I - A Lei nº 8/2022, de 10/01 que introduziu alterações no art. 6º do Decreto-Lei nº 268/04 de 25/10 veio por termo à divergência doutrinal e jurisprudencial anteriormente suscitadas quanto à abrangência pelo título executivo, pelo que tem cariz interpretativo.
II - Ficou agora claro, em face do disposto no artº 6º nº 3 Decreto-Lei nº 268/04 de 25/10, que as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434.º do Código Civil. consideram-se abrangidas pelo título executivo, o que é aplicável retroativamente às situações jurídicas anteriormente constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor, uma vez que a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, por força do disposto no art. 13º do C.C.
III - Nos termos do art.º 9.º do CC, a interpretação da lei não deverá cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
IV - O prazo introduzido pela lei 8/2022 de 10.1, no art. 6º nº 5 do Decreto-Lei nº 268/04 de 25/10 não é um prazo de caducidade.
V - Trata-se de um prazo meramente indicador ou orientador para o administrador de condomínio atuar de forma diligente na cobrança judicial das quantias devidas ao condomínio integradas no título executivo, visando desse forma incutir celeridade à atuação do administrador do Condomínio, finalidade que a Lei 8/2022 de 101. visou prosseguir com as alterações que implementou no regime da propriedade horizontal.
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Execução do Porto - Juiz 4
Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos:
Ramos Lopes
Márcia Portela
SUMÁRIO:
……………………………………….
……………………………………….
……………………………………….
Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO:
A..., Lda., por apenso à execução cumulada que o Condomínio do Edifício ..., sito na Rua ..., no Porto, representado pelos seus administradores, intentou contra si, veio deduzir os presentes embargos de executado/oposição à execução cumulada de 29/11/2023.
Fundamentou a sua pretensão, essencialmente, nos seguintes argumentos:
- Inexigibilidade/iliquidez da obrigação exequenda/invalidade/falta de título executivo e caducidade quanto às multas/penalizações e despesas de contencioso peticionadas num total de €11.169,24, já com os juros de mora vencidos incluídos.
- abuso de direito pelo exequente.
Concluiu, em síntese, pela procedência dos embargos, com a extinção da execução cumulada em 29/11/2023.
O exequente/embargado contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.
Veio a realizar-se a audiência prévia, pronunciando-se as partes pela decisão imediata do mérito da causa, tendo se seguida o tribunal proferido saneador-sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, considerando verificada a aludida exceção de caducidade e a falta de válido título executivo contra a aqui executada/embargante, julgo procedentes os presentes embargos de executado (apenso-E), com a consequente e oportuna extinção da execução cumulada de 29/11/2023 quanto à aqui executada/embargante.
As custas destes embargos ficam a cargo do aqui exequente/embargado, por ter ficado vencido (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, e 529.º, n.ºs 1 e 4, do CPC).
Registe e notifique.
Comunique ao Sr. AE.
Transitada a presente decisão, extingue-se a execução cumulada de 29/11/2023, nos termos do disposto no art.º 732.º, n.º 4, do CPC.”
Inconformado, o Embargado/Exequente, CONDOMÍNIO ... SITO NA RUA ..., ..., veio interpor o presente recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1-O condomínio embargado, aqui recorrente não se conforma com a decisão proferida, pois considera que na mesma se faz errada aplicação do direito aos factos, bem como uma errada interpretação da lei, e do direito.
2- Para melhor explanar a razão da sua discórdia, inicia-se por referir, que após entrada do requerimento executivo inicial a executada efetuou pagamentos por forma extrajudicial, ocorrendo assim uma extinção parcial da quantia exequenda devidamente comunicada à Sr. AE. Tais pagamentos, factos extintivos da obrigação ocorreram na pendência da execução. O mesmo tendo sucedido na pendência da execução cumulada em 27/01/2010.
3- Em resultado, os embargos de executado que correram termos no apenso A, embora tenham sido julgados parcialmente procedentes e a quantia exequenda reduzida para € 7.071,36, por força da soma do valor da execução inicial com o da execução cumulada (€14.443,72) foi a embargante/executada condenada no pagamento das custas na proporção de 82%, correspondente ao respetivo decaimento, tendo a execução prosseguindo para cobrança do remanescente em dívida, a qual veio a ser parcialmente liquidada, em data posterior a 04/11/2014, através de pagamentos parciais que totalizaram a quantia de € 7.783,31.
4- No dia 4/11/2014, o exequente deu entrada em juízo da nova/segunda cumulação, que não sofreu oposição. E, no dia 18/07/2017, deu entrada em juízo nova/terceira cumulação, a qual sofreu oposição, por meio de embargos que vieram a ser julgados pelo Tribunal de Primeira Instância totalmente improcedentes (apenso B).
5- Muito embora, a executada/embargante tenha interposto recurso da decisão proferida no apenso B, no dia 21/03/2022, procedeu ao pagamento voluntário da nota discriminativa/conta provisória junta pela Sra. AE (em 15/01/2021) pretendendo assim e por aquele pagamento satisfazer a pretensão do exequente de obter o pagamento das obrigações (dívidas), peticionadas na segunda (de 04/11/2014) e terceira (18/07/2027) execuções, e assim obter a extinção da execução.
6- Acontece que, no dia 18/03/2022 (antes do pagamento) já o exequente tinha apresentado a juízo a nova/quarta cumulação, e porque a executada não liquidou a nota/discriminativa que entretanto lhe foi apresentada (por força da nova execução) acabou por não ocorrer a pretendida extinção da execução nos termos do disposto no artigo 846º do CPC..
7- Neste enquadramento, resta referir que dos pagamentos efetuados pela executada em 21/03/2022, num total de € 75.155,83, o exequente apenas recebeu a quantia de € 39.175,03, em 29/03/2022.
8- E, se é certo, que no dia 23/02/2023 foi proferido por este Venerando Tribunal acórdão que revogou a sentença nos embargos (apenso B), o qual foi confirmado no STJ por douto acórdão de 11/07/2023, não menos certo é, que, àquela data, já as quantias peticionadas na execução apresentada em 18/07/2017 tinham sido voluntariamente liquidadas e depositadas na conta da Sra. A.E..
