HORÁRIO FLEXÍVEL
INDICAÇÃO PELO TRABALHADOR DOS DIAS DE SÁBADO E DOMINGO
Sumário

I - É um horário flexível para os efeitos do art.º 56.º do Código do Trabalho, todo aquele que possibilite a conciliação da vida profissional com a vida familiar de trabalhador com filhos menores de 12 anos, ainda que tal horário, uma vez definido, na sua execução seja fixo, podendo o trabalhador solicitar a atribuição de determinado horário precisando quais os seus dias de descanso, incluindo o sábado e o domingos e feriados.
II - Não é suficiente para legitimar a recusa de atribuição de horário flexível a demonstração de que os dias e horários de maior afluência de clientes à loja e de maior trabalho se concentram em períodos não abrangidos pelos limites horários indicados pelo trabalhador, sem que se provem factos concretos que demonstrem as consequências daí advenientes.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

 Processo n.º 1730/24.7T8VLG.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho ...




Acordam nos juízes da secção social do Tribunal da Relação do Porto


Relatório

A..., Unipessoal, Lda, intentou a presente ação contra AA, pedindo que seja declarado que o horário de trabalho requerido pela Ré não cumpre os requisitos legais definidos no art.º 56.º do Código do Trabalho, sendo por esse motivo indeferido.

Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a existência de motivo justificativo para a recusa de atribuição de horário flexível requerida pela Ré e caso assim não se entenda, que seja estabelecido um horário flexível de segunda a sexta-feira, ressaltando-se que este horário flexível não se aplica aos fins de semana e feriados, não podendo agora, a CITE proceder à referida alteração, configurando qualquer alteração um excesso de pronúncia.

Em síntese, a autora alega que o pedido que lhe foi dirigido pela ré não configura um pedido de horário flexível, que o horário flexível não permite a definição pelo trabalhador dos dias de descanso e, no caso, não pode implicar a atribuição de folgas fixas. Subsidiariamente, alega que existe motivo justificativo para a recusa.

A ré trabalhadora contestou alegando estarem verificados todos os requisitos para a atribuição do horário flexível que requereu, inexistindo razões imperiosas que determinem a sua recusa pela empregadora.

Foi proferido despacho saneador tabelar e fixado o valor da ação em € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).

Realizou-se audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal:

I.Declarar que o horário requerido pela ré cumpre com os requisitos legais definidos no artigo 56º do Código do Trabalho.

II. Declarar que não existe motivo justificativo para a recusa de atribuição de horário flexível requerido pela ré.

III. Declarar que o horário flexível requerido pela ré aplica-se aos fins de

semana e feriados.

IV. Julgar improcedentes os restantes pedidos formulados pela autora.”


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Inconformada, a empregadora/autora interpôs o presente recurso, com vista à revogação da sentença e sua substituição por acórdão que decida em conformidade com o pretensão formulada na petição inicial, formulando as seguintes conclusões:

«I. O presente recurso visa submeter à apreciação do Tribunal Superior a matéria de direito considerada pela Douta Sentença, o horário requerido pela recorrida não cumpre com os requisitos legais definidos no artigo 56º do Código do Trabalho. Declarou que não existe motivo justificativo para a recusa de atribuição de horário flexível requerido pela recorrida e declarar que o horário flexível requerido pela recorrida aplica-se aos fins de semana e feriados

II. Foram posteriormente elencados os factos dados como provados, não provados e fundamentação de direito na douta sentença recorrida, que salvo melhor opinião e o devido respeito, são relevantes para a boa decisão de mérito proferida pelo Mº Juíz do tribunal a quo e que foram decisivos para o enquadramento legal da matéria dos presentes autos e que para o qual se remete.

III. Da violação da norma jurídica do artigo 56.º e artigo 57.º, do Código do Trabalho – Inexistência de pedido de horário flexível - O presente recurso visa a alteração da decisão, invocando incorreta aplicação e interpretação dos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho.

IV. Nos termos do artigo 56.º, o regime de horário flexível permite ao trabalhador a escolha das horas de início e fim do trabalho diário, dentro dos limites fixados pelo empregador, cabendo a este a organização do horário.

V. O pedido da Recorrida ao exigir trabalho apenas de segunda a sexta-feira, entre as 08h00 e as 18h00, com isenção aos sábados, domingos e feriados, configura, não um horário flexível, mas um horário rígido e fixo.

VI. O horário solicitado pela Recorrida é incompatível com a dinâmica de funcionamento da loja, que requer um número acrescido de trabalhadores precisamente aos fins de semana e feriados, devido ao maior volume de clientes.

VII. A sentença não levou em consideração as necessidades operacionais e funcionais da loja, que exigem trabalho rotativo e flexível para responder aos períodos de maior fluxo de clientes.

VIII. A interpretação feita pelo tribunal a quo não reflete o disposto no artigo 57.º, n.º 2, que permite ao empregador recusar o horário flexível com base em “exigências imperiosas do funcionamento” da empresa.

