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DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
IRRECORRIBILIDADE
Sumário
É de mero expediente, e por isso irrecorrível, o despacho que se limita a notificar os recorrentes para indicarem datas da sua conveniência, que se mostrem compatíveis com a agenda do AI, no sentido de proceder ao levantamento de certos bens, com a advertência de que, na falta de resposta, o tribunal indicará data e hora para as diligências de remoção (quando esta já foi ordenada anteriormente, por decisão transitada em julgado).
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
RELATÓRIO
No âmbito do processo de insolvência de EMP01..., S.A. foram instaurados processos de restituição e separação de bens por AA, BB,EMP02..., Lda., EMP03..., Lda., EMP04..., Lda., EMP05..., Lda. e EMP06..., Lda., os quais constituíram os apensos W, X, Y, Z, AA, AB, AC e AD, onde os autores pediram que os bens que identificaram fossem separados dos bens apreendidos para a massa insolvente e restituídos a si próprios.
No âmbito dos referidos apensos foram proferidas decisões, já transitadas em julgado, que julgaram as ações procedentes, declararam os autores proprietários dos bens e, em face da separação desses bens já ocorrida pelo novo auto de apreensão de fevereiro de 2024, ordenaram a sua restituição, referindo que a massa deveria permitir o acesso e remoção desses bens caso ainda permanecessem sob a sua alçada.
Foram adjudicados a CC os lotes de bens móveis 1 a 5 e 7 a 13 (verba 37) - (cf. informações de 28.1.2022 e de 1.6.2022 do apenso de Liquidação L).
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Em 7.4.2022 foi proferido despacho no apenso de liquidação L com o seguinte teor:
“Req de 4.4.2022: Visto. Notifique as sociedades requeridas e os seus legais representantes nos termos e para os efeitos requeridos de, em 30 dias, a começar a 2.5.2022, removerem o acervo documental e bens que lhes pertençam das instalações da insolvente, desde que não estejam apreendidos para a massa.”
Foi interposto recurso deste despacho, o qual deu origem ao apenso AJ, no âmbito do qual, em 2.3.2023, foi proferido acórdão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que julgou o recurso procedente e revogou o despacho recorrido proferido no apenso de liquidação.
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O administrador da insolvência apresentou requerimento em 13.9.2024 (ref. Citius 16637168), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no qual, invocando a adjudicação a CC dos bens móveis correspondentes à verba 37 (atual verba nº 1) e a separação de bens determinada nos apensos W, X, Y, Z, AA, AB, AC e AD, por os mesmos pertencerem a AA, BB,EMP02..., Lda., EMP03..., Lda., EMP04..., Lda., EMP05..., Lda. e EMP06..., Lda., pediu a notificação dos mesmos para, alternativamente à imposição de data e hora por si designadas, indicarem data e hora da sua conveniência para procederem ao levantamento dos bens adjudicados e separados.
Em 23.9.2024, foi proferido despacho (ref. Citius 192318532), com o seguinte teor: “Notifique: • CC na qualidade de adjudicatário dos bens correspondentes à atual verba n.º 1 do auto de apreensão de bens móveis para, alternativamente à imposição de data e hora por parte do AI, indicar uma data ou datas da sua conveniência que se mostrem compatíveis com a agenda do AI, no sentido de proceder ao levantamento dos bens que lhe foram adjudicados; • CC, em representação de EMP02... EMP03..., EMP04..., EMP05..., Lda. e EMP06... para, alternativamente à imposição de data e hora por parte do AI, indicar uma data ou datas da sua conveniência que se mostrem compatíveis com a agenda do AI, no sentido de proceder ao levantamento dos bens já separados; • BB para, alternativamente à imposição de data e hora por parte do AI, indicar uma data ou datas da sua conveniência que se mostrem compatíveis com a agenda do AI, no sentido de proceder ao levantamento dos bens já separados; • AA para, alternativamente à imposição de data e hora por parte do AI, indicar uma data ou datas da sua conveniência que se mostrem compatíveis com a agenda do AI, no sentido de proceder ao levantamento dos bens já separados. Peça resposta em 10 dias. Nada sendo informado, o Tribunal indicará data e hora para as diligências de remoção.”
