PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
VOTAÇÃO
PRAZO PEREMPTÓRIO
Sumário


Terminado o prazo para a Devedora apresentar nova versão do plano de recuperação, em data anterior à publicação do anúncio, não lhe assiste o direito de aproveitar o prazo de votação em curso, a que alude o n.º 3, do art.º 17.º-F, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, para apresentar uma nova versão do plano e, desse modo, obter uma extensão ou alargamento do prazo, perentório, de votação.

Texto Integral


Acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

EMP01..., Lda., com sede social na Zona Industrial ..., Lote ...0, ..., ..., instaurou o presente processo especial de revitalização, nos termos do disposto no art.º 17.º-A e ss do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[1].
Foi nomeada administradora judicial provisória, nos termos do disposto no art.º 17.º-C, n.º 5.
A Administradora Judicial Provisória juntou a lista provisória de credores, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 17.º-D.
O prazo de conclusão das negociações foi prorrogado por trinta dias, mediante acordo prévio escrito entre a Devedora e a Administradora Judicial Provisória, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do art.º 17.º-D.
A lista provisória de credores converteu-se em definitiva, por não terem sido apresentadas impugnações, nos termos do n.º 4, do art.º 17.º-D.
A Devedora apresentou um plano de recuperação, em 24.09.2024, tendo sido publicado o anúncio em 01.10.2024, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 17.º-F.
A Devedora procedeu ao depósito de nova versão do plano de recuperação, em 13.10.2024, dando conhecimento do mesmo a todos os credores para que fosse votado nos termos do n.º 6 do art.º 17.º-F.
Foi publicado anúncio advertindo da nova versão do plano, em 07.11.2024, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3, do art.º 17.º-F, conforme determinado por despacho de 29.10.2024.
A Devedora requereu o depósito nos autos de nova versão do plano de recuperação, em 18.11.2024, dando conhecimento do mesmo a todos os credores para que fosse votado nos termos do n.º 6 do art.º 17.º-F, e requereu que lhe fosse facultado novo prazo para votação do mesmo.

Alegou, para o efeito, que:
«Informa ainda a Revitalizanda, que tal lapso se deveu à não inserção de informações e instruções relevantes no anterior plano de recuperação, determinantes no sentido de voto e aprovação, tempestivamente efetuadas antes do término do prazo para conclusão das negociações com os credores, mas que por descuido não constaram da anterior proposta apresentada, que, por incúria da Revitalizanda, seguiram sem ter sido feita uma revisão criteriosa do que se expunha.
Por tal infortúnio se dever única e exclusivamente a fator imputável da Revitalizanda, é que esta o vem assumir, sem qualquer manobra ardilosa, e solicitar que seja aceite a versão do plano, efetivamente, correta, para todos os devidos e legais efeitos

Em 19.11.2024, foi proferido o seguinte despacho:
«Atendendo que no âmbito do processo especial de revitalização, o plano desta deve ser apresentado no prazo das negociações e que este prazo de caducidade está excluído da disponibilidade das partes, notifique credores, devedor e o administrador provisório para, em cinco dias se pronunciarem.
Após, conclua
A Administradora Judicial Provisória juntou aos autos, em 21.11.2024, o documento com o resultado da votação, efetuada até ao dia ../../2024, e parecer, nos termos do n.º 6 do art.º 17.º-F.
Em 13.12.2024, a Administradora Judicial Provisória pronunciou-se nos seguintes termos:
«AA, administradora judicial provisória nomeada no processo, notificada do despacho que antecede, vem dizer que a lei define os momentos para apresentação do plano de recuperação inicial e das modificações subsequentes de recuperação, não havendo previsão legal para o ato processual ora levado a efeito pela devedora
Os credores Banco 1..., CRL, EMP02... SOC, EMP03..., EMP04..., Lda., SARL EMP05..., BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, EMP06..., Lda., EMP07... Desenvolvimento Web e Sistemas Informáticos, Lda. pronunciaram-se no sentido de o plano ter sido tempestivamente depositado, no decurso do prazo das negociações, porquanto a modificação do plano de recuperação apresentada não representa nova versão do mesmo, tratando-se de mera correção de lapso de escrita.
A Devedora pronunciou-se alegando, em síntese, que «a modificação e submissão do novo do plano de recuperação apresentada, não representa nova versão do mesmo, porquanto se trata, meramente, de correção de lapso de escrita, pelo que, é entendimento da Devedora, que o plano conducente à sua recuperação foi depositado tempestivamente, no decurso do prazo das negociações.
Não obstante, sendo submetido sem prazo suficiente para os Credores analisar e decidir do seu sentido de voto em prazo razoável, requer a V/ Ex.ª que admita a junção do plano de recuperação efetuado com a referência Citius n.º 2597985, por legal e tempestiva, conferindo novo prazo para votação a todos os Credores, sem prejuízo do disposto quanto ao prazo de caducidade de que a mesma dispõe.
Que, segundo o entendimento da Devedora, é a posição que melhor acautela os seus interesses
Em 08.01.2025, foi proferida a seguinte sentença:
«Nos presentes autos de processo especial de revitalização relativos à “EMP01..., Lda.”, apresentado que foi o plano de revitalização.