IX. O Supremo Tribunal de Justiça já decidiu que o horário flexível não permite a escolha unilateral dos dias de descanso semanal pelo trabalhador (Acórdãos de 17.03.2022 e 12.10.2022).

X. A manutenção da decisão recorrida comprometeria a continuidade operacional da loja e geraria desigualdades no tratamento dos trabalhadores, uma vez que sobrecarregaria outros colaboradores.

XI. A Recorrente tem estabelecido o regime de turnos rotativos, com descanso periódico aos sábados e domingos, para assegurar a equidade entre todos os trabalhadores.

XII. O tribunal a quo não valorou adequadamente o impacto que o horário pretendido pela Recorrida teria na repartição de tarefas, especialmente na secção de fruta e legumes, onde a Ré presta funções.

XIII. O artigo 56.º, n.º 3, atribui ao empregador o poder de definir as faixas horárias para o exercício do horário flexível, respeitando a gestão e organização da empresa.

XIV. A decisão do tribunal a quo foi emitida sem considerar plenamente a necessidade de pessoal da loja nos horários mais críticos.

XV. A atribuição de um horário fixo, como solicitado pela Recorrida, comprometeria a capacidade da loja de responder às exigências do mercado e às necessidades dos clientes, especialmente nos horários de maior movimento.

XVI. A Recorrente reforça que a atribuição do horário pretendido comprometeria a gestão eficiente dos recursos humanos, afetando a rotatividade essencial na secção de caixas e reposição.

XVII. A jurisprudência portuguesa confirma que o direito ao horário flexível deve respeitar as limitações organizacionais impostas pelo empregador, desde que justificadas (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-05-2016).

XVIII. A ausência da Recorrida em horários de pico implica sobrecarga aos demais trabalhadores e prejudica a eficiência do serviço prestado ao público.

XIX. É entendimento da Recorrente que o direito ao horário flexível não é absoluto e que, conforme o artigo 57.º, n.º 7, uma decisão judicial deve reconhecer motivo justificativo para a recusa do pedido.

XX. A decisão recorrida violou o princípio de proporcionalidade ao não ponderar o impacto da ausência da Ré em horários críticos na loja.

XXI. Nos termos do artigo 56.º do Código do Trabalho, o regime de horário flexível permite ao trabalhador escolher as horas de início e término da jornada dentro dos limites estabelecidos pelo empregador, enquanto o pedido da Recorrida visa, na prática, fixar um horário imutável.

XXII. A imposição de um horário com dias e horas rígidos pela Ré inviabiliza a natureza flexível pretendida e excede o conceito de horário flexível previsto legalmente, tratando-se, assim, de um pedido de horário fixo que não encontra fundamento no regime de flexibilidade horária do Código do Trabalho.

XXIII. O pedido da Recorrida para fixação dos dias de descanso ao sábado e domingo não se enquadra no regime de horário flexível previsto no artigo 56.º do Código do Trabalho, pois o conceito de horário flexível visa apenas permitir ao trabalhador escolher, dentro dos limites estabelecidos pelo empregador, as horas de início e término do trabalho diário, sem abranger o direito de fixar os dias específicos de descanso semanal. Tal fixação contraria o entendimento jurisprudencial de que a flexibilidade abrange a jornada diária, e não a distribuição dos dias de trabalho e descanso.

XXIV. A atribuição de folgas fixas ao sábado e domingo compromete o regime de descanso rotativo praticado pela Recorrente, o qual visa assegurar uma organização justa e eficiente da equipa de trabalho, em benefício de todos os colaboradores. Esta prática de rotatividade é essencial para acomodar as exigências operacionais e permitir que o serviço prestado pela Recorrente seja contínuo e de qualidade, especialmente em setores onde o volume de trabalho é maior ao fim de semana.

XXV. A jurisprudência dos tribunais superiores, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça, reconhece que o regime de horário flexível não concede ao trabalhador o direito de fixar os dias de descanso semanal (cf. Acórdãos do STJ de 17.03.2022 e 12.10.2022). A definição dos dias de descanso compete ao empregador, que tem o poder de organização do trabalho para assegurar o funcionamento eficiente e equilibrado da empresa, desde que não sejam desrespeitados os direitos essenciais dos trabalhadores – nesse sentido veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 28-06-2023 do relator Sérgio de Almeida e ainda o AC. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 11/07/2024, do relator Vera Sottomayor e o AC. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 01/02/2024, do relator Francisco Sousa Pereira, disponíveis em www.dgsi.pt.

XXVI. Pelo exposto, de e ser revogada a sentença recorrida, julgando procedente a ação, e reconheça a legitimidade do motivo para a recusa do horário flexível solicitado.»


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A trabalhadora/ré apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:

«A. Em face de tudo quanto veio de se contra-alegar, entendemos que se impunha ao Mmº Julgador decidir nos precisos termos em que o fez pela sentença recorrida.

