova:
Numa análise final e global, importa apreciar, face à prova indireta produzida pela autora e à contraprova e à prova realizada pelos réus: se estão preenchidos indícios de simulação de negócio de compra e venda (sobretudo, que não estejam justificados por outros factos) e quais; se a globalidade dos factos instrumentais ou indiciários permite ou não presumir ou aferir os factos julgados provados de 8) a 10) e impugnados neste recurso. 2.2.3.1. A autora invocou como motivos remotos e mais imediatos do interesse de simulação do negócio (em engano da sócia/autora e de credores): a real titularidade pela ex-gerente da ré FF da quota social de 50% que se encontra em nome de EE; o interesse e intenção desta FF em descapitalizar a sociedade e se apropriar do seu património, com engano terceiros (a autora/sócia e os credores da ré/onde se integram o seu pai), nomeadamente, para não pagar a dívida de acidente do trabalho ao seu pai/irmão da ex-gerente (alegando nos arts.17º a 25º da petição inicial a zanga entre o pai da autora e a gerente da 1ª ré desde abril de 2018, após acidente de trabalho sofrido por aquele a 24.04.2018 aos seus serviços, uma vez: que a 1ª ré não tinha transferido para seguradora a responsabilidade por acidentes de trabalho, cabendo-lhe integralmente a responsabilidade; que a gerente da 1ª ré não assumiu o sinistro e tentou dissuadi-lo de recorrer ao tribunal; que o pai da autora recorreu ao tribunal para ser ressarcido dos danos do acidente no processo nº262/18...., vindo a instaurar depois execução nº262/18.... para ressarcimento destes danos).
Por um lado, examinando a alegação e a prova produzida pela autora e pela própria 1ª ré (numa versão até mais alargada do que a alegada pela autora), verifica-se que esta ilustra: que os filhos (GG/ pai da autora e FF/ex-gerente da ré) do inicial sócio da 1ª ré (GG) são os reais interessados nas duas quotas da sociedade 1ª ré e/ou no seu património, após as alterações do contrato da sociedade de 2008 (fls.18), apesar de na mesma constarem como sócios, por razões não apuradas, a filha de GG (a aqui autora AA) e a cunhada de FF (EE); que estes mesmos irmãos estavam desavindos, nomeadamente quanto à decisão de liquidação da sociedade. De facto:
_ GG/pai da autora (com depoimento credível, pois relatou tanto factos favoráveis como factos desfavoráveis à simulação), explicou: que o seu pai (e de FF) era o sócio da 1ª ré e que, quando saiu da sociedade, “a parte que ia dar-lhe a si pôs em nome da sua filha” e a “parte que ia dar à irmã FF pôs em nome da cunhada desta” (EE); que muitas vezes quis “partir” a sociedade, mas a sua irmã não quis.
__ A testemunha HH, que chegou a comprar material na 1ª ré (com depoimento cuja credibilidade não foi atacada pelos réus), disse que a empresa era do avô da autora e, depois, passou a ser dos filhos “GG” e “FF”, pai e tia da autora.
__ A 1ª ré, na sua contestação, alegou factos e juntou documentos, através dos quais se constata: uma referência implícita à pretensão dos irmãos de titularidade sobre as quotas, distinta das suas titularidades formais (no art.20º da contestação referiu que o pai da autora tentou obter nos últimos anos “a dissolução e a venda desta pequena sociedade familiar”, o que só se compreende se se considerasse dono); a existência de dívidas de pessoas e das sociedades da família, que podem fazer compreender a razão do declarado por GG quanto à interposição de pessoas nas quotas que caberiam a si e à sua irmã FF (nos arts. 21º e 32º da contestação, acompanhado da junção dos documentos de fls.105 a 107, a 1ª réu referiu: várias dívidas “da família” por regularizar, nomeadamente decorrentes de insolvências da “EMP03..., Lda.” e de “EMP04..., Lda” em 2011 e 2012; e a insolvência do seu irmão GG em processo de 2009. A testemunha LL também referiu a sociedade “EMP04...” como uma das sociedades com problemas anteriores entre o pai e o avô e a tia FF da autora). __ As posições das partes e os documentos juntos aos autos, permitem constatar: que os poderes da sociedade estavam totalmente concentrados na ex-gerente FF, em igualdade com o que acontecera quando o seu pai era sócio e gerente (fls.17 ss e 102 ss); que a autora, em 2008 tinha apenas 23 anos (fls.58/v), de acordo com a sua própria alegação é bioquímica e reside em Inglaterra desde o início de 2017, ano este em que outorgou ao seu pai GG a procuração junta aos autos, para a representar na sociedade (fls.67 a 72).
