RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DE LABORABILIDADE
MOTORISTA DE SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE TERRESTRE DE PASSAGEIROS/FIXAÇÃO DE UM LOCAL DE TRABALHO ÚNICO OU MESMO PREPONDERANTE
TRABALHO POR TURNOS
Sumário

I - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009.
II- Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o autor fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção de laboralidade (artigo 350.º, n.º 2, do CC).
III – A verificação de tal presunção transfere para a ré o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar (ou seja, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido).
IV – Quanto está em causa um motorista de serviço público, de transporte terrestre de passageiros, a natureza da atividade laboral não se compadece com a fixação de um local de trabalho único ou mesmo preponderante - situação de local de trabalho diluído -, sendo que nesta situação o local de trabalho não é fixo por natureza, ainda que as instalações da empresa possam manter uma relevância acessória para esse efeito (porque por exemplo o trabalhador tem que se apresentar nessas instalações a certas horas do dia, para recolha e entrega do veículo).
V – O Código do Trabalho de 2009, ao contrário do que acontece por exemplo para o trabalho noturno, não estabelece qualquer retribuição específica pelo trabalho prestado por turnos, inexistindo qualquer subsídio de turno ou acréscimo de remuneração pela prestação de trabalho por turnos. Nesta consonância, só a regulamentação coletiva aplicável ou o contrato individual de trabalho é que podem prever essa remuneração específica pelo trabalho por turnos.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Recurso de apelação nº 29/23.0T8VFR.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira, Juiz 1




Relatora: Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta: Rita Romeira
2º Adjunto: António Luís Carvalhão




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

AA (Autor) intentou a presente acção de processo comum contra A..., Lda. (Ré), formulando os seguintes pedidos:

- deverá a relação laboral vincada entre Autor e Ré ser reconhecida como por tempo indeterminado, com efeitos a partir de 05/05/2022, seja em virtude da falsidade do motivo justificativo e ou pela duração anterior da relação laboral;

- deverá ser declarada nula a cláusula 10.º do contrato de trabalho pela inexistência de objeto e porquanto violadora do artigo 230º do Código Civil;

- deverá ser declarada nula, por violação do artigo 16º, n.º 2 do CCTV aplicável à relação laboral, a cláusula 3.ª do contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré;

- deverá ser reconhecido como local do trabalho do Autor o Aeroporto ..., nas funções que este desempenhou, sem prejuízo que tal implique eventual alteração de categoria profissional, a reconhecer, (e eventual aplicação de acordo empresa);

- deverá a Ré ser condenada no pagamento ao autor das seguintes quantias:

a. € 174,99 (cento e setenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos) a título de trabalho em dia feriado não pago;

b. € 6,30 (seis euros e trinta cêntimos) a título de trabalho noturno devido e não pago;

c. € 641,63 (seiscentos e quarenta e um euros e sessenta e três cêntimos) a título de dias de descanso compensatório não gozados (e trabalhados),

d. € 205,18 (duzentos e cinco euros e dezoito cêntimos) a título de trabalho suplementar

e. na quantia que se vier a liquidar a final ou em sede de execução de sentença, a título de danos patrimoniais, entre a diferença do rendimento auferido pelo Autor ao serviço da Ré, reconhecendo-se como remuneração o vencimento e as ajudas de custo, e o que efetivamente recebeu, nos meses de “baixa médica” por parte da segurança social;

f. na quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;

- deverá a Ré ser condenada no pagamento de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.
Fundou o peticionado, invocando, em substância, que: em meados de maio de 2022, foi admitido ao serviço da Ré para o desempenho das funções de motorista, tendo sido acordado que o seu posto de trabalho seria alocado ao transporte público de passageiros no interior das instalações do Aeroporto ..., por sequência de um contrato de prestação de serviços com outra entidade, a B... Portugal; que, por razões de ordem logística e burocrática, as suas funções não puderam iniciar-se naquele local de imediato, pese embora o início das formações; desde essa data, com caráter de regularidade e exclusividade, o Autor iniciou o desempenho de funções nos locais determinados pela Ré, com os equipamentos por esta disponibilizados, num horário pré-determinado, e contra uma remuneração, concretamente no transporte de veículos pesados de passageiros, tanto a transportar veículos de Espanha para Portugal, como em viagens de ida e volta entre Porto e Lisboa, no circuito “C...”, indicando determinadas jornadas laborais (art. 8.º da p.i – em 12-05-22, 25-05-22, 28-05-22, 29-05-22, 25-06-22, 26-06-22, 14-07-22, 15-07-22, 16-07-22, 17-07-22, 18-07-22, 21-07-22, 23-07-22, 24-07-22), tudo sem prejuízo das formações necessárias para poder laborar no interior do Aeroporto ... que decorreram nos dias 2,3, 13, 14, 23 e 24 de junho de 2022; as partes vieram a outorgar um contrato de trabalho a termo certo em 27-07-2022, não obstante nele se encontre aposta a data de 01-08-2022; a tal contrato é aplicável a CCT celebrada entre a Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Pesados de Passageiros (ANTROP) e o Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (STRUP), publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 35, de 22 de Setembro de 2019; não obstante o que ficou a constar do contrato de trabalho, que o Autor outorgou, este veio a desempenhar as funções que haviam sido primitivamente combinadas e por si elemento fundamental da aceitação (atenta a proximidade geográfica da residência do posto de trabalho), isto é, a circunstância de prestar atividade dentro do recinto do Aeroporto ..., no Porto, para a trasfega de passageiros entre o Avião e a Gare, e assim sucedeu desde 01-08-2022 até meados de novembro desse mesmo ano; no dia 30-10-2022, o Autor foi interveniente num acidente, quando conduzia o autocarro n.º 410 no Aeroporto em referência e, a partir daí e por causa desse acidente, foi castigado abusivamente pela Ré, passando a ser escalado para realizar os transportes da C... (viagens ...); apesar disso, apresentou-se ao serviço no Aeroporto ..., tendo visto o seu acesso negado das vezes em que aí se apresentou para trabalhar – 14 e 15 de novembro de 2022, sendo que solicitou pedido de intervenção inspetiva por parte da ACT e solicitou no dia 15 a presença da PSP; por todos estes factos, que na sua perspetiva mais não é do que terror psicológico, sentindo-se bastante perturbado, decidiu ser visto por um médico, que lhe concedeu um período de incapacidade temporária para que se pudesse recompor, entre os dias 15-11-2022 e 26-11-2022, renovada por mais 30 dias em 27-11-2022.
Sustentou que: o motivo justificativo aposto no contrato outorgado para justificar a contratação a termo é falso, pelo que tal contrato deve ser considerado sem termo; a cláusula 10ª do contrato a termo é nula, por consubstanciar uma renúncia a direitos futuros, e ter um objeto indeterminável, sendo ainda contrária à Constituição da República Portuguesa; a cláusula 3º do contrato é nula, por permitir ao empregador modificar unilateralmente o local de trabalho, sem que tal não seja num quadro de exceção, com caráter limitado, violando o artigo 16º, n.º 2 do CCTV aplicável à relação laboral; a Ré alterou unilateralmente o local de trabalho do Autor em Novembro de 2022, retirando-o das funções no aeroporto e escalando-o para serviços de “C...”, pelo que lhe deverá ser reconhecido como local de trabalho o Aeroporto ...; prestou trabalho em dias feriados que indica (15-08-22, 5-10-2022 e 1-11-2022), que não lhe foi pago; trabalhou horas de trabalho noturno nos dias 26-08-2022 e 27-08-2022 nas horas que indica, sem que lhe fosse pago o subsídio respetivo; no período a partir de 1-08-2022 não gozou de dois dias de descanso consecutivo, não gozou descanso semanal compensatório, e não lhe foram pagos os dias que seriam de descanso, mas em que trabalhou, sendo devida a quantia de €641,63 a título de dias de descanso compensatório não gozados (e trabalhados); prestou trabalho suplementar nos dias e horas que indica (reportado às semanas, dias e horas discriminados no artigo 132.º da p.i., situados no período temporal de 1-08-2022 a 30-10-2022), que não foi pago, reclamando a este título a quantia de €205,18; sofreu danos patrimoniais decorrentes da necessidade de ter recorrido a baixa médica, correspondentes à diferença entre o montante do seu vencimento e o montante que lhe foi pago pela Segurança Social, determináveis em sede de liquidação de sentença; sofreu danos não patrimoniais, porquanto se sentiu menosprezado e desgostoso, pela forma como lhe foi alterado o posto de trabalho, foi impedido de entrar no seu local de trabalho, o que lhe causou enorme vergonha, e viu-se privado de fornecer a sua força produtiva, ficando consternando e ansioso, danos estes que computa em € 2.500,00.

Realizada audiência de partes, frustrou-se a conciliação, sendo a Ré notificada para contestar.

A Ré apresentou contestação, pugnando pela improcedência da ação e a sua absolvição dos pedidos. Apelou aos termos do contrato celebrado entre as partes, que o Autor o outorgou de livre vontade, e sobretudo o que dele consta no que toca ao local de trabalho, dizendo que corresponde ao acordado entre as partes. Alegou ainda que: o Autor, antes de celebrar o contrato de trabalho com a Ré, efetuou serviços de transporte de passageiros pontuais para a Ré, nas linhas C..., daí ter sido contratado para realizar serviço C..., sendo que o Autor foi pago pelo serviço pontual prestado, de acordo com o valor acordado entre as partes; muito embora a Ré ainda preste serviços de transporte no Aeroporto ..., os mesmos são requisitados ao dia e de acordo com as necessidades das operações, pelo que contratou o Autor para onde dele precisa, ou seja, para os transportes da C..., e por isso só pontual e temporariamente prestou o mesmo serviços no Aeroporto ..., a solicitação da Ré; sabendo o Autor que estava escalado para os transportes da C..., ainda assim compareceu reiteradamente no Aeroporto ..., até que lhe foi retirado ao acesso a esse espaço no dia 14-11-2022, e que a entidade gestora do Aeroporto não voltará a conceder acesso ao Autor, por ser considerado elemento perigoso num espaço de alta segurança como é o Aeroporto; o Autor teve um acidente, do qual a Ré apenas teve conhecimento através de colegas dele e da B..., mas nenhum procedimento disciplinar intentou, em face da irrelevância das consequências desse acidente; aquilo que o Autor apelida como “castigo” é simplesmente estar escalado para o serviço para que foi contratado; a Ré nada deve ao Autor a título de subsídio de trabalho noturno, subsídio de turno, descanso compensatório e trabalho suplementar; o alegado prejuízo financeiro que o Autor alega ter sofrido, em virtude de se encontrar de baixa médica, apenas a si poderá ser imputável, na medida em que, em reação a não querer realizar o trabalho para o qual foi contratado, optou por solicitar baixa médica.

Foi proferido despacho em 29-03-2023 (refª citius 126621117), no qual foi considerado que alguns factos alegados careciam de concretização e, ao abrigo do disposto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), e 4 do Código de Processo Civil, foi Autor convidado a, no prazo de 10 dias, concretizar a factualidade em causa, mais precisamente (transcrição):

“a) Sendo controvertida a natureza do vínculo existente entre as partes de meados de Maio de 2022 até Agosto de 2022, convida-se o autor a esclarecer qual o horário prédeterminado pela ré e designadamente se apenas trabalhou para a ré nos dias referidos no artigo 8.º da petição inicial ou não, a remuneração acordada entre as partes, bem assim a regularidade do seu pagamento (artigos 6.º, 12.º e 17.º da petição inicial);

b) Qual o regime de rotatividade das folgas semanais vigente a partir de 01/08/2022.”.

Nesse mesmo despacho foi consignado ainda o seguinte:

“Cumprido que se mostre o disposto no artigo 255.º do Código de Processo Civil, disporá a ré de igual prazo para, quanto à factualidade que vier a ser alegada se pronunciar”.

Por requerimento de 21-04-2023 (refª citius 14468437), o Autor respondeu ao convite ao aperfeiçoamento. Nesse requerimento invocou que, para além dos dias indicados no artigo 8.º da p.i. como trabalhados, laborou nos dias e nos termos que discrimina no ponto 1º do identificado requerimento; não ocorreu, em rigor, uma negociação do valor da remuneração a ser paga ao Autor pelo trabalho prestado nesse período, tal iria variar em função dos dias e horas de trabalho prestados; pode esclarecer que, por cada dia de trabalho, receberia em média € 50,00, acrescidos de € 10,00 a título de subsídio de almoço; quanto às folgas, foi informado que teria 2 dias de folgas rotativas, sendo que, ao contrário do combinado e como resulta das escalas de trabalho juntas, na maior parte das situações tal não se verificava apenas gozando o Autor de um dia de descanso semanal.

Notificada de tal requerimento através de notificação entre mandatários (artigos 221.º e 255.º do CPC), a Ré nada disse.

Na decisão refª citius 127323415 foi:

- dispensada a realização de audiência prévia;

- proferido despacho saneador;

- fixado o valor da causa em € 5.528,70.

- dispensada a fixação do objeto do litígio e dos temas de prova.

- admitido o requerimento do Autor respeitante à concretização da factualidade por si alegada na petição inicial, na sequência do convite formulado pelo Tribunal;

- consignado o seguinte: “O facto alegado no artigo 12.º foi aceite pela ré, o qual, porém, não significa que esta tenha confessado a existência de uma relação laboral entre as partes reportada a 05/05/2022, ao contrariamente ao pretendido pelo autor. Além disso, não está confessado pela ré que o local de trabalho efectivo do autor era das instalações da aerogare do Aeroporto ... (vide desde logo a impugnação dos factos alegados nos artigos 3.º a 6.º, 7.º parte inicial, 8.º e 17.º da petição inicial, bem assim a posição definida que a ré assume na contestação relativamente à pretensão do autor, contrariando-a), razão porque não é possível ainda neste momento conhecer parcialmente do mérito da acção.”

Por requerimento de 22-05-2023 (refª citius 14597092), a Ré informou que, em 6-04-2023, recebeu uma missiva do Autor a comunicar a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com efeitos “imediato e definitivo”, nos termos constantes da comunicação escrita que juntou como doc. 1., requerendo que fosse declarada a inutilidade superveniente da lide quanto aos quatro primeiros pedidos formulados pelo Autor na petição inicial.