B. Decisão recorrida que conheceu e julgou todas e cada uma das concretas questões sobre as quais lhe impunha conhecer e decidir, de facto e de direito.

C. E dos fundamentos de recurso da recorrente não se vislumbram argumentos ou razões que justifiquem uma valoração e sentido diferente do vertido na douta sentença recorrida.

D. Em suma, a decisão proferida, pelos fundamentos invocados pela recorrente, não é merecedora de qualquer juízo de reparo ou censura, tal qual a recorrente pretende ver declarado, não se verificando, por conseguinte, qualquer violação dos dispositivos legais aplicáveis.

E. Devendo, nessa medida, o presente recurso improceder in totum, pois não se verificam os fundamentos necessários ao seu mérito.»


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O recurso foi regularmente admitido e recebidos os autos neste tribunal, o Ministério Público, nos termos do art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

A recorrente pronunciou-se sobre o parecer reiterando as alegações do recurso.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT) e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

1 – o horário requerido pela trabalhadora não preenche os requisitos previstos pelo art.º 56.º do Código do Trabalho;

2 – o tribunal “a quo” errou na interpretação e aplicação dos arts. 56.º e 57.º do CT.


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Fundamentação de facto

Foram os seguintes os factos considerados provados em 1.ª instância, sem impugnação em sede de recurso:

- A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à importação, exportação, fabricação, compra e venda de todos os artigos dos ramos alimentar e não alimentar, assim como o comércio dos mesmos, podendo abrir estabelecimentos para a venda, por grosso ou a retalho, dos referidos artigos, e todas as operações inerentes à exploração de supermercados e outros estabelecimentos comerciais, incluindo restauração e takeaway.

- A Ré é trabalhadora da Autora desde 05 de março de 2021, através da celebração de contrato de trabalho sem termo, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de Operadora de Supermercado especializada.

- Desde o seu ingresso na Autora, a Ré foi designada para a secção de Caixas e Reposição, tendo recebido formação para tal.

- Para além da sua formação inicial em caixas e reposição, a Ré também recebeu formação em Frutaria e Verduras.

- O contrato de trabalho da autora tem o seguinte conteúdo: (dá-se por reproduzido, nesta parte, a transcrição integral do contrato que consta da sentença recorrida).

- Por necessidade da Autora, em maio de 2021, a Ré, iniciou a sua formação na secção da Frutaria e Verduras.

- A 5 de setembro de 2021, entre a Autora e a Ré foi celebrada uma Adenda de alteração ao Contrato de Trabalho, com o seguinte teor: (dá-se por reproduzido, nesta parte, a transcrição integral do contrato que consta da sentença recorrida).

- No pretérito dia 12 de janeiro de 2024, à Autora chegou um pedido de horário flexível, pelo qual a Ré pretendeu que lhe fosse atribuído um horário com início nunca antes das 08h00 e o seu termo nunca depois das 18h00, de segunda a sexta-feira, com isenção de prestação de trabalho aos sábados, domingos e feriados, até que a sua filha menor, BB, perfaça 12 anos de idade.

- A Autora respondeu à Ré, onde comunicou a sua intenção de recusa ao pedido apresentado, devidamente fundamentada.

- A Ré remeteu, por escrito, uma apreciação.

- A Autora, a dia 15 de fevereiro de 2024, remeteu para a CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego) um pedido para a emissão de parecer prévio à recusa de prestação de trabalho em regime de horário flexível solicitado pela trabalhadora AA.

- A dia 02 de abril de 2024, a Autora rececionou o Parecer n.º 318/CITE/2024, datado de 13 de março de 2024, emitindo parecer desfavorável à intenção de recusa da entidade patronal.

- A loja da Autora, onde trabalha a Ré, tem um horário de funcionamento das 9h às 21h30, no entanto o horário de laboração é das 5h às 23h, uma vez que é necessário preparar prévia e posteriormente a loja (reposição, organização e preparação de secções como frutaria, peixaria, picking, etc).

- A Loja em causa tem um total de 103 trabalhadores, 62 dos quais prestam trabalho a tempo completo e 41 a tempo parcial.

- Os trabalhadores a tempo completo trabalham em regime de turnos rotativos, das 5h às 14h e das 14h às 23h, entre segunda-feira a Domingo, com dois dias de descanso rotativos.

- E os trabalhadores a tempo parcial realizam vários horários entre as 05:00 e as 23h.

- Grande parte da preparação da loja ocorre antes da sua abertura e após o encerramento da mesma.

- Quando a loja encerra ao público, os trabalhadores realizam a reposição da loja, das 21h30 às 23h.

- É precisamente aos inícios do dia, finais de dia e aos finais de semana que existe maior fluxo de tarefas e clientes na loja e, em consequência, maior volume de trabalhos nesses dias.

- Existe uma maior necessidade de trabalhadores nos dias de feriado.

