EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
INEXISTÊNCIA DE PLURALIDADE DE POSTOS DE TRABALHO COM CONTEÚDO FUNCIONAL IDÊNTICO / CRITÉRIOS DE SELEÇÃO ELENCADOS NAS ALÍNEAS A) A E) DO N.º 2 DO ARTIGO 368º DO CT.
MORA DO CREDOR
Sumário

I - Da análise do corpo e das conclusões do recurso de apelação, verifica-se que o Recorrente indica os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
II - O Recorrente impugna a factualidade em dois grupos, a saber: sejam adicionados à factualidade provada os factos constantes das conclusões 6); 14); 15); 16); 20), 22); 27); e 28); seja considerado como não provado, parcialmente, o facto provado na conclusão 18) (funções de mera contabilidade) e, na sua totalidade, os factos provados nas conclusões 24), 25), 26) e 27).
III - O conjunto dos factos provados denota a existência de uma crise empresarial por motivos de mercado (agravada pela pandemia e forte dependência ao mercado angolano), e são reveladores de uma nova reorientação estratégica da empresa (adjudicação das concretas funções que estavam entregues ao Recorrente a uma terceira entidade, a título de prestação de serviço).
IV - Sendo o Recorrente o único Diretor Financeiro da Recorrida, e não inexistindo uma pluralidade de postos de trabalho com conteúdo funcional idêntico, a empregadora não tinha a obrigação, aquando da extinção do posto de trabalho, de seguir os critérios de seleção relevantes e não discriminatórios elencados nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 368.º.
V - A mera presença de um mesmo sócio-gerente em várias sociedades não é, per se, suficiente para que estas sejam consideradas coligadas.
VI - Não existem elementos factuais que permitam concluir que, para além, da relação de simples participação entre as duas sociedades angolanas e a portuguesa, exista uma relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo.
VII - A falta de cooperação do credor com motivo justificativo não conduz à mora do credor (artigo 813.º do Código Civil). Por outro lado, também não há mora do devedor, porque o cumprimento é impedido apenas pela falta de aceitação ou cooperação do credor, sem qualquer culpa do devedor. Tratar-se-á de um caso de inadimplência objetiva, omisso na lei, pelo que, por analogia, é de aplicar o n.º 2, do artigo 814.º, do Código Civil:

Texto Integral

Processo n.º 11197/20.3T8PRT-P1

(secção social)

Relatora: Juíza Desembargadora Sílvia Gil Saraiva

Adjuntas: Juíza Desembargadora Rita Romeira

Juiz Desembargador António Luís Carvalhão


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Recorrente: AA

Recorrida: “A..., Lda.”


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Sumário:

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(Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)


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Acordam os Juízes subscritores deste acórdão da quarta secção, social, do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO:

AA (trabalhador), preencheu o formulário a que alude os artigos 98.º-C, e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho, contra “A..., Lda.” (empregadora), dando início à presente ação de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento, pedindo que seja declarado ilícito o despedimento de que foi alvo com as legais consequências.

Realizada a audiência de partes não foi possível alcançar uma solução consensual para a causa, tendo o processo prosseguido com a apresentação do articulado motivador de despedimento pela empregadora e a junção dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas.

No articulado, a empregadora alega, em síntese, que as dificuldades económicas sentidas na sua atividade comercial, decorrentes da pandemia desde o início de 2020, justificaram a extinção do posto de trabalho do Autor.

O trabalhador contestou, alegando, resumidamente, o seguinte:

- Trabalhar para várias empresas do grupo, bem como para o seu Administrador e titular da maioria das participações sociais de cada uma – Sr. BB.

- Existência de uma relação de domínio entre as referidas sociedades.

- Inexistência de impacto económico-financeiro negativo na empresa devido ao confinamento.

- Sucessiva retirada de funções ao Autor, nomeadamente a viatura da empresa e inconsistência na implementação do regime de teletrabalho.

- Atribuição das suas funções ao funcionário CC, que trabalha para a empresa B..., Lda.

- Inexistência de nexo causal entre os alegados motivos de mercado e a necessidade do despedimento.

- Ausência de fundamentação quanto à escolha do Autor como o funcionário visado para o despedimento.

Formulou ainda pedido reconvencional, requerendo a condenação da empregadora:

- No reconhecimento de que a sua retribuição mensal é de 1.914,60 € e de que o vínculo laboral se iniciou em 01.01.2015;

- Na declaração de ilicitude do seu despedimento;

- No pagamento de 200,00 € a título de ajudas de custo retiradas em abril e maio de 2020;

- No pagamento de 10.530,30 € a título de compensação pelo despedimento sem justa causa;

- No pagamento de, pelo menos, 7.500,00 € a título de danos não patrimoniais, pelo sofrimento vivenciado;

- No pagamento de 8.615,70 € a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal e respetivos proporcionais de 2020, considerando a retribuição mensal de 1.914,60 €;

- No pagamento de 13.880,85 € referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, desde o início do vínculo em 01.01.2015 até junho de 2017.

- No pagamento de 30.677,40 € correspondente às diferenças salariais mensais (deduzindo o valor recebido em prestação de serviços) entre janeiro de 2015 e junho de 2017.

Na resposta à reconvenção, a empregadora reiterou, resumidamente, os factos justificativos da extinção do posto de trabalho e admitiu a existência de créditos laborais no valor de 3.559,82 € e de compensação pela extinção do posto de trabalho no valor de 2.067,69 €, valores estes que o Autor não aceitou receber.

Elaborado o despacho saneador, foi designada tentativa de conciliação em 2.02.2021 e, posteriormente, designou-se data para a realização de audiência prévia em 2.12.2021.

Seguiu-se novo despacho saneador, com a indicação da factualidade provada e dos temas da prova (ref.ª 429939399.º Citius), determinando-se a realização de perícia singular (o respetivo relatório foi junto aos autos em 29.09.2022).

Realizada segunda perícia, o relatório foi junto aos autos em 8.11.2023.

Após a realização da Audiência Final em várias sessões (nos dias 8.02.2024; 12.03.2024; 13.03.2024; 21.03.2024; 15.04.2024; 10.05.2024 e 11.07.2024), foi proferida sentença em 5.09.2024, com o seguinte dispositivo:

«Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e em consequência, condena-se a aqui demandada a pagar ao A. a quantia total de € 8.998,62 (oito mil novecentos e noventa e oito euros e sessenta e dois cêntimos) a título de créditos laborais e de compensação pela extinção do seu posto de trabalho ocorrida em 01/07/2020, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data da citação, até integral pagamento.

Fixa-se à ação o valor de € 167.283,55.

Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento.

Registe e notifique.» (Fim da transcrição)

O Autor/trabalhador interpôs recurso de apelação da sentença, visando a sua revogação.

Termina as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1 - O caso sub judice, devido às contingências específicas onde se insere, cremos que não se poderá efetuar uma análise do mesmo sem cuidar de o contextualizar e percecionar na realidade do dia a dia em que esta prestação laboral se desenvolveu;

2 - tal questão revela a angular pertinência da integração da relação laboral in casu, com as demais relações laborais (ou meras prestações de serviços, na tese da Recorrida) com várias entidades patronais, mas em que todas se reconduzem a sociedades coligadas, com participações recíprocas e em relação de domínio, art.º 483º e ss. do C.S.C. – contudo não constituídas em grupo nos termos do art.º 488º e ss. do Cód. Soc. Comerciais;

3 – O Grupo A..., como o próprio sócio-gerente da R. designa, conforme adiante se demonstrará, integra duas empresas em Portugal, a R. e a C..., S.A. – com a qual o A. detinha vínculo de natureza laboral bem como as seguintes empresas de direito angolano: - A..., Lda. – com a qual o A. detinha contrato de prestação de serviços – B..., Lda., NIPC ...88 – com a qual o A. também detinha contrato de prestação de serviços – facto provado n.º 30; - D..., Lda.; E..., Lda.; F... Lda., e G..., Lda.;

4 - O conjunto destas empresas é deliberadamente designado por trabalhadores, colaboradores e fornecedores, como Grupo A...; refira-se que A... é quase o acrónimo do sobrenome do acionista e/ou sócio maioritário e administrador e/ou gerente de TODAS ELAS sem exceção, o Sr. BB, isto é, a designação do conjunto destas oito empresas é o reflexo do seu próprio dono;

5 - E, se dúvidas houvesse, elas ficarão esclarecidas com um único elemento, entre outros, as declarações do próprio sócio-gerente da R, BB, prestadas no dia 10 de maio, entre as 14:49h e as 16:05h;

6 – São também pertinentes os depoimentos do que então foi nomeado ROC da R., DD, com depoimento prestado no dia 12/03/2024 entre as 14:20h e as 16:15h, também EE, vide depoimento prestado no dia 13/03/2024, entre as 09:59h e as 10:36h, min. 02:00 a 03:30, descrevendo a forma de funcionamento do grupo em que a aqui R. é fonte de todas as exportações para as empresas do grupo em Angola – min. 23:00 a 24:00; min. 26:30 a 30:00 onde sublinha que o Grupo tem um único administrador, o Sr. BB, ou entre os min. 31:00 a 32:00 em que define a R. como a empresa trading para as empresas do Grupo. Sendo impressiva a forma como FF, que era funcionário administrativo da R., com depoimento prestado no dia 15/04/2024, entre as 15:42h e as 16:45h, que continuou no dia 10/05/2024, entre as 09:56h e 10:39h, refere no primeiro dia do depoimento que para nós o Grupo era a A... (min. 03:50 a 08:00), nunca fiz a separação para quem trabalhava, era sempre para o Grupo (min. 10:50 a 11:50; min. 20:30 a 23:00) e clarifica com a própria existência do nome de domínio comum a todos os colaboradores das empresas do grupo, fosse em Portugal ou em Angola @... (min. 29:00 a 30:40);

6 – Terá pois que se considerar como provado que A R. não é uma empresa isolada, já que está integrada no designado Grupo A..., que se compõe em Portugal, da R., e de outra empresa associada – C..., S.A., a qual (a R.) coopera com as empresas suas associadas Angolanas, A..., Lda; B..., Lda.; D..., Lda.; E..., Lda.; F... Lda., e G..., Lda., reportando todas estas empresas a BB.

7 – Por outro lado, demonstrou-se que já anteriormente à assinatura do contrato de trabalho com a R., o A. trabalhava para ela a soldo da quantia mensal de 300,00 €, conforme primeiro e último recibo dessa pretensa prestação de serviços (doc. n.º 35 e 36 juntos com o indicado articulado do A.), sendo que tal prestação ocorreu nos escritórios da R., na Av.ª ... no Porto - tal facto está admitido por acordo, e não foi contraditado pela R., apesar do facto de a sentença proferida pelo Tribunal a quo, sobre tal facto não tecer qualquer comentário. Pelo contrário, na Contestação da R. ao invocado articulado do A. é dito que no item 272. que Remunerações essas pagas doze vezes por ano;

8 – O mesmo se diga quanto ao local de trabalho, também o sóciogerente da R., no seu depoimento, de dia 10/05/2024, refere que o A. pediu para transitar do escritório de ... para o da ... onde ainda se encontra hoje, o que a R. por intermédio do seu sócio-gerente, o depoente, acedeu, mas, meramente, na qualidade de avençado. Reiterando posteriormente que transitou para a ..., juntamente com os outros funcionários – min. 11:30 a 12:00 – situação que se manteve até 2017 – min. 14:50 a 15:30.

9 – Facto confirmado pelo seu colega de trabalho FF, já também citado, com depoimentos prestados no dia 15/04/2024, entre as 15:42h e as 16:45h, e no dia 10/05/2024, entre as 09:56h e 10:39h, em que entre os min. 01:30 e 03:50 do dia 15/04, refere que o A. começou a trabalhar todo o dia nos escritórios da R., quando mudaram para a ..., e que manteve sempre as suas funções até 2020 – min. 34:00 a 37:00.; e bem assim pela testemunha GG, que prestou depoimento no dia 07/06/2026, entre as 09:58h e 10:48h;

10 - Por seu lado a já indicada testemunha FF, declarou no seu depoimento de 15/04/2024, entre os min. 02.00 e 04:00 que começou a trabalhar com o A. a partir do momento em que passaram para os escritórios da R. na ..., nos inícios do ano de 2015, e que este trabalhava a tempo inteiro, das 09:00h às 06:00h, sendo que interpelado sobre se cumpriam um horário de trabalho, confirmou que sim, e que quem o estipulava era o Sr. BB. Esclarecendo, entre os min. 34:00 a 37:00 que as funções que o A. desempenhava não sofreram alterações desde aí – inícios de 2015 – até 2020.

11 - Ora, os exposto nas conclusões 7 a 10, determinam, salvo melhor opinião que opere a presunção de laboralidade, do art.º 12º do CT, por a atividade do A. ter sido realizada em local pertencente à R.; observava horas de início e de termo da prestação, determinadas pela R.; e foi paga pela R., com periodicidade mensal, a quantia de 300,00 €, como contrapartida pelo trabalho do A.;

12 – No sentido de que bastará a verificação de 2 dos critérios previsto no art.º 12º do C.T. vide Ac. RP de 28-11-2022, Proc.º 27347/18.7T8PRT.P1; Ac. RP de 14-02-2022, proc.º 416/20.6T8VLG.P1 - Desembargador António Luís Carvalhão, AC STJ de 08-10-2015, proc.º 292/13.5TTCLD.C1.S1 - Conselheira Ana Luísa Geraldes e de 12-10-2017, proc.º 1333/14.4TTLSB.L2.S2 - Conselheiro Gonçalves Rocha.