Por outro lado, a prova produzida pela autora, através do depoimento do seu pai GG, também confirmou factos respeitantes ao acidente de trabalho e à recusa da sua irmã/ex-gerente da ré em assumir a responsabilidade pelo mesmo (declarando aquele que teve um acidente de trabalho na empresa e foi parar ao Hospital; quando teve alta e se apresentou ao trabalho, a sua irmã e ex-gerente expulsou-o da empresa; soube da venda aqui discutida porque, quando teve a sociedade em Tribunal por causa do acidente, viu que a sociedade já não tinha património). Os réus, em particular a 1ª ré, não apresentaram contraprova relativa a este depoimento- quer quanto ao crédito do pai da autora sobre a sociedade por acidente de trabalho (alegado como ocorrido a 24.04.2018, um mês antes da venda discutida nestes autos de 25.05.2018), quer quanto a este crédito não ter sido aceite pela ré, em particular pela sua irmã, que o despediu da sociedade.
Desta forma, verifica-se que a autora logrou alegar e indiciar possíveis interesses simulatórios de dissimulação/apropriação de património da então gerente da 1ª ré, interveniente no negócio (com interesses pessoais na sociedade como uma “sócia de facto”, a disputar a sociedade com o seu irmão e pai da autora, que da mesma também se sentia “sócio de facto”, sem aceitar dissolver e partilhar; sociedade ré com dívidas a fornecedores, referidas genericamente pelo contabilista, e ao irmão da ex-gerente por acidente de trabalho de abril de 2018). 2.2.3.2. A 1ª ré, por seu lado, confrontada com o objeto do processo de simulação, não apresentou qualquer justificação e prova das razões e da necessidade da compra e venda realizada.
Por um lado, a 1ª ré, na sua contestação, não alegou qualquer facto com vista justificar as razões da decisão da venda do seu único bem imóvel, limitando-se a defender que a sua então gerente tinha poderes de venda de bens e que geriu a sociedade no seu melhor interesse.
Por outro lado, examinando a prova produzida pela 1ª ré, verifica-se que esta apresentou em audiência, através do depoimento da sua ex-gerente em audiência (a testemunha FF), uma versão de justificação da venda do imóvel (necessidade de pagamento de dívidas à Segurança Social). Esta versão, apresentada pela primeira em audiência, todavia, é totalmente inverosímil e não provada, tendo em conta o seguinte:
a) A testemunha FF não explicou, de forma concreta, o valor que se encontrava em dívida à Segurança Social em 2017 e em 2018 (nem como foram pagas as dívidas, etc), que permitisse justificar a necessidade e a urgência da venda do único imóvel da sociedade de que era gerente (no qual a ré exercia a atividade de pedreira), sem comunicar à sócia/autora e com uma redução de 40% do seu valor (de acordo com a sua própria versão, em relação à avaliação que referiu ter sido feita junto de um fiscal da Câmara). Este seu depoimento vago e genérico torna-se ainda mais inverosímil quanto à necessidade de venda do referido imóvel para satisfazer as referidas dívidas à Segurança Social, face: aos elementos dados pela própria testemunha no seu depoimento, tendo em conta que referiu que a sociedade é pequena e tem apenas três trabalhadores (geradores de contribuições a pagar à Segurança Social), o que não permite presumir um valor grande de dívida à Segurança Social; à própria situação da sociedade ré, cujo endividamento a fornecedores informada pelo contabilista não levou à decisão de venda prévia de património (o contabilista referiu: que a sociedade sempre teve “dificuldades” e que presume que as dívidas eram de fornecedores; que pagava a Segurança Social atrasada, sem referir grande acumulação, apesar de se referir a planos de pagamento com datas e conteúdos que não conseguiu identificar).
b) A 1ª ré não juntou qualquer outro meio de prova documental que corroborasse a versão da ex-gerente em audiência quanto às dívidas e aos pagamentos à Segurança Social (v.g., interpelações da Segurança Social para pagamentos de divida, comprovativos de pagamentos ou emissão de quitações), nem permitiu a junção aos autos dos extratos bancários da sociedade, posteriores à venda (que teria interesse em juntar aos autos se os mesmos espelhassem os pagamentos à Segurança Social declarados).