Em 5-06-2023 (refª citius 14665936), o Autor veio tomar posição no exercício do contraditório, declarando aceitar, por verdadeiro, o escrito junto pela Ré através do qual o Autor comunicou a cessação do contrato com invocação de justa causa, reconhecendo ainda que tal declaração unilateral recetícia foi recebida pela Ré a 6-04-2023. O Autor opôs-se à pretendida declaração de inutilidade superveniente da lide.

Por despacho refª citius 127806188, o Tribunal a quo indeferiu o requerido pela Ré quanto à inutilidade superveniente da lide.

Realizada a audiência final de discussão e julgamento, foi proferida sentença que conclui com a decisão seguinte (transcrição):
«Termos em que, por todo o exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, em consequência do que:
A) Declaro que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre o Autor AA e a Ré “A..., LDA”, a 01/08/2022, se converteu em contrato por tempo indeterminado;
B) Declaro a nulidade da cláusula 10ª, n.ºs 4 e 5 do contrato celebrado entre o Autor AA e a Ré “A..., LDA”, a 01/08/2022;
C) Condeno a Ré “A..., LDA” a pagar ao Autor AA as seguintes quantias:
1º- a quantia de 116,60€, a título de remuneração adicional pelo trabalho em dias feriados;
2º- a quantia de 6,30€, a título de trabalho noturno;
3º- a quantia de 583,30€, a título de trabalho em dias de descanso compensatório;
4º- a quantia de 205,18€, a título de trabalho suplementar;
5º- os juros de mora vencidos e vincendos, sobre as quantias referidas nos pontos 1º a 4º, à taxa legal de 4%, desde a data da citação da Ré para os termos da presente ação, até ao integral e efetivo pagamento;
D) Absolvo a Ré do demais peticionado;
E) Condeno o Autor e a Ré no pagamento das custas processuais, na proporção de ¾ e ¼, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o Autor.

*
Registe e notifique.»

O Autor interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:

(…)

A Ré não apresentou resposta ao recurso do Autor.

Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito devolutivo.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (artigo 87º, nº 3, do Código de Processo do Trabalho, aí se lendo (transcrição):

“[…]

Ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, nenhum reparo ou censura há que ser feito à douta sentença recorrida, que, encontrando-se devidamente fundamentada de facto e de direito, deverá ser confirmada, atenta a condenação parcial da recorrente. Dela extrai-se que o recorrente, na parte em que decaiu, não logrou demonstrar os factos constitutivos que lhe deveriam ter aproveitado e de acordo com o respectivo ónus probatório.

Daí que seja notório que a argumentação da alegação do recorrente não possa subsistir em confronto com a ponderada argumentação doutamente expendida na decisão sob recurso.

Improcedem as conclusões formuladas.

A sentença recorrida merece, pois, ser mantida na ordem jurídica.

Em suma, salvo melhor opinião, emite-se parecer no sentido de o presente recurso não obter provimento.».

Não foi apresentada resposta ao indicado parecer.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos (os autos foram à distribuição para atribuição de “novo” 1º Adjunto atento o impedimento do resultante da distribuição inicial, o qual se mantém – cfr. despacho refª citius 18188645), após o que o processo foi submetido à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


***

II – Questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho[2]].

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinam-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

Assim, tendo em conta as conclusões da alegação do Recorrente, são as seguintes as questões suscitadas no recurso apresentado e a decidir:

- Impugnação da decisão da matéria de facto, sem prejuízo da intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação em sede da matéria de facto nos termos previstos no artigo 662.º do CPC e em face das questões suscitadas e a resolver;

- Saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, mais precisamente:

* ao apenas declarar o contrato de trabalho por tempo indeterminado com efeitos a 1 de agosto de 2022 (e não com efeitos a 5 de maio de 2022, como pretendido pelo Autor);

* ao não declarar a nulidade da cláusula 3.ª do contrato de trabalho celebrado e ao não reconhecer como local de trabalho do Autor o Aeroporto ...;

* se a sentença recorrida viola o princípio da condenação extra vel ultra petitum constante do artigo 74.º do CPT, tendo em conta os factos provados sob os pontos 29.º e 31.º.


***

III – Fundamentação

1) Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte (transcrição[3]):

Em face da prova produzida, consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa: (Da petição inicial)

1º- O Autor AA é motorista de serviço público, atividade profissional da qual faz profissão.

2º- A Ré “A..., Lda” é uma sociedade comercial que tem como objeto social o transporte terrestre de passageiros em veículos pesados.

3º- Desde o dia 05 de Maio de 2022 até 01 de Agosto de 2022, o Autor desempenhou atividade ao serviço da Ré, ao longo de vários períodos, tendo conduzido pelo menos, o veículo de matrícula “..-PQ-..”, o veículo de matrícula “..-ZU-..”, o veículo de matrícula “..-XA-..”, o veículo de matrícula “..-XA-..” e o veículo de matrícula “..-ZU-..”.

Assim,

4º- No dia 25 de Maio de 2022, o Autor, ao serviço da Ré, deslocou-se a Espanha, junto da sociedade comercial espanhola “D...”, numa viatura ligeira, e conduziu, no dia seguinte e após pernoita, uma viatura pesada adquirida pela Ré para Portugal.

5º- No dia 28 de maio de 2022, o Autor encontrou-se adstrito à condução da viatura pesada de matrícula ..-OL-.., no circuito ..., viagem “C...” (transporte de passageiros).

6º- No dia 29 de maio de 2022, o Autor deslocou-se a ... (sede da empresa), e conduziu o veículo pesado de matrícula ..-..-PS, desse local até Lisboa, regressando a casa no final da jornada laboral.

7º- No dia 2 de junho de 2022, o Autor efetuou o transporte de uma viatura pesada de passageiros para a estação de Lisboa oriente, no horário 14h30-00h45;

8º- A 19 de junho de 2022, o Autor efetuou o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 16h15 – 19h35 e 20h40 – 23h55; e com uma deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado);

9º- No dia 25 de junho de 2022, o Autor fez o circuito “C...” (transporte de passageiros) compreendido entre ..., levando o veículo pesado de matrícula ..-ZU-.. e trazendo o veículo pesado de matrícula ..-ZU-.. no regresso ao Porto.

10º- No dia 26 de junho de 2022, o Autor fez o circuito “C...” (transporte de passageiros) compreendido entre ..., levando o veículo pesado de matrícula ..-ZU-.. e trazendo o veículo pesado de matrícula ..-ZU-.. no regresso ao Porto.

11º- No dia 14 de julho de 2022, o Autor fez o circuito “C...” (transporte de passageiros) compreendido entre ..., levando o veículo pesado de matrícula ..-XA-.. e trazendo- o no regresso ao Porto.

12º- No dia 15 de julho de 2022, o Autor fez o circuito “C...” (transporte de passageiros) compreendido entre ..., levando o veículo pesado de matrícula ..-XA-.. e trazendo- o no regresso ao Porto.

13º- No dia 16 de julho de 2022, o Autor fez o circuito “C...” (transporte de passageiros) compreendido entre ..., levando o veículo pesado de matrícula ..-XA-.. e trazendo- o no regresso ao Porto.

13º-A - No dia 17 de julho de 2022, o Autor fez o circuito “C...” (transporte de passageiros) compreendido entre ..., levando o veículo pesado de matrícula ..-XA-.. e trazendo- o no regresso ao Porto.

14º- No dia 18 de julho de 2022, o Autor fez o circuito “C...” (transporte de passageiros) compreendido entre ..., levando o veículo pesado de matrícula ..-XA-.. e trazendo- o no regresso ao Porto.

15º- No dia 21 de julho de 2022, o Autor fez o circuito “C...” (transporte de passageiros) compreendido entre ..., levando o veículo pesado de matrícula ..-XA-.. e trazendo- o no regresso ao Porto.

16º- No dia 23 de julho de 2022, o Autor fez o circuito “C...” (transporte de passageiros) compreendido entre ..., levando o veículo pesado de matrícula ..-XA-.. e trazendo- o no regresso ao Porto.

17º- No dia 24 de julho de 2022, o Autor fez o circuito “C...” (transporte de passageiros) compreendido entre ..., levando o veículo pesado de matrícula ..-XA-.. e trazendo- o no regresso ao Porto.

18º- Pela atividade referida em 3º a 17º, o Autor era pago em numerário, recebendo em média 50,00€ por cada dia de trabalho, acrescido de 10,00€ a título de subsídio de almoço, sem que fosse emitido recibo de vencimento.

19º- Pela atividade referida em 3º a 17º, o Autor recebeu da Ré a quantia de 220,00€ paga a 30/05/2022, e de 515,00€ paga a 05/07/2022, e de €864,00 paga a 27/07/2022.

20º- Por determinação da Ré, o Autor efetuou formações necessárias para poder laborar no interior do Aeroporto ..., ministradas pela Ana Aeroportos, que decorreram nos dias 2, 3, 13, 14, 23 e 24 de Junho de 2022.

21º- O Autor e a Ré outorgaram o escrito denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, com data de 1 de Agosto de 2022.

22º- Consta da cláusula 1ª desse contrato que o mesmo “tem a duração de 12 (doze) meses, com início no dia 01 de Agosto de 2022 e o seu término no dia 31 de Julho de 2023”.

23º- Consta da cláusula 3ª desse contrato, sob a epígrafe «local de trabalho», que este seria “nas instalações da primeira contraente sita na Avenida ..., ... ... e ainda nos locais onde a primeira contraente tenha trabalhos a efetuar para a C... e outros que venha a ter e para os quais determine a intervenção do segundo outorgante”.

24º- Consta da cláusula 4ª, n.ºs 1 e 3 desse contrato que o Autor teria um horário de trabalho móvel, e as folgas semanais seriam gozadas em sistema rotativo.

25º- Consta da cláusula 6ª que a retribuição a pagar ao Autor seria no montante de 875,00€.

26º- Consta da cláusula 10ª, n.ºs 1 e 2 desse contrato que “o presente contrato justifica-se pela execução de serviço determinado precisamente definido e não duradouro que consiste no contrato de prestação de serviços de transporte público de passageiros, temporário, entre a primeira contraente e a C...”; e que “no entanto, tais serviços têm apresentado irregularidades de natureza estrutural características do mercado de turismo em período de pandemia causada pelo COVID-19, pelo que tais serviços são atribuídos por um período definido, sazonal, não sendo certo que os mesmos sejam sucessivamente adjudicados à primeira contraente, não podendo esta garantir a celebração de um contrato sem termo, razão pela qual se justifica a celebração do presente contrato a termo certo, correspondente a um período atual de maior volume de trabalhos, que pela sua imprevisibilidade poderá ser revertido pelas incertezas conjunturais do mercado”.

27º- Consta da cláusula 10ª, no seu n.º 3, que “A presente motivação foi comunicada ao segundo contraente/trabalhador, que dela toou consciência, que declara, desde já, concordar com o seu teor, e que, por essa cia, adere totalmente ao conteúdo da mesma”; no seu n.º 4 que “O segundo outorgante, ao assinar em abaixo, após lhe ter sido explicado todo o teor da presente “Motivação”, declara que não poderá invocar a falta de motivação/justificação do contrato a termo, quer em juízo, quer fora dele, para que o contrato, a que ora se sujeita, se converta em contrato sem termo”; e no n.º 5 que “O segundo contraente fica impedido de invocar a falta de motivação/justificação para retirar outras consequências que não as previstas no presente contrato”.

28º- Consta da cláusula 11ª que o contrato se renovava automaticamente, no seu termo, até três renovações, caso nenhuma das partes a isso viesse expressamente opor-se.

29º - Desde 1 de Agosto de 2022 até meados de Novembro de 2022, o Autor prestou funções nas instalações do Aeroporto ..., em regime de turnos rotativos, mediante uma escala semanal previamente comunicada, onde este e outros dois colegas, o Sr. BB e o Sr. CC, repartiam os turnos que se dividiam, diariamente, em dois (ou três) períodos distintos, a saber: Entre as 10h e as 16h; Entre as 11h e as 20h; Entre as 04h e as 10h; Entre as 09h30 e as 15h30; Entre as 06h30 e as 15h30.

30º- As escalas de trabalho eram remetidas aos trabalhadores pela Ré, semanalmente, por referência à semana imediatamente a seguir.

31º- Dentro desse regime de turnos rotativos, diariamente, recebiam da B... a escala dos voos que teriam de desembarcar/embarcar (recolher os passageiros saídos do avião e transportá-los, dentro do interior do recinto do aeroporto, até à gare das “Chegadas”, e viceversa, recolhendo-os nas “Partidas” e dirigindo-os até ao avião).

32º- O Autor conduzia os veículos pesados de passageiros com as matrículas “..-IM..” e “..-IP-..”.

33º- Por essa prestação laboral, o Autor auferiu as seguintes quantias: no mês de agosto de 2022, o vencimento de € 875 (oitocentos e setenta e cinco euros), acrescido de € 104,94 (cento e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) a título de subsídio de alimentação e € 174,31 (cento e setenta e quatro euros e trinta e um cêntimos) a título de ajudas de custo, num total líquido de € 1.000,00 (mil euros), que lhe foram transferidos; no mês de setembro de 2022, o vencimento de € 875 (oitocentos e setenta e cinco euros), acrescido de € 104,94 (cento e quatro euros e noventa e quatro cêntimos) a título de subsídio de alimentação e € 174,31 (cento e setenta e quatro euros e trinta e um cêntimos) a título de ajudas de custo, num total líquido de € 1.000,00 (mil euros), que lhe foram transferidos; e no mês de Outubro de 2022, um total líquido de € 1.000,00 (mil euros), também pago por transferência bancária).

34º- Na data de 30 de Outubro de 2022, o Autor teve um acidente quando conduzia o autocarro n.º 410, que colidiu com um trator da empresa E....

35º- Os danos materiais reconduziram-se a marcas de pintura e arranhões.

36º-Na semana de 07 a 11 de Novembro de 2022, o Autor trabalhou os seguintes dias e jornadas: 07/11 – 11h às 20h – viatura ..-IP-..; 08/11 – 11h às 20h – viatura ..-IP-..; 09/11 – 11h às 20h – viatura ..-IP-..; 11/11 – 10h às 16h – viatura ..-IM...