9- Porém, nas contas do condomínio tais valores permaneciam em dívida, já que nenhuma transferência foi efetuada para o condomínio. Razão pela qual, os pagamentos voluntários que em princípio serviriam para satisfazer a pretensão do exequente, não estavam, nem podiam estar refletidos nas contas do condomínio, já que a executada ao contrário do comportamento que já antes havia adotado, ao invés de pagar diretamente ao condomínio e assim saldar a dívida optou por pagar diretamente à Sra. A.E..
10- Portanto, até 29/03/2022 a executada permanecia devedora da quota parte da obrigação (no valor de € 7.160,80) a que ficou obrigada por força da aprovação do orçamento extraordinário aprovado para o ano de 2010, conforme resulta das deliberações aprovadas na assembleia de 26/03/2010 (Ata n.º 38), bem como, devedora das penalizações aprovadas nessa mesma assembleia em virtude da falta ou atraso de pagamento do referido orçamento extraordinário.
11- Permanecia ainda devedora, das quotizações correspondentes ao 2º e 3º trimestres de 2012, no valor de € 662,37, cada um, bem como devedora das penalizações aprovadas na assembleia geral de condóminos que aprovou as contas relativas a 2011 e o orçamento para vigorar no ano de 2012, e que se realizou no dia 05/06/2012 (Ata n.º 43), e ainda das demais penalizações aprovadas em razão da aprovação dos procedimentos a adotar em relação ao atraso ou falta de cumprimento daquelas obrigações.
12- Nesse contexto a douta sentença aqui colocada em crise não considerou o facto de na altura em que foram aprovadas tais atas e na altura em que foi proposta a execução cumulada através do requerimento executivo de 29/11/2023, em que se peticionam obrigações com as mesmas relacionadas, ficou demonstrado que aquela obrigação já estava legalmente fixada e vencida e não foi paga pela executada/embargante, daí serem exigíveis as sanções pecuniárias peticionadas no momento da apresentação desta nova execução cumulada.
13- Com efeito, se atentarmos nas obrigações que por esta nova/quinta execução estão peticionadas, constatamos que em causa estão apenas sanções pecuniárias e não despesas de contencioso, designadamente as sanções pecuniárias emitidas no dia 31/02/2022, calculadas sobre o saldo por regularizar no final do 4º trimestre de 2021, vencida a 08/02/2022, a sanção pecuniária emitida em 29/04/2022, calculada sobre o saldo por regularizar no final do 1º trimestre de 2022 e vencida em 06/05/2022, a sanção pecuniária emitida em 15/07/2022, calculada sobre o saldo por regularizar no final do 2º trimestre de 2022, a sanção pecuniária emitida no dia 31/10/2022, calculada sobre o saldo por regularizar no final do 3º trimestre de 2022, que se venceu em 09/11/2022, bem como a sanção pecuniária emitida 31/01/2023 sobre o saldo por regularizar no final do 4º trimestre de 2022, e por fim a sanção pecuniária emitida no dia 28/04/2023, calculada sobre o saldo por regularizar no final do 1º trimestre de 2023, todas calculadas nos moldes e nas percentagens aprovadas nas assembleias gerais.
14- Tal como as sanções pecuniárias são imputadas nos saldos de conta corrente, também os pagamentos são abatidos nesses mesmos saldos, como de resto ocorreu em 29/03/2022, com o pagamento (transferência) que reduziu o saldo por regularizar, ficando assim e só naquela data, efetivamente, liquidado o orçamento extraordinário aprovado em 2010 (ata n.º 38), bem como as quotizações relativas ao orçamento de 2012 (ata n.º 43)..
15- As atas dadas à execução são atas de assembleias de condóminos com força executiva atribuída pelo art.º 6º, n.º 1, 2 e 3 do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro, na redação introduzida pela Lei 8/2022, de 10/01. Das mesmas fazem parte integrante a lista dos condóminos presentes, os elementos apresentados pela administração destinados à análise do exercício e relatório de contas dos vários exercícios, os orçamentos apresentados, a simulação dos exercícios, o seguro coletivo para cada ano. Nenhuma das deliberações executadas se reconduz ao conceito de deliberação nula ou ineficaz, encontrando-se extinto, por caducidade, o direito a questionar a validade das mesmas, nos termos do artº 1433º do Código Civil.
16- A nova regulação normativa do artigo 6.º, n.º 3, do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, na redação da Lei n.º 8/2022, contempla a previsão de que se consideram abrangidos pelo título executivo a que se reporta o n.º 2 do mesmo artigo, os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio, tem caráter interpretativo e não inovador.
17- Em face do referido, poderá entender-se que, por via da interpretação decorrente da publicação da Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, no título executivo poderão considerar-se contempladas as sanções pecuniárias que sejam aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
18- Não se ignora que as penas pecuniárias são destinadas a compelir e pressionar os condóminos a cumprir e, por isso, não visam imediatamente a satisfação de despesas, constituindo antes uma receita eventual do condomínio. Tanto mais, porque se deixou sobejamente demonstrado na cumulação apresentada no dia 04/11/2014, que na assembleia geral de condóminos que se realizou no dia 25 de Julho de 2011, da qual veio a ser lavrada a ata n.º 41, foi proposta a aplicação do que estava consagrado no n.º 3 do artigo 35º do regulamento do condomínio, isto é, que se decidisse sobre o destino que poderia ser dado ao produto das sanções aplicadas devido a atrasos de pagamento por parte dos condóminos relapsos, e muito embora àquela data permanecesse a executada sem pagar a sua quota parte dos orçamentos extraordinários para obras de reabilitação do edifício, beneficiou da distribuição do montante arrecadado pelo condomínio a título de sanções pecuniárias e por via do mesmo não teve que suportar o pagamento do 1º e 2º trimestre de 2011 (benefício equivalente a € 1.457,22)
19- Porém, do que acabou de se referir, podemos afirmar que mal andou o Tribunal ao considerar verificada a caducidade. Tanto mais, sabendo-se que a caducidade é uma forma de extinção de direitos (e dos correspondentes deveres) em consequência do seu não exercício durante um determinado período de tempo.