Assim, a 1ª ré não logrou alegar e demonstrar a razão pela qual a sociedade teve necessidade de vender o único imóvel, onde tinha a sua sede e onde laborava (e nas condições em que o fez, explanadas supra e infra). 2.2.3.3. A prova global produzida, por sua vez, revela factualidade antecedente e subsequente às declarações de compra e venda de 25.05.2018, que preenche vários dos índices simulatórios enunciados em III-2.1.2.3.2.- B, sem que os réus tenham feita contraprova ou demonstrado justificação suficiente:
a) O “indício affectio”:
Por um lado, a autora logrou demonstrar factos integradores de uma relação de confiança privilegiada entre a ex-gerente da 1ª ré (que a representou na venda) e o 2º réu comprador: o réu comprador é tio e padrinho da ex-gerente da ré que outorgou a escritura (segundo a alegação da autora, aceite pelos réus na sua contestação); os 2ºs réus/tios da ex-gerente não têm filhos e têm relações mais estreitas consigo (segundo o depoimento da 1ª testemunha GG: que, apesar de não se dar com o seu tio, não tem convivência com ele; que referiu que estes tios sem filhos têm mais “negócios pessoais” com a irmã. Este depoimento não obteve contraprova dos réus).
Por outro lado, os réus não lograram neutralizar este indício de confiança privilegiada, com a demonstração, nomeadamente: de relações de confiança dos 2ºs réus também com a autora ou o seu pai; com razões reais justificativas da compra e venda.
b) Um indício conexo ao “indício habitus”.
A autora apresentou prova reveladora de convivência da ex-gerente da 1ª ré com práticas empresariais simulatórias ou fraudulentas (GG referiu no seu depoimento: que o pai tinha um terreno ao lado que pôs em nome de outra pessoa, como fizeram a si; que a sua irmã FF acompanhava o pai “nestas coisas” e “fez-lhe igual”; que o seu pai “fazia estas coisas- punha as coisas de um lado e doutro”, como por máquinas da executio à faturar à ré), de forma não contraprovada pelos réus.
c) O “indício sigillium”:
A autora logrou demonstrar que nenhum dos sócios, nem pessoas da localidade que foram ouvidas, souberam da escritura de compra e venda antes da sua celebração em maio de 2018 ou mesmo após (o pai da autora declarou apenas ter sabido da mesma, por ter visto que a sociedade ré já não tinha bens, quando instaurou a ação contra a mesma por causa do seu acidente de trabalho; as demais testemunhas da autora da localidade do prédio também declararam não ter sabido da venda; o próprio contabilista da ré apenas soube da escritura de compra e venda no final de 2018), sem que os réus tenham não logrado realizar qualquer contraprova a estes depoimentos (nomeadamente através de outros que tivessem conhecido a publicitação e a celebração da escritura de compra e venda).
d) O “indício locus”:
Por um lado, está plenamente provado o indício de deslocação da celebração da venda para fora do concelho ..., para evitar a sua publicidade na pequena freguesia ... desse concelho, uma vez que a escritura pública de compra e venda do prédio de ... aqui em causa (provada e constante de fls.65 ss), celebrada entre gerente da ré (com indicada residência em ...) e BB (com indicada naturalidade de ...): não foi celebrada em nenhum dos Cartórios do concelho ...; mas foi celebrado em Cartório Notarial de concelho ..., localizado a cerca de 35- 40 km daquele.
Por outro lado, nada resultou da prova que explicasse a razão desta celebração da escritura fora do concelho ... e neutralizasse o indício de fuga à publicidade, presumida com essa deslocação para concelho distinto do prédio e da residência e naturalidade das partes outorgantes no mesmo (deslocação esta, aliás, compatível com indícios de secretismo da mesma do indício “sigillium”).
e) O “indício subfortuna” dos compradores.
Por um lado, a autora demonstrou, pelo menos, que os 2ºs réus não tinham fontes correntes de fluxo de numerário que lhes permitisse pagar em espécie o valor de € 30 000, 00 à sociedade ré (face à única fonte de rendimentos líquidos identificada em audiência pela testemunha GG/pai da autora e sobrinho dos réus e não contraprovada por qualquer dos réus- o tio/2º réu, depois de ter sido emigrante, trabalhou num lar da Misericórdia e faz biscates; a mulher dele/2ª ré não trabalhava; ambos os 2ºs réus tinham uma vida modesta).