13 - Assim sendo, cumprirá declarar-se o início da relação laboral entre A. e R., em janeiro de 2015, até junho de 2020, e, subsequentemente, ser reconhecido o direito do A. a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, correspondentes a 2 anos e 4 meses;

14 - Assim e atendendo aos elementos probatórios supra invocados deverá ser considerado provado que: “- O A. desde Janeiro de 2015 até Abril de 2020, data a partir da qual passou trabalhar a tempo inteiro, exercendo as mesmas funções de Diretor Financeiro, no escritório da R., sito na Av.ª ..., no Porto, com horário de trabalho das 09.00 h às 18:00h, recebendo mensalmente o valor de 300,00 €.” e ainda que,

15- “- O A. entrou ao serviço da R., no dia 01 de janeiro de 2015. A partir de tal data, exerceu as funções que vem exercendo até hoje, para todas as empresas do grupo.”

16 – Também, entre outros elementos probatórios por a própria R. ter confessado, vide item 58º do seu articulado de resposta à Contestação do A., terá de ser dado como provado que: “O A. também detinha vínculo laboral com a outra empresa do grupo – C..., S.A.”

17 - Atenta a tese expendida pela R. de que a extinção do posto de trabalho do A., foi um ato eminentemente de gestão, assume relevante interesse instrumental caracterizar, com exatidão, a vastidão das funções do A. e as entidades para quem trabalhava;

18 – Atendendo às declarações do sócio-gerente da R., o Sr. BB, prestadas no dia 10 de Maio, entre as 14:31h e as 14:48h, min 01:00 a 02:30, min. 05:00 a 05:40 e entre as 14:49h e as 16:05h, min. 17:00 a 19:30, onde refere que o A. refere que desde 2011 o A. presta serviços de contabilidade a si e à sua família, que terminaram somente em Junho de 2020, e pelos quais sempre pagou 250,00 € mensalmente;

19 - Acresce que no doc. n.º 6 junto com a providência cautelar, e também junto como doc. n.º 3 com a Contestação do A. ao articulado motivador da R., que se reconduz à resposta que o sócio-gerente da A., enviou em 20/04/2020 à interpelação efetuada pelo A. (reagindo ao corte salarial que estava a ser proposto), documento não impugnado – e sobre o qual o mesmo se pronuncia, confirmando-o, no seu referido depoimento de 10/05, entre as 14:49h e as 16:05h, min. 20:30 a 23:00 – onde escreve: “(…) devo recordar-lhe que o seu salário é proveniente de quatro fontes, sendo elas: a A...; a C..., S.A., a B... e BB (…)”;

20 - Assim, deverá ser dado como provado que: - O A. também trabalhou, desde o ano de 2011 - vínculo este não titulado por via de qualquer contrato - para o sócio-gerente e administrador de todas as empresas do Grupo A... – BB do conjunto das 7 empresas, a que acresce o universo do património particular do sócio-gerente, BB;”

21 – Por outro lado a sentença dá relevância ao depoimento da testemunha DD, na definição das tarefas do A., todavia tal entendimento colide com os factos, ou seja como é possível referir no seu depoimento, min. 02:00 a 03:00, que iniciou o seu trabalho em Junho de 2020, quando terá conhecido a R. pela primeira vez, também em Junho de 2020 min. 09.30 a 10:30. Ora, em Junho de 2020 já todo o processo de retirada de funções ao A. já há muito estava em marcha;

22 – A que acresce, para além de outros factos acima aludidos que o A. a partir de início de Junho não estava no escritório da R. por duas ordens de motivos: estava no gozo das férias que lhe tinham sido determinado e no âmbito do vínculo laboral com a C..., S.A., viu o seu local de trabalho alterar-se a partir do dia 12/06. Numa palavra, a consistência que a sentença parece reconhecer ao seu depoimento, é baseado em pressupostos que não têm respaldo com a razão de ciência do mesmo, pelo que, salvo melhor opinião, a sua valoração não poderá passar de um mero testemunho de ouvir dizer – e a versão da R., neste caso;

23 - No que tange os demais depoimentos e compulsando-os temos que HH, mecânico naval, cujo depoimento ocorreu no dia 13/03/2024, entre as 14:36h e as 14:51h, II, representante da empresa H... (equipamentos de gráficas), fornecedora da R., com depoimento prestado no dia 15/04/2020, entre as 10:06h e as 10:21h, min. 01:00 a 02:00 e min. 11:30 a 16:00, FF, com depoimentos prestados no dia 15/04/2024, entre as 15:42h e as 16:45h, e no dia 10/05/2024, entre as 09:56h e 10:39h, alude a factos relevantes no depoimento de dia 15/04 – min.03:50 a 10:50, min. 11:00 a 20:00 e min. 20:30 a 26:00; JJ, antigo revisor oficial de contas da C..., S.A., que prestou declarações no dia 10/05/2024, entre as 11:33h e as 11:57h, ver min. 01:00 a 01:20; 03:30 a 04:10; 07:00 a 09:30; KK, com depoimento prestado em 07/06/2024, entre as 10:49h e as 11:14h, ver min. 03:20 a 03:30; 03:30 a 04:30; 06:30 a 08:30; 11:00 a 13:30, ou LL, representante da I..., com depoimento prestado no dia 07/06/2024, entre as 11:15h e as 11:35h,– min. 01:00 a 03:30; 04:30 a 07:30; 10:30 a 11:35;

24 - Isto posto, seguro é afirmar que as funções do A. se reconduziam a muito mais que um mero contabilista, sendo difícil destrinçar que funções exercia e para quem. Espartilhar as funções do A., como a R. pugna, definindo-as, somente, de uma só natureza, ou seja, de contabilidade, não poderá deixar de ser um sofisma, ou melhor, uma ficção simplista e que impede a real perceção das suas funções e do alcance das mesmas;

25 - Assim sendo, dever-se-á dar como provado, para além das funções de contabilidade que o A. desempenhava: - Exercício das funções de contabilista certificados da Requerida, bem como responsável pela execução de toda a contabilidade da mesma; - Elaboração do reporte declarativo junto do Banco de Portugal e do INE; - Responsável pela análise de todos os contratos, condições e âmbito de aplicação e acompanhamento dos mesmos; - Responsável pela elaboração e acompanhamento de todo o reporte económico financeiro da empresa.;

26 – Por outro lado existem elementos que deveriam ter sido considerados, padecendo a sentença a quo de a omissão de pronúncia – art.º 615º n.º 1 al. d) cód. proc. civil;

27 – Pelo que deverá ser considerado provado que: Apesar das dificuldades económicas sentidas pelas empresas Angolanas não houve despedimentos no ano de 2020;

28 - Na linha do tempo dos acontecimentos que culminaram com o despedimento do A. deverão ser dados como verificados, por todos os motivos já melhor expostos no corpo destas Alegações que 3 - 23/04/2020 – Sr. BB cancela pedido de análise ao A., dos documentos para preparação da Assembleia Geral de Acionistas do BNI, sem qualquer explicação – doc. n.º 2 junto com a contestação do A. ao articulado motivador da R.;4 - 23/04/2020 – retira as funções do A. relativas à coordenação dos barcos da B..., bem como os pedidos a fornecedores, realização do mapa de salários de colaboradores nacionais e expatriados, as autorizações e adjudicações a prestadores de serviços e interação com companhia de seguros, deixam de ser realizadas pelo A. e passam a ser efetuados por CC, e pede-lhe (ao A.) o fecho dos trabalhos em curso – doc. n.º 15 e 5 juntos com a providência cautelar; 6 - 25/04/2020 – informação para todos os fornecedores, prestadores e entidades com quem o A. contactava no âmbito da coordenação das reparações de barcos são informados que o A. é substituído nas suas funções por CC – doc. n.º 14 junto com a Providência Cautelar; 7 - 27/04/2020 – retirada de funções do A. como representante do dono da obra, ou seja, relativamente ao que desempenhava na empresa C..., S.A., bem como informação geral para todos os prestadores, colaboradores, empresa de fiscalização e demais operadores – doc. n.º 16 junto com a providência cautelar; 8 - 27/04/2020 – retirada da viatura que lhe estava afeta com efeitos imediatos – doc. n.º 17 junto com a providência cautelar; 9 - 27/04/2020 – o A. constata que o seu computador de trabalha lhe foi retirado – doc. n.º 17 junto com a providência cautelar; 10 – 06/05/2020 – comunicação da necessidade de extinguir o posto de trabalho com a R. – doc. n.º 19 junto com a providência cautelar; 11 – 01/06/2020 – comunicação ao A. da alteração do local de trabalho no âmbito da C..., S.A., passando para Rua ..., ..., ..., Porto, com efeitos a partir de 12/06/2020; 12 – 15/06/2020 – O A. informa que desde o dia 12/06 não possuiu qualquer meio informático ou documental para exercer o seu trabalho no novo local de trabalho e solicita que lhes sejam dados - doc. n.º 12 junto com a contestação do A.;

29 - Atendendo a todos os meios de prova já extensamente invocados no âmbito do capítulo V- DAS FUNÇÕES DO A., do ponto B – FACTOS NÃO PROVADOS, dão-se os mesmos aqui por reproduzidos. Assim não se poderão reconduzir as funções do A., primeiro, a mera contabilidade e, segundo, descontextualizadas do que era o seu papel no grupo A.... Assim, não poderá considerar-se demonstrado que as suas funções eram de mera contabilidade, devendo tal facto dar-se por não provado o facto 18 constante da sentença.

30 - Compulsado o primeiro relatório pericial, e entrando na verificação do mapa de endividamentos da R., ver pág. 10 verso e pág. 11, é lapidar que não existem quaisquer empréstimos bancários, retirando o cartão de crédito e um crédito pessoal, que têm valores mínimos, constata-se que em 2020 98% do endividamento era referente a locações financeiras e financiamento de aquisição de viaturas. Acrescerá ainda referir, como bem referiu a senhora Perita, MM, no seu depoimento prestado no dia 12/03/2024, entre as 11:08h e as 12:02h, entre os min. 35:00 a 37:00, a R. podia, em 2020, fazer face a todos os seus compromissos e não necessitaria de recorrer a qualquer tipo de endividamento. Como, aliás, bem demonstra os indicadores de liquidez geral e imediata da R. serem superior a 1 – vide explicação, mas eloquente constante da pag. 5 do primeiro relatório pericial. Ou seja, a empresa em 2020 tinha capital suficiente para arcar com as suas obrigações de curto e de longo prazo. Ora, com tal evidência, torna-se redundante invocar qualquer outro meio de prova, para que se expurgue – por absolutamente não existirem elementos que o corroborem – da matéria provada o facto 24;

31 - Uma vez mais, se perpassa aqui, toda a prova testemunhal já invocada, desde o DD, EE, NN, CC, OO, PP, II, QQ, FF ou LL – aqui se remetendo para as exatas identificações dos seus depoimentos que por economia processual aqui se não reproduzem novamente. Ora, dos mesmos há a retirar, precisamente o oposto, ou seja, que em Angola não houve despedimentos, e que foi a própria R. que ajudou as empresas Angolanas, ao adiantar os pagamentos de fornecimentos – evitando que as empresas angolanas lhe tivessem de pagar, previamente – vide depoimento do Diretor Geral das empresas angolanas e Diretor Financeiro da B..., Lda., CC, no seu depoimento de 21/03/2024, entre as 11:34h e as 12:15h, min. 30:00 a 32:50. Esclarece, depois, até ao min 34.50, que a R. pagava aos adiantadamente aos fornecedores dos barcos.

32 - Acresce que ficou evidente a facilidade de pagamento da R. aos seus fornecedores – como o atesta o representante da fornecedora H..., II (depoimento dia 15/04/2024 – ente 10:06h e 10:21h, aos min.14:00 a 14:41) onde esclarece que a R. sempre pagou adiantado e nunca sentiu dificuldade económica. Ou o comercial da I..., que reiterou a mesma opinião de robustez financeira da R. a qual sempre pagou adiantado, min 06:30 a 07:30, do depoimento prestado no dia 07/06/2024 entre as 10:49 e 11:14; 33 - Igualmente, não se alcança como tal conclusão possa ser alcançada quando o próprio relatório de peritagem, acima citado, vem esclarecer que não houve diminuição no ano de 2020, na verba gastos de pessoal. Repare-se na pág 14 verso do mesmo que se houve diminuição de 44,10% nos gastos com funcionários houve um aumento – despudorado – e 197,95% de gastos com órgãos de gerência, ou seja, o Sr. BB, correspondendo a um aumento absoluto de gastos com pessoal de 22% - ver esclarecimentos ao primeiro relatório pericial, pág. 11 – pontos 55 e 56. Aliás, a conclusão do segundo relatório é precisamente a que a extinção do posto de trabalho do A. não apresentou melhoria no Resultado da empresa pois a diminuição desse gasto foi anulada pelo aumento de outro(s) dentro da mesma rubrica. E sempre se diga que na estrutura de gastos totais da empresa custos com a remuneração do A. correspondia a, meramente, 1% - vide resposta ao quesito 28 no segundo relatório pericial e ao ponto 11 no primeiro relatório.

34 - Não será igualmente despiciendo uma consideração sobre a escala de valores que as decisões de gestão da R. revelam: Se por um lado pretende extinguir o posto de trabalho do A., por outro não tem qualquer rebuço em manter 4 viaturas, uma delas de luxo, nos termos do art.º 89º-A da Lei Geral Tributária, o veículo de marca Porsche Panamera que representava em 2020 um endividamento de 73.138,79 €.