20- Sabendo-se que as dívidas ao condomínio, por assumirem um carácter periódico e renovável estão sujeitas a um prazo de prescrição de 5 anos, conforme decorre da alínea) g do artigo 310º do CC.
21- Daí que, no modesto entender do recorrente, na sentença aqui colocada em crise faz-se uma errada interpretação do n.º 5 do artigo 6º do DL 268/94, de 25/10, na redação da Lei n.º 8/2002, de 10/01, porquanto o prazo a que ali se alude não é um prazo de caducidade, mas sim um prazo orientador que tem na sua génese permitir ao administrador, em face do primeiro incumprimento do condómino avançar com uma ação judicial para cobrança das dívidas, sem ter que obter uma autorização por parte da assembleia de condóminos e sem necessidade de interpelar seja quem for. Tudo na decorrência do aumento da responsabilização que passou a recair sobre os administradores do condomínio.
22- No caso dos presentes autos, resulta que em 29/11/2023, o exequente deu à execução nova cumulação, tendo por objeto as atas nº 1, 16, 38, 43, 51, 69, sendo certo, que a ata 16 já constava da execução inicial apresentada em 13/09/2007, as atas 38 e 43 já constavam da execução cumulada no dia 04/11/2014, a ata nº 51 da cumulação apresentada no dia 08/07/2017 e a ata nº 69 já constava da execução cumulada no dia 18/03/2022.
23- Assim, e conforme bem resulta da factualidade dada como provada nos pontos 1 a 13 da sentença, resulta evidenciado que o recorrente recorreu à ação executiva desde o primeiro incumprimento e muito antes da entrada em vigor da Lei n.º 8/2022, de 10/0. Por outro lado, tendo ficado demonstrado a data dos pagamentos efetuados na pendencia da execução, ainda que se entenda que aquele prazo constante do n.º 5 do artigo 6º do supra citado DL 264/98, é um prazo de caducidade, o reconhecimento por parte da executada daquela que era a sua dívida impede que se opere a caducidade.
24- Não se verifica a invocada exceção de irresponsabilidade/inexigilidade – falta de título executivo, uma vez que as atas da assembleia de condóminos que pela presente se executam, deliberam o montante das contribuições a pagar ao condomínio e mencionam o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
25- Conforme bem resulta da factualidade dada como provada nos pontos 1 a 3, e 5, a executada não pagou na data de vencimento as obrigações a que se encontrava obrigada, o que motivou o prosseguimento da execução inicial, bem como da execução cumulada em 27/01/2010, conforme sentença proferida no apenso A, bem como o prosseguimento da execução cumulada em 04/11/2014. Se tivermos em consideração que estão abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, bem com as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento de condomínio, verificamos que na execução em apreço, apenas estão peticionadas as sanções pecuniárias emitidas em 31/01/2022, 29/04/2022; 15/07/2022; 31/10/2022, 31/01/2023 e 28/04/2023, vencidas em 08/02/2022, 06/05/2022; 21/07/2022; 09/11/2022; 08/02/2023 e 05/05/2023, respetivamente, permitidas no regulamento de condomínio e nos exatos termos em que foram aprovadas nas deliberações aprovadas das quais foram lavradas as atas nºs. 16, 38, 43, 51 e 69.
26- Nessa medida, a decisão proferida viola a disposição contida no atual art.º 6 do DL n.º 268/94, de 25.10, na redação da Lei n.º 8/2022, de 10/01. Na sentença proferida não foi tida em consideração a disposição contida no artigo 1434º do CC., que concede à assembleia a possibilidade de fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições da assembleia, assim como tido em consideração que as deliberações aprovadas não foram alvo de impugnação, nem tão pouco se levou em consideração que em momento algum da sua oposição a executada afirma que o montante das penas aplicáveis excedeu os limites a que alude o n.º 2 do artigo 1434º do CC..
27- No modesto entender do recorrente as sanções pecuniárias aplicadas sempre serão de considerar legais, justificadas e proporcionais, já que estão associadas a contribuições/quotas a pagar ao condomínio e que confessadamente, a recorrida permaneceu durante mais de uma década sem liquidar. Em face da disposição contida no n.º 2 do artigo 1434º do CC., e dos limites aí referidos, não existe fundamento legal que suporte a conclusão vertida na douta sentença segundo a qual após a instauração da execução coerciva, por quotas de condomínio em dívida carece de justificação legal a aplicação posterior de penas/multas/ sanções pecuniárias.
28- Desde logo, porque as dívidas que se executam em cada uma das execuções cumuladas não é a mesma, conforme consta dos pontos 1, 2 e 3 dos factos provados, na execução inicial estava em causa a falta de pagamento do pagamento do seguro de condomínio aprovado na assembleia de 06/02/2003, parte da quota referente ao 3º trimestre de 2003; a quarta prestação do orçamento extraordinário no valor de € 859,30, aprovado na reunião da assembleia geral de condóminos de 10/02/2006, as quotas do condomínio relativas ao 1º e 2º trimestres de 2007, no valor de 728,61 cada, o seguro de condomínio e a 1ª e 2ª prestações do orçamento extraordinário, no valor de € 859,30 cada um, conforme orçamentos aprovados na reunião geral de condóminos de 22/03/2007, bem como as penalizações pelos atrasos no pagamento das penalizações.
29 – Na execução cumulada em 27/01/2010 estava em causa a falta de pagamento de pagamento da quantia de € 3.427,20, referente às 1.ª, 2.ª, 3ª e 4:ª prestações do orçamento extraordinário para o ano de 2008 aprovado na reunião da assembleia de condóminos de 14 de Março de 2008; € 3.437,20, referente às 1ª., 2ª, 3ª e 4ª prestações do orçamento extraordinário para o ano de 2009 aprovado na assembleia de condóminos realizada em 20/03/2009, € 728,61, referentes à quota do 3º trimestre do orçamento geral de 2009, aprovado na assembleia de condóminos realizada em 20/03/2009, bem como penalizações.