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CC, BB, AA, EMP04... – Importação e Exportação, Lda., EMP02..., Lda., EMP03... – Instalações Elétricas e Hidráulicas. Lda., e EMP05..., Lda. não se conformaram e interpuseram recurso de apelação.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido na 1ª instância por despacho proferido em 3.1.2025 (ref. Citius 193995615).
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Por se ter entendido que nos autos se colocava a questão da inadmissibilidade do recurso por o despacho recorrido ser de mero expediente, nos termos do art. 655º, nº 1, do CPC, concedeu-se o prazo de 10 dias para as partes, querendo, se pronunciarem sobre a questão da (in)admissibilidade do recurso.
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O administrador da insolvência pronunciou-se no sentido de o despacho recorrido ser um despacho de mero expediente, nos termos do requerimento de 16.1.2025 (ref. Citius 265381), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Em idêntico sentido pronunciaram-se também EMP07..., Lda. (anteriormente designada como EMP08..., Lda.), EMP09..., S.A., EMP10..., S.A. e EMP11... Unipessoal, Lda. nos requerimentos de 20.1.2025, 21.1.2025, 24.1.2025 e 27.1.2025 (refs. Citius 265535, 265572, 265743, 265789), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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Os recorrentes pronunciaram-se no sentido de o despacho recorrido não ser um despacho de mero expediente, nos termos do requerimento de 27.1.2025 (ref. Citius 265808), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, defendendo, consequentemente, que o recurso é admissível.
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Em 3.2.2025, foi proferido despacho pela relatora que não admitiu o recurso interposto, por considerar que o despacho recorrido é de mero expediente.
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Inconformados com tal decisão, os recorrentes apresentaram a presente reclamação para a conferência, pedindo que sobre a matéria do despacho da relatora recaia acórdão, nos termos do disposto no art. 652.º, nº 3, do CPC, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“A) A presente reclamação incide sobre decisão singular, datada de 03/02/2025, a qual, no essencial, não admitiu o recurso interposto pelos ora reclamantes, por se ter entendido que o despacho recorrido é de mero expediente. B) Porém, o despacho recorrido não se enquadra na definição que nos é dada pelo nº 4 do art. 152º do CPC. C) Pelo contrário, o despacho recorrido pretende impor aos reclamantes uma decisão, uma ordem judicial, sem qualquer enquadramento legal ou factual, passando-se a citar o seu integral conteúdo: “Notifique: • CC na qualidade de adjudicatário dos bens correspondentes à atual verba n.º 1 do auto de apreensão de bens móveis para, alternativamente à imposição de data e hora por parte do AI, indicar uma data ou datas da sua conveniência que se mostrem compatíveis com a agenda do AI, no sentido de proceder ao levantamento dos bens que lhe foram adjudicados; • CC, em representação de EMP02... EMP03..., EMP04..., EMP05..., Lda. e EMP06... para, alternativamente à imposição de data e hora por parte do AI, indicar uma data ou datas da sua conveniência que se mostrem compatíveis com a agenda do AI, no sentido de proceder ao levantamento dos bens já separados; • BB para, alternativamente à imposição de data e hora por parte do AI, indicar uma data ou datas da sua conveniência que se mostrem compatíveis com a agenda do AI, no sentido de proceder ao levantamento dos bens já separados; • AA para, alternativamente à imposição de data e hora por parte do AI, indicar uma data ou datas da sua conveniência que se mostrem compatíveis com a agenda do AI, no sentido de proceder ao levantamento dos bens já separados. Peça resposta em 10 dias. Nada sendo informado, o Tribunal indicará data e hora para as diligências de remoção.”