35 - Não menos relevante, atente-se que a R. poderia, em junho de 2020 ter recorrido ao apoio extraordinário à manutenção dos contratos de trabalho, vulgarmente designado por lay off simplificado – vide resposta constante do ponto 8 do primeiro relatório pericial - pág. 4 verso. Ou seja, se em maio de 2020 a R. ainda não preenchia os pressupostos para recorrer a tal medida, em junho já o poderia ter feito. Contudo, perseverou na sua tomada de decisão em 7 dias (ver supra o ponto II do capítulo C), em que passa de propor um corte salarial para a obliteração de todas as funções do A., seja na R. como nas outras empresas, e promove a extinção do posto de trabalho.

36 - Em face do exposto fatalmente ter-se-á que ver como não provados os factos 25 e 26.

37 -Reproduz-se a dá-se por integrado tudo quanto já se invocou nos pontos I – GRUPO A... e II – DAS FUNÇÕES DO A., pertencentes ao capítulo B -DOS FACTOS NÃO PROVADOS, bem como o ponto II – DA LINHA DO TEMPO, pertencente ao capítulo C – DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA, razão pela qual o facto 27 da douta sentença deverá não ser dado como provado.

38 - Assim, dever-se-á considerar a factualidade que aqui se propõe alterar, pelo que à sua luz, se revelará a verdadeira índole e a verdadeira motivação do despedimento do A. pela R. e, consequentemente, deverá ser reconhecida não só a relação laboral com a R. existente desde Janeiro de 2015, e condenar-se a mesma no pagamento de todos os direitos vencidos e não pagos, como férias, subsídio de féria e subsídio de Natal;

- considerar-se o despedimento ilícito porque infundado e motivado por razões alheias aos fundamentos que formalmente foram alegados pela R. e condenar-se a mesma no pagamento da justa indemnização bem como na importância que compense o A. dos danos morais sofridos.» (Fim da transcrição)

A empregadora/Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Requer ainda a ampliação do recurso quanto à matéria de facto relativa a determinados pontos de facto, para a hipótese, meramente académica, da procedência das questões suscitadas pelo Recorrente, e interpõe ainda recurso subordinado, terminando com as seguintes conclusões:

«I. A ampliação do objeto do recurso é admissível em face de estarmos perante caso em que não é facultada, por falta de legitimidade ad recursum, a interposição de recurso independente.

II. A recorrida requer que o douto Acórdão a ser proferido analise e se pronuncie, a título subsidiário, sobre as seguintes questões de facto que foram julgadas não provadas:

“1 - A diminuição do negócio com as associadas do grupo é uma realidade, e a faturação da R. vê-se já, e ver-se-á drasticamente afetada, bem como a sua margem comercial está em processo decrescente.

2 - Tendo em conta o supra alegado quanto às categorias e concretas funções dos funcionários da R. e de forma a alcançar um correto dimensionamento, adequação e qualificação dos recursos humanos à natureza e volume da sua presente atividade, atual e futura diminuição de procura dos seus serviços, o único posto de trabalho a extinguir que se revela eficiente para atingir aquele desiderato é o do A.

3 - Os três remanescentes postos de trabalho – pela natureza das concretas funções que desempenham - são essenciais de manter no interior da empresa e não são passíveis de serem entregues a uma entidade externa, ao contrário do que acontece com os serviços financeiros e contabilísticos que podem ser assegurados por empresa externa especializada, com um necessário corte nos custos, e pelo próprio gerente da empresa.”

III. No que respeita ao ponto 1 supra referido, entendemos, sempre salvaguardando distinta opinião, que deve ser julgado provado o seguinte facto: “A diminuição do negócio com as associadas do grupo é uma realidade, e a faturação da R. vê-se já, e ver-se-á drasticamente afetada.”

IV. A prova em que se alicerça este facto reside no depoimento da testemunha DD (Audiência 12-03-2024 | 14:20:00 – 16:15:00 Ficheiro: Diligencia_11197-20.3T8PRT_2024-03-12_14-20- 10_DD 00:00:00 – 01:54:49), assim como pela resposta ao ponto 1 do relatório da 1.º Senhora Perita;

V. No que respeita aos pontos 2 e 3 da conclusão II., a recorrida pretende ver alterados para factos provados, tendo em consideração a matéria dada como provada nos pontos 9, 10, 28, 29 e o depoimento de DD, já identificado;

VI. A Ré, ora recorrida, foi condenada a pagar ao A. a quantia de € 8.998,62 a título de créditos laborais e de compensação pela extinção do posto de trabalho ocorrido em 21/07/2020, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento;

VII. Em face do facto provado 37 da Sentença recorrida, parece-nos que, com o devido respeito, a Ré, no que concerne aos juros de mora, só deve ser condenada a pagar juros sobre a diferença do valor que entregou ao A., e que este por sua decisão devolveu, no montante total de € 6.582,82 (cf. referido facto 37) e o valor de condenação de € 8.9989,62;

VIII. Pelo que os juros de mora deverão incidir apenas sobre a quantia de € 2.416,00 (dois mil quatrocentos e dezasseis cêntimos), e não sobre a totalidade do capital e que a Ré foi condenada.

IX. Nesse seguimento peticiona a recorrida, no quadro de recurso subordinado, que seja a douta sentença alterada, de forma a ser a Ré condenada apenas no pagamento dos juros de mora sobre o montante de €2.416,00 (dois mil quatrocentos e dezasseis cêntimos).» (Fim da transcrição)


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Na primeira instância o recurso foi interposto como de apelação, com subida imediata, em separado, e com efeito devolutivo.

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O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da não observância do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, promovendo a baixa dos autos à primeira instância para supressão da invocada irregularidade.

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Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II. Questões a decidir:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente [artigos 635.º, n.º3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso e da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

As questões a decidir são as seguintes:

A - Da impugnação da matéria de facto: sejam adicionados à factualidade provada os factos constantes das conclusões 6); 14); 15); 16); 20), 22); 27), e 28); seja considerado como não provado, parcialmente, o facto provado na conclusão 18) (funções de mera contabilidade) e na sua totalidade os pontos de facto provados nas conclusões 24), 25), 26) e 27).

B - Da ampliação do recurso.

C - Do erro na aplicação do direito: reconhecimento da existência de um contrato de trabalho desde janeiro de 2015; licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho.

D – Do recurso subordinado.


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III- FUNDAMENTOS DE FACTO:

Matéria de facto dada como provada em primeira instância[1]


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1. A A..., LDA, doravante designada apenas por A..., tem atualmente sede na Avenida ..., ..., sala ..., na cidade ..., com o NIPC e matrícula nº ...60.

2. Foi criada em outubro de 2011, sob a forma de sociedade unipessoal por quotas, com a designação de A... Portugal, Unipessoal, Lda. com o capital social de € 5.000,00, por BB.

3. Em julho de 2012, entraram duas novas sócias, a B..., Lda. e a A..., Lda., entidades de Direito Angolano, que entraram no capital social da A... e subscreveram, cada uma, uma quota de € 215.000,00, o que, juntamente com o reforço da quota de BB no montante de € 65.000,00, fez aumentar o capital social da A... para € 500.000,00, que se mantém atualmente.

4. A gerência da R., desde a sua constituição está a cargo de BB.

5. Também o seu objeto social se tem mantido inalterado, dedicando-se a demandada ao comércio, importação e exportação de produtos alimentares, materiais e equipamentos para a construção civil, equipamentos de segurança e artes para pesca.

6. A R., desde a sua constituição e como a sua atual designação refere, é essencialmente uma empresa de trading internacional, ou seja, atua como intermediária entre empresas fabricantes e/ou fornecedoras dos bens referidos no artigo anterior e empresas compradoras estrangeiras em operações internacionais de importação e exportação.

7. Os clientes da R. (empresas compradoras) são exclusivamente empresas Angolanas ou que atuam no mercado Angolano, sendo que, atualmente, cerca de 100% da sua faturação respeita a transações comerciais com empresas Angolanas suas associadas, isto é, com a A... Lda., B... Lda., F... Lda., E... Lda., e D... Lda.

8. A R. desde a sua constituição, sempre foi uma microempresa, nunca tendo tido mais do que 3 funcionários no seu quadro de trabalhadores, à exceção do presente ano que se encontrou com 4 trabalhadores contratados.

9. À data do despedimento do A. o quadro de trabalhadores da empresa era composto por 4 funcionários: BB, que ocupa, igualmente, o cargo de gerente da sociedade, RR, FF e AA (ora A.).

10. O A. tinha a categoria profissional de Diretor Financeiro, exercendo concretamente as suas tarefas na área da contabilidade e Fiscalidade, designadamente: Elaboração da contabilidade de acordo com os princípios da S.N.C., elaboração das demonstrações financeiras anuais e trimestrais, elaboração da faturação e a sua comunicação à Autoridade Tributária (AT), via SAFT, planeamento, preparação e entrega de todas as obrigações fiscais exigidas, planeamento, preparação e entrega de todas as declarações, execução de reconciliações de bancárias, execução de lançamentos de recibos, análise de contas correntes de clientes e fornecedores, de contas consolidadas, de relatório baseado em normas financeiras internacionais e análise financeira (projetos de investimento, financiamentos etc.), preparação das declarações fiscais e de processos de reembolso de IVA, garantia do cumprimento de todas obrigações fiscais e parafiscais (Modelo 22, IES, IVA, Dossier fiscal, entre outras), cálculo de impostos/imposto diferidos, elaboração de informação, pareceres relacionados com matérias fiscais de âmbito nacional ou internacional, preparação de reclamações na revisão de atas tributarias, preparação de pedidos de esclarecimento sobre situações tributárias, processamento de salários e recibos de 5 vencimentos, cumprimento de todas as obrigações legais inerentes e inscrição dos colaboradores nas diversas autoridades.

11. O A. subscreveu em 01 de junho de 2017, contrato de trabalho por tempo indeterminado, para exercer as funções acima descritas – cfr. doc. junto aos autos, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

12. Contrato esse que se manteve em vigor até ao passado dia 01 de Julho de 2020, data em cessaram os efeitos do contrato por se produzirem os da extinção do respetivo posto – cfr. decisão junta com o requerimento inicial apresentado pelo A. nos presentes autos, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

13. No dia 6 de maio de 2020, foi enviada, via mensagem de correio eletrónico, comunicação ao A. de procedimento de extinção do posto de trabalho do A.

14. A 7 de maio de 2020, os originais dos documentos referidos no número anterior foram enviados ao A. pela empresa J....

15. O A. no dia 21 de maio de 2020, remeteu, através de mensagem de correio eletrónico, resposta à comunicação acima referida, tendo, igualmente, enviado a mesma por correio registado rececionado no dia 25 de maio de 2020.

16. Acompanhando a declaração do Estado de Emergência, o Governo Angolano fez publicar várias medidas legislativas que condicionam a atividade das empresas Angolanas, incluindo, as clientes da R.; entre elas, a Circular nº 03/GMF/2020, de 21 de abril de 2020, da Ministra das Finanças de Angola, que suspende a execução dos contratos celebrados e dos Procedimentos de Contratação Pública sem Financiamento Assegurado.

17. Como consequência, ficaram suspensos todos os contratos no âmbito do Programa de Investimento Público, cuja fonte de financiamento não estivesse assegurada e, ainda, suspensa a execução de todos os contratos de caráter não prioritário e estrutural no âmbito das despesas de apoio ao desenvolvimento (DAD), sem financiamento garantido.

18. Tudo isto afetou a R., que já vinha tendo um decréscimo no seu sucesso financeiro, tendo tomado medidas de reestruturação entre as quais a extinção do posto de trabalho do A., passando as funções de contabilidade e de revisão acima descritas, que eram, no fundo, as funções do demandante, a ser prestadas por empresa terceira para efeitos do presente processo, no modo denominado de “outsourcing”.

19. Todo o impacto na economia Mundial da pandemia e das medidas que, por conseguinte, tiveram de ser tomadas, tiveram repercussões graves no contexto sócioeconómico-financeiro Angolano, que já vive uma crise profunda desde 2015, sendo 90% dependente do preço de venda do crude.

20. O orçamento geral de Estado de Angola para o ano de 2020, foi determinado com o preço de venda do crude nos 55 dólares por barril, tendo sido retificado para os 20 dólares por barril, o que limita muito o investimento público.

21. As clientes da demandada, que já estavam a sofrer um impacto negativo pela referida crise social/económica/financeira de Angola, estão agora ainda mais expostas e penalizadas, devido à queda do preço do petróleo e cancelamento de todos os contratos que não tem fonte de financiamento, entre outros.

22. Os funcionários e demais colaboradores da B... Lda. e da R., sendo nacionais ou expatriados, já perderam desde 2015 até a data, 90% do valor dos seus salários, só pela volatilidade cambial, reduzindo consideravelmente o seu poder de compra e rendimento.

23. A R. é, absolutamente dependente da atividade das suas clientes associadas Angolanas e, consequentemente, da situação social/económica/financeira de Angola.

24. A solidez financeira da demandada está alavancada em empréstimos com garantias prestadas pelo seu sócio-gerente.

25. Numa primeira fase, em 16 de abril de 2020, foi tomada a decisão de declarar a diminuição da atividade da empresa, com a inerente redução salarial de todos os funcionários da empresa, mas, decorridos cerca de 20 dias desde essa tomada de decisão e rápida evolução negativa da economia Mundial e em especial a Angolana, constatou-se que seria necessário proceder à extinção do posto de trabalho do A.