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Cumpre apreciar e decidir.

A) Violação do prazo previsto no artigo 17º-D, nº 7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Para a boa decisão desta questão e atendendo aos elementos constantes dos autos é de considerar que:
1 – A devedora apresentou-se ao presente PER em 14/05/2024 (refª ...51) e, por
decisão datada de 20/05/2024 foi recebido tal processo e nomeado AJP;
2 – A lista provisória de créditos foi junta a 18/06/2024;
3 – Porque foi deduzida reclamação por parte da EMP08... SA, a mesma foi
objeto da decisão com a refª ...09, datada de 27/08/2024;
4 –Em 21/ 08/ 2024, a devedora e AJP apresentaram um acordo prévio e escrito por 30 dias.
5- Em 24/09/2024foi junto aos autos o PER.
6- Em 21/11/2024 foi junto o resultado de votação.
*
O Direito:

Pese embora se conheçam decisões dos nossos Tribunais superiores que defendem que o prazo previsto no artigo 17º-D nº 7 não é perentório, seguimos a corrente (que julgamos ser maioritária) que defende que este prazo não pode ser ultrapassado e se o for, justifica a recusa da homologação do plano.
O artigo 17º- D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nos seus nºs 4 e 7 estabelece que após a apresentação da lista provisória, os credores dispõem de cinco dias úteis para deduzirem impugnações e após o decurso desse prazo, decorre o de dois meses (que podem ser de três, caso seja deferida a prorrogação legalmente prevista de um mês) para que seja apresentado o PER.
Ora, atendendo ao que se provou temos então que o prazo de cinco dias úteis para dedução das impugnações terminou a 25/06/2024 pelo que o PER deveria ter sido junto aos autos até ao dia 25/09/2024 (isto porque foi prorrogado o prazo para entrega do PER).
Em suma, in casu, teria o processo negocial de estar encerrado a 25/09/2024, pressupondo isto, como parece óbvio, a aprovação do plano que só se concretiza com a votação, a qual só veio a ocorrer em 21/11/2024, ou seja depois de expirado o prazo que a lei consente para tal – neste mesmo entendimento veja-se o Acórdão do STJ de 22 de fevereiro de 202
Aqui chegados, é forçoso concluir pela recusa da homologação do PER apresentado nestes autos.
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Decisão:
Pelo exposto, porque foram violados os prazos perentórios previstos no artigo 17º-D, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, designadamente o prazo para conclusão das negociações, recusa-se a homologação do PER apresentado nestes autos.
Custas pelos devedores.
Valor da ação para efeitos de custas: o da alçada da Relação – artigo 301º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Registe, notifique e publique no portal Citius – artigo 17º-G, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Advirta a devedora para os efeitos do disposto no artigo 17º-G, nº 8 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.».
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Não se conformando com o assim decidido, a Devedora interpôs recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES

«i. O presente recurso vem interposto da Sentença de 13/01/2025[2] que julgou como extemporâneo a apresentação do plano de recuperação da Recorrente por violação do artigo 17.º - D do CIRE;
ii. No entender do Tribunal a quo foram violados os prazos perentórios previstos no artigo 17º-D do CIRE, designadamente o prazo para conclusão das negociações, recusando a homologação do PER;
iii. A fundamentação usada pelo Tribunal a quo não corresponde à realidade, nem se funda nos parâmetros legais vertidos em sede do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, deturpando os mesmos para poder decidir como decidiu;
iv. O Tribunal a quo baliza a sua interpretação na violação do artigo 17.º- D do CIRE, no seu n.º 4 e n.º 7, que estabelece que após a apresentação da lista provisória, os credores dispõem de cinco dias úteis para deduzirem impugnações e após o decurso desse prazo, decorre o de dois meses (que podem ser de três, caso seja deferida a prorrogação legalmente prevista de um mês) para que seja apresentado o PER;
v. o Processo Especial de Revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com este acordo conducente à sua revitalização;
vi. Um processo pré-insolvencial é um processo de recuperação, um processo híbrido e um processo especial, cuja maior vantagem é a possibilidade da empresa obter um plano de recuperação sem ser declarada insolvente e que o maior risco é o de, depois de tudo, a empresa não conseguir evitar a declaração de insolvência;
vii. A decisão de homologação do plano vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos
constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º - C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do Tribunal, cfr. artigo 17.º - F n.º 10 do CIRE;
viii. A interpretação jurídica do Processo Especial de Revitalização (PER) é um “poço sem fundo” de dúvidas, de situações incompletamente previstas ou mesmo omissas, exigindo não raras vezes,
ix. para a devida interpretação/aplicação das suas normas, um prévio enquadramento dogmático, com o apelo aos valores e princípios que presidem à consagração legal da recuperação de empresas;
x. A interpretação sistemática leva-nos, quase de imediato para o próprio CIRE, diploma em que as regras foram inseridas;
xi. Aplicando a regra geral do artigo 549.º do CPC, como regra geral, resultará que ao Processo Especial de Revitalização, como processo especial que é, se aplicarão, em primeiro lugar, as regras próprias, em segundo lugar as disposições gerais e comuns, no caso, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa;
xii. Interpretar a Lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido, a fim de se entender a sua correta aplicação a um caso concreto;
xiii. O primeiro desses elementos a que a interpretação jurídica se deve recorrer são as palavras em que a Lei se expressa (elemento literal);
xiv. O artigo 9.º do CC, no seu n.º 1 e n.º 2, prescrevem esta necessidade, remetendo para a teoria da alusão, uma vez que, nunca se pode chegar a um resultado interpretativo que não tenha compatibilidade com o respetivo texto;
xv. A Recorrente e AJP nomeada nos presentes autos, cumpriram escrupulosamente os prazos
processuais que o CIRE prevê;
xvi. A contagem de algum desses mesmos prazos processuais dependeu da prática de atos promovidos pela secretaria judicial, v.g., publicitação dos anúncios de depósito do plano;
xvii. A contagem do prazo para votação, só pode iniciar após publicitação do anúncio de depósito do novo plano, publicitação essa que depende exclusivamente da secretaria do Tribunal, cfr. artigo 17.º- F n.º 3 e a qual é da competência da secretaria judicial;
xviii. Segundo os ditames legais, a votação do plano negociado, não ocorre no prazo das negociações, até porque existem trâmites prévios à votação que ocorrem após o fim do prazo das negociações.
xix. O n.º 1 do artigo 17.º - F do CIRE, afirma que “1 - Até ao último dia do prazo de negociações, a empresa deposita no tribunal a versão final do plano de recuperação, (...)”;
xx. O n.º 3 do artigo 17.º - F do CIRE afirma que, “Findo o prazo previsto no número anterior é publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção ou não junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida, o prazo de votação de 10 dias (...)”;
xxi. A decisão de não homologação do plano, é contrária à Lei, fundamentada através de dispositivos legais inaplicáveis, devendo a presente decisão revogada e substituída por outra que admita novo prazo de votação;
xxii. O n.º 1 e n.º 3 do artigo 17.º - F do CIRE deve ser interpretado no sentido de que a votação apenas decorre após o depósito do plano de recuperação;
xxiii. O n.º 2 do artigo 17.º - F do CIRE deve ser interpretado no sentido de que não poderá existir a votação antes do depósito, uma vez que o plano de recuperação poderá, ainda, ser alterado;
xxiv. Na interpretação do n.º 1 do artigo 17.º - F do CIRE, estamos perante uma situação em que o intérprete, ao reconstituir a parte do texto da Lei, segundo os critérios estabelecidos pelo artigo 9.º do CC, conclui pela certeza de que o pensamento legislativo coincide com um dos sentidos contidos na Lei;
xxv. Apesar de a letra da Lei ser o primeiro estádio da interpretação, o intérprete não pode limitar-se ao sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal, tendo de buscar o pensamento legislativo há que descer à essência do texto e desenvolvê-la em todas as direções possíveis;
xxvi. Segundo JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO[3], a apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal;
xxvii. Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto direta e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo;
xxviii. Motivos não há que permitam a manutenção da sentença nos exatos termos em que está devendo a mesma ser substituída por outra que admita a apresentação do plano de recuperação como tempestivo;
xxix. No dia 18-11-2024, a Devedora submeteu na plataforma Citius, a qual deu origem à referência n.º ...85, o requerimento no qual peticionou que fosse desconsiderado o requerimento efetuado com a referência Citius n.º 2564371, juntamente com o plano de recuperação anexo, uma vez que o mesmo continha lapsos e omissões que se deveram à não inserção de informações e instruções relevantes no anterior plano de recuperação, determinantes do sentido de voto e aprovação de todos os Credores;
xxx. O plano conducente à sua recuperação foi depositado tempestivamente, no decurso do prazo das negociações;
xxxi. A votação não decorre durante o prazo das negociações;
xxxii. Pela aplicação das disposições legais acima identificadas, a apresentação do plano foi tempestiva, i.e., até dia 25-9-2024, deve o mesmo ser admitido e conferido novo prazo para votação a todos os Credores;
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NORMAS VIOLADAS, entre outras:
i. SUBSTANTIVAS: artigo 9.º do CC e artigo 17.º - F n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do CIRE;

NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que V. Exas, Venerandos Desembargadores d.s., requer-se a V. Exas que:
a) Seja revogada a douta Sentença, julgando procedente o recurso;
b) Seja admitida nova votação do plano de recuperação ora depositado;
Assim se decidindo, se fará a ACOSTUMADA JUSTIÇA!»
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A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação por este Tribunal ad quem.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil – sendo que o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de apreciar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. 
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela recorrente, cumpre apreciar a questão da admissibilidade de nova votação do plano de recuperação depositado pela Devedora em 18.11.2024.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

A matéria relevante consta do relatório supra.
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IV-  FUNDAMENTOS DE DIREITO
           
Pretende a recorrente que seja admitida nova votação do plano de recuperação depositado pela Devedora em 18.11.2024.
Vejamos se lhe assiste o direito invocado.
O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes, acordo conducente à sua revitalização (art.º 17.º-A, n.º 1).
O processo especial de revitalização consiste num processo de natureza negocial, de âmbito predominantemente extrajudicial, essencialmente subordinado à vontade das partes, estando reservada ao tribunal a tarefa essencial de controlo da legalidade[4].
Inicia-se pela manifestação de vontade da empresa e de credor ou credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10 /prct. de créditos não subordinados, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recuperação (art.º 17.º-C, n.º 1).
Tal manifestação de vontade deve constar de requerimento que a empresa deve apresentar no tribunal competente para declarar a sua insolvência, acompanhado dos elementos a que alude o n.º 3, do art.º 17º-C, pese embora poder também iniciar-se, nos termos do art.º 17.º-I, mediante a apresentação, pela empresa, de um acordo extrajudicial de recuperação, assinado pela empresa e por credores que representem pelo menos as maiorias de votos previstas nas alíneas b) e c) do n.º 5 do art.º 17.º-F, acompanhado dos documentos previstos no n.º 2 do art.º 17.º-A e no n.º 1 do art.º 24.º.
Recebido o requerimento referido no n.º 3, do art.º 17.º-C, e não existindo razão ou fundamento que imponha o indeferimento liminar de tal requerimento, nem não havendo razão para proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento, o juiz nomeia, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto no n.º 1 do art.º 32.º e nos art.ºs 33.º e 34.º, com as devidas adaptações.
O despacho de nomeação é, de imediato, notificado à empresa, que, por sua vez, comunica, de imediato, por carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo artigo, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do art.º 24.º, a proposta de plano e, sendo o caso, a proposta de classificação dos créditos se encontram na secretaria do tribunal para consulta (n.º 1, do art.º 17.º-D).
Os credores dispõem de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere o n.º 5 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório (n.º 2, do art.º 17.º-D).
Conforme vem sendo entendido, a reclamação de créditos no âmbito do processo especial de revitalização tem apenas em vista a formação do quorum deliberativo legalmente exigido para a aprovação do plano de recuperação (art.º 17.º-F, n.º 5).[5]
O administrador judicial provisório elabora, no prazo de cinco dias, uma lista provisória de créditos, indicando, quando aplicável, a classificação dos créditos de acordo com a proposta da empresa, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo anterior (n.º 3 do art.º 17.º-D).
A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada, no prazo de cinco dias úteis, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos ou na incorreção do montante, da qualificação ou da classificação dos créditos relacionados, designadamente por inexistência de suficientes interesses comuns (n.º 4 do art.º 17.º-D).
Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em definitiva (n.º 6 do art.º 17.º-D).
Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e a empresa, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius (n.º 7 do art.º 17.º-D).
A empresa deve depositar no tribunal, até ao último dia do prazo de negociações, a versão final do plano de recuperação, contendo, pelo menos, as informações constantes das alíneas a) a j), do n.º 1, do art.º 17.º-F, e sendo de imediato publicada no portal Citius a indicação do depósito.
No prazo de cinco dias subsequente à publicação do plano de recuperação no portal Citius, qualquer credor pode alegar nos autos o que tiver por conveniente quanto ao plano depositado pela empresa, designadamente circunstâncias suscetíveis de levar à não homologação do mesmo, dispondo a empresa de cinco dias após o termo do primeiro prazo para, querendo, alterar o plano em conformidade, e, nesse caso, depositar a nova versão nos termos previstos no número anterior (n.º 2 do art.º 17.º-F).
Findo o prazo previsto no número anterior é publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção ou não junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações (n.º 3 do art.º 17.º-F).