30- No âmbito da execução instaurada em 04/11/2014, estava em causa a falta de pagamento do orçamento extraordinário aprovado para o ano de 2010, aprovado na assembleia de 26/03/2010, no valor de € 7.160,80, bem como as penalizações aprovadas em virtude da falta de pagamento do referido orçamento extraordinário, bem como a falta de pagamento das quotizações correspondente ao 2º e 3º trimestres de 2012, no valor de € 662,37, cada uma, e penalizações aprovadas na assembleia geral de condóminos que aprovou as contas relativas a 2011 e o orçamento para vigorar no ano de 2012, e que se realizou no dia 05/06/2012.
31- Conforme consta dos factos provados (ponto 9) da sentença, em 27/11/2013, foi proferida sentença nos embargos de executado/apenso A, que abrangiam a execução inicial e a execução cumulada em 27/01/2010, vindo a ser julgados parcialmente procedentes, vindo a ser reduzida a quantia exequenda de capital para € 7.071,36, acrescida dos juros de mora vencidos, já que a parte da quantia em dívida havia sido liquidada voluntariamente após entrada dos respetivos requerimentos executivos, portanto na pendencia da execução.
32- Os referidos pagamentos foram imputados e abatidos na conta corrente da executada, conforme resulta da sentença proferida nos embargos de executado/apenso A. Sendo certo, que resulta do ponto 12 dos factos provados que, a Sra. AE, efetuou uma transferência para o exequente apelante no valor de 39.175,03, apenas em 29/03/2022. Tal quantia corresponde ao valor corresponde ao capital de € 35.867,32 e juros de mora, contados à taxa legal de 4%, contados desde a data de vencimento de cada um dos documentos em dívida até 04/11/2014, num total de € 3.307,71. A qual foi, naquela data, imputada na conta da executada, reduzindo o saldo por regularizar (ponto 7 dos factos provados).
33- O valor das multas aplicadas está determinado e pode ser determinável – por mero cálculo aritmético, sendo possível retirar como foi obtido o valor das sanções peticionado.
34- E se é certo, que em 30/09/2021, a sentença proferida nos embargos de executado/apenso B, que abrangiam a execução cumulada em 18/07/2017, foi revogada por este Venerando Tribunal da Relação do Porto, por douto acórdão de 23/02/2023, confirmada no STJ em 11/07/2023, não menos certo é, que aquele douto acórdão, proferiu um juízo que se tornou vinculativo apenas em relação às quantias que constituíam objeto daquela referida execução.
35- No modesto entender do recorrente, a douta sentença aqui impugnada tem por objeto pedido diferente, recai sobre crédito diverso do que foi alvo de apreciação no âmbito do apenso B.
36- Não tendo impugnado as deliberações aprovadas, durante mais de uma década a executada permitiu que se cristalizassem procedimentos. A sua inércia e a sua própria conduta pautou a conduta do condomínio, que tendo sido citado para contestar ações, viu-se na obrigação de constituir advogado por força do disposto no artigo 58º, n.º 1 do C.P.C., e consequentemente, procedeu ao pagamento de taxas de justiça, despesas e honorários.
37-Tais documentos constam das contas do condomínio, e serviram de suporte à sua aprovação. No caso verifica-se que há acumulação de débitos ao longo dos vários exercícios, ou seja, entre a aprovação de contas de dado ano e a discussão e aprovação das contas relativas ao ano seguinte. Assim, os títulos executivos agora dados à execução oferecem as garantias mínimas quanto à existência do crédito que se pretende satisfazer coercivamente, porquanto trata-se de um assunto que foi submetido à apreciação das assembleias, nas quais se apreciaram, deliberaram e discutiram as dívidas, respetivos montantes e causas que a originaram, sendo suficiente que esses dados constem do relatório de contas anuais, devidamente aprovados.
38- Se as contas foram apresentadas e aprovadas, não tendo a executada impugnado a deliberação tomada com essa finalidade, a ata da qual esta deliberação conste documentada constitui título executivo. Logo que vencido o prazo o pagamento não estiver satisfeito, a força coerciva desta ata existe, contra o condómino devedor.
39- Não tendo sido alegado pela executada terem sido excedidos os limites impostos no n.º 2 do artigo 1434º do CC., será forçoso concluir-se que o condomínio exequente cuidou de conhecer o valor patrimonial tributário da fração para apurar o limite máximo da multa, e, a partir desse dado, aferiu com critério de certeza que a pena aplicada em cada momento, no caso concreto não excede. De resto, competia à condómina devedora aqui executada fazer prova daquele valor, o que não se verifica no caso concreto (cfr. art. 342.º, n.º 2 do CC.). O que desde logo inviabiliza a apreciação da exceção.
40- o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou por erro de interpretação ou aplicação, além do mais, o disposto nos artigos 10º, 703º, 726º, 732º, 734º, todos do CPC., 9º, 310º, 311º, 323º, 330.º, 331º e 1434º todos do CC., e artigo 6º do DL 268/94.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes os embargos de executado e que ordene o prosseguimento da execução.
Fazendo, assim V. Exas, Justiça.”
Respondeu a executada/embargante A..., LDA, pugnando pela improcedência do recurso (não tendo apresentado conclusões), alegando em suma que, “Afigura-se-nos ser de considerar que o direito de instaurar a presente execução coerciva contra a aqui executada não foi exercido tempestivamente pelo exequente, tendo já caducado, pois foi exercido muito depois dos 90 dias a contar do primeiro incumprimento do condómino ou da entrada em vigor da referida Lei n.º 8/2022, de 10/01, e das alterações legais aí previstas ocorreu em 10/04/2022).”