37º- Na escala da semana que se iniciou a 07/11 constavam os dias e horários referidos em 36º, acrescentando-se o seguinte, na coluna reservada à indicação das folgas: 10/11 – AA; 12/11 – AA (C...); 13/11 – AA (C...).

38º- O Autor entendeu que a intenção da Ré, relativamente aos dias 12 e 13 de Novembro, seria a de transferi-lo para a realização das viagens ....

39º- Na data de 11 de Novembro de 2022, (sexta-feira), via rede social Whatsapp, o Autor recebeu uma mensagem da Sra. D. DD, funcionária da requerida, que dizia o seguinte: “Boa tarde. Por indicação do Sr. EE enviei-lhe a escala da flix para amanhã. A linha é a 1000”.

40º- Ao que o Autor respondeu, por via da mesma rede social: “Boa tarde. Não querendo arranjar problemas com ninguém, cheguei a enviar um e-mail ao Sr. EE com uma atualização de dados/contactos a servos dada. Contudo a minha resposta ao mesmo mantém-se. Falei com ele na terça-feira. E o combinado verbalmente não foi isto. Obrigado e bom fim de semana”.

41º- O Autor verificou na sua caixa de e-mail que lhe havia sido remetida pela Ré a escala da C... (viagens ...), apenas com a indicação de que estaria destacado para o dia 12 de Novembro de 2022, para o horário entre as 13h30 e as 21h15, adstrito ao veículo pesado de matrícula ..-UC-...

42º- Na segunda-feira, dia 14 de Novembro de 2022, o Autor apresentou-se no Aeroporto ..., tendo-lhe sido negado o acesso.

43º- Na sequência do referido em 42º, o Autor solicitou um pedido de intervenção inspetiva da Autoridade para as Condições de Trabalho.

44º- O Autor decidiu ser visto por um médico, sendo-lhe por este concedido Período de Incapacidade Temporária entre os dias 15/11/2022 e 26/11/2022, o que foi comunicado à requerida, o qual veio a ser renovado, por mais 30 (trinta) dias, em 27/11/2022, e foi comunicado à Ré.

45º- No dia 05/12/2022, foi remetida pelo mandatário do requerente interpelação escrita dirigida à sede da requerida, recebida por esta em 09/12/2022.

46º- Em 09/12/2022, o mandatário do Autor recebeu no seu endereço de e-mail profissional (..........@.....), remetido pelo endereço ..........@....., mensagem assinada por “FF – Director Geral”, com o conhecimento de outros 2 (dois) endereços de correio electrónico, ..........@..... e ..........@....., que versava da seguinte forma, a saber: “Exmo. Sr. Dr.,

Acusamos a recepção da V/ missiva, que remetemos para o nosso departamento jurídico (aqui em cópia) que, de ora em diante, tratará do assunto, no tempo e no prazo que o mesmo entender, recusando esta empresa, eu em especial, ultimatos de quem quer que seja. Mas porque se nos faz acusações graves, não posso refutar veementemente que, esta empresa não persegue ninguém, muito menos os seus colaboradores, que são o rosto dos seus mais de 85 anos de História. Dizer isso é vexatório e insultuoso e diz muito mais de quem o escreve e diz do que da .... E é sobre isso que, um dia, falaremos, no local próprio.

Sem prejuízo, e atentas as largas infracções disciplinares praticadas pelo Sr AA, estranhamos que o mesmo não nos solicite um pedido de desvinculação imediata, bem como estranhamos o tom utilizado por V. Exa. na carta que se nos dirige. "Les grands esprits se rencontrent".

Melhores Cumprimentos, muito obrigado e sempre ao dispor,

47º- O Autor trabalhou nos seguintes dias feriados: dia 15 de Agosto de 2022, das 11h às 20h, dia 05 de Outubro de 2022, das 10h às 16h, e dia 01 de Novembro de 2022, das 10h às 16h.

48º- O Autor recebeu da Ré o pagamento do acréscimo relativo ao dia 15 de Agosto de 2022, no valor de €58,33.

49º- No dia 26 de Agosto de 2022, o Autor prestou trabalho no horário das 04h às 10h.

50º- No dia 27 de Agosto de 2022, o Autor prestou trabalho no horário das 04h às 10h.

51º- Após o início de funções no Aeroporto, a 01 de Agosto de 2022, o Autor só folgou no dia 8 de Agosto de 2022, e tal folga não foi compensada.

52º- Após retomar o serviço a 09 de Agosto de 2022, o Autor só folgou no dia 16, e tal folga não foi compensada.

53º- Na semana seguinte, o Autor só teve um dia de folga, a 22/08/2022, não lhe tendo sido concedido um dia de descanso a que tinha direito, nem posteriormente foi este dia compensado.

54º- Após a folga (única) de 22/08/2022, o Autor só voltou a folgar no dia 30 de Agosto de 2022, e tal folga não foi compensada.

55º- Após essa folga, o Autor apenas folgou no dia 5/09/2022, e tal folga não foi compensada.

56º- Posteriormente, o Autor folgou em 20/09/2022, cumprindo apenas um dia de descanso, que não foi compensado.

57º- Na semana seguinte, apenas folgou no dia 27/09/2022, cumprindo apenas um dia de descanso, e o dia de descanso em falta não foi compensado posteriormente.

58º- Na semana seguinte, o Autor apenas folgou no dia 04/10/2022, cumprindo apenas um dia de descanso, e o dia de descanso em falta não foi compensado posteriormente.

59º- Após, o Autor voltou a folgar apenas no dia 12/10/2022, cumprindo um dia de descanso, e o dia de descanso em falta não foi compensado posteriormente.

60º- Após, o Autor só voltou a folgar no dia 27 de outubro de 2022, cumprindo apenas um dia de descanso, e o dia de descanso em falta não foi compensado posteriormente.

61º- Na semana de 01/08 a 07/08, o Autor trabalhou 56 horas.

62º- Na semana de 15/08 a 21/08, o Autor trabalhou 48 horas.

63º- Na semana de 29/08 a 04/09, o Autor trabalhou 48 horas.

64º- Na semana 26/09 a 02/10, o Autor trabalhou 48 horas.

65º- Na semana de 10/10 a 16/10, o Autor trabalhou 48 horas.

66º- Na semana 24/10 a 30/10, o Autor trabalhou 48 horas.


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(da contestação)

67º- A sede da Ré situa-se em ....

68º- A Ré tem contratado motoristas de serviço público para cumprir com o contrato de prestação de serviços celebrado com a C..., atento que esta tem criado várias linhas novas e atribuído as mesmas à Ré.

69º- Razão que levou a Ré a contratar o Autor.

70º- A Ré disse ao Autor que pretendia que o mesmo realizasse C..., e o Autor aceitou realizar estes serviços.

71º- A sociedade F..., S.A., que opera sob a marca B..., explora os serviços de handling no Aeroporto ....

72º- A Ré presta serviços de transporte no Aeroporto ..., que lhe são requisitados pela F..., de acordo com as necessidades das operações.

73º- A Ré solicitou ao Autor que efetuasse serviços no Aeroporto ..., e o Autor foi contactado para o efeito pelos superiores hierárquicos da Ré.

74º- A Ré tomou conhecimento do acidente referido em 33º e 34º através de colegas do Autor e da própria B....

75º- Assim que tomou conhecimento da escala referida em 36º, o Autor entrou em contacto com a Dra. DD, dizendo que não iria fazer o serviço para o qual estava escalado.

76º- O Autor foi advertido de que tinha que realizar o serviço para o qual estava escalado e não realizou o serviço C... no dia 12/11 nem apareceu na base de operações desta.

77º- No dia 14 de Novembro de 2022, o Autor deslocou-se para o Aeroporto ..., apesar de saber que não estava escalado para esse serviço e que não está autorizado a entrar no perímetro reservado do Aeroporto quando tal suceda.

78º- Até que o Autor foi interpelado pelo Supervisor de Placa da B... do Aeroporto ..., dando-lhe conta de que não podia estar naquele local sem estar escalado para prestar serviço de transporte de passageiros.

79º- De seguida, foi chamado ao gabinete do Supervisor do Serviço da B..., que lhe deu conta de que teria de se retirar imediatamente.

80º- O Autor sabia que não podia entrar no perímetro de segurança do Aeroporto, fazendo-se valer do seu cartão de motorista da Ré, não estando escalado para prestar serviço naquele local.

81º- Foi o Supervisor do Serviço da B... quem retirou ao Autor o acesso ao perímetro de segurança do Aeroporto, sem que houvesse pedido da Ré nesse sentido.


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Mais se provou que:

82º- O Autor recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de doença, o montante de €200,07, pelo período de incapacidade temporária para o trabalho de 15/11 a 26/11 de 2022, o montante de €691,14, pelo período de incapacidade temporária para o trabalho de 27/11 a 26/12 de 2022, e o montante de €412,00, pelo período de incapacidade temporária para o trabalho de 27/12/22 a 12/01/2023.


*

Factos não provados, com relevo para a decisão a proferir:

Com interesse para a decisão, não se provaram os seguintes factos:

a) – Que o Autor tenha sido admitido ao serviço da Ré em meados de Maio de 2022; [eliminada conforme decidido infra em 2), por intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem].

b) – Que o posto de trabalho combinado entre Autor e Ré fosse o alocado ao transporte público de passageiros no interior das instalações do Aeroporto ..., por sequência de um contrato de prestação de serviços com a B... Portugal;

c) – Funções que, por impedimentos de ordem logística e burocrática (relacionados com postos de trabalho, eventuais formações ou emissões de cartões de acesso aeroportuários), não se poderiam iniciar, naquele local, de imediato, pese embora o início das formações;

d) – Que, no dia 12 de Maio de 2022, o Autor se tenha deslocado a Espanha, junto da sociedade comercial espanhola “D...”, numa viatura ligeira, e tenha conduzido, no dia seguinte e após pernoita, a viatura pesada com a matrícula “..-..-XR” adquirida pela Ré, para Portugal;

e) – Que, a 06 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 09h30-14h00 e 16h30h-20h30; acrescendo a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado); [matéria que passou a integrar o elenco dos factos provados (ponto 83º), conforme decidido infra em 2), por intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem].

f) – Que, a 07 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 09h30-14h00 e 16h30h-20h30; acresce a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado); [matéria que passou a integrar o elenco dos factos provados (ponto 84º), conforme decidido infra em 2), por intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem].

g) – Que, a 10 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 07h00-10h15 e 11h30h-14h45; acresce a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado); [matéria que passou a integrar o elenco dos factos provados (ponto 85º), conforme decidido infra em 2), por intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem].

h) – Que, a 27 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Transporte veículos de pesados de passageiros desde o terminal (...) até o Aeroporto ..., em horário não foi inferior a 8h; [matéria que passou a integrar o elenco dos factos provados (ponto 86º), conforme decidido infra em 2), por intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem].

i) – Que, a 29 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 13h30-16h55 e 18h-21h30; acresce a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado); [matéria que passou a integrar o elenco dos factos provados (ponto 87º), conforme decidido infra em 2), por intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem].

j) – Que, a 30 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 13h30-16h55 e 18h-21h30; acresce a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado); [matéria que passou a integrar o elenco dos factos provados (ponto 88º), conforme decidido infra em 2), por intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem].

k) – Que, a 31 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 13h30-16h55 e 18h-21h30; acresce a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado); [matéria que passou a integrar o elenco dos factos provados (ponto 89º), conforme decidido infra em 2), por intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem].

l) – Que, pelos serviços prestados entre Maio e Junho de 2022, o Autor tenha auferido a quantia €273,20, a 30/05/2022, e de €553,10, a 05/07/2022;

m) – Que o documento referido em 21º tenha sido outorgado na data de 27/07/2022;

n) – Que tal contrato, ainda que não tendo correspondência com a realidade das funções efetivamente desempenhadas, tenha sido outorgado pelo Autor, porquanto consistia a única garantia do trabalhador de que, a relação laboral que se iniciou em Maio de 2022, efetivamente existia;

o) – Que, ainda que com sérias dúvidas relativamente a determinadas cláusulas do contrato, o Autor acedeu a outorgá-lo;

p) – Que a prestação de atividade dentro do recinto do Aeroporto ..., no Porto, para a trasfega de passageiros entre o Avião e a Gare, atenta a proximidade geográfica da residência, era essencial para o Autor aceitar celebrar o contrato;

q) – Que, logo que lhe foi oportuno, o Autor tenha comunicado ao seu superior hierárquico, o Sr. EE, o acidente sofrido no aeroporto, ficando com a sensação de, atento o relativizar da situação, que tal não teria grande importância prática;

r) – Que, em virtude do referido em 36º e 37º, o Autor tenha decidido falar com o seu superior hierárquico, pedindo esclarecimentos sobre o sucedido, ao que lhe terá alegadamente sido informado que tal seria “de castigo”, em virtude do sinistro;

s) – Que o Autor tenha indagado que tal não seria o acordado, reforçando o quanto acredita no valor da palavra e que não teria sido o que estes teriam combinado inicialmente;

t) – Que, em resultado dessa conversa, e com o “ambiente mais calmo”, o Autor tenha ficado convencido que o tal castigo ficaria sem efeito;

u) – Que, considerando que na escala de trabalho referente ao aeroporto os dias 12 e 13 de Novembro de 2022 estavam indicados como FOLGA, o Autor assim tenha feito, tendo folgado nesses dias;

v) – Que, no dia 15 de Novembro de 2022, o Autor também se tenha apresentado no Aeroporto ..., tendo-lhe sido negado o acesso, e tenha solicitado a presença de um elemento da Polícia de Segurança Pública no local, que presenciou o que lhe era denunciado, elaborando o respetivo auto de participação;

w) – Que o referido em 44º tenha ocorrido por o Autor se ter sentido bastante perturbado com o sucedido;

x) – Que o período de incapacidade temporária tenha sido concedido ao Autor para que o mesmo se pudesse recompor;

y) – Que, em consequência do comportamento da ré de alteração do seu local de trabalho, o Autor se encontre desgostoso e profundamente desgraciado enquanto pessoa e enquanto profissional;

z) – Que o Autor tenha sido impedido de entrar no seu posto de trabalho em público, perante vários transeuntes, com intervenção de órgãos policiais, o que lhe causou enorme vergonha e enxovalho;

aa) – Que, em consequência da atuação da Ré, o Autor tenha sido privado de fornecer a sua força produtiva, ficando consternado e ansioso;

bb) – Refletindo-se ao nível da sua saúde psicológica, do seu ambiente familiar e social, no seu descanso a até durante o sono, em virtude de várias insónias que lhe a situação lhe tem provocado;

cc) – Que a “F..., S.A.”tenha sido declarada insolvente no processo judicial n.º 11437/21.1T8LSB;

dd) – Que a Ré não tenha celebrado contrato de prestação de serviços com a “F..., S.A.”, e que os serviços requisitados por esta empresa sejam ao dia;

ee) – Que a Ré tenha solicitado ao Autor a prestação do seu trabalho conforme o referido em 28º apenas temporária e pontualmente, para colmatar serviços extra ou faltas de outros motoristas adstritos ao aeroporto;

ff) – Que, nos dias 12 e 13 de Novembro de 2022, o Autor se tenha deslocado para o Aeroporto ..., apesar de saber que não estava escalado para esse serviço e que não está autorizado a entrar no perímetro reservado do Aeroporto quando tal suceda;

gg) – Que, nos dias 12 e 13 de Novembro de 2022, o Autor tenha usado um autocarro da Ré dentro do aeroporto, sem efetuar qualquer serviço, a gastar gasóleo e a desgastar o veículo;

hh) – Que, atendendo aos protocolos de segurança existentes no Aeroporto ... e ao facto de atribuírem pontuação aos motoristas conforme o cumprimento das regras que estão implementadas no local, a entidade gestora do Aeroporto não concederá novamente acesso ao Autor;

ii) – Que o Autor seja classificado como elemento perigoso para a segurança do Aeroporto ....».