26. A diminuição da atividade da R. implicou prescindir do aqui A. e adjudicar as concretas funções que lhe estavam entregues a uma terceira entidade a título de prestação de serviços, externa aos quadros de pessoal, cujo custo será reduzido, em cerca de 45% menos do que o custo efetivo do aqui A., tomando em consideração, para além da sua retribuição-base, os demais custos acrescidos, designadamente, subsídios de férias e de Natal, férias remuneradas, seguro, segurança social, entre outos.

27. O cargo de Diretor Financeiro da R. e as funções que lhe estão adstritas, podem, no atual contexto económico-financeiro, ser desempenhadas por uma terceira entidade como prestadora de serviços.

28. A R. não dispõe de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do A., sendo que os restantes trabalhadores da R. exerciam as seguintes funções: - A funcionária RR tinha a categoria profissional de Diretora executiva – ou Diretora geral Adjunta, exercendo funções de caráter administrativo no quadro da empresa, designadamente executando, entre outras, as seguintes tarefas: Administrar as operações diárias da empresa, garantir a boa execução orçamental, assegurar o cumprimento de regulamentos e procedimentos da empresa por todos os membros da equipa, assegurar que a equipa cumpre prazos e metas, autorizar pagamentos, controlar as receitas e despesas mensais, gestão das contas bancárias (definir aonde sacar valores), executar operações bancarias aprovadas, assinar e monitorizar o cumprimento dos contratos - previamente aprovados pela gerência -, garantir a legalidade de contratos, de ativos e da documentação da empresa, contactar clientes e fornecedores e prestadores de serviços para negociar termos, condições e preços de serviços e produtos, monitorizar o desempenho diário dos gestores de áreas, aprovar e assegurar o cumprimento dos planos dos departamentos e plano global da empresa, gerir e controlar os orçamentos de receitas e despesas, executar investimentos autorizados e assegurar a sua rentabilização, resolver problemas operacionais do quotidiano, assegurar a logística, administração e legalidade dos projetos, assegurar a manutenção dos ativos da empresa, através da recolha de relatórios e informações complementares da posição dos mesmos, dos vários gestores responsáveis, autoriza e executa os pagamentos a fornecedores, autoriza e executa o pagamento dos salários, planeia a organização mais proficiente dos recursos humanos, materiais e financeiros, faz o “procurement” dos matérias e equipamentos e é a representante da empresa em feiras, nacionais e internacionais; - FF tinha a categoria profissional de assistente administrativo, exercendo funções na área da logística, tendo sido acordado com a R. a revogação do seu contrato de trabalho em julho de 2020; - BB, na qualidade de gerente e de Diretor Geral, cabe-lhe o arranque de negócios, garantir que a empresa atinge os seus objetivos, supervisionar pessoalmente e corrigir desvios que impeçam a empresa de atingir as metas, previamente definidas, assegurar a obtenção dos resultados definidos nos planos operacionais e administrativos, em conformidade com a missão da empresa, seus princípios e filosofia de negócios, dentro das diretrizes estratégicas e operacionais estabelecidas, por meio da coordenação geral de todas as áreas da empresa de forma a conseguir uma atuação sempre articulada entre as partes que a compõem.

29. Para tanto, BB, conduz a elaboração e execução dos planos estratégicos e operacionais, em todas as áreas da empresa, visando a assegurar o seu desenvolvimento, crescimento e continuidade, definindo as políticas e objetivos específicos de cada área, coordenando a execução dos respetivos planos de ação, facilitando e integrando o trabalho das equipas, com vista a otimizar os esforços para a consecução dos objetivos da empresa, identificando oportunidades, avaliando a viabilidade de novos investimentos ou desenvolvimento de novos negócios, visando a garantir um retorno adequado aos investidores e resguardando a segurança dos ativos da empresa, mantendo contatos com a direção das empresas clientes associadas para identificar oportunidades de ampliação ou melhoria nos produtos/serviços prestados ou solução de eventuais problemas contratuais ou operacionais, com a finalidade de manter a satisfação do cliente e projetar uma imagem positiva da empresa no mercado, conduzindo os processos de alterações na cultura da organização, visando conquistar o engajamento de todos os seus integrantes e garantindo a consolidação de uma cultura organizacional orientada para a contínua busca da qualidade e de altos padrões de desempenho individual e coletivo, coordenando as negociações para aquisições, fusões, associações, entre outras, com empresas, visando o crescimento e consolidação dos negócios, mantendo contatos com a direção de outras empresas, entidades de classe e órgãos governamentais, almejando harmonizar esforços que se traduzam em benefícios para os clientes, o mercado e a comunidade em geral, gerindo toda a relação com a banca nacional e internacional, escolhendo os melhores parceiros nas condições mais vantajosas para o seu negócio, contratando, definindo as respetivas condições, demitindo e decidindo promoções e prémios dos trabalhadores.

30. O A. detinha contratos de prestação de serviços com: - B..., Lda., NIPC ...88, com sede no ..., Via ..., ..., Luanda; e - A..., Lda., NIPC ...58, com sede na Avª ..., ..., ..., ..., Luanda.

31. Em 27/04/2020 o contrato de prestação de serviços celebrado entre o A. e a B..., Lda. foi revogado pela última.

32. Em 28/04/2020, a R. retirou ao A. a viatura da empresa que lhe estava afeta, bem como o computador que, habitualmente, utilizava, dos escritórios da empresa, pelo que as deslocações do A. começaram a ser efetuadas por transporte público.

33. O A. auferia a título de salário base pela R., o valor de 1.675,00 €, acrescido do valor de 100,00 € de ajudas de custo e da viatura que a empresa lhe facultava, sendo esta um veículo Mercedes, Classe A 160, cujo benefício mensal ascende a valor nunca inferior a 100,00 €; era-lhe pago Seguro de Saúde MÉDIS, no valor mensal de 39,60 €, o que se traduz num vencimento mensal de € 1.914,60 (mil novecentos e catorze euros e sessenta cêntimos).

34. O A. passou por este processo com muito sofrimento, viu-se forçado a receber apoio médico-psiquiátrico, tendo desenvolvido um quadro de depressão major, com ataques de choro, humor depressivo, ideias de desesperança e morte, razão pela qual tiveram de lhe ser administrados ansiolíticos e antidepressivos: Zoloft e Aprazolam.

35. A acrescer a todo o sofrimento, teve ainda o vexame que sofreu com todo este processo, que o afetou na sua reputação, passando a sofrer além de ansiedade e de sérias insónias.

36. A R. não pagou ao A. a quantia de € 200,00 relativa às ajudas de custo referentes aos meses de abril e maio de 2020.

37. A R. em 30/06/2020 pagou ao A. as seguintes quantias: € 1.047,37 (mil e quarenta e sete euros e trinta e sete cêntimos); € 955,06 (novecentos e cinquenta e cinco euros e seis cêntimos); € 2.067,69 (dois mil e sessenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos) e € 2.512,50 (dois mil quinhentos e doze euros e cinquenta cêntimos) a título de pagamento de créditos laborais (referentes às férias do ano de 2019, férias vencidas em 01/01/2020, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal pelo trabalho prestado até à cessação do contrato de trabalho e de compensação pela extinção do seu posto de trabalho; valores estes que o A. devolveu por inteiro (cfr. confissão constante do art. 48º do articulado de resposta à contestação apresentado pela R.).

38 – “O Autor, desde 1 de junho de 2017, também trabalhava para a empresa “C..., S.A.”[2]

39 – A “C..., S.A,”, dedica-se à “Compra, venda e permuta de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Arrendamento de imóveis, gestão de património próprio ou alheio, bem como a prestação de serviços conexos com estas atividades”.[3]

40 – Cujos sócios são BB e as suas três filhas, detendo o primeiro 85% da participação social e cada uma das restantes sócias, 5%.[4]


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Matéria de facto dada como não provada em primeira instância

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Com relevo para a decisão de mérito a proferir, os factos que se consideram como não provados, são os seguintes:

a) De todas as empresas do grupo, só a B... se mantém a trabalhar em níveis aceitáveis, apesar de toda a volatilidade do mercado, já que esta empresa tem suportado todo o grupo, devido à sua capacidade de endividamento, que em conjunto com a R., tem conseguido manter a sustentabilidade das demais empresas grupo[5].

b) A diminuição do negócio com as associadas do grupo é uma realidade, e a faturação da R. vê-se já, e ver-se-á drasticamente afetada, bem como a sua margem comercial está em processo decrescente.

c) Tendo em conta o supra alegado quanto às categorias e concretas funções dos funcionários da R. e de forma a alcançar um correto dimensionamento, adequação e qualificação dos recursos humanos à natureza e volume da sua presente atividade, atual e futura diminuição de procura dos seus serviços, o único posto de trabalho a extinguir que se revela eficiente para atingir aquele desiderato é o do A.

d) Os três remanescentes postos de trabalho – pela natureza das concretas funções que desempenham - são essenciais de manter no interior da empresa e não são passíveis de serem entregues a uma entidade externa, ao contrário do que acontece com os serviços financeiros e contabilísticos que podem ser assegurados por empresa externa especializada, com um necessário corte nos custos, e pelo próprio gerente da empresa.

e) Apesar do contrato de trabalho acima indicado na factualidade supra dada como assente o A. já desde 2011 que era prestador de serviços da R., primeiro, a tempo parcial, até Janeiro de 2015, data a partir da qual passou trabalhar a tempo inteiro, o que se reconduziu tanto a uma exclusividade de funções como de fonte de rendimentos.

f) Tais funções não eram só prestadas para a R., mas sim para todo o grupo de empresas a que pertence, uma vez que toda a relação contratual era coordenada pelo sócio-gerente da R., BB, ao qual todas as demais empresas reportam, não sendo a R. uma empresa isolada, já que está integrada no designado Grupo A..., que se compõe em Portugal, da R. e de outra empresa associada – C..., S.A., que até 09/06/2020 tinha a mesma sede que a R., as quais cooperam com as empresas suas associadas Angolanas, razão pela qual, o A. também detinha vínculo laboral com a outra empresa do grupo – C..., S.A.

g) O A. também trabalhou - vínculo este não titulado por via de qualquer contrato - para o sócio-gerente e administrador de todas as empresas do Grupo A... – BB do conjunto das 7 empresas, a que acresce o universo do património particular do sócio-gerente, BB; sendo que as funções do demandante, incluíam funções a favor e no interesse de todas estas oito entidades, acima descritas.

h) As funções exercidas pelo A. na R., reconduziam- se a:

· Elaboração da contabilidade de acordo com os princípios da S.N.C; · Elaboração de demonstrações financeiras anuais e trimestrais;

· Elaboração da faturação e sua comunicação à Autoridade Tributária (AT), via SAFT, planeamento, preparação e entrega de todas as obrigações fiscais exigidas, declarações, execução de reconciliações bancárias, lançamento de recibos, análises de contas correntes de clientes e fornecedores, de contas consolidadas, de relatório baseado em normas financeiras internacionais e análise financeira, preparação das declarações ficais e de processos de reembolsos de IVA, garantia do cumprimento de todas as obrigações fiscais e parafiscais (Mod. 22, IES, IVA, dossier fiscal, entre outras), cálculo de impostos/imposto diferido;

· Elaboração de informações e pareceres relacionados com matérias fiscais de âmbito nacional e internacional;

· Preparação de reclamações na revisão de atas tributárias, preparação de pedidos de esclarecimento sobre situações tributárias, processamento de salários e recibos de vencimento;

· Cumprimento de todas as obrigações legais inerentes e inscrição dos colaboradores nas diversas autoridades;

· Exercício das funções de contabilista certificados da Requerida, bem como responsável pela execução de toda a contabilidade da mesma;

· Elaboração do reporte declarativo junto do Banco de Portugal e do INE;

· Responsável pela análise de todos os contratos, condições e âmbito de aplicação e acompanhamento dos mesmos;

· Responsável pela elaboração e acompanhamento de todo o reporte económicofinanceiro da empresa.

i) O A. entrou ao serviço do Grupo e da R., no dia 01 de janeiro de 2015. A partir de tal data, exerceu as funções que vem exercendo até hoje, para todas as empresas do grupo e para o Sr. BB.


*

Da impugnação da decisão de facto

O Recorrente pretende a reapreciação da matéria de facto, requerendo que sejam adicionados à factualidade provada os factos constantes das conclusões 6); 14); 15); 16); 20), 22); 27), e 28); seja considerado como não provado, parcialmente, o facto dado por provado na conclusão 18) (funções de mera contabilidade) e na sua totalidade os pontos de facto provados nas conclusões 24), 25), 26) e 27).

Nos termos do n.º 1 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, cumpre ao Recorrente, em primeiro lugar, delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera erróneos, especificando a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida [alíneas a) e c) do n.º 1].

Em segundo lugar, deve fundamentar, de forma concludente, as razões da sua discordância, analisando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, a seu ver, justifiquem decisão diversa [alínea b), do n.º 1].

Sendo ao Tribunal imposto o dever de fundamentar e motivar criticamente a sua decisão sobre a matéria de facto (artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), compreende-se que o legislador, em contrapartida, imponha à parte que pretende impugnar essa decisão o ónus de a impugnar especificamente, expondo, de forma clara e suficiente, os argumentos que, resultantes da sua própria análise crítica dos meios de prova produzidos, justifiquem, no seu entender, uma decisão diferente da proferida pelo Tribunal a quo.