E ainda que, “No decurso da execução a aqui executada/embargante pagou inicialmente a quantia de €7.783,31, e depois, em 21/03/2022, a aqui executada/embargante pagou toda a nota discriminativa/conta provisória junta na execução pela Sra. AE, num total de €74.372,52, para evitar o prosseguimento da venda do imóvel penhorado e para obter o levantamento da penhora e a extinção da execução, sendo depois efetuada pela Sra. AE uma transferência para o exequente de €39.175,03, conforme a ordem de pagamento emitida em 29/03/2022, como tudo melhor consta dos autos de execução. – O que, não configura uma assunção de culpa, assunção de dívida.”
Quanto à invalidade do título executivo, alega que “a mesma já foi objeto de apreciação quer pelo Tribunal da Relação do Porto, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Apenso B. Apenso este que, em tudo é semelhante com os presentes autos de Apenso E.
Sendo que, ambos, tem o mesmo parecer, julgando, primeiro o Tribunal da Relação do Porto, procedentes os embargos, por falta de título executivo, com extinção da execução, o que foi tudo confirmado no Supremo Tribunal de Justiça por douto acórdão de 11/07/2023, como tudo consta da sentença e dos doutos acórdãos constantes do apenso B, transitados em julgado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.”
O recurso foi admitido como APELAÇÃO, com subida imediata, nos próprios autos e efeitos devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II-OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões do recurso, que, assim, definem e delimitam o objeto do mesmo.
As questões decidendas são as seguintes:
- A(in)validade do título executivo relativamente às sanções pecuniárias aprovadas em assembleia de condóminos, e se deve ser tida em consideração a nova redação dada ao n.º 3 do artigo 6º do DL 268/94, de 25/10, na redação da Lei n.º 8/2002, de 10/01 e,
-A exceção da caducidade, que passa pela interpretação do artº 6º nº 5 do DL 268/94 de 25.10, na redação introduzida pela Lei 8/2022 de 10.1
III-FUNDAMENTAÇÃO:
Na sentença, foram julgados provados os seguintes FACTOS:
1.- O aqui Exequente/embargado deu inicialmente à execução como título executivo:
- as atas n.ºs 16, 21, 27, 30, com os seus anexos, das reuniões da assembleia de condóminos, realizadas em 06/12/2001, 06/02/2003, 10/02/2006 e 22/03/2007, bem como o regulamento do condomínio, do edifício constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., no Porto, tudo conforme consta do requerimento executivo inicial junto aos autos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado.
2.- O exequente instaurou a presente execução comum inicial em 13/09/2007, através do requerimento executivo que se encontra junto, visando a cobrança de dívidas relativas à fração autónoma “G” do citado prédio, por não pagamento de quotas/despesas de condomínio devidas até à instauração da execução, indicando como título executivos os acima referidos, fazendo constar, do local destinado à exposição dos Factos, o seguinte:
“1º - Os exequentes são os administradores do Condomínio do Edifício ..., sito na Rua ..., da freguesia ..., no Porto (Cfr. Doc. nº 1);
2º - A executada é proprietária da fração autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao 2º andar (piso 0), do supra referido prédio. (Cfr. Doc. nº 2);
3º Sucede que, a executada não obstante ter sido devidamente convocada para a assembleia geral de condóminos do dia 06.02.2003, não compareceu nem se fez representar, não obstante na sobredita reunião se encontrarem os seus sócios gerentes, em representação de uma outra fração, correspondente ao 8º D. (Cfr. Doc. nº 3).
4º Sucede que, na sobredita reunião foi aprovado o orçamento para vigorar no ano de 2003, e pese embora o facto de a executada ter sido devidamente notificada da ata lavrada na sequência da mesma, não veio posteriormente impugnar as deliberações aprovadas, consequentemente o seu silêncio deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada.
5º Não obstante, deixou de efetuar o pagamento integral da quota parte do seguro de condomínio, ficando devedora a esse título da quantia de € 15,48, do mesmo modo não liquidou o valor integral da quota referente ao 3º trimestre de 2003, ficando devedora da quantia de € 4.86 (Cfr. Docs. n.ºs 4 e 5).
5º No que respeita ao ano de 2006, e pese embora o facto da executada ter sido devidamente convocada para a reunião que aprovou o orçamento, bem como o orçamento extraordinário destinado a obras de recuperação da fachada do prédio, não ter estado presente, e depois de lhe terem sido comunicadas as deliberações não as ter impugnado, não procedeu ao pagamento da 4ª prestação do orçamento extraordinário, tal como ficou obrigada, sendo por isso devedora da quantia de € 859,30.(Cfr. Docs. n.ºs 6 e 7);
6º Tais contas relativas a 2006, vieram a ser aprovadas na assembleia de 22.03.2007, assembleia essa, na qual foi também aprovado o orçamento para 2007, bem como o orçamento extraordinário destinado a obras de fachada, para a qual foi convocada a executada, não tendo estado presente nem tão pouco representada, não obstante ter sido posteriormente notificada do teor das deliberações não as veio impugnar, consequentemente o seu silêncio deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada. (Cfr. Doc. nº 1).
7º Não obstante, a executada não procedeu ao pagamento das quotas relativas ao 1º e 2º trimestre de 2007, no valor de € 728,61, cada uma, assim como não procedeu ao pagamento do seguro de condomínio no valor de € 272,76, nem tão pouco, à 1ª e 2ª prestação do orçamento extraordinário no valor de € 859,30, cada uma. (Cfr. Doc.s nº.s 8, 9, 10, 11 e 12);
8º Ora, em cumprimento no estabelecido no artigo 35º do regulamento do condomínio, bem como em resultado das deliberações aprovadas nas assembleias de 6.12.2001, de 10.02.2006 e 22.03.2007, foi solicitado à Exequente, em consequência do reiterado atraso no pagamento das quotizações a que estava obrigada, o pagamento das penalizações devidas por tais atrasos, o pagamento da penalização pelos atrasos no pagamento do orçamento extraordinário e o pagamento das despesas ocorridas pelo envio de fotocópias a solicitação da executada, constituindo-se assim devedora e este título em quantia que ascende a € 778,96. (Cfr. Doc.s nºs 1, 6, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21).