***

2) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, sem prejuízo da intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação em sede da matéria de facto nos termos previstos no artigo 662.º do CPC.

Em sede de impugnação da matéria de facto, o Recorrente manifesta a respetiva discordância quanto à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, resultando das conclusões de recurso que tal impugnação versa sobre as alíneas a), e), f), g), h), i), j), k), v), w), x), y), z), aa) e bb) dos factos não provados, as quais pretende o Autor sejam consideradas como provadas.

Preliminarmente, importa fazer uma breve incursão sobre os termos em que tem lugar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mormente quanto aos ónus exigíveis ao recorrente quando impugne a matéria de facto e, bem assim, os critérios/parâmetros que devem presidir à reapreciação factual por parte do Tribunal da Relação.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes[4], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, “foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”.

Em conformidade, refere-se no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17-04-2023[5] que no caso «de impugnação da decisão sobre a matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).».

Sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, estabelece o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º, n.º 1, do CPT, que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa» (sublinhou-se).

Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[6] – de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto neste último normativo – de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – significa que para tal alteração, como se afirma no citado Acórdão de 17-04-2023, “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.

Apelando mais uma vez ao citado Acórdão desta Secção Social de 17-04-2023[7], «a parte recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção [21 – É que de outra forma, ocorreria uma inversão da posição dos intervenientes no processo, mediante a substituição da convicção de quem tem que julgar pela convicção de quem espera a decisão].».

Em consonância, pretendendo a parte impugnar a decisão da matéria de facto, deve observar determinados ónus de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC.

O n.º 1 deste último normativo, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:

a) “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (tem que haver indicação inequívoca dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);

b) “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (tem que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos – constantes dos autos ou da gravação – que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da impugnada);

c) “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No que respeita ao ónus previsto na alínea b), determina o legislador no n.º 2 do mesmo artigo que se observe o seguinte:

a) “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”;

b) “independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

Refira-se que se entende inexistir despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto[8]. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (adiante STJ) de 6-02-2024[9] e de 23-01-2024[10]. Este entendimento vem também sendo seguido nesta Secção Social, de forma que se pensa unânime, e de que é exemplo o Acórdão de 5-06-2023[11].

Assim, e como também refere António Santos Abrantes Geraldes[12], a rejeição do recurso (total ou parcial) respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações (o elenco indicado tem por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo STJ):

a - Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC)];

b - Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC)];

c - Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);

d - Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;

e - Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação.

No que respeita à situação plasmada na alínea e), tenha-se presente que o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 12/2023[13], uniformizou jurisprudência nos seguintes moldes:

«Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.».

Como também sublinha António Abrantes Geraldes[14], as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconformismo. Contudo, importa que não exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Nesta decorrência, e a propósito do ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, como também é entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, existem casos em que, apesar da impugnação da matéria de facto se dirigir a blocos de factos, ainda assim deverá ser admitida, nomeadamente, quando o conjunto de factos impugnados respeitem à mesma realidade ou tratando-se de matéria conexa e os concretos meios de prova indicados sejam comuns a esses factos. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2021[15], 27-10-2021[16] e de 1-06-2022[17].

Feitas estas considerações, no caso, não se vislumbra motivo para rejeição da impugnação apresentada, mostrando-se minimamente cumpridos os ónus de impugnação estabelecidos pelo legislador, com especial destaque para o cumprimento do ónus primário no que se refere à concretização dos pontos de facto que o Recorrente considera incorretamente julgados (vertida nas conclusões, como se exige) e indicação da decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – alíneas a) e c) do artigo 640.º, n.º 1, do CPC, o que assegura a delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação da matéria de facto. Atente-se que, ainda que a impugnação apresentada o tenha sido em algumas situações por reporte a um grupo de pontos, está em causa matéria conexa e dependente da apreciação do mesmo meio de prova (é convocado o mesmo meio de prova documental – situação da impugnação das alíneas w) a bb)) ou da apreciação da mesma fundamentação aduzida para sustentar a pretendida alteração (situação das alíneas e) a k).

Procederemos, pois, à indação em concreto da impugnação, sendo que por uma questão de organização e sentido lógico em face do procedimento a adotar por reporte à intervenção oficiosa deste Tribunal que se perfila em sede de matéria de facto (como infra se explicitará), se começará alínea v), seguindo-se as alíneas w) a bb) e depois a alínea a) e terminando com a análise das alíneas e) a k), todas dos factos não provados.

- Alínea v) dos factos não provados, pretendendo o Recorrente que a mesma passe para o elenco dos factos provados.

Relembre-se a redação de tal alínea dos factos não provados:

“v) Que, no dia 15 de Novembro de 2022, o Autor também se tenha apresentado no Aeroporto ..., tendo-lhe sido negado o acesso, e tenha solicitado a presença de um elemento da Polícia de Segurança Pública no local, que presenciou o que lhe era denunciado, elaborando o respetivo auto de participação”.

Sustenta o Recorrente que a alínea em referência foi incorretamente julgada, sendo que a respectiva prova é documental (doc. 48 junto com a petição inicial) e corresponde a um auto elaborado pela Polícia de Segurança Pública em 15-11-2022, que faz fé pública. Encontra-se minimamente cumprido

Neste particular, consta da motivação da sentença recorrida o seguinte:

«Por sua vez, não resultou minimamente demonstrado que o Autor (…).

Muito menos que tenha gozado folga nos dias 12 e 13 de Novembro, facto alegado na petição inicial mas nem sequer aludido pelo Autor nas suas declarações, resultando precisamente o contrário da escala de serviço junta aos autos, a respeito da semana de 07 a 12 de Novembro, e que tenha comparecido no aeroporto a 15 de Novembro, acompanhado da PSP, por resultar o contrário da participação junta aos autos, conforme já supra aludido (alíneas u) e v) (…)».

Por sua vez, esta última menção respeita ao seguinte trecho da motivação:

«Por outro lado, as suas declarações [reportando-se aqui às declarações de parte do Autor], resultaram infirmadas por elementos de prova documental, concretamente a participação policial junta sob documento n.º 48. É que, tendo o Autor afirmado que no dia 15 de Novembro se deslocou ao aeroporto e que a P.S.P. esteve presente no local, resulta da participação policial que o Autor se deslocou ao posto policial, aí tendo narrado que lhe estava a ser vedado o acesso ao seu local de trabalho”.

Na participação em referência (doc. 48) consta o seguinte:

- No item “Diligência” – “Data/Hora 2022-11-15/10:00h”; “Autuante GG, Matrícula n.º ...64”;

- No item “Data da ocorrência e enquadramento”: “Data/Hora 2022-11-14/10:00h”; “Tipificação: recusa de entrada ao serviço”;

- No item “Comunicação da ocorrência”:

“Houve presenciamento dos factos pela PSP? Não”;

“A PSP deslocou-se ao local e detetou indícios claros da prática dos factos? Não”

“Meio de comunicação: Na unidade policial”

“Comunicado por: participante”

“Data/Hora: 2022-11-15/09:38h”

- No item “Local da Ocorrência”: “Tipo Gare/Aerogare”; “Designação: Aeroporto ...” (…);

- No item “Outro(s) Interveniente(s)

“Tipo de ligação: Participante

Nome: AA (…)”

“Informações complementares:

Participo que, a hora e local mencionado, no exercício das minhas funçõs de graduado ao serviço a este Departamento de Polícia, compareceu neste local AA, devidamente identificado como participante, a comunicar o seguinte:

O participante informa que é funcionário da empresa denominada A..., desempenhando as funções na empresa denominada “F...-B..., como motorista de autocarros no Aeroporto ..., sendo titular do cartão aeroportuário n.º ...28.

O parcipante informa que não recebeu esta semana qualquer escala de serviço, referente ao seu turno de trabalho por parte da empresa A....

Através de um colega que lhe enviou a escala, o parcipante verificou que não se encontra escalado para qualquer serviço, sendo que o seu horário para esta semana de 14 a 20 de Novembro, seria o turno das 10h00 as 16h00, sendo que deste modo, não pode desempenhar a sua atividade profissional”

Assim, e como bem se evidencia na motivação, o que resulta da participação é que foi o Autor que se deslocou ao posto policial e não que a autoridade policial tenha ido ao local – aeroporto – e presenciado o que consta da participação. Ou seja, o auto elaborado pela PSP não diz respeito a factos que tivessem sido presenciados pelo agente que o subscreveu, tanto mais que a denúncia teve lugar no dia 15-11-2022, por reporte a factos ocorridos no dia anterior.

Analisado o documento em referência, único elemento de prova convocado pelo Recorrente para fundamentar a pretendida alteração da decisão da matéria de facto no que respeita à alínea em análise, forçosa é a conclusão que o mesmo não impõe decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo nesta matéria. Pelo contrário, o elemento probatório convocado é em sentido logicamente incompatível com a resposta positiva à matéria impugnada em análise, antes sustentando a resposta negativa que tal matéria mereceu.

Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, improcede o recurso quanto à à alínea v) dos factos não provados.

- Alíneas w) a bb) dos factos não provados, pretendendo o Recorrente que as mesmas passem para o elenco dos factos provados.

Recorde-se a redação de tais alíneas dos factos não provados:

“w) – Que o referido em 44º tenha ocorrido por o Autor se ter sentido bastante perturbado com o sucedido;

x) – Que o período de incapacidade temporária tenha sido concedido ao Autor para que o mesmo se pudesse recompor;

y) – Que, em consequência do comportamento da ré de alteração do seu local de trabalho, o Autor se encontre desgostoso e profundamente desgraciado enquanto pessoa e enquanto profissional;

z) – Que o Autor tenha sido impedido de entrar no seu posto de trabalho em público, perante vários transeuntes, com intervenção de órgãos policiais, o que lhe causou enorme vergonha e enxovalho;

aa) – Que, em consequência da atuação da Ré, o Autor tenha sido privado de fornecer a sua força produtiva, ficando consternado e ansioso;

bb) – Refletindo-se ao nível da sua saúde psicológica, do seu ambiente familiar e social, no seu descanso a até durante o sono, em virtude de várias insónias que lhe a situação lhe tem provocado;».

Defende o Recorrente que “salvo melhor opinião a prova sobre o estado sintomático (de saúde mental) do Recorrente não carece de ser provada por prova testemunhal ou até por declarações de parte”. Mais invoca que por requerimento de 21-04-2022 juntou (doc. 1) um atestado médico “que dava conta ao Tribunal do seu estado de saúde e a que se devia, o qual damos por reproduzido, por economia processual”, dizendo ainda que esse documento não foi em momento algum impugnado pela Ré e que se desconhece “por isso, a razão de ciência, que motivou o Tribunal a quo a não valorar o documento aquando da sua apreciação da prova”.

Quanto a matéria em análise, consta da motivação da sentença recorrida o seguinte:

« O tribunal considerou ainda como não provada a factualidade alegada pelo Autor a respeito dos danos sofridos em consequência da suposta alteração do local de trabalho levada a cabo pela Ré (alínea w) a bb) da factualidade não provada) por não se ter produzido qualquer prova a tal respeito, designadamente por declarações do Autor, sendo que nenhuma testemunha aludiu a tais factos e não consta dos autos qualquer documento que por si só os demonstre. Note-se que o relatório médico constante de fls. 94 é genérico e vago, referindo apenas que, à data de 16/01/2023, o Autor se encontrava impossibilitado de trabalhar por apresentar perturbação depressiva e ansiedade, reativa a conflitos laborais com a entidade patronal, sem concretizar os concretos sintomas e as causas, e sem especificar sequer se ao Autor se encontra prescrito algum tratamento medicamentoso.».

O relatório médico convocado pelo Recorrente, datado de 16-01-2023, que é precisamente aquele que é mencionado no transcrito segmento da motivação, tem o seguinte teor:

(…), médico (…), atesta por sua honra profissional, que AA (…), se encontra doente e impossibilitado(a) de trabalhar, por apresentar:

- Perturbação depressiva/Ansiedade;

- Reativa a conflitos laborais com a entidade patronal.

- Encontra-se neste momento em ajuste psicoterapêutico. Com dificuldades em manter capacidade de concentração e condução. Trabalha como condutor de transportes públicos.

Uma vez que não se sente capaz de executar com segurança a sua atividade laboral, deverá permanecer sob CIT até estabilização psíquica.

Por ser verdade e lhe ter sido pedido passa o presente atestado que data e assina”.

Ora, sendo este o único elemento probatório convocado pelo Recorrente, desde já se adianta que o mesmo não impõe decisão diversa na matéria em questão, nem, aliás, o Recorrente explicita as razões pelas quais visa entendimento diverso, limitando-se a pretender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador. Sendo-lhe legítima a discordância, tal não conduz a que se tenha por demonstrado qualquer erro de julgamento na matéria em referência.