Por outro lado, os réus, para neutralizar este indício, não demonstraram o pagamento deste valor, nem o benefício de condições concretas extraordinárias que tivesse permitido aos 2ºs réus pagar em numerário o valor de € 30 000, 00 (nomeadamente através de uma venda ou de levantamento de poupança bancária, sendo que não permitiram também o acesso à sua conta bancária).
f) O “indício pretium vilis”:
Por um lado, a autora logrou demonstrar factos indiciários que permitem concluir que o preço de venda de € 80 000, 00, declarado na escritura de compra e venda (inferior ao valor tributário de € 81 049, 20 da avaliação de 2018, documentado a fls.147/V e 148), é inferior em mais de 2/3 ao valor de mercado aproximado do imóvel (aferido, sobretudo, pela prova da venda em 2022 de terreno contíguo ao prédio em análise pelo valor de € 300 000, 00- terreno esse com área inferior àquele objeto destes autos em 500 m2 e sem pavilhão industrial e sem infraestruturas elétricas existentes no prédio dos autos-, prova essa realizada pelos depoimentos de testemunhas, em particular pelo vendedor deste terreno II, em depoimento contra o qual não foi apresentada qualquer contraprova pelos réus).
Por outro lado, os réus não lograram provar qualquer facto que justificasse a declaração de venda do prédio por esse preço inferior ao valor de mercado aproximado apurado (nem por urgência para pagar as dívidas referidas por FF e não demonstradas, nem por alguma razão de favor ou outra).
g) O “indício pretium confessus”:
Por um lado, a autora logrou provar que na escritura pública de 25.05.2018 a 1ª ré deu quitação do pagamento prévio do sinal de € 30 000, 00 a 28.07.2017, em dinheiro (fls.65).
Por outro lado, os réus não lograram provar factos neutralizadores ou diminuidores da relevância deste indício, nomeadamente, o pagamento efetivo ou a disponibilidade normal dos 2ºs réus de fluxo numerário corrente para proceder a esse pagamento.
h) O “indício investimento” e o “indício movimento bancário”:
Por um lado, encontra-se indiciada a falta de proveito ou investimento pelo vendedor do preço da venda (tendo em conta que, para além desse investimento ou utilização não ter sido alegado pela 1ª ré: o alegado pagamento de dívidas de segurança social declarados pela ex-gerente FF, em audiência, não foi documentada de qualquer forma, conforme teria sido possível fazer com facilidade, uma vez que as dívidas e os pagamentos à Segurança Social são necessariamente demonstráveis por documentos; a 1ª ré recusou a junção de extratos da conta bancária, que identificassem os movimentos realizados na conta bancária da ré após o depósito do cheque de € 50 0000, 00, valor que pode ter saído imediatamente da conta após ter entrado) e não existe rasto bancário do pagamento do valor de € 30 000, 00, nem rasto bancário da real utilização pela ré do valor de € 50 000, 00 (face à recusa da 1ª ré de junção de extratos da conta bancária da sociedade, onde apenas foi depositado o valor de € 50 000, 00 após a escritura pública).
Por outro lado, a 1ª ré não alegou e demonstrou quaisquer factos que justificassem a sua falta e recusa de documentação da utilização do dinheiro e do rasto bancário.
i) O “indício de falta de exercício de posse pelos compradores” e o “indício de inércia”:
Por um lado, a autora logrou demonstrar que o comprador, residente com a sua mulher em ... e que raramente se desloca a ... (conforme explicou GG), não exerceu qualquer tipo de poderes sobre o prédio comprado, pelo menos entre a data da compra de maio de 2018 e a data da audiência de julgamento de março de 2024 (face aos factos declarados por todas as testemunhas da autora e sem qualquer contraprova da ré). Este indício é qualificado ainda por se saber: que a ré manteve a sua sede no imóvel vendido (fls.17 ss), ainda tenha deixado de exercer atividade visível em 2019 (conforme declaração do contabilista da ré); a ex-gerente manteve-se sempre no local (as testemunhas da autora apenas conhecem a gerente da ré no local) e constituiu uma sociedade unipessoal em janeiro de 2019 (fls.74), com sede no imóvel objeto da escritura de compra e venda (Rua ..., ...) e com um objeto («Fabrico, transformação, extração, comércio, importação e exportação de granitos, pedras ornamentais e rochas similares. Indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas») equivalente ao da sociedade/ré.