9º De referir que a executada foi devidamente convocada para as mencionadas assembleias, tendo estado apenas presente na reunião de 06.12.2001, manifestando o seu sentido de voto.
10º Nas restantes, de 10.02.2006 e 22.03.2007, a executada não esteve presente, nem tão pouco se fez representar, sendo que, após ter recebido por carta registada o sentido das deliberações através do envio das respetivas atas, não as veio impugnar, pelo que o seu silêncio manifesta a aprovação das deliberações tomadas, designadamente, no que concerne aos saldos que a mesma é devedora para com o condomínio, e que não devem ser suportados por este.
11º Pese embora, as múltiplas insistências para obter da parte do executada o pagamento das quantias em dívida, as mesmas permanecem por liquidar, conforme resulta do extrato enviado em 20.05.2007, para a executada, em que aquela divida ascendia à quantia de € 5.106,94.(Cfr. Doc. nº 22).
10º As atas das assembleias juntas ao presente requerimento constituem títulos executivos bastantes nos termos do artigo 6º do DL Nº 268/94 de 25 de Outubro, porquanto das mesmas resultam deliberações sobre o montante das contribuições devidas ao condomínio, bem como ao pagamento de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devem ser suportados pelo condomínio.”.
3.- Posteriormente, foi apresentada uma primeira cumulação de execuções em 27/01/2010, e depois, ainda na pendência da execução inicial e da cumulada, foi apresentada uma nova/segunda cumulação em 04/11/2014, pelo valor de €39.175,03, e que não foi contestada/embargada, constando também da nota discriminativa/conta provisória junta na execução pela Sra. AE (em 15/01/2021) que o valor ainda em falta a pagar pela executada/embargante era de €67.664,98, como tudo melhor consta dos autos de execução.
4.- Após, em 18/07/2017, o exequente/embargado deu à execução em nova/terceira cumulação (a que está em causa no apenso B-já findo):
- as atas n.ºs 16, 49, 51, 54, 55, 56, 57, 59, com os seus anexos, das reuniões da assembleia de condóminos do citado edifício constituído em propriedade horizontal, bem como o referido regulamento do condomínio e as faturas/notas de débito, tudo conforme consta do requerimento executivo cumulado e documentos juntos aos autos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado.
5.- Após, em 18/03/2022, o exequente/embargado deu à execução em nova/quarta cumulação (a que está em causa no apenso D):
- as atas n.ºs 16, 49, 51, 54, 55, 56, 57, 59, 60, 61, 65 e 69, com os seus anexos, das reuniões da assembleia de condóminos do citado edifício constituído em propriedade horizontal, bem como o referido regulamento do condomínio e as faturas/notas de débito, tudo conforme consta do requerimento executivo cumulado e documentos juntos aos autos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado.
6.- Após, em 29/11/2023, o exequente/embargado deu à execução em nova/quinta cumulação (a que está em causa neste apenso E):
- as atas n.ºs 1, 16, 38, 43, 49, 51, 54, 55, 56, 57, 59, 60, 61, 65 e 69, com os seus anexos, das reuniões da assembleia de condóminos do citado edifício constituído em propriedade horizontal, bem como o referido regulamento do condomínio e as faturas/notas de débito, tudo conforme consta do requerimento executivo cumulado e documentos juntos aos autos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado.
7.- O exequente instaurou a presente execução cumulada em 29/11/2023, através do novo/quinto requerimento executivo de cumulação que se encontra junto, nele indicando como títulos executivos os acima indicados em 6., com a seguinte fundamentação:
“1º - A exequente instaurou no passado dia 13/09/2007 acção executiva, no valor de € 5.249,79, que atualmente corre termos neste Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução do Porto, Juiz 4, Proc. n.º 7198/07.5YYPRT, no dia 27/01/2010, foi cumulada nova execução no valor de € 9.148,93, no dia 04.11.2014 foi cumulada nova execução no valor de € 39.175,03, no dia 18/07/2017 foi cumulada nova execução no valor de € 21.131,74 e no dia 18/03/2022 foi cumulada nova execução no valor de € 32.289,94. Nessa acção executiva e cumulações a que a presente vai cumulada serviram de título várias actas das assembleias de condomínio ao abrigo do disposto no artigo 6º do Decreto-Lei n.º 268/94 de 25.10, que veio a ser atualizado pela Lei n.º 8/2022 de 10.01.
2º Aos títulos já juntos nas execuções a que a presente vai apensa acrescem os títulos dados agora à execução que são, igualmente atas das assembleias gerais de condóminos que aprovaram os orçamentos, os relatórios de contas, a aplicação de penalizações nos casos de falta ou atraso dos pagamentos, e os procedimentos a adotar para cobrar as dívidas dos condóminos, a saber:
a)Ata nº 1 – Regulamento de condomínio; Cfr. Doc. nº 1.;
b) Ata n.º 16 já junta ao requerimento executivo inicial, bem como à cumulação apresentada no dia 04/11/2014- Cfr- Doc nº 2;
c) Ata n.º 38 já junta à cumulação apresentada no dia 04/11/2014-; Cfr- Doc nº 3.;
d) Ata n.º 43 já junta à cumulação apresentada no dia 04/11/2014-; Cfr- Doc nº 4.;
e) Ata n.º 51 já junta à cumulação apresentada no dia 08/07/2017-; Cfr- Doc nº 5.;
f) Ata n.º 69 já junta à cumulação apresentada 18/03/2022 e que ora igualmente se junta, na qual de entre outros pontos foram discutidos e aprovados os relatórios e contas relativos a 2019 e 2020, discutido e aprovado o orçamento para o ano de 2021 e 2022, foi discutido e aprovado o valor a cobrar para fundo de reserva; foi discutido e aprovado o capital seguro para reconstrução do edifício, discutidas e analisadas as dívidas ao condomínio e aprovados os procedimentos para cobrar essas dívidas, assim como foram aprovadas as penalizações, juros, despesas judiciais e extrajudiciais que são aplicadas, e analisado e discutidas e aprovadas as prioridades de obras bem como o seu financiamento. - Cfr. Doc. n.º 6. Assim,
3º No dia 04/11/2021, após ter sido devidamente convocada a executada compareceu na reunião da assembleia geral de condóminos, da qual veio a ser lavrada a ata n.º 69. Cfr. Doc. n.º 6.