Como observa António Abrantes Geraldes[6], quando o recurso versa sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, o recorrente deve observar as seguintes regras:

«a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso)[7]

b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; (negrito nosso)

c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (negrito nosso)

(…)

e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (negrito nosso)

(…).» (Fim da transcrição)

Embora este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso, não se impõe ao recorrente a reprodução integral, nas conclusões, de tudo o que alegou sobre os requisitos previstos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Tratando-se de recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, as conclusões devem indicar os pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e que se pretende ver alterados.[8]

Conforme salientam, Abrantes Geraldes. Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa[9]: «(…) O Supremo tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e de certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação (STJ 9-6-16, 6617/07, STJ 31-5-16, 1572/12, Supremo Tribunal de Justiça 28-4-16, 1006/12, Supremo Tribunal de Justiça 11-4-16, 449/410, Supremo Tribunal de Justiça 19-2-15, 299/05 e STJ27-1-15, 1060/07).» (Fim da transcrição)

Sublinham tais autores que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a afirmar que, na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade[10]. (negrito nosso)

Não obstante, a impugnação da decisão de facto não se esgota com a mera discordância do recorrente face ao decidido, expressa em termos imprecisos, genéricos ou descontextualizados, ou com a simples reprodução parcial e descontextualizada de excertos de depoimentos.

Com efeito, é o apelante que impugna a decisão sobre a matéria de facto quem está em melhores condições para indicar, fundamentadamente, os eventuais erros de julgamento a esse nível.

Como refere Ana Luísa Geraldes[11], a prova de um facto não resulta, em regra, de um só depoimento ou de parte dele, mas da conjugação e análise crítica de todos os meios de prova produzidos, ponderados globalmente, segundo as regras da lógica, da experiência e, se aplicável, da ciência.

Assim, neste contexto de apreciação global e crítica da prova produzida: «mostra-se facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências da apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.» (Fim da transcrição)

Impõe-se, portanto, o confronto desses elementos com os restantes que fundamentaram a convicção do Tribunal (e que constam da motivação da decisão), recorrendo-se, se necessário, às demais provas produzidas e documentadas, apontando eventuais disparidades, contradições ou incorreções que afetem a decisão recorrida.

É hoje jurisprudência pacífica que o objetivo da segunda instância, na apreciação de facto, não é a mera repetição do julgamento, mas sim a deteção e correção de erros de julgamento concretos, específicos, claramente indicados e fundamentados.

Com efeito, dispõe o n.º 1, do artigo 662.º, do Código de Processo Civil que: «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

Sendo igualmente indiscutível que, sem prejuízo da correção, mesmo oficiosa, de certas patologias que afetam a decisão sobre a matéria de facto, e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova se tenha fundamentado em meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, sujeito às mesmas regras de direito probatório material aplicáveis em primeira instância, os elementos de prova disponíveis imponham solução diversa da anteriormente acolhida.

Descarta-se, pois, a tese de que a modificação da decisão sobre a matéria de facto só possa ocorrer em casos de erro manifesto na apreciação dos meios probatórios ou, ainda, de que o Tribunal da Relação, tendo em conta os princípios da imediação e da oralidade, não possa contrariar o juízo formulado em 1.ª instância relativamente a meios de prova que foram objeto de livre apreciação.

Todavia, se o recorrente impugna determinados pontos da matéria de facto, mas não impugnar outros pontos da mesma matéria, estes não poderão ser alterados, sob pena de a decisão do Tribunal da Relação incorrer em nulidade, nos termos da segunda parte, alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil

É, assim, dentro destes limites objetivos que o artigo 662.º do Código de Processo Civil atribui ao Tribunal da Relação competências vinculadas de exercício oficioso quanto aos termos em que pode ser feita a alteração da matéria de facto, isto é, quanto ao modus operandi de tal alteração.

Como sublinha António Abrantes Geraldes[12], «(…) quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementadas ou não pelas regras de experiência.» (Fim da transcrição)

Ademais, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, ou da livre convicção, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas sem qualquer hierarquização pré-estabelecida e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção formada acerca de cada facto controvertido.

Note-se, ainda, o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414.º do Código de Processo Civil, segundo o qual: «a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.»

Sem prejuízo da relevância de tais princípios e sem olvidar que o Juiz de 1.ª instância se encontra, pela imediação com a produção da prova, em condições particularmente favoráveis para a apreciação da matéria de facto (condições que, em regra, não se repetem em sede de julgamento no Tribunal da Relação), não há dúvidas de que a opção legislativa consagrada no citado n.º1, do artigo 662.º [e, ainda, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito legal] aponta no sentido de o Tribunal da Relação assumir-se:

«(…) Como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem (…), fica claro que a Relação tem autonomia decisória competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.»[13] (Fim da transcrição e negrito nosso)

Em todo o caso, ou seja, sem prejuízo dos referidos poderes da Relação, no que respeita à reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e à formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão sobre a matéria de facto deve ser efetuada com segurança e rodeada da indispensável prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência final, após a efetiva audição dos depoimentos, e os fundamentos aduzidos pelo juiz a quo e nos quais baseou as suas respostas.

Desconformidades essas que, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, permitam à Relação concluir de forma diversa quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente.

De facto, como sublinha Ana Luísa Geraldes[14], em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida[15], deverá prevalecer a decisão proferida pela 1.ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.» (Fim da transcrição)

Mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.» (Fim da transcrição)

Isto significa que, na reapreciação da prova em 2.ª instância, não se procura obter uma nova (e diferente) convicção a todo o custo, mas sim verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, considerando os elementos probatórios que constantes dos autos, e aferir, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão sobre a matéria de facto.

É necessário, em qualquer caso, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, dessa forma, uma decisão diferente da proferida pelo tribunal recorrido – artigo 640º, n.º 1, alínea b), parte final, do Código de Processo Civil.

Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que se baseou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente, considerar quaisquer outros elementos probatórios que tenham fundamentado a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Sem embargo, apesar de se garantir o duplo grau de jurisdição, este deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

É certo que, decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1.ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, aos quais o tribunal de recurso já não pode aceder.

Segundo Miguel Teixeira de Sousa[16]: «Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…), estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…). Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º 1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.» (Fim da transcrição)

Assim, para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, é necessário averiguar se ocorreu alguma anomalia na formação da respetiva “convicção”.

Ou seja, terá de se demonstrar que, na formação da convicção do julgador de 1.ª instância, expressa nas respostas dadas aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter sido subjacentes, nomeadamente as regras da experiência comum, da ciência e da lógica, a conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos dados como assentes.

Não obstante, e apesar de a apreciação em primeira instância ser construída com recurso à imediação e à oralidade, tal não impede à «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1.ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida (…). Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada.»[17] (Fim da transcrição)

Contudo, importa referir que, no contexto do julgamento da matéria de facto, seja ao nível da 1.ª instância, seja na sua reapreciação no Tribunal da Relação, a reconstrução dos factos não persegue uma verdade absoluta ou uma certeza naturalística (própria de outros ramos das ciências), mas sim um grau de certeza empírica e histórica, baseado numa elevada probabilidade.

Como salienta Manuel de Andrade: «a prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica).»[18] (Fim da transcrição)

Ademais, acompanha-se o raciocínio subjacente ao Acórdão desta Relação de 20.05.2024[19] (relator: Carlos Gil), Processo n.º 4929/21.0T8MTS-G.P1[20], no qual se lê:

«(…), antes ainda de entrar no conhecimento da pretendida impugnação da decisão da matéria de facto, importa aferir se o seu conhecimento se reveste de utilidade, pois que é proibida a prática no processo de atos inúteis (artigo 130º do Código de Processo Civil).

Na verdade, a reapreciação da matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente mas antes e apenas um meio do recorrente poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhe é desfavorável e que o recorrente pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja acolhida judicialmente.

Logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão factual poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao recorrente, deixa de ter justificação a reapreciação requerida, constituindo antes a prática de um ato inútil e, por isso, proibido (veja-se o já citado artigo 130º do Código de Processo Civil).

Importa ainda verificar se toda a matéria cuja impugnação foi requerida pela recorrente se reveste das condições necessárias para poder ser objeto de um juízo probatório, ou seja, se está em causa matéria de facto passível de prova, ou pelo contrário, se na impugnação requerida pela recorrente se inclui matéria conclusiva ou puramente valorativa.

Na nossa perspetiva, é matéria conclusiva toda aquela que não consiste na perceção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno, mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual.

Dentro desta matéria conclusiva, devem em nosso entender, distinguir-se os juízos de facto periciais, dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos.

Os juízos de facto passíveis de ser emitidos por qualquer pessoa com base nos seus próprios conhecimentos devem ser emitidos pelo julgador, no momento em que valora a globalidade da factualidade provada, pois que as testemunhas são chamadas a depor sobre factos e não a emitir opiniões ou juízos.

Esta distinção justifica-se, em nosso entender, porque pode ser objeto de prova pericial a apreciação de factos, quando para tanto sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial (artigo 388º do Código Civil).

Assim, é a própria lei substantiva a determinar que a prova pericial pode consistir na emissão de juízos de valor sobre certos factos. Desta configuração substantiva da prova pericial há que, salvo melhor opinião, retirar as necessárias consequências do ponto de vista processual, nomeadamente, no que tange a delimitação do objeto da prova que, em consonância, no que respeita tal meio de prova, não se poderá restringir aos “factos necessitados de prova” (parte final do artigo 410º do Código de Processo Civil), devendo também abarcar a apreciação de factos por peritos, dada a vocação instrumental do direito adjetivo. A não se proceder assim, não se perceberia qual a utilidade probatória da emissão de juízos de valor pelos peritos.» (Fim da transcrição)

Analisemos, então, se, no que respeita à matéria impugnada pelo Recorrente, se verifica algum dos obstáculos acabados de identificar.

Quanto à matéria que se pretende adicionar, constante das conclusões 6), 14), e 15):

- “A Ré não é uma empresa isolada, já que está integrada no designado Grupo A..., que se compõe em Portugal, da R. e de outra empresa associada – C..., S.A., a qual (a R.) coopera com as empresas suas associadas Angolanas, A..., Lda.; B..., ....; D..., Lda.”; E..., Lda.”; “F..., Lda.” e “G..., Lda.”, reportando todas estas empresas a BB” (Conclusão 6);

- “O A. desde janeiro de 2015 até abril de 2020, data a partir da qual passou trabalhar a tempo inteiro, exercendo as mesmas funções de Diretor Financeiro, no escritório da R., sito na Av.ª ..., no Porto, com horário de trabalho das 09.00 h às 18:00h, recebendo mensalmente o valor de 300,00 €” (Conclusão 14);

- “O A. entrou ao serviço da R., no dia 01 de janeiro de 2015. A partir de tal data, exerceu as funções que vem exercendo até hoje, para todas as empresas do grupo” (Conclusão 15).

Consideramos que estes três elementos que o Recorrente pretende adicionar à matéria de facto provada não são, efetivamente, factos.

Com efeito, não consistem na descrição da perceção de um acontecimento, mas antes configuram um juízo sobre determinada realidade factual, sendo matéria de direito e de natureza conclusiva.

Como refere Helena Cabrita[21]:

«Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta». (Fim da transcrição)

No que respeita à conclusão 6), o Recorrente pretende, na verdade, que se dê diretamente como provado a existência de sociedades em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos dos artigos 481.º e sgs., do Código das Sociedades Comerciais.

Ora, para beneficiar da garantia creditícia prevista no artigo 334.º do Código do Trabalho (2009)[22], o Autor tinha o ónus de alegar e provar factos que permitissem concluir pela existência de sociedades que se encontrem entre si numa situação de participação recíproca, de domínio ou de grupo, uma vez que se trata de facto constitutivo do direito que invoca (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

No que respeita às conclusões 14) e 15), entendemos que o Recorrente não pretende a mera aplicação da presunção de laboralidade do artigo 12.º, com a prova de, pelo menos, duas das caraterísticas identificadas no n.º 1 do referido artigo.

Pretende, sim, que se dê diretamente como provado a existência de um contrato de trabalho desde 1 de junho de 2015, e ainda que exercia funções, desde essa data, para todas as empresas do grupo.

Acresce que só nas suas alegações de recurso é que o Autor/Recorrente invoca a presunção de laboralidade.

Com efeito, analisando quer a sua contestação/reconvenção aperfeiçoada (designadamente, os artigos 1.º a 3.º, 282.º e 283.º desse articulado), quer o requerimento inicial do procedimento cautelar de arresto, o Recorrente limita-se a afirmar que a sua relação laboral com a Ré se iniciou, materialmente, em 1 de junho de 2015.

Como é sabido, o regime português aplicável aos recursos ordinários é de «(…) reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a ação e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.»[23]

Daqui resulta que, salvo as questões de conhecimento oficioso, os recursos não podem apreciar questões novas, ou seja, questões que não tenham sido colocadas perante o Tribunal “a quo” ou que não tenham sido objeto da decisão recorrida.

Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes[24]: «A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios.» (Fim da transcrição)

Salienta este autor que os recursos se destinam à apreciação de questões já decididas no processo, e não a suscitar decisões sobre questões que não foram previamente submetidas a contraditório e decididas.

Acresce que, caso o Tribunal “ad quem”, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso, tivesse de decidir questões pela primeira vez, tal equivaleria à supressão de, pelo menos, um grau de recurso, em violação do nosso sistema de recursos.