- Os feriados são dias que existe um grande volume de vendas, e por este motivo, no dia anterior, ao fim do dia, existe um volume maior de reposição de charcutaria, iogurtes, pratos preparados, congelados e entre outros.

- Por exemplo, no dia 30 de maio de 2024 – quinta-feira – é feriado, ou seja, na quarta-feira existe uma maior necessidade de reposição de iogurtes, pratos preparados, congelados, além de outros produtos, sendo que o número de trabalhadores indispensáveis será igual os imprescindíveis para uma sexta-feira.

- Também, às sextas-feiras existe um maior fluxo de clientes, que ocorre a partir das 17h30, entrando na loja, em média, mais 366 clientes do que, por exemplo, a uma quinta-feira-feira.

- Aos sábados o maior fluxo de vendas/clientes ocorre a partir das 17h00 e, em média, entram na loja mais 1539 clientes comparativamente a uma segunda-feira.

- Por uma questão de equidade e para não sobrecarregar operadores em prol de outros, a Autora elabora os horários de trabalho, por forma que todos os trabalhadores tenham, de forma periódica e rotativa, folga ao sábado e ao domingo.

- E, tal como sucede com os dias de descanso semanal, a Autora procura elaborar horários de trabalho por forma que todos os trabalhadores, a tempo completo e a tempo parcial, pratiquem “horários de fecho” de forma rotativa.

- A Ré desempenhava as suas funções, essencialmente, as suas funções na secção da fruta e legumes.

- A trabalhadora, apresentou baixa médica por gravidez de risco na data de 15/02/2023.

- Nessa sequência a trabalhadora esteve ausente das suas funções laborais até 03/02/2024, ou seja, praticamente um ano.

- Quando estava previsto a Ré regressar à sua atividade laboral, foi-lhe atribuído, apenas dois dias antes, pelo gerente de loja, CC, um horário compreendido entre as 05h00 e as 23h00.

- Tendo em conta os horários impostos, a Ré viu-se impossibilitada em deixar a sua filha menor na creche.

-A Ré, apresentou através de carta registada com AR, datada de 12 de janeiro de 2024, com um pedido de horário flexível.

- No dia 15/03/2024 a Ré, ao ser notificada da decisão do CITE, enviou mensagem ao coordenador, CC, a informar da decisão favorável do CITE.

- Foi atribuída à Ré a escala de horário do mês de abril, que contemplava trabalhar nos dias 6 e 7, 13 e 14, 20 e 21 e 27 e 28, sendo todos estes dias sábados e domingos.

- Através de e-mail, a Entidade Empregadora, enviou à Ré pelas 21h15 nesse mesmo dia uma comunicação com o seguinte carácter: “Na sequência dos factos ocorridos no dia de hoje e devido à gravidade dos mesmos, informamos que empresa irá analisá-los, sob o ponto de vista disciplinar. Mais informamos que iremos agir judicialmente, quanto à matéria respeitante ao horário flexível. Por fim, vimos juntar o seu horário de trabalho, sendo o mesmo atribuído de forma provisória e que se deverá iniciar no dia de amanhã”.

- Tendo-lhe sido atribuídas de forma provisória as folgas aos fins-de-semana.

- Antecipadamente, e uma vez que a sua filha menor dependia da trabalhadora, a mesma, tratou de a matricular na creche “...” que pratica o horário das 7h30 às 18h30 de segunda a sexta-feira, a fim de cumprir com as suas obrigações laborais.

- Nesse sentido, a Aqui Ré, não poderia cumprir tal horário, tendo feito o pedido de isenção de trabalho noturno a fim de assegurar os horários escolares da menor.

- Sucede que pese embora a creche assegurasse a estadia da menor durante a semana, tal não acontecia, aos fins-de-semana e feriados.


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Apreciação

O conflito subjacente ao presente recurso é relativo ao pedido de atribuição de horário flexível apresentado pela ré à autora e que esta recusou, no que aqui interessa, por considerar que o que o horário pretendido é um horário fixo, que a trabalhadora não tem o direito de determinar unilateralmente os dias de descanso e folgas e que o horário pretendido é incompatível com a dinâmica de funcionamento da empresa, fundamentos que reiterou nesta sede.

No art.º 56.º o CT concretizou os princípios constitucionais de proteção dos direitos dos trabalhadores, da família, da paternidade e da maternidade, nas aceções constantes, respetivamente, dos arts. 59.º, nº 1, al. b), 67.º, nº 1 e 68.º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) ao consagrar que “O trabalhador com filho menor de 12 anos, ou independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos”, estando também em conformidade com o art.º 33.º n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que prevê igualmente a proteção da família nos planos jurídico, económico e social.