Importa ter presente que o juiz, como regra, aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (artigo 607.º, n.º 5, do CPC). Pode também dizer-se que é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, impondo-se ao invés um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global. Este juízo deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferido segundo regras de experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.

Claro está que o resultado desse processo deve ter suporte na prova produzida e tal deve emanar, em termos suficientemente claros e objetivos, da fundamentação da decisão da matéria de facto.

Como é evidente, tal resultado não pressupõe uma certeza absoluta, sendo sim necessário que a prova permita criar a convicção da realidade de um facto [nas palavras de Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[18], “grau especial de convicção, traduzido na certeza subjetiva”].

E, como se enfatiza no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 4-05-2022[19], «[e]ssa certeza subjetiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá um dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.».

A julgadora explicitou, por forma lógica, racional e objetiva, as razões da insuficiência do meio probatório convocado para alicerçar a sua convicção positiva quanto à matéria em análise, não se identificando qualquer erro na formação da sua livre convicção nesta matéria, sendo certo que analisado o meio probatório convocado pelo Recorrente não chegamos a distinta convicção.

Termos em que, sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, improcede também o recurso quanto às alíneas w) a bb) em análise.

- Alínea a) dos factos não provados, pretendendo o Recorrente que a mesma passe para o elenco dos factos provados.

Para melhor perceção, relembre-se a redação de tal ponto dos factos não provados:

“a) Que o Autor tenha sido admitido ao serviço da Ré em meados de Maio de 2022”.

Lido o recurso apresentado, constata-se que o Recorrente neste particular não invoca qualquer elemento probatório para sustentar a impugnação.

O que o Recorrente refere é que a circunstância de ser dada essa alínea como não provada está em clara e direta contradição com o ponto 3º dos factos provados. Argumenta não ser possível, lógico ou coerente dar como provado que o Recorrente desde 5-05-2022 desempenhou a atividade ao serviço da Recorrida, para de seguida dar como não provado que o Recorrente foi admitido ao serviço da Recorrida em meados de maio de 2022.

A redação do ponto 3º dos factos provados é a seguinte:

“3º - Desde o dia 05 de Maio de 2022 até 1 de Agosto de 2022, o Autor desempenhou atividade ao serviço da Ré, ao longo de vários períodos, tendo conduzido pelo menos, o veículo de matrícula “..-PQ-..”, o veículo de matrícula “..-ZU-..”, o veículo de matrícula “..-XA-..”, o veículo de matrícula “..-XA-..” e o veículo de matrícula “..-ZU-..”.

Ora, diremos desde já adiantando a conclusão, que, ao contrário do sustentado pelo Recorrente, inexiste a apontada contradição.

Na verdade, no ponto 3º dos factos provados o que se diz é que o Autor desempenhou atividade ao serviço da Ré, ao longo de vários períodos, concretizando ainda em que consistiu tal desempenho, traduzido na condução dos veículos aí identificados. Para além disso, o ponto 3º dos factos provados está relacionado em termos concretizadores com os pontos 4º a 17º dos factos provados, onde é discriminada a atividade prestada pelo Autor ao serviço da Ré em cada um dos dias aí referenciados.

A matéria vertida no ponto 3º dos factos provados (havia sido invocada no artigo 12.º da petição inicial), sendo que a Ré aceitou tal matéria, como decorre da fundamentação da sentença recorrida no que toca a tal ponto.

Importa ter presente que a divergência das partes incidia precisamente sobre a questão da qualificação da relação contratual que mantiveram no período temporal em causa (desde maio de 2022 a 31 de julho de 2022) – se no âmbito de um contrato de trabalho (no entender do Autor), se no âmbito de uma prestação de serviços (no entender da Ré).

E, como bem se assinalou no despacho saneador refª citius 127323415, para justificar a necessidade do prosseguimento dos autos por inexistirem elementos para conhecer do mérito nessa questão «[o] facto alegado no artigo 12.º foi aceite pela ré, o qual, porém, não significa que esta tenha confessado a existência de uma relação laboral entre as partes reportada a 05/05/2022, ao contrariamente ao pretendido pelo autor.».

Em suma, a circunstância de ter sido dado como provada a matéria do ponto 3º dos factos provados não entra em qualquer contradição com a circunstância de figurar nos factos não provados a respetiva alínea a).

Sem prejuízo do antedito, a verdade o Tribunal da Relação deve, mesmo oficiosamente, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se tal se impuser (artigo 662.º, n.º 1, do CPC), como é a situação de existir matéria de direito e/ou conclusiva a invadir a matéria de facto (seja a provada, seja a não provada), subsumindo-se de forma relevante ao thema decidendum (entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir).

Conforme vem sendo entendimento pacífico desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em linha com posição seguida na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Daí que, quando o tribunal a quo se tenha pronunciado em sede de matéria de facto sobre afirmações conclusivas, encerrando um juízo valorativo, interpretativo, integrando mesmo o thema decidendum, essa pronúncia deve ter-se por não escrita[20].

Atento o que se discute na ação, nomeadamente sobre se o início da relação laboral que Autor e Ré mantiveram deverá ser reportada com efeitos a maio de 2022, afigura-se que o constante da alínea a) dos factos não provados constitui asserção meramente conclusiva e jurídico-valorativa que, por se subsumir de forma relevante ao thema decidendum não se pode manter, devendo ser eliminado esse ponto da decisão da matéria de facto.

Tanto assim, que se atentarmos na fundamentação de direito da sentença recorrida, verificamos que a mesma se debruçou sobre essa temática em sede de aplicação do direito, com apelo à matéria de facto dada como provada, para depois concluir que não se apuraram factos que permitissem concluir que o contrato de trabalho entre as partes se tenha iniciado a 5-05-2022.

Assim, a questão de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao apenas declarar o contrato de trabalho por tempo indeterminado com efeitos a 1 de agosto de 2022, é questão jurídica a resolver em sede de aplicação do direito aos factos apurados, e não em sede de decisão da matéria de facto.

Pelo exposto, improcedendo o recurso quanto à pretendida inclusão nos factos provados da matéria constante da alínea a) dos factos não provados, oficiosamente, este Tribunal a quo tem como não escrita a alínea a) que constava dos factos não provados, ponto esse que se tem por eliminado da decisão da matéria de facto.

- Alíneas e) a k) dos factos não provados, pretendendo o Recorrente que a mesma passe para o elenco dos factos provados

Recorde-se a redação de tais alíneas dos factos não provados:

«e) – Que, a 06 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 09h30-14h00 e 16h30h-20h30; acrescendo a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado);

f) – Que, a 07 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 09h30-14h00 e 16h30h-20h30; acresce a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado);

g) – Que, a 10 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 07h00-10h15 e 11h30h-14h45; acresce a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado);

h) – Que, a 27 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Transporte veículos de pesados de passageiros desde o terminal (...) até o Aeroporto ..., em horário não foi inferior a 8h;

i) – Que, a 29 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 13h30-16h55 e 18h-21h30; acresce a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado);

j) – Que, a 30 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 13h30-16h55 e 18h-21h30; acresce a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado);

k) – Que, a 31 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 13h30-16h55 e 18h-21h30; acresce a deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado); »

Lido o recurso apresentado, constata-se que o Recorrente nesta sede não invoca qualquer elemento probatório para sustentar a impugnação.

O que o Recorrente defende é que o Tribunal a quo deveria ter dado provimento à inversão do ónus de prova peticionada com fundamento na não junção de documentos requeridos nos termos do artigo 429.º do CPC e que, nessa decorrência, deveria ter dado como provados os factos constantes dessas alíneas.

Analisada a motivação da sentença recorrida, no que respeita às alíneas em análise ficou consignado que não foi produzida prova suficiente no sentido «que o Autor tivesse realizado, ao serviço da Ré, outras viagens de expresso para além das constantes do elenco dos factos provados (alíneas e) a k) dos factos provados)». Seguidamente, na motivação ponderou-se o facto de a esse respeito a Ré ter sido notificada por diversas vezes para juntar aos autos os registos de tacógrafos relativos às viagens alegadas pelo Autor na petição inicial, não o tendo feito, apesar de cominada com a condenação em multa por falta de colaboração processual e com a inversão do ónus de prova, para depois se concluir não só não estar demonstrada nos autos a recusa culposa da Ré «na não junção dos registos dos discos do tacógrafo solicitados, como o Autor poderia ter feito a prova sobre os factos a este respeito alegados na petição inicial, por outro meio de prova, mesmo documental».

Sucede que se coloca quanto à matéria em análise uma questão de conhecimento oficioso nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, a impor decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo quanto à matéria das alínea e) a k) dos factos não provados.

Na verdade, está em causa matéria que foi expressamente invocada pelo Autor no requerimento apresentado na sequência do convite ao aperfeiçoamento que lhe foi feito pelo Tribunal a quo, e em cumprimento do mesmo, sendo que o Autor veio indicar outros dias em que desempenhou atividade ao serviço da Ré no período controvertido da qualificação da relação contratual (para além daqueles já indicados na petição inicial).

Notificada dessa alegação, e não obstante no despacho de aperfeiçoamento se ter consignado que a Ré dispunha de igual prazo para se pronunciar sobre a factualidade que viesse a ser alegada pelo Autor, a Ré nada disse quanto a esses factos objeto de aditamento/concretização, sendo certo que nos termos legais tais factos estavam sujeitos às regras gerais sobre contrariedade e prova (artigo 590.º, n.º 5, do CPC, ex vi artigo 61.º, n.º 1, do CPT). Ou seja, incumbia à Ré tomar posição definida perante os factos em causa, na medida em que se reconduzem à causa de pedir invocada pelo Autor, complementando-a (artigo 574.º do CPC ex vi artigos 61, n.º 1 e 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT). Os factos em referência não estão em oposição com a defesa da Ré no seu conjunto – Atente-se que a própria Ré admitiu na contestação que o Autor, antes da subscrição do contrato de trabalho escrito com a Ré, efetuou serviços de transporte de passageiros para a Ré nas linhas C... [artigo 20.º da contestação] e declarou aceitar a matéria de facto constante do artigo 7º da p.i. no que respeita à descrição dos serviços prestados pelo Autor para a Ré no período que qualificou como de prestação de serviços [cfr. artigo 1º da contestação; o artigo 7.º da petição inicial tem a seguinte redação – “Concretizando-se essas mesmas (as funções), ab initium, no transporte de veículos pesados de passageiros (recentemente adquiridas) de territórios estrangeiros (Espanha), para território nacional, extravasando o período normal de trabalho, bem assim, viagens de ida e volta entre Porto e Lisboa, em substituição de folgas de outros trabalhadores, ao que se crê, em prestação de serviços para a empresa C... Unipessoal, Lda., NIP ...50”]. Para além disso, quanto à matéria fáctica vertida nas alíneas em análise é admissível confissão e não consubstancia matéria apenas suscetível de prova por documento escrito (cfr. artigo 574.º, n.º 2, do CPC).

Os factos constantes das alíneas e) a k) dos factos não provados – como também, aliás, os factos constantes dos pontos 7º e 8º já constantes do elenco dos factos provados -
não foram objeto de impugnação pela Ré, pelo que em face do incumprimento da Ré do ónus de impugnação consagrado no artigo 574.º do CPC, tal factualidade terá que ser considerada admitida por acordo nos termos das citadas disposições conjugadas dos artigos 590.º, n.º 5, e 574.º, n.º 2, do CPC.

Nesta consonância, os factos em referência por imposição do preceituado no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, deveriam ter sido integrados pela decisão recorrida na matéria provada admitida por acordo das partes.

Assim, e verificando-se que se justifica a intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem nos termos das disposições conjugadas dos artigos 662.º, n.º 1, 663.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, do CPC, por se encontrarem admitidos por acordo, determina-se que passe a integrar o elenco dos factos provados a matéria das alíneas e) a k) dos factos não provados, mais precisamente os seguintes factos (será seguida a numeração subsequente dos factos provados):

83º – No dia 06 de julho de 2022, o Autor efetuou o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 09h30-14h00 e 16h30h-20h30; e com uma deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado);

84º – No dia 07 de julho de 2022, o Autor efetuou o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 09h30-14h00 e 16h30h-20h30; e com uma deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado);

85º – No dia 10 de julho de 2022, o Autor efetuou o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 07h00-10h15 e 11h30h-14h45; e com uma deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado);

86º – No dia 27 de julho de 2022, o Autor efetuou o Transporte veículos de pesados de passageiros desde o terminal (...) até o Aeroporto ..., em horário não foi inferior a 8h;

87º – No dia 29 de julho de 2022, o Autor efetuou o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 13h30-16h55 e 18h-21h30; e com uma deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado);

88º – No dia 30 de julho de 2022, o Autor efetuou o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 13h30-16h55 e 18h-21h30; e com uma deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado);

89º – No dia 31 de julho de 2022, o Autor tenha efetuado o Expresso “C...” n.º 1000 – viagem ... – horário (do expresso) 13h30-16h55 e 18h-21h30; e com uma deslocação Matosinhos-...-porto, porto-...-Matosinhos, para recolha de veículo em tempo não inferior a 40 min (para cada lado).

Face ao atrás decidido, fica prejudicada a questão suscitada em sede de impugnação da matéria de facto quanto à pretendida inversão do ónus de prova no que respeita à matéria das alíneas e) a k) dos factos não provados, tendo em conta que tal matéria foi já considerada assente por acordo e passou a integrar o elenco dos factos provados.


*

Ainda em sede de intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem ao nível da decisão da matéria de facto, porque se trata de matéria relevante para a decisão e resulta do contrato escrito junto com a petição inicial denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo” a que se alude nos pontos 21º a 28º dos factos provados, sem que as partes tenham colocado em crise a respetiva subscrição, correspondendo também a matéria não impugnada, nos termos dos artigos 662.º, n.º 1, 663.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, do CPC, importa aditar oficiosamente aos factos provados o ponto 90º com o seguinte teor:

“90º - No contrato escrito referido em 21º consta que tal contrato “se rege pelas normas da Convenção Coletiva de Trabalho Vertical (CCTV), entre a Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros (ANTROP) e o Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários e Urbanos de Portugal (STRUP), publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 35, de 22 de setembro de 2019, pelo Código do Trabalho, bem como pelas seguintes cláusulas:”.