. D) O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores mediante o cumprimento de um plano de insolvência ou a liquidação do património da devedora insolvente. E) A apreensão de bens é decretada, em termos genéricos, na própria declaração de insolvência (36º, nº1, al. g) do CIRE), devendo o administrador de insolvência, de seguida, diligenciar pela sua imediata entrega (art. 149º do CIRE), sendo-lhe reconhecidos os poderes de administração daqueles bens (art. 150º, nº1 do CIRE). F) O despacho proferido pelo Tribunal a quo ora recorrido, apresenta-se como inadequado e incompatível com o âmbito e finalidade do presente apenso e extravasa os poderes jurisdicionais cometidos ao juiz titular do processo, os quais se limitam aos de mera apreciação do cumprimento da legalidade e das normas procedimentais, o que necessariamente afastaria a sua eventual natureza de despacho de mero expediente. G) Nestes mesmos autos de insolvência, por seu lado no apenso correspondente à fase de liquidação, identificado sobre a letra ..., foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 02/03/2023, o qual teve por objeto um despacho judicial em tudo idêntico ao ora recorrido, decidindo-se pela sua ineficácia, consequentemente o revogando. H) Ao contrário do que afirma a Ex.ma Sra. Juiz Relatora, foi o Tribunal a quo que, a pedido do Sr. AI, assumiu o protagonismo na imposição que pretende determinar aos recorrentes, traduzida na remoção daqueles bens. I) Não se vislumbrando de que modo o despacho recorrido integra apenas formalmente uma ordem ou determinação para dar cumprimento à lei, fazendo respeitar o ordenamento ou expediente processual, quando o Tribunal a quo tentou, isso sim, substituir-se ao Sr. AI e poderes a si conferidos. J) O que se retira do despacho recorrido e que deve saltar à vista de qualquer um, são as evidentes decisões e consequentes imposições feitas aos aqui reclamantes, prevendo-se, cominações de especial relevo, encerrando uma interferência no conflito de interesses entre as partes, a respeito da obrigatoriedade dos reclamantes em removerem os bens. K) O que necessariamente influi nos direitos de propriedade daqueles bens e de posse dos imóveis, entre outros de que os reclamantes de arrogam. L) E, pese embora seja totalmente desconsiderado o Acórdão proferido nestes mesmos autos de Insolvência (Apenso - L), já devidamente transitado em julgado, não deixa de ser de clareza cristalina que o mesmo deixou claro que despachos como o recorrido, são ineficazes, não produzindo quaisquer efeitos. M) Mas a Ex.ma Sra. Juiz Relatora vai mais além, afirmando que o despacho recorrido não ordena ele próprio a prática de qualquer ato de remoção, o que, conforme se deixou demonstrado, não podia estar mais longe da verdade, desde logo por se ali se poder ler o seguinte: “Peça resposta em 10 dias. Nada sendo informado, o Tribunal indicará data e hora para as diligências de remoção”. (negrito e sublinhado nosso). N) Assim, o Tribunal a quo não só profere despacho a expressamente determinar a remoção daqueles bens, como ainda determina que, na falta de resposta por parte dos reclamantes, será o próprio Tribunal a diligenciar pela remoção unilateral dos bens. O) Isto é, os bens ou são removidos na data hora avançada pelos reclamantes, ou são removidos pelo Tribunal, fazendo-se uma clara apreciação sobre interesses e direitos de terceiros, ora reclamantes, sobre eles tomando uma posição e, consequentemente, neles interferindo. P) A Ex.ma Juiz de Direito, a certo momento, concede que do despacho recorrido se extraí uma ordem, o que se deve registar e imediatamente afastar qualquer possibilidade de atribuir natureza de despacho de mero expediente. Q) Mais: ao contrário do que afirma a Ex.ma Sra. Juiz Relatora, a consequência a retirar-se da decisão de adjudicação de bens aos reclamantes, é a restituição destes e dos estabelecimentos a quem de direito, não implicando necessariamente a sua remoção do local onde se encontram depositados. R) Pelo que, o despacho é provido de recorribilidade, não se assume enquanto despacho de mero expediente, devendo sobre o recurso interposto incidir Acórdão, apreciando as questões aduzidas, assim como aquelas que se entendam de conhecimento oficioso.”
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A credora EMP10..., S.A. apresentou resposta, pugnando pela improcedência da reclamação e manutenção do despacho de não admissão do recurso, defendendo que o despacho recorrido é irrecorrível por ser de mero expediente.
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Foram colhidos os vistos legais e submetido o caso à conferência.