Aquele preceito do CT, dá ainda concretização ao que dispõe o art.º 33.º, n.º 1 do CT, segundo o qual: «1. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes. 2. Os trabalhadores têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação ao exercício da parentalidade.» e o art.º 35.º, n.º 1, al. q) do mesmo Código, segundo o qual «1. A proteção na parentalidade concretiza-se através da atribuição dos seguintes direitos: (…) q) Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares.»

O exercício do direito consagrado pelo referido art.º 56.º e correspondente obrigação no que respeita à flexibilidade de horário, veio a ser regulamentado no art.º 57.º do mesmo Código e depende do reconhecimento pelo empregador, que apenas se lhe pode opor - considerando as razões que lhe estão na base, que se reconduzem afinal ao reconhecimento do direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar, a que igualmente aludem os arts. 127.º, nº 3 e 212.º, nº 2, al. b) do CT - invocando exigências imperiosas ligadas ao funcionamento da empresa ou serviço ou a impossibilidade de substituir o trabalhador se este foi indispensável, conforme resulta do nº 2 da citada disposição legal.

Querendo exercer tal direito, o trabalhador deve solicitá-lo por escrito ao empregador, com a antecedência mínima de 30 dias e com os seguintes elementos: indicação do prazo previsto dentro do limite aplicável e declaração da qual conste que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação, o que a recorrida cumpriu e não vem questionado.

A recorrida, no requerimento que dirigiu à recorrente, solicitou a aplicação do regime de horário flexível pretendendo trabalhar no período das 8h às 18h de segunda a sexta feira, com isenção de prestação de trabalho aos sábados, domingos e feriados, até que a sua filha menor perfaça 12 anos de idade.

A recorrente não põe em causa, que a trabalhadora se encontra nas circunstâncias que permitem a aplicação do regime de horário flexível previstas pelo art.º 56.º, n.º 1 do Código do Trabalho (doravante CT), nem o cumprimento do formalismo relativo ao pedido de atribuição de horário flexível, o qual, efetivamente se mostra cumprido.

Alega, contudo, que o horário pretendido pela recorrida não é um verdadeiro horário flexível porque não deixa margem à empregadora para fixar o horário.

Sobre as questões suscitadas nos autos, pronunciámo-nos já no acórdão desta Relação de 18/11/2024, proferido no processo n.º 4261/23.9T8VLG, acessível em www.dgsi.pt, que seguiremos de perto.

Entende-se por flexibilidade de horário de acordo com o art.º 56º, nº 2 do CT, aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, a que se referem os n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, sendo este o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia (cfr. art.º 198.º do CT).

O facto de o trabalhador poder escolher as horas de início e termo do período normal de trabalho, não significa que é o trabalhador que impõe ao empregador um concreto horário. Na verdade, o regime do horário flexível não elimina o poder do empregador de determinar o horário (art.º 212.º, nº 1 e art.º 56.º, n.º 3, ambos do CT), apenas impõe que tal determinação fique, em concreto, sujeita aos limites que possibilitem a conciliação da vida profissional com a vida familiar do trabalhador. O que se impõe ao empregador é afinal o cumprimento dos comandos dos arts. 127.º, n.º 3 e 212.º, n.º 2, al. b), ambos do CT.

Por outro lado, a circunstância de o trabalhador indicar as horas de início e termo da prestação de trabalho, apenas significa a indicação ao empregador dos limites em que a prestação de trabalho lhe permite a conciliação com a vida familiar e as responsabilidades parentais[1], impondo-se ao empregador elaborar o horário tendo em atenção a sugestão do trabalhador.

Ora, os limites horários indicados pela recorrida (das 8h às 18h) não configuram um pedido de atribuição de um horário fixo, no sentido que lhe é dado pela recorrente, já que, ainda que de forma limitada, a mesma conserva o poder de elaboração do horário, ou seja, o poder de fixar os períodos de presença obrigatória e a sua duração, de determinar os períodos de início e termo do período normal de trabalho diário e estabelecer o período de intervalo de descanso, podendo a recorrida efetuar até seis horas consecutivas de trabalho e até 10h de trabalho em cada dia, cumprindo o período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas, tudo em conformidade com o previsto pelo art.º 56.º, n.º 3 e 4 do CT.

A indicação feita pela recorrida das horas de início e termo do período normal de trabalho está, pois, contida na noção de horário de trabalho flexível, não procedendo o argumento da recorrente para a sua recusa, de que o horário indicado não constitui um pedido de atribuição de horário flexível.

Na mesma linha de raciocínio, não procede também o argumento de que o horário flexível não comporta a possibilidade de fixação dos dias de descanso semanal a pedido do trabalhador.

A questão tem vindo a ser tratada em diversos arestos dos tribunais superiores e não sendo unânime, é pelo menos largamente maioritária, a posição do Supremo Tribunal de Justiça segundo a qual o horário flexível, sendo antes de mais um horário de trabalho, permite ao trabalhador no seu pedido, precisar quais os seus dias de descanso, incluindo o sábado e o domingo[2].