4º Nesta assembleia foram aprovadas as contas relativas aos anos de 2019 e de 2020 e apesar de a executada ter votado contra, acabou por se conformar com as deliberações aprovadas, e consequentemente com os valores que constituem a sua dívida ao condomínio, uma vez que, nos 10 dias posteriores, não veio requerer a suspensão judicial das deliberações, nem tão pouco exigir à administração a convocação de uma assembleia extraordinária, para revogação das deliberações, assim como, não intentou a acção de anulação a que alude o artigo 1433º do C.C..
5º No respeitante ao ponto sexto da ordem de trabalhos, sobre os procedimentos a tomar para cobrar dívidas, bem como penalizações, juros, despesas judiciais e extrajudiciais, foi proposto ratificar as deliberações tomadas na última assembleia geral, deliberações essas que foram transcritas para a ata n.º 69. Cfr. Doc. n.º 6 . A saber:
No respeitante às penalizações, ficou aprovado pela maioria a deliberação que determinou a manutenção dos procedimentos até aí em vigor, o que foi transcrito para a ata do seguinte modo: “Será aplicada uma penalização de 3% que incidirá sobre o saldo que esteja por regularizar no fim de cada trimestre; será sempre acumulável ao saldo que esteja por regularizar. Para o efeito os Condóminos irão receber no mês seguinte ao respetivo trimestre um Aviso de Débito referente a essa penalização com vencimento em 8 dias. A Administração fica desde já autorizada a cobrar essas verbas se necessário com recurso à via judicial.”
6º Com efeito, em virtude das deliberações aprovadas na Ata nº 65, ratificadas na Ata 69, foi no dia 31.01.2022, emitido e enviado à executada o aviso n.º 4445, no valor de € 2.611,49 a título de sanção pecuniária aprovada em assembleia geral, correspondente a 3% do saldo por regularizar no final do 4º trimestre de 2021 (€ 87.049,83), o qual se venceu em 08.02.2022 e que a executada permanece sem liquidar. Cfr. Doc. n.º 6 e 7
7º Tal quantia foi cumulada ao saldo por regularizar, pelo que no final do 1º trimestre de 2022, aquele saldo ascendia a € 89.661,32.
8º Sucede que, com data de 31.03.2022, foi emitido um recibo com o n.º 1204, em virtude da Sra. Agente de Execução ter transferido para a conta bancária do exequente o valor correspondente ao capital em dívida constante da execução cumulada em 04/11/2014 e os respetivos juros vencidos e contados até à data de 04/11/2014, fruto do pagamento voluntário efetuado pela executada diretamente para conta indicada pela Sra. Agente de execução.
9º A supra referida quantia proveniente da transferência efetuada pela Sra. Agente de execução relativa capital peticionado na execução cumulada em 04/11/2014, no valor de € 35.912,32 foi deduzida ao saldo em dívida, o qual passou a ser apenas na quantia de € 53.749,00 (89.661,32 – 35.912,32).
10º Assim, e porque no dia 29/04/2022, a Executada ainda mantinha uma dívida de € 53.749,00, foi emitido e enviado à executada o aviso n.º 4624, a título de sanção pecuniária aprovada em assembleia geral, no valor de € 1.612,47, que deveria ter sido liquidado até 06/05/2021, mas que presentemente ainda se mantém em dívida, por não ter sido paga pela executada.
11º Acresce que, por força do pagamento voluntário efetuado em sede de execução e de acordo com o deliberado em assembleia geral foram debitadas à executada as despesas administrativas e de contencioso geradas com a cobrança da supra citada dívida, tendo para o efeito sido emitido no dia 29/04/2022, o aviso n.º 4639, no valor de 3.364,35 que deveria ter sido liquidado até ao dia 06/05/2022, bem como o aviso 4640, no valor de € 8.005,64, de 29/04/2022 que deveria ser liquidado até 06/05/2022.
12º Porém, atingida que foi a data de 06/05/2022 a executada manteve-se sem liquidar aquelas despesas administrativas e de contencioso a que deu causa, situação que se mantém até à presente data.
13º Pelo que, o saldo por regularizar no final do 2º trimestre de 2022, ascendia a € 67.563,15.
14º Razão pela qual, no dia 15/07/2022 foi emitido e envido à executada o aviso 4758, no valor de € 2.026,89, a título de sanção pecuniária aprovada em assembleia geral, que deveria ser liquidada até à data de vencimento constante do respetivo aviso, ou seja, até 21/07/2022. – Cfr. Doc. n.º 6 e 7.
15º Porém, atingida que foi a data de vencimento, a executada não liquidou o referido aviso, nem tal veio a suceder posteriormente.
16º Conforme deliberado em assembleia geral, a referida quantia foi cumulada ao saldo por regularizar passando este a refletir uma divida no valor de € 69.737,64.
17º O que determinou que, no dia 31/01/2023 e de acordo com o deliberado em assembleia geral viesse a ser emitido e enviado para a executada o aviso nº 5243, correspondente ao saldo por regularizar no final do 4º trimestre de 2022, no valor de 2.092,13, a título da sanção pecuniária aprovada em assembleia geral, que deveria ser liquidado no dia 08/02/2023. – Cfr. Doc. n.º 6 e 7.
18º Tal quantia foi cumulada ao saldo por regularizar, pelo que no final do 1º trimestre de 2023, aquele saldo ascendia a € 71.829,76.
19º Razão pela qual, em cumprimento do deliberado em assembleia geral deu lugar à emissão e envio à Executada do aviso n.º 5422, de 28/04/2023, no valor de € 2.154,89 a título de sanção pecuniária aprovada em assembleia geral, o qual deveria ser liquidado em 05/05/2023. – Cfr. Doc. nº 6 e 7.