Por outro lado, os réus não demonstraram qualquer justificação para esta falta e inércia de exercício de poderes de facto sobre o imóvel, ainda que no campo de investimento ou de favor familiar.
A globalidade desta factualidade indicia uma divergência entre a vontade real e a declarada, nos termos provados (e sem que tenha sido feito qualquer esforço real de contraprova e de justificação da veracidade da venda pelos réus).
Esta divergência é, ainda, reforçada pelas declarações e comportamento do 2º réu. De facto, o 2º réu, em conversa com o seu sobrinho/testemunha GG, relatada por este no seu depoimento direto[viii], não mencionou estar lesado de pagamento do preço, caso o negócio se desfizesse (a testemunha que referiu: que quando encontrou o seu tio BB depois da venda, tio com quem nunca se deu mal, perguntou-lhe a razão pela qual “lhe fizera isto”; que este tio, no imediato, disse-lhe que «o teu pai disse que podia fazer porque ela tinha poderes para tudo”; que, no dia seguinte disse-lhe «vós resolvei-vos e restituam o meu dinheiro dos IMIS», só lhe tendo falado dessa restituição de impostos e não lhe tendo falado de qualquer restituição de preço que tivesse pago à sociedade). Este réu também não pediu para ser ouvido em audiência, nem interpôs, com a sua mulher, recurso pessoal da sentença que julgou verificada a simulação.
Desta forma, a globalidade da prova não permite julgar procedente a impugnação da matéria de facto, com a alteração dos factos provados em 8) a 10) para factos não provados.
Entre estes factos, todavia, verifica-se que o facto 10) («10) Aquela escritura resultou de um acordo entre os réus com o objectivo de retirar aquele bem imóvel da propriedade da sociedade 1ª Ré, com o intuito de prejudicar terceiros, designadamente a sócia da 1ª Ré, aqui Autora, e de descapitalizar a sociedade.») é lacunar face à alegação feita corretamente pela autora nos arts.108º, 112º e 121º da petição inicial, quanto à intenção das partes de enganar terceiros, em referência à factispecie da norma do art.240º do CC (apesar de também na mesma petição ter referido a intenção de prejudicar terceiros nos arts.43º, 44º, 95º, 107º e 121º, intuito de prejuízo que não é obrigatório para preencher os requisitos da simulação).
Assim, deve este facto 10) ser corrigido, em suprimento da deficiência, nos termos do art.662º/2-c) do CPC, face à matéria relevante alegada, ao juízo de prova da 1ª instância (que logrou alcançar esta conclusão de ter havido um acordo de engano de terceiros, apesar de imperfeitamente expressa na redação), juízo este confirmado por esta Relação.
Pelo exposto:
1. Julga-se improcedente a impugnação aos factos provados em 8), 9) e 10) da sentença recorrida. 2. Determina-se, oficiosamente, a correção do facto provado em 10) para os seguintes termos: «10) Aquela escritura resultou de um acordo entre os réus com o intuito de retirar aquele bem imóvel da propriedade da sociedade 1ª Ré e descapitalizá-la e, na mesma medida, de enganar terceiros, designadamente a sócia da 1ª Ré/aqui Autora.».
3. A reapreciação jurídica da sentença:
O Tribunal a quo, na apreciação jurídica dos factos provados, julgou verificados os requisitos da simulação da escritura de compra e venda previstos no art.240º do CC («1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. 2. O negócio simulado é nulo.»), após enunciar o enquadramento jurídico do regime, com a seguinte conclusão e subsunção dos factos ao direito:
«A verificação dos requisitos supra enunciados é, deste modo, inequívoca: o acordo entre os réus, acordo no sentido duma divergência entre a declaração e a vontade das partes (nenhum dos réus queria realizar a compra e venda, sendo que o ali declarado não correspondia com a realidade), e com o intuito de enganar e prejudicar terceiros, designadamente a autora. A legitimidade para arguir a simulação está assegurada, pelo que ocorre nulidade do negócio. Tratando-se de nulidade, a mesma pode ser conhecida a todo o tempo – art. 286.º, do CC. Por outro lado, atentos os factos não provados, é patente que não se apurou a existência de um negócio dissimulado, pelo que há que concluir pela simulação absoluta.
Sendo nulo, o negócio não produziu efeitos volitivos nenhuns, a sentença limita-se, necessariamente, a denunciar a mesma, sendo simplesmente declarativa (HEINRICH HÖRSTER, A parte geral do Código Civil português/Teoria geral do direito civil, Almedina, 1992, p. 590).»