Não vemos motivo para discordar de tal entendimento, que de resto foi também perfilhado pela 1.ª instância e que já subscrevemos como adjunta, no Ac. RL de 05/06/2024[3].

De facto, tal como se afirma no Ac. do STJ de 17/03/2022 «Importa, contudo, ter presente que a montante da definição de horário flexível está a definição do que seja um horário de trabalho. Ora, nos termos do artigo 200.º n.º 1 do CT “entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal”, sendo que, como esclarece o n.º 2 do artigo 200.º do CT, “o horário de trabalho delimita o período normal de trabalho diário e semanal”. O horário flexível é um horário de trabalho pelo que bem pode a trabalhadora, no seu pedido, precisar que pretende que os seus dias de descanso sejam (…) o sábado e o domingo.»

No caso concreto, a trabalhadora estava sujeita à rotatividade de horários, dentro do período de funcionamento do estabelecimento (das 5h às 23h) distribuídos em turnos das 5h às 14h e das 14h às 23h, de segunda a domingo, com dois dias de descanso rotativos e a atribuição do horário flexível tal como requerido (dentro do período das 8h às 18h de segunda a sexta feira) implica a sua subtração, pelo menos em parte, a tal regime.

Nem assim, se pode concluir no sentido pretendido pela recorrente, ou seja, no de que o regime do horário flexível não permite ao trabalhador indicar os dias de descanso.

Na verdade, o intérprete não pode e não deve ignorar que constitui prescrição constitucional “permitir e promover a conciliação da actividade profissional com a vida familiar” e que como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira: “A conciliação da actividade profissional com a vida familiar impõe a concertação de várias políticas sectoriais e a possibilidade, se não mesmo a obrigação, de discriminações positivas a favor da família, (…), com a institucionalização de horários de trabalho flexíveis”.

Ora, ainda que o regime de horário flexível consagrado pelo CT pareça estar vocacionado para os horários em que o trabalho é desenvolvido durante os dias úteis, em regime diurno, e em que o descanso coincide com o fim-de-semana, não é menos certo que, interpretar tal regime no sentido restritivo propugnado pela recorrente, deixaria de fora do seu âmbito de aplicação os, cada vez mais, trabalhadores com horários essencialmente noturnos e os dos turnos rotativos e que têm o seu descanso obrigatório e complementar em dias desencontrados da semana, que, as mais das vezes não coincidem com o sábado e o domingo, importando referir ainda que as creches e os jardins-de-infância onde tais progenitores podem deixar os seus filhos durante as suas jornadas de trabalho não funcionam, por sistema aos sábados, domingos e feriados, nem em horários compatíveis com a prestação de trabalho noturno[4], como ficou, de resto demonstrado suceder no caso em pareço.

Por isso, a interpretação do art.º 56.º do CT que permite não esvaziar de conteúdo útil a sua previsão, nos casos em que as necessidades familiares a salvaguardar determinem a necessidade de não trabalhar aos fins de semana e feriados e que, consequentemente, permite a conformidade constitucional da mesma com as normas dos arts. 59.º, n.º 1, al. b) e 67.º, n.º 2, al. h) da CRP é a que não exclui a inclusão do descanso semanal e feriados no regime de flexibilidade do horário de trabalho.

Assim, será um horário flexível para os efeitos em causa, todo aquele que possibilite a conciliação da vida profissional com a vida familiar de trabalhador com filhos menores de 12 anos, ainda que tal horário, uma vez definido, na sua execução seja fixo, podendo o trabalhador solicitar a atribuição de determinado horário precisando quais os seus dias de descanso, incluindo o sábado e o domingos e feriados.

Improcede, pois, o recurso, nesta parte.


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A recorrente, para o caso da improcedência da sua principal pretensão, como concluímos ser o caso, invocou a verificação de exigências imperiosas do funcionamento da empresa.

O artigo 57.º do Código do Trabalho, ao regulamentar o exercício do direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, prevê que o empregador apenas se lhe pode opor invocando exigências imperiosas relacionadas com o funcionamento da empresa ou serviço (ou a impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável, o que não está em causa nos autos), conforme resulta do n.º 2 da referida disposição legal, estabelecendo assim uma limitação aos poderes diretivos daquele consagrados no artigo 97.º do CT e concretizados, quanto à determinação do horário de trabalho no art.º 212.º, n.º 1 do mesmo código.

Daqui decorre que, o legislador ordinário, no confronto do direito constitucional dos trabalhadores à proteção da família, da paternidade e da maternidade com o direito, igualmente constitucional, dos empregadores à liberdade de iniciativa económica e de organização empresarial (arts. 61.º e 80.º, n.º 1, al. c) da CRP), fez desde logo uma opção de sobrevalorização daqueles em detrimento deste, limitando as situações em que o direito económico se sobrepõe ao direito social, àquelas em que se verifiquem as mencionadas exigências imperiosas.