Na sentença recorrida, foi seguido o entendimento segundo o qual «teria o processo negocial de estar encerrado a 25/09/2024, pressupondo isto, (…), a aprovação do plano que só se concretiza com a votação, a qual só veio a ocorrer em 21/11/2024, ou seja, depois de expirado o prazo que a lei consente para tal».
Esse era o regime inicial do PER – onde a votação do plano devia ocorrer dentro do prazo das negociações, sob pena de recusa de homologação do mesmo, por violação não negligenciável de normas procedimentais (art.º 215.º)[6].
Com o regime resultante do DL. n.º 79/2017, de 30.06, a votação ocorre após o encerramento das negociações, conforme previsto no n.º 3, do art.º 17.º-F.
Conforme se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de justiça de 08.09.2021[7], «[é] evidente, porém, que, mesmo em relação a esse prazo de votação, não podem deixar de ser ponderadas as razões que apontam para uma interpretação rigorosa da lei, quanto à observância dos prazos, curtos, nela previstos: a urgência do procedimento e a celeridade daí decorrente e o efeito de standstill com a inerente compressão de direitos de terceiros.»
  
No caso sub judice, a lista provisória de credores foi apresentada pela Administradora Judicial Provisória em 18.06.2024, e podia ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, prazo esse que terminou em 25.06.2024.
Não tendo sido apresentadas impugnações, tal lista converteu-se em definitiva, nos termos do n.º 4, do art.º 17.º-D.
Iniciou-se, então, em 26.06.2024, o prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, prazo esse que foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio escrito entre a Administradora Judicial Provisória e a Devedora, nos termos do n.º 7, do art.º 17.º-D, e terminou em 26.09.2024.
Em 24.09.2024, a Devedora procedeu ao depósito no Tribunal do plano de recuperação.
Nos cinco dias subsequentes à publicação do plano de recuperação, ou seja, até ao dia 30.09 (visto o dia 29.09 ser um Domingo), qualquer credor podia alegar o que tivesse por conveniente em relação ao plano depositado pela Devedora, designadamente circunstâncias suscetíveis de levar à não homologação do mesmo, dispondo a Devedora de cinco dias após o termo do primeiro prazo para, querendo, alterar o plano em conformidade, e, nesse caso, depositar a nova versão nos termos previstos no número anterior, nos termos do n.º 2, do art.º 17.º-F.
A credora Banco 1..., CRL, veio, em 30.09.2024, solicitar a notificação da Devedora para prestar esclarecimentos nos autos e, querendo, alterar o plano de recuperação.
A Devedora dispunha, então, de cinco dias para, querendo, alterar o plano em conformidade e, nesse caso, depositar nova versão.
Em 13.10.2024, procedeu ao depósito da nova versão do plano de recuperação.
Por despacho de 29.10, foi determinada a publicação no portal Citius de anúncio advertindo da junção de nova versão do plano, nos termos e para os efeitos do art.º 17.º-F, n.º 3.
O anúncio foi publicado em 07.11.2024, pelo que o prazo de votação, que começou a correr em 08.11 terminou em 18.11.
E em 21.11.2024, a Administradora Judicial Provisória juntou o documento com o resultado da votação e o seu parecer, nos termos do n.º 4, do art.º 17.º-F.
Conclui-se, assim, que o plano de recuperação, na sua nova versão apresentada em 13.10.2024, foi tacitamente considerado pelo Tribunal como tendo sido tempestivamente apresentado, porquanto, por despacho de 29.10, determinou a publicação de anúncio advertindo da nova versão do plano, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 17.º-F, n.º 3, e que a votação teve lugar no prazo de dez dias a que alude o n.º 3, do art.º 17.º-F, pese embora o atraso no envio ao Tribunal do resultado da votação.
Sucede que no último dia do prazo de votação de dez dias, veio a Devedora requerer o depósito nos autos de nova versão do plano de recuperação, dando conhecimento do mesmo a todos os credores para que fosse votado nos termos do n.º 6 do art.º 17.º-F, e requereu que lhe fosse facultado novo prazo para votação do mesmo.