Para encerrar a questão da matéria de facto provada, e ainda ao nível da intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem, porque se trata de matéria relevante para uma das questões suscitadas no recurso e sobre a qual existe acordo das partes, decorrendo ainda da documentação junta e expressamente aceite por Autor e Ré (quanto ao envio e receção da carta em questão – cfr. requerimentos refªs citius 14597092 e 14665936), nos termos dos artigos 662.º, n.º 1, 663.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, do CPC, importa aditar oficiosamente aos factos provados o ponto 91º com o seguinte teor:

“91º - O Autor remeteu à Ré a carta datada de 30-03-2023, junta como documento 1 com o requerimento da Ré refª citius 14597092, que a Ré recebeu em 6-04-2023, comunicando o Autor à Ré nessa missiva a resolução do contrato de trabalho, com efeitos imediatos, invocando justa causa de resolução do contrato.”.


*

Em síntese, o elenco factual a atender para o conhecimento do direito do caso é o que foi fixado pelo Tribunal recorrido e que se mostra já supra transcrito em 1), com as alterações supra determinadas, decorrentes das alterações oficiosamente introduzidas por este Tribunal ad quem.

***

3) Saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito

3.1. Saber se ocorreu erro na aplicação do direito ao apenas ser declarado o contrato de trabalho por tempo indeterminado com efeitos a 1 de agosto de 2022 (e não com efeitos a 5 de maio de 2022, como pretendido pelo Autor).

Não obstante o Recorrente nesta matéria não primar pela clareza, nomeadamente em termos de separação entre a impugnação da decisão da matéria de facto e recurso sobre a matéria de direito, a verdade é que se percebe das conclusões de recurso que ataca a alínea a) do segmento decisório da decisão recorrida pela circunstância de apenas declarar o contrato de trabalho por tempo indeterminado com efeitos a 1 de agosto de 2022 (e não desde 5-05-2022 como havia peticionado), com a argumentação de que o fez ao arrepio do que são os indícios previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho e quando tinha reconhecido tacitamente a existência de vínculo laboral (cfr. conclusão VII).

O recurso não incide sobre a questão da qualificação do contrato que as partes mantiveram como um contrato por tempo indeterminado, como um contrato sem termo, mas sim quanto à questão também decidida na sentença recorrida referente à data a partir da qual é reconhecida a existência desse contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Na sentença recorrida, no âmbito da aplicação do direito - depois de efetuar o enquadramento teórico, contendo extensas considerações gerais sobre a delimitação entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços (com recurso a Doutrina e Jurisprudência) e a evolução legislativa ocorrida nesta matéria (a culminar com o artigo 12.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro) -, e, incidindo a sua análise ao caso concreto, consta o seguinte:

«No caso dos autos, as partes não põem em causa a natureza do contrato denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, datado de 01 de Agosto de 2022, como sendo um contrato de trabalho, resultando apenas controvertida a natureza da relação contratual mantida entre o Autor e a Ré no período compreendido entre 05 de Maio e 31 de Julho de 2022, alegando o Autor que, malogrado o teor do contrato, a relação laboral se iniciou a 05 de Maio.

E, analisada a matéria de facto dada como provada, resulta desde logo manifesto que o Autor não logrou demonstrar que tenha sido admitido ao serviço da Ré em meados de Maio de 2022, mais concretamente a 05 de Maio.

Depois, resultou efetivamente provado que no aludido lapso temporal o Autor desempenhou atividade ao serviço da Ré, ao longo de vários períodos, tendo conduzido pelo menos, o veículo de matrícula “..-PQ-..”, o veículo de matrícula “..-ZU-..”, o veículo de matrícula “..-XA-..”, o veículo de matrícula “..-XA-..” e o veículo de matrícula “..-ZU-..”, e tendo efetuado catorze viagens.

Provou-se ainda que por esta atividade o Autor era pago em numerário, recebendo em média 50,00€ por cada dia de trabalho, acrescido de 10,00€ a título de subsídio de almoço, sem que fosse emitido recibo de vencimento, e que, concretamente, o Autor recebeu da Ré a quantia de 220,00€ paga a 30/05/2022, e de 515,00€ paga a 05/07/2022, e de €864,00 paga a 27/07/2022.

Ora, fazendo apelo aos elementos indiciários de presunção de laboralidade enunciados no referido artigo 12° do Código de Trabalho, verifica-se apenas que o Autor efetuou tais serviços com instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, neste caso os veículos de transporte de mercadorias.

No mais, o Autor não logrou demonstrar a verificação de quaisquer outros indícios que fizessem presumir a relação laboral, designadamente o cumprimento de um horário de trabalho e a existência de uma retribuição certa, com uma periodicidade determinada. Pelo contrário, resultou provada a prestação de serviços pontuais, ocasionais e esporádicos, e uma retribuição variável, de acordo com o número de serviços prestados.

Não se apurou, pois, que o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré se tenha iniciado a 05 de Maio de 2022.».

Vejamos.

Inexiste já divergência que a partir de 1 de agosto de 2022, inclusive, entre Autor e Ré vigorou contrato de trabalho, por tempo indeterminado (não foi colocado em crise o decidido em 1ª instância quanto à circunstância de no contrato escrito outorgado pelas partes em 1-08-2022 não estar justificado o recurso ao termo que lhe foi aposto, ao incumprimento do disposto no nº 3 do artigo 143.º do Código do Trabalho (Código do Trabalho de 2009[21]), fazendo a situação cair no âmbito da aplicação do artigo 147.º, n.º 1, do mesmo diploma, ou seja, em que o contrato de trabalho se considera sem termo.

A questão é saber se em período imediatamente anterior, mais precisamente desde 5-05-2022 até 31-07-2022, o contrato que vigorou entre as partes foi contrato de trabalho.

É inequívoco que é aplicável, como o foi na sentença recorrida, o regime que resulta do artigo 12.º do CT/2009[22], que dispõe no seu n.º 1 o seguinte:

“1- Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;

c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”.

Constitui hoje entendimento sedimentado, em face da redação do artigo 12.º do CT/ 2009, que a quem quer ser reconhecido como “trabalhador” cabe alegar e fazer prova de, pelo menos, dois dos pressupostos de base de atuação da presunção (de laboralidade) prevista nessa disposição legal.

Está em causa presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito) – ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto –, que quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de poder ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum.

E, como se evidencia no Acórdão desta Secção Social de 5-06-2023[23]:

«É que, se é verdade que o ónus de prova da existência do contrato de trabalho como facto constitutivo do seu direito, compete ao trabalhador (art.º 342º do Código Civil), que passa por provar que prestou “trabalho”, no caso de verificação dos pressupostos de facto que constituem a base de aplicação da presunção de contrato de trabalho consagrada no art.º 12º do Código do Trabalho, as regras alteram-se substancialmente, podendo influenciar o destino da lide pois é transferido para o empregador o encargo da prova decisiva.

Sendo assim, se quem quer ser reconhecido como “trabalhador” alegar e provar pressupostos de base de atuação da presunção [em termos que se vai expor], há que presumir a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus de prova.».

Assim, provados os pressupostos legalmente previstos (pelo menos dois), ou seja, operada a presunção, ocorre inversão do ónus da prova. Nessa situação, competirá à contraparte, neste caso, à Ré, o ónus de provar que, apesar disso, não estaremos perante um contrato de trabalho – demonstrando que, a despeito de se verificarem as caracteristicas previstas no artigo 12.º, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme decorre do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil.

De facto, nesta situação, ou seja operada a presunção, o ónus de prova que recai sobre o empregador é mais exigente que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar (ou seja, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido)[24].

Como escreve Leal Amado[25], numa situação como esta nada impede o beneficiário da atividade de ilidir a presunção “mas, claro, o onus probandi passa a ser seu (dir-se-ia que a bola passa a estar do seu lado)”.

Em síntese, recorrendo novamente às palavras do citado Acórdão de 5-06-2023, podemos dizer que: «a presunção parte da ideia de que o trabalho subordinado constitui a modalidade normal e amplamente maioritária do trabalho em proveito de outrem; nessa medida, provados certos elementos presume-se a sua existência, ficando o empregador na posição de provar que naquela situação se verifica a prestação do trabalho numa modalidade menos frequente, por exemplo de prestação de serviços».

Tendo como pressuposto o sobredito enquadramento, e apelando ao quadro factual provado nos presentes autos, como se impõe, é inequívoco que se mostra preenchida a caraterística prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do CT/2009, porquanto o Autor utilizava na prestação da atividade os veículos à mesma pertencentes ou pela mesma disponibilizados, isso mesmo, aliás, tendo sido reconhecido na sentença recorrida, o que não foi colocado em crise.

Mas, podemos também afirmar estarem apurados factos que correspondem ao pressuposto da verificação da presunção previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º do CT/2009.

Isto porque, estando em causa um motorista de serviço público, este tem um local onde iniciar e terminar as funções, executando o contratado tendo por referência esse local e, no caso, esse local era hétero determinado, ou seja, o Autor fez no período em crise, na sua maior parte, serviços de transporte de passageiros no circuito C... compreendido entre ....

Além disso, e no que respeita a esses serviços de transporte de passageiros no circuito “C...” realizados no período em crise, teria que ser observado necessariamente o horário atinente ao circuito de transporte de passageiros da C... (cfr. pontos 8º a 17º, 83º a 85º e 87º a 88º dos factos provados), o que significa que se a Ré afetava o Autor a esse circuito de transporte de passageiros acabava por caber à Ré a determinação das horas de início e termo da prestação da atividade, o que leva a concluir que se apuraram ainda factos que correspondem pelo menos parcialmente ao pressuposto da verificação da presunção previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º do CT/2009.

Claro está que as sobreditas considerações valem para o período temporal a partir do qual dispomos de factualidade que permite afirmar o preenchimento desses pressupostos base de atuação da presunção. Tal acontece em relação ao período relativamente ao qual ficaram demonstrados factos concretos a permitir essa afirmação, ou seja, no caso, concretamente de 25 de maio de 2022 (inclusive) em diante.

Na verdade, apenas a partir desta última data temos caraterizada em concreto a atividade prestada pelo Autor para a Ré em moldes que permitem afirmar o preenchimento dos referidos pressupostos de base, sendo que em relação ao período anterior situado entre 5-05-2022 a 24-05-2022 nem sequer temos prova de qualquer concreta prestação de atividade (atente-se que resultou não provada a matéria da alínea d)), pelo que, salvo melhor opinião, sem a prova da concreta prestação de atividade no período até 24-05-2022, não se poderá concluir no sentido da verificação de qualquer dos pressupostos base de atuação a que se reporta o artigo 12.º do CT/2009 e, consequentemente, no sentido da existência de qualquer contrato de trabalho nesse período.

Em suma, verificados três dos pressupostos de base de atuação da presunção constante do artigo 12.º do CT/2009, no que respeita ao período situado entre 25-05-2022 a 31-07-2022, presume-se a existência de um contrato de trabalho entre Autor e Ré no que respeita a esse período temporal (relembre-se que a partir de 1-08-2022 inexiste divergência que vigorou entre as partes um contrato de trabalho).

A verdade é que a Ré não logrou ilidir a presunção da existência de contrato de trabalho no que respeita ao referido período temporal.

Com efeito, a Ré não logrou provar, quando o ónus sobre si impendia, factos dos quais resulte, de modo bastante, que, no caso, e no período entre 25-05-2022 a 31-07-2022, a relação não poderia ser tida como assumindo natureza laboral.

Sempre ressalvando o devido respeito por distinto entendimento, não podemos qualificar a atividade prestada pelo Autor no referido período temporal como de prestação de “serviços pontuais, ocasionais e esporádicos”.

Sublinhe-se que, mesmo em relação aos dias referentes a formações no mês de junho de 2022, o que resultou apurado foi que o Autor efetuou tais formações por determinação da Ré (ponto 20º dos factos provados).

No que respeita à retribuição, ficou apurado apurado que no período em questão era pago em média € 50,00 cada dia de trabalho, acrescido de € 10,00 de subsídio de almoço.

Esta matéria em nada permite arredar a presunção de laboralidade. Da mesma não decorre que esteja em causa um pagamento em função do resultado ou em função do tempo utilizado na execução da tarefas, antes apontando para a existência de um valor fixo e determinado como contrapartida pela atividade prestada por reporte a um dia de trabalho. Para além disso, era pago subsídio de almoço, prestação que não aponta minimamente para uma relação de prestação de serviços, sendo mais consentânea com o âmbito de uma relação laboral.

Ademais, ficou provado que o pagamento pela prestação da atividade no período em questão acabou por ser feito pela Ré mensalmente (final de maio, princípio de junho e final de julho), nas quantias mencionadas no ponto 19º dos factos provados.

Perante a existência de presunção de contrato de trabalho em relação ao apontado período temporal (25-05-2022 a 31-07-2022), não logrou a Ré alegar e provar, desde logo, factos bastantes que permitissem evidenciar, como seria pressuposto, que na relação em análise no que respeita a esse período existisse, nomeadamente, qualquer tipo de autonomia por parte do prestador da atividade, dado o modo como a prestava (a factualidade provada não aponta minimamente no sentido de que o exercício da atividade nesse período apresentasse um grau de autonomia e independência incompatível com a existência de um contrato de trabalho subordinado), ou seja, quaisquer factos que permitissem dizer que, no período em questão, não se verificava o pressuposto de subordinação que está inerente à relação laboral.

Considera-se, pois, que a Ré não fez prova de que a relação contratual que manteve com o Autor entre 25-05-2022 e 31-07-2022 consubstanciava na prática um outro tipo contratual diverso do contrato de trabalho, não tendo logrado afastar a presunção decorrente do artigo 12.º do CT/2009.

Aqui chegados, procede apenas parcialmente o recurso do Autor nesta questão, sendo de reconhecer a existência de uma relação laboral entre o Autor e a Ré, por tempo indeterminado, com efeitos a partir de 25-05-2022 (e não logo desde 5-05-2022 como pretendido pelo Autor).

Como tal, terá de alterar-se em conformidade a sentença recorrida no que respeita à alínea a) do seu segmento decisório.