Neste sentido, veja-se, a título meramente exemplificativo, a jurisprudência desta Relação, nomeadamente, os Acórdãos de 29.04.2024 (relator: António Luís Carvalhão), Processo n.º 19039/21.6T8PRT.P1; de 20.06.2024 (relator: Carlos Portela), Processo n.º 6962.22.0T8MAI.P1 e de 09.10.2023 (relatora: Rita Romeira), Processo n.º 6263/18.88PRT.P1[25].

Em suma: as afirmações acima transcritas, que o Recorrente pretendia incluir na matéria de facto provada, possuem inequívoca qualificação jurídica, insuscetível de prova, operando apenas em sede de fundamentação jurídica, desde que provados factos concretos que a permitem.

Com efeito, só se pode produzir prova sobre os factos concretos que permitem a extração da conclusão neles contida e, sendo caso disso, sobre os factos que concretizam a factualidade genérica alegada.

Tal basta para que estas três questões não sejam objeto de conhecimento deste Tribunal da Relação em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, sob pena de, não o fazendo, se praticar um ato inútil, legalmente proibido (artigo 130.º do Código de Processo Civil).

Analisemos agora a ampliação da matéria de facto pretendida pelo Recorrente com o aditamento das conclusões 20), 27) e parte da 28):

- “O A. também trabalhou, desde o ano de 2011 - vínculo este não titulado por via de qualquer contrato - para o sócio-gerente e administrador de todas as empresas do Grupo A... – BB do conjunto das 7 empresas, a que acresce o universo do património particular do sócio-gerente, BB” (Conclusão 20);

- “Apesar das dificuldades económicas sentidas pelas empresas Angolanas não houve despedimentos no ano de 2020” (Conclusão 27);

- “3 - 23/04/2020 – Sr. BB cancela pedido de análise ao A., dos documentos para preparação da Assembleia Geral de Acionistas do BNI, sem qualquer explicação – doc. n.º 2 junto com a contestação do A. ao articulado motivador da R.; 4 - 23/04/2020 – retira as funções do A. relativas à coordenação dos barcos da B..., bem como os pedidos a fornecedores, realização do mapa de salários de colaboradores nacionais e expatriados, as autorizações e adjudicações a prestadores de serviços e interação com companhia de seguros, deixam de ser realizadas pelo A. e passam a ser efetuados por CC, e pede-lhe (ao A.) o fecho dos trabalhos em curso – doc. n.º 15 e 5 juntos com a providência cautelar; 6 - 25/04/2020 – informação para todos os fornecedores, prestadores e entidades com quem o A. contactava no âmbito da coordenação das reparações de barcos são informados que o A. é substituído nas suas funções por CC – doc. n.º 14 junto com a Providência Cautelar; 7 - 27/04/2020 – retirada de funções do A. como representante do dono da obra, ou seja, relativamente ao que desempenhava na empresa C..., S.A., bem como informação geral para todos os prestadores, colaboradores, empresa de fiscalização e demais operadores – doc. n.º 16 junto com a providência cautelar; 11 – 01/06/2020 – comunicação ao A. da alteração do local de trabalho no âmbito da C..., S.A., passando para Rua ..., ..., ..., Porto, com efeitos a partir de 12/06/2020; 12 – 15/06/2020 – O A. informa que desde o dia 12/06 não possuiu qualquer meio informático ou documental para exercer o seu trabalho no novo local de trabalho e solicita que lhes sejam dados - doc. n.º 12 junto com a contestação do A.” (Parte da conclusão 28).

Conforme, é salientado, no Acórdão desta Relação de 20.05.2024 (supracitado), nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, a Relação deve, ainda, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a sua ampliação.

Assim, o tribunal ad quem deve proceder à ampliação da matéria de facto apenas quando conclua que, à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas, existe matéria de facto alegada que não foi conhecida pelo tribunal a quo, emitindo um juízo de provado ou não provado, desde que se trate de matéria indispensável à dilucidação das referidas soluções plausíveis.

A ampliação da decisão da matéria de facto pode ainda decorrer de factualidade complementar ou concretizadora alegada pelas partes e que se tenha revelado no decurso da instrução da causa, conforme previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, ou ainda quando estejam em causa factos notórios ou do conhecimento do tribunal por força do exercício das suas funções, neste caso, “ex vi” alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil.

A ampliação da decisão da matéria de facto, quando necessária, processar-se-á no tribunal ad quem, desde que constem do processo todos os elementos que a permitam, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório.

Ora, o conteúdo que o Recorrente propõe nas conclusões 20), 27) e parte da 28) é irrelevante para a decisão da presente lide, sendo, além disso, genérico e conclusivo (reiteramos o exposto acima quanto a esse aspeto).

Com efeito, o que consta da conclusão 20) é até contraditório com o que se pretende dar como provado nas conclusões 14) e 15). Pergunta-se: afinal, começou a trabalhar em 1 de janeiro de 2015 ou em 2011, para o sócio-gerente de todas as empresas do “Grupo A...” (sendo matéria conclusiva afirmar tratar-se de um “Grupo”)?

Além disso, não existe omissão de pronúncia quanto ao que sucedeu nas empresas angolanas clientes da Ré [conclusão 27)], porque o que aqui se discute é a situação financeira da Recorrida.

Acresce que os factos que o Recorrente enumera na “linha de tempo” de parte da conclusão 28), sob os n’s 3, 4, 6, 7, 11 e 12, não dizem respeito à extinção do posto de trabalho do Autor na Ré, mas sim atinentes à atividade desenvolvida pelo Recorrente com a empresa “C...” e com a prestação de serviço que manteve com a sociedade “B...”.

Ante o exposto, conclui-se que esta matéria que o Recorrente pretende ver aditada à factualidade provada é impertinente, pelo que deve ser indeferido o requerido pedido de ampliação da matéria de facto.

Deste modo, a impugnação da decisão da matéria de facto restringir-se-á às conclusões 16), 25) e restante da 28), e à consideração como não provados, parcialmente, o ponto dado por provado em 18) (funções de mera contabilidade) e, na sua totalidade, os pontos de facto provados em 24), 25), 26) e 27).

O Recorrente pretende o aditamento do conteúdo da sua conclusão 16), com a seguinte redação:

- “O Autor também detinha vínculo laboral com a outra empresa do grupo – C..., S.A”.

Para tanto, alega que a Recorrida, no artigo 58.º do articulado de resposta à contestação, admitiu, por acordo, tal facto.

Vejamos:

Da análise do citado artigo 58.º, verifica-se que a Recorrida aceita o seguinte: “O Autor foi funcionário da Ré e da C... desde 1 de junho de 2017”.

Assim, determina-se o aditamento à factualidade dada como provada do seguinte facto:

38 – “O Autor, desde 1 de junho de 2017, também trabalhava para a empresa “C..., S.A.”

Da conjugação dos artigos 662.º, n.º 1, 663.º, n.º 2 e 607.º, n.º 4, todos do Código de Processo Civil, impõe-se a modificação da decisão da matéria de facto quando os elementos constantes do processo determinarem decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas.

No caso em apreço, existiu acordo entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (cfr. artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), nomeadamente, o constante dos artigos 60.º e 61.º do articulado de resposta à contestação.

Face ao exposto, determina-se o aditamento à matéria de facto dada como provada de mais dois factos:

39 – A “C..., S.A,”, dedica-se à “Compra, venda e permuta de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Arrendamento de imóveis, gestão de património próprio ou alheio, bem como a prestação de serviços conexos com estas atividades”.

40 – Cujos sócios são BB e as suas três filhas, detendo o primeiro 85% da participação social e cada uma das restantes sócias 5%.

O Recorrente solicita ainda o aditamento à factualidade dada como provada do conteúdo da sua conclusão 25):

- “Exercício das funções de contabilista certificados da Requerida, bem como responsável pela execução de toda a contabilidade da mesma; - Elaboração do reporte declarativo junto do Banco de Portugal e do INE; - Responsável pela análise de todos os contratos, condições e âmbito de aplicação e acompanhamento dos mesmos; - Responsável pela elaboração e acompanhamento de todo o reporte económico financeiro da empresa.”

A descrição das funções exercidas pelo recorrente encontra-se detalhada no facto provado em 10).

Após análise da motivação feita pelo Tribunal “a quo” (depoimentos prestados em audiência final; dois relatórios periciais; prova documental junta aos autos principais e ao procedimento cautelar de arresto apenso), constata-se que a sentença sintetizou os aspetos relevantes da prova testemunhal, pericial e documental.

Prevalece aqui o princípio da imediação, não tendo o Tribunal ad quem detetado qualquer anomalia na formação da convicção do Tribunal a quo.

Com efeito, competia ao Recorrente o ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo certo que, nos termos do artigo 414.º do Código de Processo Civil: “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”.

Não há elementos novos a acrescentar ao facto dado por provado em 10), cuja redação se mantém, por conseguinte, inalterado.

Quanto à restante matéria indicada pelo Recorrente na conclusão 28):

- “8 - 27/04/2020 – retirada da viatura que lhe estava afeta com efeitos imediatos – doc. n.º 17 junto com a providência cautelar; 9 - 27/04/2020 – o A. constata que o seu computador de trabalha lhe foi retirado – doc. n.º 17 junto com a providência cautelar; 10 – 06/05/2020 – comunicação da necessidade de extinguir o posto de trabalho com a R. – doc. n.º 19 junto com a providência cautelar.”

Constata-se que estes factos foram dados por provados conforme se extrai da factualidade provada em 13), e 32), pelo que, nada há mais a acrescentar.

Por último, o Recorrente solicita que sejam dados por não provados, parcialmente, o facto provado em 18) (funções de mera contabilidade) e, na totalidade, os factos provados em 24), 25), 26) e 27).

Sem razão, porém.

Esta factualidade encontra sólido amparo na motivação do Tribunal a quo (para a qual se remete) nos dois relatórios periciais juntos aos autos e nos esclarecimentos prestados pelas Senhoras Peritas em audiência final.

Também a testemunha DD, no que concerne ao decréscimo financeiro da Recorrida, à adoção de medidas de reestruturação necessárias para inverter a sua situação económico financeira, ao aumento da rubrica de gastos com o pessoal e à avaliação da medida de extinção do posto de trabalho, prestou depoimento nesse sentido.

Da prova produzida, conclui-se que a pandemia e a crise econômica em Angola tiveram um impacto significativo na Recorrida, levando a uma reestruturação da empresa e à extinção de postos de trabalho.

Isto porque:

· Dependência do mercado angolano: A Recorrida é essencialmente uma empresa de “trading” internacional que atua como intermediária entre fabricantes/fornecedores e empresas compradoras estrangeiras. Os seus clientes são exclusivamente empresas angolanas, que representam cerca de 100% da sua faturação.

· Estado de emergência e medidas restritivas: Tanto Portugal como Angola decretaram o estado de emergência e implementaram medidas legislativas que condicionaram a atividade das empresas angolanas, incluindo as clientes da Recorrida. A Circular n.º 03/GMF/2020 suspendeu a execução de contratos celebrados e procedimentos de contratação pública sem financiamento assegurado, afetando os contratos no âmbito do Programa de Investimento Público e as despesas de apoio ao desenvolvimento.

· Crise no setor petrolífero: A economia angolana é altamente dependente do preço do petróleo, e a sua queda teve consequências negativas. A pandemia de Covid-19 causou um decréscimo na procura de petróleo, e a decisão da OPEP de reduzir a quota diária de produção de Angola agravou a crise.

· Reestruturação e extinção de postos de trabalho: A Recorrida iniciou uma reestruturação, incluindo a extinção do posto de trabalho de Diretor Financeiro, cujas funções passaram a ser prestadas por uma empresa externa em regime de "outsourcing".

· Diminuição do negócio e da faturação: A diminuição do negócio com as associadas do grupo é uma realidade, afetando a faturação e a margem comercial da Recorrida. A aparente solidez financeira da Recorrida está alavancada em empréstimos com garantias prestadas pelo seu sócio-gerente.

· Medidas de contingência: A Recorrida implementou medidas como a diminuição da atividade da empresa e a redução salarial de todos os funcionários.

· Impacto nas empresas associadas: As clientes da Recorrida, como a B... Lda., já sofriam um impacto negativo devido à crise em Angola, e a queda do preço do petróleo e o cancelamento de contratos agravaram a situação. Os funcionários dessas empresas perderam grande parte do valor de seus salários devido à volatilidade cambial.

· Dependência de um único mercado: A Recorrida depende fortemente do mercado angolano, tornando-a vulnerável às flutuações económicas e financeiras do país. A falta de receitas para investimentos públicos e a desvalorização da moeda nacional criaram um ambiente de negócios negativo.

Considerando o conjunto probatório, nomeadamente os dois relatórios periciais, e os aspetos relevantes da prova testemunhal, conclui-se pela inexistência de erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.

Em conclusão, a impugnação da decisão da matéria de facto procede, em parte, pelos motivos expostos.


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Ampliação do Recurso:

A Recorrida solicita, subsidiariamente, o pronunciamento sobre as seguintes questões de facto que foram julgadas não provadas:

“1 - A diminuição do negócio com as associadas do grupo é uma realidade, e a faturação da R. vê-se já, e ver-se-á drasticamente afetada, bem como a sua margem comercial está em processo decrescente.”

“2 - Tendo em conta o supra alegado quanto às categorias e concretas funções dos funcionários da R. e de forma a alcançar um correto dimensionamento, adequação e qualificação dos recursos humanos à natureza e volume da sua presente atividade, atual e futura diminuição de procura dos seus serviços, o único posto de trabalho a extinguir que se revela eficiente para atingir aquele desiderato é o do A.”