Assim, perante o conflito de direitos do empregador e do trabalhador, a lei prevê a restrição do direito do empregador a determinar o horário de trabalho, o que implica uma certa compressão do direito à livre iniciativa económica privada da recorrida, que não pode, porém, comprometer o funcionamento da empresa.

Isto é, na colisão entre aqueles direitos igualmente consagrados na CRP, o legislador definiu, desde logo, que o direito do trabalhador com filho menor de 12 anos, apenas cede em prol do direito do empregador, perante circunstâncias particularmente gravosas.

Por isso, as exigências imperiosas a que se refere o art.º 57.º, n.º 2 do CT não se exprimem na maior ou menor dificuldade de organização da atividade da empresa ou no maior ou menor encargo para o empregador perante a necessária gestão do respetivo quadro de pessoal[5], só podendo ser consideradas imperiosas as exigências extraordinárias, excecionais[6].

Acresce que a verificação das exigências imperiosas tem de ser apreciada por referência ao caso concreto e nesse contexto, importa perceber se existe alguma situação de colisão de direitos a resolver nos termos do art.º 335.º do Código Civil.

De facto, a colisão entre os direitos da trabalhadora recorrida à proteção da família e à conciliação entre a vida profissional e pessoal, por um lado, e iguais direitos de outros colegas de trabalho, por outro, a resolver nos termos do art.º 335.º do Código Civil, poderá, em determinados casos, relevar enquanto exigência imperiosa do funcionamento da empresa e, como tal, constituir motivo para a recusa do pedido de flexibilidade.

É evidente a relevância dos interesses da recorrente de preservação da sua rentabilidade económica, bem como a necessidade, para o conseguir, de dispor dos seus trabalhadores, reforçando a presença de trabalhadores nos horários de maiores vendas e de mais trabalho.

Do alegado pela recorrente com relevo para apreciação da questão apenas se provou (sem impugnação) que a loja da recorrente onde trabalha a recorrida, tem um horário de funcionamento das 9h às 21h30, sendo o horário de laboração das 5h às 23h, uma vez que é necessário preparar prévia e posteriormente a loja (reposição, organização e preparação de secções como frutaria, peixaria, picking, etc).

A Loja em causa tem um total de 103 trabalhadores, 62 dos quais prestam trabalho a tempo completo, como acontecia com a recorrida, e 41 a tempo parcial, trabalhando os primeiros em regime de turnos rotativos, das 5h às 14h e das 14h às 23h, entre segunda-feira a domingo, com dois dias de descanso rotativos e realizam os segundos vários horários entre as 5h e as 23h.

Grande parte da preparação da loja ocorre antes da sua abertura e após o encerramento da mesma e é quando a loja encerra ao público, que os trabalhadores realizam a reposição da loja, das 21h30 às 23h, pelo que é precisamente aos inícios e finais de dia que existe maior fluxo de tarefas, o que ocorre também aos finais de semana e feriados, dias em que é acrescido o volume de clientes na loja e, em consequência, maior volume de trabalho.

Provou-se também que os feriados são dias em que existe um grande volume de vendas, e por este motivo, no dia anterior, ao fim do dia, existe um volume maior de reposição de charcutaria, iogurtes, pratos preparados, congelados e entre outros.

Também, às sextas-feiras existe um maior fluxo de clientes, que ocorre a partir das 17h30, entrando na loja, em média, mais 366 clientes do que, por exemplo, a uma quinta-feira-feira. Aos sábados o maior fluxo de vendas/clientes ocorre a partir das 17h00 e, em média, entram na loja mais 1539 clientes comparativamente a uma segunda-feira.

Por uma questão de equidade e para não sobrecarregar operadores em prol de outros, a recorrente elabora os horários de trabalho, por forma que todos os trabalhadores tenham, de forma periódica e rotativa, folga ao sábado e ao domingo e, tal como sucede com os dias de descanso semanal, a mesma procura elaborar horários de trabalho por forma que todos os trabalhadores, a tempo completo e a tempo parcial, pratiquem “horários de fecho” de forma rotativa.

Deste acervo factual não resulta porém, que os interesses que a recorrente pretende salvaguardar não possam ser satisfeitos apesar do reconhecimento à recorrida da flexibilidade de horário nos termos por esta requeridos.

É verdade que os dias e horários de maior afluência de clientes à loja e de maior trabalho se concentram em períodos não abrangidos pelos limites horários indicados pela recorrida, mas essa circunstância, por si só, não permite concluir que a ausência da recorrida nesses períodos ponha em causa de forma relevante, o funcionamento da recorrente (nem sequer que pusesse em causa o funcionamento da secção de frutaria na qual a recorrida desempenha o essencial das suas funções).