OBJETO DA RECLAMAÇÃO
Neste enquadramento, a questão relevante a decidir na presente reclamação para a conferência, a qual impõe decisão imediata nos termos do art. 652º, nº 4, 2ª parte, do CPC, consiste em saber se o despacho recorrido é um despacho de mero expediente e, por isso, irrecorrível ou se, ao invés, não se integra nessa categoria, podendo ser objeto de recurso.
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos relevantes para a questão a decidir encontram-se descritos no relatório e resultam do iter processual.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
A decisão da relatora objeto da presente reclamação considerou que o despacho recorrido é um despacho de mero expediente e, por isso, irrecorrível à luz do disposto no art. 630º, nº 1, do CPC, sustentando-se na seguinte fundamentação:
“Dispõe o art. 630º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi art. 17º, nº 1, do CIRE, que não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. Os recorrentes defendem que o despacho recorrido não é um despacho de mero expediente. A definição de despacho de mero expediente encontra-se no art. 152º, nº 4, do CPC, o qual estatui que os despachos de mero expediente se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes. Os despachos que revestem esta natureza não são “susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros”, por se tratar de “despachos banais, que não põem em causa interesses das partes, dignos de protecção” (José Alberto dos Reis, Código Processo Civil, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, págs. 249 e 250), assim se explicando e justificando a sua irrecorribilidade. Efetivamente, esta irrecorribilidade compreende-se porque “alguns despachos incidem somente sobre aspectos burocráticos do processo e da sua tramitação, e por isso, não possuem um conteúdo característico do exercício da função jurisdicional, nem afectam a posição processual das partes ou de terceiros” (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, LEX, págs. 213 e 214). O despacho de mero expediente integra formalmente uma ordem ou determinação com o propósito de dar cumprimento à lei, fazer respeitar o ordenamento ou expediente processual, mas sem que o juiz, seu autor, jamais se proponha dizer ou definir o direito. Semelhante atividade, a despeito da qualidade em que o juiz está investido, não constitui ato jurisdicional, mas somente um ato judicial, um ato que obriga. Trata-se antes de ato não controverso e, consequentemente, insuscetível de melhoramento por via de reclamação ou de reapreciação mediante recurso (cf. Ac da Relação de Évora, de 18.03.2009, P 679/02.9PBBJA-E.E1 in www.dgsi.pt). Conforme se afirma no acórdão da Relação de Évora, de 2.7.2019 (P 232/11.6GDCTX-A.E1 in www.dgsi.pt), segundo “o corrente entendimento jurisprudencial, constitui despacho de mero expediente aquele que, proferido pelo juiz, não decidindo qualquer questão de forma ou de fundo, se destina principalmente a regular o andamento do processo. Caracteriza-se, assim, pela sua natureza de se limitar a dar cumprimento aos legais trâmites que devem nortear esse andamento do processo, sem envolver uma apreciação concreta que se projecte nos direitos dos intervenientes”. Dada a sua natureza, os despachos de mero expediente porque “sem possibilidade de ofenderem direitos processuais das partes ou de terceiros, não envolvendo qualquer interpretação da lei, (…) não podem adquirir o valor de caso julgado, pois para haver caso julgado formal é indispensável a existência de uma decisão, de um julgamento” (Ac. do STJ, de 17.12.2009, P 09P0612, in www.dgsi.pt). Transpondo estas considerações para o caso em apreço, verifica-se que o despacho recorrido se limita a notificar os recorrentes para indicarem eles próprios uma data que seja da sua conveniência para praticarem um ato determinado pelo administrador da insolvência, ato esse consubstanciado na remoção dos bens que se encontram nas instalações da insolvente, em vez de tal ato ocorrer em data unilateralmente imposta pelo administrador. Nesta ótica, o despacho recorrido limita-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes, porquanto nada ordena nem decide, limitando-se a permitir que os recorrentes indiquem uma data da sua conveniência para a prática do ato. O despacho recorrido não ordena ele próprio a prática de qualquer ato de remoção. Mas, ainda que se defenda que o despacho recorrido manifesta desde