“3 - Os três remanescentes postos de trabalho – pela natureza das concretas funções que desempenham - são essenciais de manter no interior da empresa e não são passíveis de serem entregues a uma entidade externa, ao contrário do que acontece com os serviços financeiros e contabilísticos que podem ser assegurados por empresa externa especializada, com um necessário corte nos custos, e pelo próprio gerente da empresa.”

No entanto, uma vez que o Tribunal ad quem não julgou não provados os pontos de facto dados como provados em 24), 25), 26) e 27), fica prejudicada a apreciação do pedido de ampliação do objeto do recurso apresentado pela Recorrida, para a eventualidade de o recurso do Recorrente ser julgado procedente.


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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO:

A sentença recorrida fundamenta a sua decisão na análise das seguintes questões:

A – Verifica-se que a demandada tem como sócios o seu próprio gerente e outras duas sociedades sediadas em Angola, detentoras de parte do seu capital social, mas desconhece-se se a demandada também participa no capital social de outras empresas tituladas pelo sócio-gerente, BB.

B – Estão excluídas na definição dada pelo artigo 483.º do Código das Sociedades Comerciais as sociedades comerciais em regime de simples participação.

C – Não ficou demonstrado que entre a demandada e as demais empresas detidas pelo referido sócio-gerente existisse alguma situação de domínio ou de grupo, tal como previsto nos artigos 488.º e 493.º do Código das Sociedades Comerciais.

D – A inexistência de um grupo de empresas determina, no caso concreto, que o Autor não só não pode convocar a responsabilidade solidária das demais empresas referidas, como também a Ré não tem de demonstrar a inexistência de outro cargo compatível com as funções exercidas pelo demandante, para além do seu próprio quadro de pessoal.

E – O Autor não provou a existência de contrato de trabalho, ainda que verbal, anterior à data da outorga do contrato de trabalho por tempo indeterminado junto aos autos.

F – A decisão de extinção do posto de trabalho cumpriu os requisitos constantes nos artigos 369.º a 371.º do Código do Trabalho.

G – O artigo 338-A do Código do Trabalho, aditado pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, ainda não se encontrava em vigor à data da decisão da extinção do posto de trabalho.

Assim, o Tribunal a quo concluiu, nos seguintes termos:

I – Pela licitude da extinção do posto de trabalho, sendo devida a título de compensação a quantia de 2.297,52 €.

II – A título de créditos salariais, a quantia de 6.701,10 €.

III – Não serem devidos danos não patrimoniais.

O Recorrente, em sede recursória, solicita o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho desde janeiro de 2015 e que a Recorrida seja, consequentemente, condenada a pagar-lhe todos os direitos vencidos e não pagos, como férias, subsídios de férias e de Natal, e que o despedimento seja considerado ilícito, com as devidas consequências legais.


*

Trata-se de uma sentença bem estruturada e fundamentada, que utiliza uma fundamentação de facto e de direito, assertiva, clara e compreensível.

Importa aquilatar se a solução é a acertada.

Relativamente à pretensão do Recorrente de que lhe seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho desde janeiro de 2015, o quadro factual provado no Tribunal a quo manteve-se inalterado[26].

Assim, neste âmbito, não se verifica fundamento que justifique o afastamento do julgado em 1.ª instância.

Quanto à licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho:

O Recorrente foi alvo de um despedimento por extinção do posto de trabalho. Trata-se de um despedimento por causa objetiva, fundamentado na inexigibilidade ou impossibilidade superveniente por causa não imputável às partes [artigos 340.º, alínea e), 367.º a 372.º].

Contudo, tendo em conta o princípio constitucional da segurança e estabilidade do emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, impõe-se assegurar que estes despedimentos ocorram dentro de parâmetros de razoabilidade, através da sua limitação em termos substanciais e procedimentais, bem como garantir ao trabalhador uma adequada compensação monetária.

Assim, o despedimento por extinção de posto de trabalho obriga a um procedimento (de natureza não disciplinar) escrito e em que se observe um conjunto de requisitos e pressupostos formais (comunicação, consulta e decisão – artigos 369.º a 371.º) e substanciais.

Da verificação dos requisitos substanciais para a extinção do posto de trabalho:

Nos termos do artigo 367.º, n.º 1: “Considera-se despedimento por extinção do posto de trabalho a cessação do contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa”.

Os motivos de mercado (situação de crise empresarial), estruturais ou tecnológicos (reorientação estratégica) encontram-se definidos no n.º 2 do artigo 359.º (n.º 2 do artigo 367.º).

O conjunto dos factos provados em 16) a 24), denotam a existência de uma crise empresarial por motivos de mercado (agravada pela pandemia e forte dependência ao mercado Angolano), e os factos provados de 25) a 27) são reveladores de uma nova reorientação estratégica da empresa (adjudicar as concretas funções que lhe estavam entregues a uma terceira entidade a título de prestação de serviço).

Pacificamente, tanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido que o controlo jurisdicional dos motivos de despedimento deve ser efetuado com respeito pelos critérios de gestão do empregador, limitando-se o Tribunal a verificar se tal extinção não é meramente aparente, se se funda ou não em motivos económicos e, quando muito, se a decisão de gestão não se configura como absolutamente imprudente, arbitrária ou leviana[27].

Como se destaca no Acórdão desta secção social, datado de 5.11.2024 (relator: Nélson Fernandes), no qual intervieram como 1.º Adjunto, o atual 2.º Adjunto e como 2.ª Adjunta a atual 1.ª Adjunta, Processo n.º 1203/24.8T8=AZ-A.P1[28], cujo sumário consigna:

«(…)

IV- Não cumprindo ao tribunal desrespeitar os critérios de gestão da empresa, na medida em que sejam razoáveis e consequentes, já é sua competência efetuar quer o controlo da veracidade dos motivos invocados para o despedimento, quer a verificação sobre a existência de nexo de causalidade entre esses motivos e o despedimento, de modo a que se possa concluir, segundo juízos de razoabilidade, se esses (motivos) se mostram adequados a justificar a decisão de despedimento.» (Fim da transcrição)

Foi entendimento do Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 30.03.2022 (relator: Júlio Gomes), Processo n.º 9989/19.5T8PRT.P1.S1[29], que:

«(…) a decisão de externalização de um serviço, cujas funções não foram distribuídas pelo remanescente da estrutura produtiva, constitui uma modificação estrutural que, nos termos da lei, pode servir de fundamento a um despedimento por extinção do posto de trabalho.» (Fim da transcrição)

Note-se que à data da decisão do despedimento por extinção do posto de trabalho, não estava em vigor o n.º 1 do artigo 338-A (aditado ao Código do Trabalho pela Lei n.º 13/2023, de 3.04), o qual dispõe o seguinte:

Proibição do recurso à terceirização de serviços

“1 - Não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho.”

Conforme referem Paula Quintas e Hélder Quintas[30] sobre o despedimento por extinção do posto de trabalho, o empregador deve indicar e provar fundamentos de facto concretos que levem, numa relação de congruência, de forma razoável, e atento o nexo de causalidade, ao despedimento daquele trabalhador.

Nos termos do artigo 368.º, n.º 1: “O despedimento por extinção de posto de trabalho só pode ter lugar desde que se verifiquem os seguintes requisitos:

a) Os motivos indicados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador;

b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;

c) Não existam na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;

d) Não seja aplicável o despedimento coletivo.

Nos termos do n.º 4 do citado artigo 368.º: “Para efeitos da alínea b) do n.º 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.”

Como salientado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25.10.2017 (relatora: Filomena Manso), Processo n.º 23212.15.8T8LSB.L1-4[31], a categoria profissional relevante, para o efeito, é a categoria interna ou normativa e não a categoria funcional, invocando-se, a propósito, a posição de Maria do Rosário Palma Ramalho[32].

Com efeito, como refere Monteiro Fernandes[33]: «Para que se possa considerar que há posto de trabalho compatível, basta que exista algum relativamente ao qual se possa contar com a qualificação profissional, a aptidão do trabalhador – e com a sua aceitação. É justamente dessas hipóteses que trata o artigo 119.º do Código do Trabalho: a manutenção do vínculo pode justificar uma solução de recurso como essa.» (Fim da transcrição)

No caso em apreço, o Recorrente era Diretor Financeiro da Recorrida e, no exercício dessa atividade, desempenhava as funções descritas no ponto 10) dos factos provados.

Por sua vez, no ponto 28) dos factos provados, ficou demonstrado que:

“A R. não dispõe de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do A., sendo que os restantes trabalhadores da R. exerciam as seguintes funções: - A funcionária RR tinha a categoria profissional de Diretora executiva – ou Diretora geral Adjunta, exercendo funções de caráter administrativo no quadro da empresa, designadamente executando, entre outras, as seguintes tarefas: Administrar as operações diárias da empresa, garantir a boa execução orçamental, assegurar o cumprimento de regulamentos e procedimentos da empresa por todos os membros da equipa, assegurar que a equipa cumpre prazos e metas, autorizar pagamentos, controlar as receitas e despesas mensais, gestão das contas bancárias (definir aonde sacar valores), executar operações bancarias aprovadas, assinar e monitorizar o cumprimento dos contratos - previamente aprovados pela gerência -, garantir a legalidade de contratos, de ativos e da documentação da empresa, contactar clientes e fornecedores e prestadores de serviços para negociar termos, condições e preços de serviços e produtos, monitorizar o desempenho diário dos gestores de áreas, aprovar e assegurar o cumprimento dos planos dos departamentos e plano global da empresa, gerir e controlar os orçamentos de receitas e despesas, executar investimentos autorizados e assegurar a sua rentabilização, resolver problemas operacionais do quotidiano, assegurar a logística, administração e legalidade dos projetos, assegurar a manutenção dos ativos da empresa, através da recolha de relatórios e informações complementares da posição dos mesmos, dos vários gestores responsáveis, autoriza e executa os pagamentos a fornecedores, autoriza e executa o pagamento dos salários, planeia a organização mais proficiente dos recursos humanos, materiais e financeiros, faz o “procurement” dos matérias e equipamentos e é a representante da empresa em feiras, nacionais e internacionais; - FF tinha a categoria profissional de assistente administrativo, exercendo funções na área da logística, tendo sido acordado com a R. a revogação do seu contrato de trabalho em julho de 2020; - BB, na qualidade de gerente e de Diretor Geral, cabe-lhe o arranque de negócios, garantir que a empresa atinge os seus objetivos, supervisionar pessoalmente e corrigir desvios que impeçam a empresa de atingir as metas, previamente definidas, assegurar a obtenção dos resultados definidos nos planos operacionais e administrativos, em conformidade com a missão da empresa, seus princípios e filosofia de negócios, dentro das diretrizes estratégicas e operacionais estabelecidas, por meio da coordenação geral de todas as áreas da empresa de forma a conseguir uma atuação sempre articulada entre as partes que a compõem.”

Assim, provaram-se os motivos justificativos para a decisão da extinção do posto de trabalho, o nexo de causalidade e a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do Recorrente.

Note-se que, sendo o Recorrente o único Diretor Financeiro da Recorrida, e não inexistindo uma pluralidade de postos de trabalho com conteúdo funcional idêntico, a empregadora não tinha a obrigação, aquando da extinção do posto de trabalho, de seguir os critérios de seleção relevantes e não discriminatórios elencados nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 368.º.

Porém, o Recorrente alega que a Recorrida se insere num grupo de empresas, onde existiriam outros postos de trabalho compatíveis com o seu, não tendo esta provado a inexistência, em toda a sua estrutura organizativa, de outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional, nem que todos os postos de trabalho destinados a trabalhadores com a sua categoria estivessem preenchidos.

Nos termos do artigo 482.º do Código das Sociedades Comerciais, consideram-se sociedades coligadas:

a) As sociedades em relação de simples participação;

b) As sociedades em relação de participações recíprocas;

c) As sociedades em relação de domínio;

d) As sociedades em relação de grupo.

As sociedades em relação de simples participação, segundo Rui Pereira Dias[34] correspondem à forma mais simples de coligação societária, caraterizando-se por um elemento positivo (uma das sociedades deter 10% ou mais do capital de outra) e por um elemento negativo (não existir entre as sociedades outra relação -mais forte- de coligação societária). Ou seja, ocorre quando uma sociedade detém uma participação minoritária noutra sociedade.

As sociedades em relação de participações recíprocas configuram-se quando cada sociedade detém, pelo menos, 10% do capital de outra. Ocorre quando duas sociedades possuem participações recíprocas no capital uma da outra.

As sociedades em relação de domínio estão configuradas no artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais. Estão em relação as sociedades em que uma delas, direta ou indiretamente, possa exercer na outra uma influência dominante, de acordo com as presunções do n.º 2.º do mesmo artigo.

Por fim, as sociedades em relação de grupo (artigos 488.º e sgs. do Código das Sociedades Comerciais), envolve um conjunto de sociedades que estão sob a direção única de uma sociedade-mãe.