Atente-se, aliás, que nem se percebe muito bem a formulação adotada nesse segmento decisório pela sentença recorrida, no sentido de que o contrato de trabalho a termo certo se converteu em contrato por tempo indeterminado, o que nem sequer está em consonância com o decidido na fundamentação no sentido de que o contrato celebrado entre o Autor e a Ré em 1-08-2022 é um contrato sem termo, por força do disposto nos artigos 147.º, n.º 1, do CT de 2009.

É que a conversão do contrato de trabalho a termo certo em contrato sem termo, em contrato por tempo indeterminado, apenas está prevista para as situações expressamente previstas no n.º 2 do artigo 147.º do CT/2009, o que não se reconduz inequivocamente à situação conhecida e decidida pela 1ª instância.

Assim, perante o pedido formulado, o decidido na sentença recorrida quanto à consideração de que o contrato escrito celebrado entre as partes em 1-08-2022 é um contrato sem termo nos termos do artigo 147.º, n.º 1, e atenta a procedência parcial do recurso no que respeita à caraterização da relação contratual como sendo de um contrato de trabalho no período temporal de 25-05-2022 a 31-07-2022, terá que ser alterada a alínea a) do segmento decisório da sentença recorrida, reconhecendo-se que entre Autor e Ré vigorou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com efeitos a partir de 25-05-2022 e declarando-se que o contrato escrito datado de 1-08-2022 se considera um contrato de trabalho sem termo.


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3.2. Saber se ocorreu erro na aplicação do direito ao não ser declarada a nulidade da cláusula 3.ª do contrato de trabalho celebrado e ao não ser reconhecido como local de trabalho do Autor o Aeroporto ....

Nesta sede, sustenta, em síntese, o Recorrente que a cláusula em questão é nula, por ser geral e abstrata e implicar um conteúdo demasiado amplo, sendo violadora do CCTV aplicável, mais precisamente da sua cláusula 16.ª, n.º 2, referindo que a sua premissa base em termos de local de trabalho foi a de que só aceitou o trabalho e só lhe foi proposto atenta a proximidade do Aeroporto ... a escassos minutos da sua residência e nunca ... no concelho ... que fica a mais de 40 minutos. Defende que deverá ser declarado como seu local de trabalho o Aeroporto ....

Importa indicar aquele que foi o entendimento do Tribunal a quo nesta matéria e que é objeto de censura no recurso interposto pelo Autor.

Assim, consta da sentença recorrida o seguinte [transcrição]:

«- Do local de trabalho do Autor:

Alega a este respeito o Autor que, não obstante o que ficou a constar do contrato de trabalho, que o Autor outorgou, o mesmo foi contratado pela Ré para exercer funções de motorista de passageiros no interior do Aeroporto ..., até pela proximidade à sua residência, que veio a desempenhar as funções que haviam sido primitivamente combinadas e por si elemento fundamental da aceitação desde 01/08/2022 até meados de Novembro desse mesmo ano, e que deve ser reconhecido como seu local de trabalho o HH.

Cumpre apreciar e decidir:

Dispõe o artigo 193º, n.º 1, do Código do Trabalho, que “O trabalhador deve, em princípio, exercer a atividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.

Nos termos do artigo 194º, a respeito da transferência de local de trabalho:

“1 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, nas seguintes situações:

a) Em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço;

b) Quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador.

2 - As partes podem alargar ou restringir o disposto no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado.

3 - A transferência temporária não pode exceder seis meses, salvo por exigências imperiosas do funcionamento da empresa.

4 - O empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de alojamento.

5 - No caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação prevista no artigo 366.º.

6 - O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

7 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 1 ou 4, no caso de transferência definitiva, e constitui contraordenação leve a violação do disposto no n.º 3”.

Em sede de garantias do trabalhador, o Código do Trabalho consagra a “garantia da inamovibilidade do trabalhador” (artigo 129.º, n.º 1, alínea f)), vedando à entidade empregadora, em princípio, a transferência unilateral do trabalhador para outro local de trabalho, sendo que este tem vindo a ser associado à ideia de “centro estável ou predominante do desenvolvimento da atividade laboral”, o que permite incluir “não apenas as situações de local de trabalho mais tradicional, em que o local de trabalho coincide com as instalações físicas do empregador, mas também os casos de local de trabalho diluído, as deslocações do trabalhador ao serviço da empresa e a miríade de outras situações de trabalho à distância” (neste sentido, Maria do Rosário da Palma Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, 8.ª ed., Almedina, p. 382). De entre os casos de local de trabalho diluído, aponta esta autora, a atividade profissional do motorista do camião, em que o local de trabalho “não é, por natureza, fixo, ainda que as instalações da empresa possam manter uma relevância acessória”.

Ora, o local de trabalho, conforme decorre do citado artigo 193º, do Código do Trabalho, é determinado pelas partes.

À relação laboral em apreço é aplicável ainda o Contrato Coletivo de Trabalho entre a Associação Nacional de Transportes de Passageiros - ANTROP e o STRUP - Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 35, de 22 de Setembro de 2019.

Nos termos da cláusula 16.ª deste CCT, considera-se local de trabalho “aquele para onde o trabalhador foi contratado” (n.º 1), estabelecendo-se no n.º 2 que: “O local de início do serviço pode ser alterado para outro(s) desde que a distância entre esse(s) local(ais) e a residência do trabalhador informada à empresa no momento da admissão seja igual ou inferior à distância entre o local de trabalho contratado e a referida residência”.

Consideramos que o n.º 2 da cláusula 16.ª não versa sobre o local de trabalho, mas sobre o local de início do serviço, tanto mais nos n.ºs 3 e 4 se preveem normas tendentes a obviar à variabilidade do local de início do serviço e aos custos inerentes à deslocação, podendo, ademais, ler-se no ponto iii) da cláusula interpretativa vertida no CCT, a respeito desta cláusula 16.ª, que: “Local de trabalho – a redação do número 2 não visa potenciar que o local de início do trabalho seja objeto de alteração diária. Pretende-se permitir a possibilidade de tal alteração sempre que se verifique necessidade operacional por parte da empresa, salvaguardando, em qualquer caso, o previsto nos números 3 e 4 desta cláusula. Constituem exemplos do que antecede, designadamente, necessidade de substituição de trabalhador, definitiva ou temporária, reorganização dos serviços explorados

Ora, a restrição imposta pelo n.º 2 da cláusula 16.ª do CTT ao local de início do serviço é aferida tendo em conta a distância entre o local de trabalho contratado e a residência do trabalhador informada à empresa, a qual sendo, por exemplo de 50 km, obsta a que o trabalhador naquelas condições se veja confrontado com a necessidade de se deslocar mais de 50 km para um outro local, diverso do local de trabalho, para iniciar o seu trabalho.

De resto, o procedimento relativo à transferência do local de trabalho está expressamente consagrado na cláusula 17.ª do CCT.

A cláusula 16.ª do CCT também não define o que é local de trabalho, limitando-se a considerar que é o local para onde o trabalhador foi contratado (cfr. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14/07/2020, proc. n.º 343/19.0T8STR.E1, acessível in www.dgsi.pt).

No caso em apreço, resulta do teor da cláusula 3ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes que o local de trabalho do Autor seria “nas instalações da primeira contraente sita na Avenida ..., ... ... e ainda nos locais onde a primeira contraente tenha trabalhos a efectuar para a C... e outros que venha a ter e para os quais determine a intervenção do segundo outorgante”.

Donde, as partes definiram, contratualmente, o local de trabalho do Autor, não o restringindo ao Aeroporto ..., local que nem sequer é enunciado, pelo que, considerando o tipo de atividade exercida pela empregadora (transporte de passageiros) e as funções para que o Autor foi admitido (motorista), a pressupor necessariamente alguma mobilidade (o dito local de trabalho diluído), surge como perfeitamente justificada a definição do local de trabalho por reporte aos locais onde a Ré prestasse serviços de transporte.

Note-se que o Autor não logrou demonstrar que o posto de trabalho combinado entre Autor e Ré fosse o alocado ao transporte público de passageiros no interior das instalações do Aeroporto ..., por sequência de um contrato de prestação de serviços com a B... Portugal, funções que, por impedimentos de ordem logística e burocrática (relacionados com postos de trabalho, eventuais formações ou emissões de cartões de acesso aeroportuários), não se poderiam iniciar, naquele local, de imediato, pese embora o início das formações.

Por outro lado, o Autor não demonstrou, e nem sequer alegou, qualquer falta ou vício da vontade aquando da subscrição contratual, que o tenha impedido de entender e querer o que expressamente consta do texto do contrato, e ao qual expressamente se vinculou.

Por conseguinte, entendemos não ter ocorrido uma modificação unilateral, por parte da Ré, do local de trabalho do Autor, que se manteve nos termos dos limites definidos contratualmente.

É certo que, desde o início da relação laboral, em 01/08/2022, o Autor desempenhou as suas funções ao serviço da Ré no Aeroporto ..., mas não cremos que, por via disso, seja legítima a sua expectativa, tendo em conta a factualidade dada como provada, de que apenas nesse local podia e devia prestar trabalho, ou seja, que o Aeroporto ... se reconduzisse ao seu local de trabalho. Ademais, não vislumbramos que esses três meses e 10 dias durante os quais assim se desenrolou a prestação de trabalho por parte do requerente sejam suficientes para se considerar ser o aeroporto o “centro estável ou predominante do desenvolvimento da atividade laboral”.

Em face do exposto, entendemos não ser de aplicar o procedimento previsto nos artigos 194º e 196º, do Código do Trabalho e na cláusula 17ª do CCT para permitir à Ré afetar o Autor aos serviços de transporte da C....

Alega ainda o Autor que a cláusula 3ª do contrato de trabalho é nula por permitir ao empregador modificar unilateralmente o local de trabalho, sem que tal não seja num quadro de exceção, com caráter limitado, violando o artigo 16º, n.º 2 do CCTV aplicável à relação laboral.

Remetendo para o supra exposto, não se vislumbra em que medida a cláusula 3ª aposta no contrato de trabalho enferma de nulidade por permitir ao empregador modificar unilateralmente o local de trabalho, sem que tal não seja num quadro de exceção, com caráter limitado. Note-se que o local para onde o Autor foi contratado, segundo o teor do contrato, é composto pela sede da Ré, pelos locais onde a Ré tenha que efetuar trabalhos para a C... e outros para os quais determine a intervenção do Autor, pelo que está perfeitamente definido o seu local de trabalho, sem que se mostre violado o artigo 16º, n.º 2 do CCTV aplicável (o qual entendemos que não versa sobre o local de trabalho, mas sobre o local de início do serviço como já referimos).

Não assiste, pois, razão ao Autor nesta parte.»

Ponderando a transcrita fundamentação, tendo por base a factualidade provada e o quadro normativo aplicável, diremos, desde já adiantando a solução que, sempre ressalvando o devido respeito por posição divergente, consideramos não assistir razão ao Recorrente na sua pretensão de ver alterado o julgado, concordando-se com o sentido decisório da sentença recorrida no sentido da improcedência quer da pretendida declaração de nulidade da cláusula 3ª do contrato escrito, quer do pretendido reconhecimento do Aeroporto ... como local de trabalho do Autor.

Vejamos porquê.

Em primeira linha, importa consignar que o quadro normativo convencional aplicável é o que foi tido em conta pelo Tribunal a quo, sendo que o Recorrente no presente recurso não coloca em crise que o seja. De facto, resulta do contrato escrito que foi subscrito pelas partes que o contrato se regeria “pelas normas da Convenção Coletiva de Trabalho Vertical (CCTV), entre a Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Pesados de Passageiros (ANTROP) e o Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários e Urbanos de Portugal (STRUP), publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 35, de 22 de setembro de 2019 (…)”. Ou seja, tal Convenção Coletiva é aplicável enquanto parte integrante do contrato escrito celebrado, por nele se fazer remissão expressa.

Concorda-se com a posição sufragada na sentença recorrida no sentido de que a cláusula 16ª, n.º 2, do CCT [cuja redação é aquela que consta da sentença - O local de inicio do serviço pode ser alterado para outro(s) desde que a distância entre esse(s) local(ais) e a residencia do trabalhador informada à empresa no momento da admissão, seja igual ou inferior à distância entre o local de trabalho contratado e a referida residencia – e não a mencionada na conclusão XLII da apelação] não versa sobre o local de trabalho, mas sobre o local do início do serviço, pelas razões devidamente explicitadas na sentença e que nos dispensamos de replicar.

Na cláusula 3ª do contrato de trabalho escrito as partes definiram contratualmente o local de trabalho do Autor, não o restringindo ao Aeroporto ..., local que nem sequer é enunciado, sendo que, considerando o tipo de atividade exercida pela empregadora (transporte de passageiros) e as funções para que o Autor foi admitido (motorista), a pressupor necessariamente alguma mobilidade (o chamado local de trabalho diluído), considera-se que o local de trabalho contratualmente acordado é ainda determinável, como, aliás, o foi na vigência do contrato que as partes mantiveram e que já cessou, não se justificando a declaração da nulidade da cláusula.

Sublinhe-se que está em causa um contrato de trabalho em que a natureza da atividade laboral não se compadece com a fixação de um local de trabalho único ou mesmo preponderante, situação de local de trabalho diluído, já que em causa um motorista de serviço público, de transporte terreste de passageiros. Nesta situação, o local de trabalho não é fixo por natureza, ainda que as instalações da empresa possam manter uma relevância acessória para esse efeito (porque por exemplo o trabalhador tem que se apresentar nessas instalações a certas horas do dia, para recolha e entrega do veículo).

No caso, a empregadora Ré dedica-se à prestação de transporte terrestre de passageiros em veículos pesados, sendo certo que as empresas de transportes coletivos de passageiros só estão autorizadas a prestar o serviço público de transporte de passageiros nas áreas concessionadas. A estipulação das instalações da primeira contraente em ... está definida e nada tem de genérico ou abstrato, sendo que quanto à parte da cláusula atinente aos locais onde tenha trabalhos a efetuar para a C... tem que ser interpretada no sentido das àreas geográficas que no momento dessa estipulação os trabalhos de transporte a efetuar para a C... estavam adstritos à Ré, como era inequivocamente o caso do transporte compreendido entre ..., com a inerente prévia recolha e depois entrega do veículo nas instalações da Ré em ..., assim se compreendendo também a estipulação de base deste local de trabalho, em termos o início e término da sua jornada de trabalho. Ou seja, entende-se que também essa parte da cláusula era ainda determinável e cognoscível para o Autor em termos configuração do local de trabalho.