Na verdade, não se provou qualquer consequência concreta decorrente da atribuição à recorrida do horário flexível, desconhecendo-se qual o impacto efetivo que tal teria, por exemplo, na rentabilidade da loja, designadamente se a reorganização dos horários que tal poderia implicar, diminuiria a produtividade da loja de forma a comprometer o seu desempenho. Desconhece-se também o concreto impacto que o reconhecimento pela recorrente do direito da recorrida teria na organização dos horários dos restantes colaboradores, já que se ignoram os concretos horários por aqueles cumpridos, em cada momento, nomeadamente daqueles que trabalham a tempo parcial (não se demonstrou que os mesmos trabalhassem em horários que não pudesse complementar o da recorrida), designadamente se ocorreria alguma compressão do direito destes à conciliação da vida familiar coma vida profissional, ou de outro direito relevante, ainda que se admita a maior onerosidade do trabalho aos fins-de-semana e feriados.

Não resulta, nem foi alegado, que dos 103 trabalhadores da recorrente qualquer outro beneficiasse do regime de flexibilidade de horário ou de qualquer outra prerrogativa que pudesse inviabilizar a reorganização dos horários em consequência da alteração do horário da recorrida, de modo a responder às necessidades da loja, não estando configurada qualquer situação de colisão de direitos a resolver nos termos do art.º 335.º do Código Civil.

De todo o modo, sempre estaria na disponibilidade da recorrente ajustar o número de trabalhadores ao seu serviço, não apenas ao volume de vendas e às tarefas a cumprir em cada momento, mas também às condicionantes inerentes à prestação da atividade pelos seus trabalhadores, sejam licenças parentais, horários flexíveis, incapacidades temporárias ou outras cuja salvaguarda se lhe impõe.

Acresce que a preocupação da recorrente em organizar de forma equitativa os horários dos seus trabalhadores (que constitui, de resto, sua obrigação) e a eventual a dificuldade de conciliação dos horários de todos os trabalhadores de modo a perfazer um número mínimo de trabalhadores na loja em cada momento (que a recorrente também não demonstrou), não equivalem à impossibilidade de o conseguir, no caso de a recorrida passar a beneficiar do horário dentro dos limites que solicitou.

Não podemos ainda deixar de reiterar o teor da sentença recorrida quando nela se afirma que “Mal estaríamos se o funcionamento normal de um supermercado fosse colocado em causa devido à ausência de uma trabalhadora (…)”.

E acrescentamos nós, mal estaria a recorrente se, tendo 103 trabalhadores aos seu serviço, a ausência da recorrida apenas durante determinados períodos de trabalho, e em determinados dias, fosse suficiente para pôr em perigo o seu cabal funcionamento. De resto, não são conhecidas, nem foram invocadas nos autos, quaisquer consequências que tenham resultado da ausência da recorrida a todo o trabalho, todos os dias, durante quase um ano (desde 15/02/2023 até 03/02/2024), como ficou provado.

Conclui-se, pois, que os factos demonstrados relativos às organização da recorrente não podem ser configuradas juridicamente como impeditivos, de uma forma estrutural, grave, incontornável e socialmente inexigível, da normal e regular atividade da empresa, de forma a que seja legítima a sua qualificação como necessidades imperiosas da empresa e, nessa medida, obstar ao reconhecimento do horário nos termos requeridos pela recorrida.

Consequentemente, improcede o recurso na totalidade.


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Nos termos do disposto pelo art.º 527.º do CPC, tendo a recorrente decaído integralmente no recurso, são da sua responsabilidade as custas do recurso.


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Decisão

Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso improcedente, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.


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Notifique.

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Porto, 17/03/2025

Maria Luzia Carvalho (Relatora)

Germana Ferreira Lopes (1.ª Adjunta)

António Luís Carvalhão (2.º Adjunto)


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[1] A este respeito veja-se o Ac. do STJ de 28/10/2020, processo n.º 3582/19.0T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[2]Acs. do STJ de 12/10/2022, proc. n.º 423/20.9T8BRR.L1.S1, de 22/06/2022, proc. n.º 3425/19.4T8VLG.P1.S1 e de 17/03/2022, proc. n.º 17071/19.9T8SNT. L1. S1, todos respeitantes a processos relativos a trabalhadores da aqui recorrente, acessíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, vejam-se ainda os Ac. da RP de 15/11/2021, proc. 2731/20.0T8MAI.P1, de 15/12/2021, proc. n.º 3425/19.4T8VLG.P1 (confirmado pelo citado Ac. do STJ de 12/10/2022) e de 03/10/2022, proc. n.º 8273/22.1T8PRT.P1, todos acessíveis no local supra identificado.
[3] Proc. n.º 1993/23.5T8PDL.L1-A, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Ac. do STJ de 03/07/2024, processo n.º 2133/21.0T8VCT.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Ac. da RP de 18/035/2020, proc. N.º 9430/18.0T8VNG.P1, Ac. RP de 02/03/2017, proc. n.º 2608/16.3T8MTS.P1, acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] Ac. da RE de 11/07/2019, Processo n.º 3824/18.9T8STB.E1, acessível em www.dgsi.pt.