já a intenção de ordenar futuramente a remoção, na medida em que no mesmo se diz que “[n]ada sendo informado, o Tribunal indicará data e hora para as diligências de remoção”, ainda assim o mesmo continua unicamente a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes. Com efeito, a remoção dos bens mais não é do que uma consequência, concretização ou execução da decisão de adjudicação de bens a CC e das decisões proferidas nos apensos W, X, Y, Z, AA, AB, AC e AD que julgaram as ações instauradas por AA, BB, EMP02..., Lda., EMP03..., Lda., EMP04..., Lda., EMP05..., Lda. e EMP06..., Lda. procedentes, declararam os autores proprietários dos bens e, em face da separação desses bens já ocorrida pelo novo auto de apreensão de fevereiro de 2024, ordenaram a sua restituição, referindo que a massa deveria permitir o acesso e remoção desses bens caso ainda permanecessem sob a sua alçada. Explicando melhor, tendo parte dos bens que integravam a massa insolvente sido adjudicada a CC, este passou a ser seu proprietário, razão pela qual se justifica que lhe sejam entregues, o que implica a remoção do local onde se encontram. Quanto aos bens que foram objeto dos apensos W, X, Y, Z, AA, AB, AC e AD as decisões já transitadas em julgadas já apreciaram os direitos dos autores, declararam que os bens lhes pertencem e ordenaram a sua restituição aos autores, o que implica a sua remoção do local onde se encontram. Foram a adjudicação e estas decisões que definiram os direitos das partes, e não o despacho recorrido, o qual nada decide e se limita a executar as referidas adjudicação e decisões, facultando aos recorrentes a possibilidade de indicarem eles próprios uma data da sua conveniência para a remoção, sob pena de, não o fazendo, ser a data indicada pelo tribunal. Assim, em qualquer das duas perspetivas analisadas, o despacho recorrido é um despacho de mero expediente, de acordo com a noção constante do art. 152º, nº 4, do CPC, visto que se limita a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes. E, por assim ser, face ao disposto no art. 630º, nº 1, do CPC, o mesmo é irrecorrível. Em abono da posição de que o despacho recorrido não é de mero expediente, os recorrentes alegam ainda que o tribunal recorrido não o identificou como tal, uma vez que na plataforma Citius está identificado como “Despacho c/Despacho em 23.9.2024” e não como despacho de mero expediente. Quanto a este argumento é de referir que o que releva para a qualificação do despacho como sendo, ou não, de mero expediente é o seu conteúdo e não a qualificação que lhe é dada na plataforma Citius. Na verdade, a classificação dos atos que consta da plataforma Citius, quando corretamente efetuada, serve para facilitar a consulta, organização e compreensão da tramitação processual, permitindo numa consulta do histórico do processo salientar de imediato o tipo de ato praticado, sem necessidade de visualizar o seu conteúdo. Porém, essa classificação pode estar incorreta e, quando assim acontecer, o que releva para a classificação do ato praticado é unicamente o seu concreto conteúdo. Assim, e exemplificativamente, se for proferida uma sentença no processo ela revestirá sempre um ato dessa natureza, ainda que, por qualquer motivo, seja erradamente classificada no Citius, como despacho de mero expediente. Consequentemente, falece esta argumentação apresentada pelos recorrentes. Igualmente falece a argumentação dos recorrentes de que o tribunal a quo admitiu o recurso, o que significa que não considerou o despacho como sendo de mero expediente, visto que, como já acima referimos, o despacho de admissão do recurso proferido pelo tribunal a quo não vincula o tribunal superior (art. 641º, nº 5, do CPC) pelo que, pese embora o recurso tenha sido admitido pelo tribunal recorrido, importa aferir se se verificam os pressupostos da sua admissibilidade, conforme imposto pelo art. 652º, nº 1, al. b), do CPC. A circunstância, também alegada pelos recorrentes, de não ter sido suscitada a questão da irrecorribilidade de um despacho semelhante pelo Tribunal da Relação de Guimarães num outro apenso também não é vinculativa e não impede que aqui se decida de forma diversa e se suscite a questão à luz do regime jurídico aplicável. Deste modo, e sendo o despacho recorrido, analisado do ponto de vista do seu conteúdo, um despacho de mero expediente, como já supra analisámos, impõe-se concluir pela inadmissibilidade do recurso interposto.”