Todavia, conforme se observa no aresto suprarreferido, em relação a este prazo de votação, não podem deixar de ser ponderadas as razões que apontam para uma interpretação rigorosa da lei, quanto à observância dos prazos, curtos, nela previstos: a urgência do procedimento e a celeridade daí decorrente e o efeito de «standstill» (em que os credores concedem ao devedor um período global de “tréguas”, autoimpedindo-se de instaurarem e/ou fazerem prosseguir quaisquer ações, declarativas e/ou executivas, para cobrança de dívidas contra aquele) com a inerente compressão de direitos de terceiros.
Ora, o prazo para a Devedora apresentar nova versão do plano terminou em data anterior à publicação do anúncio, e a lei não lhe confere o direito de aproveitar o prazo de votação em curso para apresentar uma nova versão do plano e, desse modo, obter uma extensão ou alargamento do prazo de votação, por incompatível com os fins do processo.
Como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.06.2016[8], «[t]endo em atenção as características especiais deste tipo processual, destinado a permitir que o devedor possa continuar a desenvolver a sua actividade, obstaculizando um eventual fim da mesma, a pretensão do legislador teve como base a obtenção de resultados num curto espaço temporal, o que se não coaduna com um possível arrastar do processo negocial ou com um prolongamento das negociações, a não ser em casos extremos, pontuais portanto, de justo impedimento, os únicos que em nosso entendimento poderiam justificar um desvio ao prazo legalmente prevenido para a conclusão do processo».
A apresentação de nova versão do plano no decurso do prazo de votação não ficou a dever-se a qualquer acontecimento, impeditivo da junção atempada da nova versão do plano, suscetível de configurar uma situação de justo impedimento. Ao invés, ficou a dever-se a facto exclusivamente imputável à própria Devedora, como aliás reconhece, inexistindo, por isso, qualquer justificação para um alargamento do prazo legalmente previsto para a votação.
Não compreendemos a alegação da Devedora, sustentada por diversos credores, de que «a modificação e submissão do novo do plano de recuperação apresentada, não representa nova versão do mesmo, porquanto se trata, meramente, de correção de lapso de escrita», quando no seu requerimento de 18.11 refere que, por lapso, não procedeu à «inserção de informações e instruções relevantes no anterior plano de recuperação, determinantes no sentido de voto e aprovação (…) que por descuido não constaram da anterior proposta apresentada», e requer novo prazo de votação, o que reitera no presente recurso, o que (tratando-se de informações e instruções relevantes, determinantes no sentido de voto e aprovação, carecidas, por isso, de novo prazo de votação) não configura um mero lapso de escrita.
           
Isto posto, deverá decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto pela recorrente, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
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V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Sem custas, atenta a isenção de que beneficia a recorrente (cf. art.º 4.º, n.º 1, al u), do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
Guimarães, 20 de março de 2025

Susana Raquel Sousa Pereira – Relatora 
Gonçalo Oliveira Magalhães – 1º Adjunto
Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade – 2ª Adjunta
 

[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Notificação eletrónica via Citius n.º 26634718.
[3] Vide O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392.
[4] Assim, MARCO CARVALHO GONÇALVES, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, 2023, p. 683, e o acórdão da Relação de Évora de 21.04.2016 (processo n.º 39/16.4T8EVR-A.E1).
[5] Veja-se o acórdão da Relação de Évora de 16.05.2019 (processo n.º 3266/17.3T8BRG.E1) e desta Relação de 29.06.2017 (processo n.º 6977/16.7T8VNF-A.G1).
[6] Assim, MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual de Direito da Insolvência, 2023, 8.ª edição, reimpressão, Almedina, p. 494. Na jurisprudência, veja-se, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.06.2016 (processo n.º 3245/14.2T8GMR.G1.S1).
[7] Processo n.º 23543/19.8T8LSB.L2.S1.
[8] Processo n.º 3245/14.2T8GMR.G1.S1.