A recorrente, neste seu recurso, centrou as suas conclusões na impugnação dos factos provados 8) a 10), que pretendia que se julgassem não provados, por entender que não ocorreu qualquer divergência entre a declaração e a vontade, nem qualquer intenção de enganar terceiros.
Tendo-se julgado improcedente aquela pretensão (de que os factos provados em 8) a 10) se julgassem não provados) e tendo-se clarificado a redação do facto 10) (no sentido de no mesmo constar expressamente a “intenção de engano”, alegada pela autora e julgada verificada na fundamentação da sentença recorrida, apesar da imperfeição da redação do facto 10), agora esclarecido), não é necessária nova subsunção dos factos ao direito em relação a matéria alterada, nem qualquer reapreciação do direito aplicado aos factos provados.
A recorrente, neste seu recurso, defendeu ainda e apenas, para além da impugnação central à matéria de facto, que a autora não é terceira para os efeitos do art.240º do CC, tendo em conta: que é sócia da 1ª ré; que esta sociedade esteve representada pela sua gerente, com poderes de vincular, com perfeito conhecimento da autora, e como sempre fora desde o início da sociedade; que, se a autora assim não quisesse, deveria ter desencadeado a alteração do pacto social de forma a serem conferidos poderes conjuntos a ambas as sócias (conclusões BBB a FFF).
Ora, este fundamento do recurso é improcedente, como decorre do regime jurídico que já se expôs em III-2.1.
Por um lado, não se discute nestes autos se a sociedade, representada pela sua gerente, não tinha poderes para celebrar uma escritura pública de compra e venda de um imóvel da sociedade (mas apenas se estas declarações externas não correspondiam às declarações internas pretendidas pelas partes contratantes).
Por outro lado, a sociedade comercial demandada pela autora, com personalidade jurídica prevista no art.5º do CSC («As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras.»), distingue-se das pessoas físicas dos seus sócios, com personalidade jurídica também autónoma e independente (arts.66º e 68º do CC).
E, em face desta diferença, a lei confere também a sócios a legitimidade de instaurar procedimentos e ações contra as sociedades nas quais têm participações sociais e em relação às suas deliberações (v.g. arts.380º ss do CPC; art.s56º a 61º do CSC).
Por outro lado, são terceiros para os efeitos do art.240º do CC aqueles que não tenham participado no conluio simulatório (como se verifica com a autora destes autos), de acordo com o que sintetiza Ana Filipa Morais Antunes, com referência a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos já referidos em III-2.2.2.1. –A supra («os sujeitos que desconheciam a existência do acordo simulatório, apesar de serem partes no negócio, representadas por outrem, que agiu em conluio com a contraparte, v. Acs. do STJ de 27.06.2000 (BMJ, nº498, pp. 206-210); 29.05.2007 (07A1334) e de 03.02.2009 (08A3732). O critério determinante, assim, é a ignorância e a não participação no conluio simulatório e não tanto a ausência de intervenção no negócio jurídico celebrado simuladamente- v. Ac. do STJ de 14.02.2008 (08B180)».
Desta forma, improcede o presente recurso de apelação.
IV- Decisão:
Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente a apelação interposta pela 1ª ré, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas pela recorrente (art.527º/1 do CPC).
Guimarães, 2 de abril de 2025
Assinado eletronicamente pelos Juízes integrativos do coletivo
Alexandra Viana Lopes (Juiz D. Relatora)
Maria Gorete Morais (Juiz D. 1ª Adjunta)
João Peres Coelho (Juiz D. 2º Adjunto)
[i] Luís Filipe Pires de Sousa, in Direito Probatório Material Comentado, 2020, Reimpressão, Almedina, pág.136. [ii] Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, pág.137. [iii] Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, págs.136 a 138. [iv] Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, 2014, anotação 4-II ao art.371º do CC, pág.473. [v] Ana Filipa Morais Antunes, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, supra citado, anotação 4 ao art.240º, pág.554. [vi] Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, págs.224 a 236. [vii] O valor dos imóveis comerciais sofreram, mesmo, uma ligeira redução entre o valor de 2018 e o valor de 2022- ..._2022.pdf. [viii] Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, pág. 250: «Quando a testemunha relata em tribunal aquilo que ouviu da boca de outra pessoa, incluindo o arguido, o depoimento é direto porque a testemunha captou o facto por intermédio dos seus sentidos.».