Sufragamos esta fundamentação jurídica e, com base na mesma, consideramos que, tal como se concluiu na decisão ora objeto de reclamação, o despacho recorrido é de mero expediente.
Na presente reclamação, os reclamantes vêm invocar matéria que não invocaram quando exerceram o contraditório prévio à prolação do despacho objeto de reclamação, o qual, por isso, não a teve em consideração e sobre ela não se pronunciou.
Nomeadamente vêm invocar o acórdão proferido em 2.3.2023, no âmbito do apenso AJ, o qual revogou o despacho proferido a 7.4.2022, no apenso de liquidação, por ter entendido que esse despacho excede os poderes jurisdicionais do juiz titular no âmbito do apenso de liquidação e, como tal, é absolutamente ineficaz.
O despacho proferido em 7.4.2022, que o acórdão revogou, tinha o seguinte teor:
“Req de 4.4.2022: Visto. Notifique as sociedades requeridas e os seus legais representantes nos termos e para os efeitos requeridos de, em 30 dias, a começar a 2.5.2022, removerem o acervo documental e bens que lhes pertençam das instalações da insolvente, desde que não estejam apreendidos para a massa.”
Embora este despacho tenha sido proferido na sequência de um prévio requerimento nesse sentido apresentado pelo administrador da insolvência, o mesmo contém ele próprio uma ordem dada às sociedades requeridas e seus legais representantes para removerem o acervo documental e bens que lhes pertençam.
Não é uma situação análoga à do despacho que foi proferido em 23.9.2024, o qual nada determina quanto à remoção, limitando-se a permitir que os recorrentes indiquem uma data da sua conveniência para a prática do ato e dizendo que, se não indicarem essa data, a mesma será indicada pelo tribunal.
Não se tratando de despachos de conteúdos idênticos e nem se tratando, no caso sub judice, de um despacho proferido no âmbito da liquidação, não se pode tentar extrapolar o que foi decidido no acórdão proferido em 2.3.2023, no âmbito do apenso AJ, para a situação em apreço nos presentes autos.
Por outro lado, também não se considera que com a prolação do despacho em apreço o tribunal se tenha substituído ao AI nos seus poderes, como defendem os reclamantes. O tribunal acedeu a um pedido feito pelo AI no sentido de ser o tribunal a notificar os reclamantes. Poderia ter-se recusado a fazer a notificação dizendo que o AI dispunha ele próprio de competência para a efetuar a notificação em apreço; porém, optou por aceder ao requerido e efetuou a notificação. Em nosso entender, não há aqui uma substituição, mas antes uma colaboração.
Por isso, falece esta argumentação dos recorrentes.
Por outro lado, do despacho recorrido não resulta o alegado pelos reclamantes na Conclusão N) de que o tribunal proferiu despacho a expressamente determinar a remoção dos bens e determina que na falta de resposta será o próprio tribunal a diligenciar pela remoção unilateral dos bens. O despacho em questão limita-se a permitir que os notificados indiquem uma data da sua conveniência para a realização das diligências de remoção ordenadas pelo AI advertindo-os de que se não indicarem essa data ela será designada pelo tribunal.
Por conseguinte, falece também esta argumentação dos reclamantes.
Assim, com base na fundamentação ora expendida e ainda na que consta da decisão de 3.2.2025, entende-se que despacho recorrido é um despacho de mero expediente e, como tal, irrecorrível à luz do estatuído no art. 630º, nº 1, do CPC, sendo de manter a decisão reclamada proferida em 3.2.2025.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Não tendo o recurso sido admitido, são os recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a reclamação para a conferência e, em consequência, mantêm a decisão reclamada de não admissão do recurso em virtude de o despacho recorrido ser de mero expediente e, por isso, irrecorrível, em conformidade com o disposto no art. 630º, nº 1, do CPC.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
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Guimarães, 2 de abril de 2025
(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Alexandra Maria Viana Parente Lopes
(2º/ª Adjunto/a) Maria João Marques Pinto de Matos