Como sublinha Ricardo Costa[35]: «O “domínio total inicial” (tal como denominado na epígrafe do art. 488.º) ou originário assenta na titularidade exclusiva das participações de uma sociedade anónima – sujeito passivo da relação de domínio – por uma outra sociedade anónima (unipessoal ou plural), uma sociedade por quotas (unipessoal ou plural) ou uma sociedade comandita por ações (nos termos da articulação com o art. 481.º, 1: âmbito subjetivo de aplicação do regime das sociedades coligadas) – sujeitos ativos da relação de domínio.» (Fim da transcrição)

Dos pontos 2), 3), 39) e 40) dos factos provados temos que:

ü A Recorrida foi criada em outubro de 2011, com a designação de “A... Portugal, Unipessoal, Lda.”, com o capital social de 5.000,00 €, por BB

ü Em julho de 2012, entraram duas novas sócias, a “B..., Lda.”, e a “A..., Lda.”, entidades de Direito Angolano, que entraram no capital social da A... e subscreveram, cada uma, uma quota de € 215.000,00, o que, juntamente com o reforço da quota de BB no montante de € 65.000,00, fez aumentar o capital social da A... para € 500.000,00, que se mantém atualmente

ü A “C..., S.A,”, dedica-se à “Compra, venda e permuta de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Arrendamento de imóveis, gestão de património próprio ou alheio, bem como a prestação de serviços conexos com estas atividades”

ü Cujos sócios são BB e as suas três filhas, detendo o primeiro 85% da participação social e cada uma das restantes sócias, 5%.

Ora, a mera presença de um mesmo sócio-gerente em várias sociedades não é, per se, suficiente para que estas sejam consideradas coligadas. É o que sucede com a “A... Portugal” e a “C...”: embora BB seja sócio de ambas, a sua participação na “C...” (85%) é através de capitais próprios e não através da Recorrida.

Reitera-se que a configuração de sociedades coligadas, segundo o Código das Sociedades Comerciais, depende de relações específicas de participação ou controlo entre elas, conforme definido no artigo 482.º desse diploma legal.

A factualidade acima transcrita sugere a existência de potenciais relações, mas não permite afirmar categoricamente, sem dados adicionais, a existência de coligação de sociedades em relação de participações recíprocas, em relação de domínio ou em relação de grupo.

Note-se que a participação da “A... (Angola)” e da “B..., Lda.”, que detém, cada uma, 43% do capital da Recorrida (215.000 € de 500.000 €), configura, sem dúvida, uma “relação de simples participação” nos termos da alínea a) do artigo 482.º do Código das Sociedades Comerciais, pois detém, cada uma delas, mais de 10% do capital da Recorrida.

Desconhece-se, porém, a estrutura acionista da “A... (Angola) “ e da “B..., Lda.”, nomeadamente, se a Recorrida detém ou não uma participação relevante nessas sociedades.

O artigo 481.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, ao definir o âmbito espacial de aplicação do título VI desse Código, refere o seguinte:

“2. O presente título aplica-se apenas a sociedades com sede em Portugal, salvo quanto ao seguinte:

a) A proibição estabelecida no artigo 487.º aplica-se à aquisição de participações de sociedades com sede no estrangeiro que, segundo os critérios estabelecidos pela presente lei, sejam consideradas dominantes;

b) Os deveres de publicação e declaração de participações por sociedades com sede em Portugal abrangem as participações dadas em sociedades com sede no estrangeiro e destas naquelas;

c) A sociedade com sede no estrangeiro que, segundo os critérios estabelecidos pela presente lei, seja considerada dominante de uma sociedade com sede em Portugal é responsável para com esta sociedade e os seus sócios, nos termos do artigo 83.º e, se for caso disso, do artigo 84.º;

d) A constituição de uma sociedade anónima, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 488.º, por sociedade cuja sede não se situe em Portugal.”

O preâmbulo do n.º 2 do artigo 481.º estabelece uma regra de autolimitação espacial do regime, com as exceções elencadas nas suas alíneas a) a d), que no caso em apreço se traduz na exigência de as sociedades terem sede em Portugal.

Por outras palavras, o ponto de partida do legislador societário português no artigo 481.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, é o de excluir do regime dos grupos as relações intrassocietária plurilocalizadas.

Na jurisprudência nacional, o Tribunal Constitucional no Acórdão, de 28.04.2015, publicado no DR, 2.ª Série, n.º III, de 9.06.2015, decidiu:

«Julgar inconstitucional a interpretação conjugadas das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecido com esta, ou da sua rutura, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP”.

Contudo, como já referido, não existem elementos factuais que permitam concluir que, para além, da relação de simples participação entre as duas sociedades angolanas e a portuguesa, exista uma relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo (nota: o artigo 334.º do Código do Trabalho, para efeitos de responsabilidade solidária, exclui do seu regime as sociedades coligadas em relação de simples participação).

Do exposto, resulta que a Recorrida não tem o ónus de alegar e provar a inexistência de outro cargo compatível com as funções exercidas pelo Recorrente, para além do seu próprio quadro de pessoal, conforme resulta do provado em 28).

Consequentemente, improcedem as conclusões do recurso, devendo ser confirmada a decisão recorrida.


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Recurso subordinado:

Face ao provado em 37), a Recorrida requer que seja condenada ao pagamento de juros de mora apenas sobre a diferença entre o valor que entregou ao Recorrente (e que este, por sua decisão, devolveu, no montante total de 6.582,82 €) e o valor da condenação (8.989,62 €).

Como é sabido, o devedor constitui-se em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não é efetuada no tempo devido, ficando, por isso, obrigado a indemnizar o credor (artigo 804.º, n.º 2, do Código Civil).

Nas obrigações pecuniárias, como no caso em apreço, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artigo 806.º, n.º 1, do Código Civil).

Sobre o momento da constituição em mora, dispõe o artigo 805.º do mesmo Código.

Por regra, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

Há, porém, mora, independentemente da interpelação, se a obrigação tiver prazo certo [artigo 805.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil].

No caso vertente, tanto os créditos salariais como a compensação pela extinção do posto de trabalho são obrigações de prazo certo (artigo 363.º, n.º 5, ex vi, artigo 372.º).

Contudo, nos termos do artigo 813.º do Código Civil: “O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação”.

Ora, para ilidir a presunção de aceitação do despedimento contida no artigo 366.º, n.º 4, o Recorrente teve de entregar à Recorrida a totalidade da compensação que lhe foi paga por esta última (n.º 5 do citado artigo 366.º) – um imperativo legal.

Logo, a falta de cooperação do credor com motivo justificativo não conduz à mora do credor, porque o artigo 813.º do Código Civil exige falta de cooperação do credor sem motivo justificativo.

Mas também não há mora do devedor, porque o cumprimento é impedido apenas pela falta de aceitação ou cooperação do credor, sem qualquer culpa do devedor.

Segundo João Calvão da Silva[36], tratar-se-á de um caso de inadimplência objetiva, omisso na lei, pelo que, por analogia, deverá aplicar-se o n.º 2 do artigo 814.º, do Código Civil:

2. Durante a mora, a dívida deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionais.”

Ante o exposto, o recurso subordinado merece provimento.


*


V. DECISÃO:

*

Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I) Em julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto.

II) Em julgar, no mais, improcedente o recurso interposto pelo Autor/Recorrente.

III) Em julgar procedente o recurso subordinado da Ré/Recorrida, e em consequência, alterar a sentença recorrida, substituindo-a pela seguinte condenação:

· Condena-se a aqui demandada a pagar ao Autor a quantia global de 8.998,62 €, a título de créditos laborais e de compensação pela extinção do seu posto de trabalho ocorrida em 1.07.2020, sendo devidos juros de mora vencidos e vincendos, sobre o montante de 2.416,00 €, à taxa legal, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.

Custas pelo Recorrente (em sede recursiva), com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao Regulamento Custas Processuais (cfr. artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).

Valor do recurso: o da ação fixada a final (artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).

Notifique e registe.

Porto, 17 de março de 2025.

Sílvia Gil Saraiva (Relatora)

Rita Romeira (1.ª Adjunta)

António Luís Carvalhão (2.º Adjunto)

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[1] Objeto de transcrição - os factos postos em causa pela Recorrente estão destacados a negrito (e os não provado em itálico).
[2] Aditado na sequência do deferimento da impugnação da matéria de facto.
[3] Facto aditado oficiosamente pelo Tribunal “ad quem”.
[4] Facto aditado oficiosamente pelo Tribunal “ad quem”.
[5] Nota: oficiosamente procedeu-se à “numeração” dos factos não provados com o uso das letras do alfabeto
[6] GERALDES, António Santos Abrantes, in “Recursos em Processo Civil”, 7.º Edição; Edições Almedina, S.A. p. 197-199.
[7] Nota: A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a), do n.º 2, do artigo 640.º do Código de Processo Civil, neste sentido, veja-se, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2015, (relator: Tomé Gomes), Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1; (relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza). Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.  Veja-se, todavia, sobre a admissibilidade da impugnação de factos em bloco, desde que interligados, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2021, Processo n.º 1006/11 (relator: Júlio Gomes), e de 19.05.2021, Processo n.º 4925/17 (relator: Chambel Mourisco), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Cf., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.12.2015 (relator: Melo Lima), Processo n.º 3217/12.12.1TTLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt, e o n.º 12/2023 (relatora: Ana Resende), Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), publicado no Diário da República n.º 220/2023, I Série, de 13-11-2023, pp. 44.º a 65.º, com a declaração de retificação n.º 35/2023, publicado no Diário da República, I Série, de 28.11.2023, que uniformizou a jurisprudência nestes termos: «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.». Contudo, da leitura da fundamentação depreende-se que, para cumprir os ónus legais, o Recorrente terá sempre de alegar e levar para as conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, conforme o estabelecido na alínea a), do n-º 1, do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
[9] GERALDES, António Abrantes; PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luís Filipe Pires de, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I (parte geral e processo de declaração), 3.ª Ed. Edições Almedina, S.A., p. 832.º.
[10] Cf., neste sentido, por todos. GERALDES, António Abrantes, PIMENTA, Paulo, e SOUSA, Luís Filipe Pires de, op. citada, p. 822.º, e ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça nele mencionados: de 18.01.2022, Processo n.º 701/19 (relatora: Maria João Vaz Tomé); de 06.05.2021, Processo n.º 618/18 (relator: Nuno Pinto Oliveira); de 11.02.2021, Processo n.º 4279/17 (relatora: Maria da Graça Trigo); de 12.07.2018, Processo n.º 167/11 (relator: Ferreira Pinto) e de 21.03.2018, Processo n.º 5074/15 (relator: Ferreira Pinto), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[11] GERALDES, Ana Luísa, “Impugnação e Reapreciação da Decisão da Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas”, I volume, pág. 589 e sgs.
[12] Cf., neste sentido, por todos. GERALDES, António Abrantes, op. citada, p. 333.º.
[13] Cf., neste sentido, por todos, GERALDES, António Abrantes, op. cit., pág. 334; e, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.09.2013, Processo n.º 1965/04.TBSTB.E1.S1 (relator: Azevedo Ramos), disponível in www.dgsi.pt, comentado por SOUSA, Teixeira, nos Cad. De Direito Privado, n.º 44, pp. 29.º e sgs. ou, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.05.2017, Processo n.º 5164/07.0TLSB-B.L1.S1 (relatora: Ana Luísa Geraldes), também disponível in www.dgsi.pt.
[14] Cf., neste sentido, por todos, GERALDES, Ana Luísa, op. cit. Pp. 509.º e 610.º.
[15] Nota: a qual tem de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos.
[16] SOUSA, Miguel Teixeira, in “Estudos sobre o novo Código de Processo Civil”, Edições Almedina, S.A, p. 347.º
[17] Cf., neste sentido, SOUSA, Luís Filipe, “Prova Testemunhal”, Edições Almedina, S.A, p. 389.º
[18]ANDRADE, Manuel, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 192; no mesmo sentido, vide, ainda, VARELA, Antunes, in “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 435-436. Dizendo este último Professor: «A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto» (Fim da transcrição)
[19] Disponível in www.dgsi.pt.
[20] Disponível in www.dgsi.pt.
[21] Veja-se, por todos, CABRITA, Helena, A fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2021 (relator: Júlio Vieira Gomes), Processo n.º 19035/17, disponível in www.dgsi.pt.
[22] Diploma legal a que iremos fazendo referência, sem menção diversa – vide, o artigo 7.º, n.º 1, do diploma preambular da Lei n.º 07/2009, de 12 de fevereiro.
[23] José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 3º, Tomo I, 2ª edição, 2008, Coimbra Editora, pág. 7/8.
[24] GERALDES, António Abrantes, op. cit., pág. 141.º.
[25] Todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[26] Remissão supra.
[27] Neste sentido, veja-se RAMALHO, Maria do Rosário Palma, in “Direito do Trabalho”, Parte II, Situações Laborais Individuais, 3.ª ed, “Edições Almedina, S.A.”, p. 983.º.
[28] Disponível in www.dgsi.pt.
[29] Disponível in www.dgsi.pt.
[30] QUINTAS, Paula e QUINTAS Hélder, in “Código do Trabalho – Anotado e Comentado”, 2024 - 8.ª edição, “Edições Almedina, S.A.” p. 1085.º
[31] Disponível in www.dgsi.pt.
[32] Neste sentido, RAMALHO, Maria do Rosário Palma, in op. supracitada p. 985.º
[33] FERNANDES, Monteiro, in “Manual de Direito do Trabalho”, 6.ª edição, 2016, p. 904.º, nota: 458.º.
[34] DIAS, Pereira Rui (e outros), in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Volume VII (artigos 481.º a 545.º), 2.ª edição, “Edições Almedina, S.A.”, p. 53.º
[35] Costa, Ricardo, in op. supracitada (nota de rodapé n.º 32), p. 112.º.
[36] SILVA, J. Calvão da Silva, in “Cumprimento e sanção pecuniária compulsória”, Ano 2007,”Edições Almedina, S.A”, p. 123.º, nota 232.