Tanto assim, que se atentarmos na matéria de facto apurada, verificamos que, quando na escala que se iniciou em 7-11-2022, verificou que em relação aos dias 12-11-2022 e 13-11-2022 constava na escala a menção “AA (C...)”, o Autor entendeu que a Ré o estava a alocar às viagens ... e não a serviços da C... na Sibéria (para utilizar a expressão do Recorrente na conclusão XXXIX).

A cláusula 3ª do contrato de trabalho, ao contrário do sustentado pelo Recorrente, não viola, a cláusula 16.º, nº 2, do CCT aplicável que, repita-se, não versa sobre o local de trabalho, estando em causa o local de início de serviço, estando espelhado na sentença exemplo ilustrativo da restrição contida em tal cláusula quanto ao local de início de serviço.

Em suma, considera-se que inexiste fundamento que justifique a declaração de nulidade da cláusula 3ª do contrato.

Do mesmo passo, e perante a referida estipulação contratual do local de trabalho e tendo em conta a matéria apurada, está votada ao insucesso a pretensão do Recorrente no sentido de que seja reconhecido o Aeroporto ... como sendo o seu local de trabalho.

No que respeita à questão em análise, o Recorrente parte desde logo de um conjunto de pressupostos fácticos que nem sequer encontram respaldo na matéria de facto provada, antes tendo até resultado demonstrada factualidade em sentido logicamente incompatível com a reiterada afirmação da premissa base de que só aceitou o trabalho atenta a proximidade do Aeroporto ... a escassos minutos da sua residência.

Assim, resultou não provado que: o posto de trabalho combinado entre o Autor e a Ré fosse alocado ao transporte público de passageiros no interior das instalações do Aeroporto ..., por sequência de um contrato de prestação de serviços com a B... Portugal (alínea b); funções que, por impedimentos de ordem logística e burocrática (relacionados com postos de trabalho, eventuais formações ou emissões de cartões de acesso aeroportuários), não se poderiam iniciar, naquele local, de imediato, pese embora o início das formações (alínea c); tal contrato [reportando-se ao contrato escrito], ainda que não tendo correspondência com a realidade das funções efetivamente desempenhadas, tenha sido outorgado pelo Autor, porquanto consistia a única garantia do trabalhador de que, a relação laboral que se iniciou em maio de 2022, efetivamente existia (alínea n); ainda que com sérias dúvidas relativamente a determinadas cláusulas do contrato, o Autor acedeu a outorga-lo (alínea o); a prestação de atividade dentro do recinto do Aeroporto ..., no Porto, para a trasfega de passageiros entre o Avião e a Gare, atenta a proximidade geográfica da residência, era essencial para o Autor aceitar celebrar o contrato (alínea p).

E ficou provado que: a Ré tem contratado motoristas de serviço público para cumprir com o contrato de prestação de serviços celebrado com a C..., atento que esta tem criado várias linhas novas e atribuído as mesmas à Ré (ponto 68º); razão que levou a Ré a contratar o Autor; a Ré disse ao Autor que pretendia que o mesmo realizasse C..., e o Autor aceitou realizar estes serviços (ponto 69º).

Não se olvide que a relação laboral entre as partes foi reconhecida por reporte a momento anterior a 1-08-2022, sendo certo que antes da celebração do contrato escrito a prestação da atividade do Autor em benefício da Ré se reconduziu no essencial à efetivação de transportes que a Ré efetuava para a C..., sublinhando-se aqui o que ficou provado sob os pontos 68º e 69º.

A verdade é que as partes outorgaram, entretanto, um contrato escrito e no mesmo consta a sobredita estipulação quanto local de trabalho, não se podendo afirmar, perante a factualidade apurada, qualquer falta ou vício da vontade aquando da subscrição contratual, e no que respeita à questão do local de trabalho, que tenha impedido o Autor de entender e querer o que expressamente consta do texto do contrato e ao qual expressamente se vinculou.

No circunstancialismo fáctico apurado quanto ao desenvolvimento da atividade laboral do Autor ao serviço da Ré (que, aliás, como decidido supra não se situou apenas a partir de 1-08-2022, mas sim desde 25-05-2022) e tendo em vista o local de trabalho contratualmente definido, concorda-se com a sentença recorrida quando afirma que o local de trabalho se manteve dentro dos limites definidos contratualmente, não sendo de aplicar o procedimento previsto nos artigos 194.º e 196.º do Código do Trabalho e na cláusula 17.ª do CCT aplicável para permitir à Ré afetar o Autor aos serviços de transporte da C....

Por todo o exposto, improcede totalmente o recurso quanto à questão em análise.


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3.3. Saber se a sentença recorrida viola o princípio da condenação extra vel ultra petitum constante do artigo 74.º do CPT, tendo em conta os factos provados sob os pontos 29.º e 31.º.

Nas conclusões o Recorrente refere o que resultou como provado nos pontos 29.º e 31.º, dizendo que o Tribunal se apercebeu e identificou como regime de turnos rotativos e, bem assim, que o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria de facto provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho. Conclui que a sentença recorrida viola o princípio da condenação extra vel ultra petitum constante do artigo 74.º do CPT (cfr. conclusões LIV a LIX).

Lida a motivação da apelação, verifica-se que a mesma se reconduz praticamente ao que consta das conclusões, apenas aí se acrescentando “[p]arece notório que o insigne Tribunal se apercebeu de outros demais créditos salariais não abarcados pelo Recorrente em sede de petição inicial”. Na sequência desta afirmação, refere ainda o Recorrente na motivação que: “O Tribunal a quo apercebeu-se e identificou-os, denominando-os (e bem), neste caso, de regime de turnos rotativos”; “No entanto, em sede de sentença, de forma salve o devido respeito, impercetível, optou por não liquidar esses valores e não condenar o Recorrente em conformidade”.

O Recorrente não explicita minimamente que créditos salariais são estes, afinal, em relação aos quais teria sido violado o princípio contido no artigo 74º. do CPT.

Depreende-se que estará a falar de eventuais créditos que seriam decorrentes da circunstância de o trabalhador estar a prestar trabalho em regime de turnos rotativos, tendo em conta os pontos da matéria de facto a que apela.

Segundo o artigo 220.º do CT/2009, «[c]onsidera-se trabalho por turnos qualquer organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluíndo o rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas».

Importa ter presente que a lei não obriga o empregador a pagar uma retribuição específica pela prestação de trabalho por turnos.

De facto, o Código do Trabalho de 2009, ao contrário do que acontece por exemplo para o trabalho noturno, não estabelece qualquer retribuição específica pelo trabalho prestado por turnos, inexistindo qualquer subsídio de turno ou acréscimo de remuneração pela prestação de trabalho por turnos (cfr. artigos 258.º a 269.º do CT/2009).

Nesta consonância, só a regulamentação coletiva aplicável ou o contrato individual de trabalho é que podem prever essa remuneração específica pelo trabalho por turnos.

Ora, não foi invocado, nem resultou provado que as partes tenham acordado o pagamento de qualquer remuneração específica por trabalho por turnos. Este Tribunal não deixou também de analisar o contrato escrito celebrado entre as partes, sendo certo que o mesmo não contém qualquer cláusula que o preveja.

Por outro lado, analisada a CCT aplicável, a mesma também não prevê qualquer retribuição específica, nomeadamente um subsídio de turno ou qualquer acréscimo de retribuição, para o trabalho por turnos.

Como tal, e tendo em conta a factualidade convocada pelo Recorrente, de nenhuns créditos salariais ligados ao regime de prestação de trabalho em regime de turnos se poderia o Tribunal a quo ter apercebido ou identificado, créditos esses, repita-se, que o próprio Recorrente também não identificou, limitando-se a afirmar por forma absolutamente conclusiva que o Tribunal a quo violou o princípio contido no artigo 74.º do CPT.

De qualquer forma, sempre se dirá que, conforme entendimento pacífico da nossa jurisprudência[26], o direito à retribuição é irrenunciável, mas apenas na vigência do contrato de trabalho, sendo certo na pendência da presente ação cessou o contrato de trabalho que as partes mantinham.

Ademais, importa ter presente que a aplicação do artigo 74.º do CPC pressupõe que haja matéria de facto em que se possa sustentar, o que, como vimos, nem é o caso no que respeita aos factos convocados pelo Recorrente.

Refira-se ainda que o Autor viu reconhecidos integralmente os créditos peticionados a título de trabalho noturno e trabalho suplementar, e parcialmente os créditos peticionados a título de descansos compensatórios e trabalho em dia feriado. E, no presente recurso, nem sequer são colocados em crise os segmentos decisórios da sentença recorrida atinentes a tais créditos que foram peticionados.

Em conclusão, não se identifica a apontada violação do artigo 74.º do CPT no que respeita ao regime de trabalho por turnos rotativos, nem, aliás, em relação a qualquer outra matéria atinente a créditos salariais ou a qualquer outro pedido formulado.


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Por último, importa apenas reiterar que, atendendo às conclusões do recurso, além dos atrás apreciados, nenhum outro segmento decisório da sentença recorrida integra as conclusões do recurso apresentado e faz parte do âmbito do objeto do presente recurso, sendo certo que não se perfila nenhuma questão de conhecimento oficioso no âmbito da aplicação do direito.

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Em síntese, o presente recurso procede apenas parcialmente no que respeita à caraterização da relação contratual como sendo de um contrato de trabalho no período temporal de 25-05-2022 a 31-07-2022, com a inerente e já atrás anunciada alteração da alínea A) do segmento decisório da sentença recorrida.

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A responsabilidade pelas custas da ação, impende sobre ambas as partes, na proporção de vencimento/decaimento, sendo certo que tendo em conta o valor atribuído à acção - € 5.528,70 – e os pedidos formulados e sua repercussão nesse valor, se considera inexistir razões para alterar a proporção já fixada em 1ª instância de ¾ para o Autor e ¼ para a Ré, do que decorre que a mesma proporção seja fixada no presente recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

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IV – DECISÃO:

Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, sem prejuízo da intervenção oficiosa efetuada em sede da decisão da matéria de facto nos termos explicitados no ponto III, 2), em julgar o recurso parcialmente procedente, alterando pelo presente acórdão a alínea a) do segmento decisório da sentença recorrida, reconhecendo-se que entre Autor e Ré vigorou um contrato de trabalho por tempo indeterminado com efeitos a partir de 25-05-2022 e declarando-se que o contrato escrito datado de 1-08-2022 se considera um contrato de trabalho sem termo.

Mantém-se no mais a sentença recorrida.

Custas da ação na proporção de vencimento/decaímento já fixada na sentença recorrida, proporção essa a aplicar também ao presente recurso, tudo sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Autor.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Notifique e registe.


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(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 17 de março de 2025

Germana Ferreira Lopes [Relatora]
Rita Romeira [1ª Adjunta]
António Luís Carvalhão [2º Adjunto]

_______________________________
[1] Adiante CPC.
[2] Adiante CPT.
[3] Consigna-se que, tendo-se constatado que na sentença recorrida ocorreu lapso na numeração dos factos – repetiu-se o número 12º -, retificou-se tal numeração para 13º-A, por forma a garantir a necessária distinção, sem necessidade de retificar toda a numeração subsequente. Mais se consigna que será desde já feita menção em cada ponto, caso tenha ocorrido alteração, atenta a apreciação feita infra no ponto III, 2) em sede de apreciação da impugnação da matéria de facto/intervenção oficiosa.
[4] In “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, pág. 195.
[5] Processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão, aqui 2º Adjunto, acessível in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[6] Cfr., entre outros, Acórdãos de 9-02-2017 (processo n.º 8228/03.5TVLSB.L1.S2, Relator Conselheiro Tomé Gomes), de 8-03-2022 (processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1, Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e de 24-10-2023 (processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1, Relator Conselheiro Nuno Pinto Oliveira).
[7] Inserindo-se no texto a nota de rodapé 21 do Acórdão em causa.
[8] António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 199.
[9] Processo n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Conselheiro Nelson Borges Carneiro.
[10] Processo n.º 2605/20.4L1.S1, Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves.
[11] Processo n.º 125/22.1T8AVR.P1, relatado pelo Desembargador Nelson Fernandes.
[12] In obra citada, págs. 200 e 201.
[13] Publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.
[14] Obra citada, págs. 201 e 202.
[15] Processo nº 4925/17.6T8OAZ.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.
[16] Processo nº 1372/19.9T8VFR.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.
[17] Processo nº 1104/18.9T8LMG.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado.
[18] In obra citada, pág. 436 e 437.
[19] Processo n.º 1166/20.9T8MTS.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas.
[20] Veja-se, a título meramente exemplificativo: o Acórdão desta Secção Social de 13-07-2022, processo n.º 3642/20.4T8VFR.P1, Relatora Desembargadora Teresa Sá Lopes; os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-10-2009 (processo nº 272/09.5YFLSB, Relator Conselheiro Vasques Dinis), 12-03-2014 (processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado), 28-01-2016, (processo nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Relator Conselheiro António Leones Dantas), de 28-10-2021 (processo nº 4150/14.8T8VNG-A.P1.S1, Relator Conselheiro João Cura Mariano).
[21] Adiante designado por CT/2009.
[22] Redação aplicável do Código do Trabalho vigente – CT de 2009, na redação anterior à Lei n.º 13/2023, de 3-04, que alterou o Código do Trabalho e legislação conexa, no âmbito da agenda do trabalho digno, embora as alterações se resumam quanto ao artigo 12.º, ao seu n.º 3, sem nenhuma interferência na apreciação da situação em causa.
[23] Processo n.º 6750/21.2 T8VNG.P1 , relatado pelo aqui 2º Adjunto, Desembargador António Luís Carvalhão.
[24] Neste sentido, vejam-se os Acórdãos desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 14-12-2017 (processo nº n.ºs 1694/16.0T8VLG.P1), de 5-06-2023 (já citado) e de 26-06-2023 (n.º 11766/22.7T8PRT.P1).
[25] “Presunção de laboralidade: Nótula sobre o art. 12º do Novo Código do Trabalho e o seu âmbito temporal de aplicação”: Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, nº82, pág.165.
[26] Cfr. a título meramente exemplificativo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-04-2024, processo n.º 13358/20.6T8LSB.L1.S1., Relator Conselheiro Domingo Morais.