20º Atingida que foi a data de vencimento a executada não liquidou o referido aviso, nem tal veio a acontecer posteriormente, o que determinou que a quantia respeitante ao mesmo fosse cumulada ao saldo por regularizar, que por via disso, passou a ser de € 73.984,65.
21º Do exposto, resulta que para além da dívida compreendida na cumulação apresentada em 04.11.2014, na cumulação de 18/07/2017 e na cumulação de 18/03/2022 a dívida que presentemente se executa compreende os valores já supra referidos e que aqui se discriminam, com referência ao número de documento, data de emissão e data de vencimento, descritivo e valor, a saber:
A 4445 31-02-2021 08-02-2022 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 2 611,49
A 4624 29-04-2022 06-05-2022 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 1 612,47
A 4758 15-07-2022 21-07-2022 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 2 026,89
A 4889 31-10-2022 09-11-2022 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 147,60
A 5243 31-01-2023 08-02-2023 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 2 092,13
A 5422 28-04-2023 05-05-2023 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 2 154,89
- Tudo conforme melhor resulta do extrato emitido em 30/06/2023 - Cfr. Doc. n.º 6
22º Assim a dívida da executada que pela presente se executa ascende à quantia de € 10.645,47 (dez mil seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), referente a capital,
22º - A tais quantias acrescem os legais juros de mora contados sobre a data de vencimento de cada um dos documentos, vencimento cujas datas se encontram apostas nas atas que aqui se executam, bem como nos avisos emitidos na sequência do deliberado, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento, juros que à presente data ascendem a € 523,77 (quinhentos e vinte e três euros e setenta e sete cêntimos.
23º- Perfaz, assim, presentemente, a quantia de € 11.169,24 (onze mil cento e sessenta e nove euros e vinte e quatro cêntimos) que agora se executa.
24º- As atas das assembleias juntas ao presente requerimento constituem títulos executivos bastantes nos termos do artigo 6º do DL Nº 268/94 de 25 de Outubro, com a redação introduzida pela Lei n.º 8/2022 de 10 de Janeiro, porquanto das atas da reunião da assembleia de condóminos resulta a deliberação do montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações, bem como resulta as sanções pecuniárias aprovadas pela assembleia e previstas no regulamento do condomínio – alínea d) do n.º 1 e 2 do artº 703º do C.P.C..”.
8.- A presente execução cumulada de 29/11/2023 foi notificada à executada pelo expediente de 13/12/2023, como tudo consta dos autos de execução.
9.- Em 27/11/2013, foi já aqui proferida sentença nos embargos de executado/apenso A, que abrangiam a execução inicial e a execução cumulada em 27/01/2010, vindo a ser julgados parcialmente procedentes, vindo a ser reduzida a quantia exequenda de capital para €7.071,36, acrescida dos juros de mora vencidos, como tudo consta da douta sentença constante dos autos e do apenso A, transitada em julgado, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado.
10.- Em 30/09/2021, foi já aqui proferida sentença nos embargos de executado/apenso B, que abrangiam a execução cumulada em 18/07/2017, vindo a Relação do Porto a revogar a sentença, por douto acórdão de 23/02/2023, julgando procedentes os embargos, por falta de título executivo, com extinção da execução, o que foi confirmado no STJ em 11/07/2023, como tudo consta da sentença e dos doutos acórdãos constantes do apenso B, transitados em julgado, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado.
11.- Em 21/06/2024, foi já aqui proferida sentença nos embargos de executado/apenso-D, que abrangiam a execução cumulada em 18/03/2022, vindo a ser julgada extinta a instância, por falta de constituição tempestiva de mandatário, com extinção dos embargos, encontrando-se tais autos na fase de recurso, como tudo consta do apenso D, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado.
12.- No decurso da execução a aqui executada/embargante pagou inicialmente a quantia de €7.783,31, e depois, em 21/03/2022, a aqui executada/embargante pagou toda a nota discriminativa/conta provisória junta na execução pela Sra. AE, num total de €74.372,52, para evitar o prosseguimento da venda do imóvel penhorado e para obter o levantamento da penhora e a extinção da execução, sendo depois efetuada pela Sra. AE uma transferência para o exequente de €39.175,03, conforme a ordem de pagamento emitida em 29/03/2022, como tudo melhor consta dos autos de execução.
13.- Consta da nota discriminativa/conta provisória junta na execução pela Sra. AE (em 15/05/2024) que o valor ainda em falta a pagar pela executada/embargante era de €46.601,35, tendo já pago a quantia global de €82.155,83, e tendo já sido entregue ao exequente a quantia de global de €46.175,03, como tudo melhor consta dos autos de execução.”
IV-APLICAÇÃO DO DIREITO:
4.1 Da (in)validade do título executivo
Na sentença sob recurso, o tribunal a quo, considerando verificada a exceção de caducidade e a falta de título executivo válido contra a aqui executada/embargante, julgou procedentes os embargos de executado (apenso-E), com a consequente e oportuna extinção da execução cumulada de 29/11/2023 quanto à aqui executada/embargante.
O Condomínio Apelante não se conforma com esta decisão contestando aqueles dois fundamentos, que alega não se verificarem no caso em apreço.
Analisemos em primeiro lugar a questão de saber se o exequente dispõe ou não de título executivo relativamente aos montantes que pretende cobrar a título de penalização pela mora no cumprimento de pagamento das quotas do condomínio.
Quanto à falta de título, o tribunal fundamentou a sua decisão, dizendo o seguinte: “Tal como decidido pela Relação do Porto em 23/02/2023, com confirmação no STJ em 11/07/2023, como consta do apenso-B, inexiste válido título executivo que suporte a presente execução cumulada apresentada em 29/11/2023.”
O entendimento acolhido na sentença recorrida foi o de que, as penalizações/multas/cláusula penal pelos atrasos no pagamento das quotas do condomínio não são contribuições nem despesas do condomínio, mas simples obrigações sucedâneas por incumprimento, pelo que, apoiando-se na jurisprudência que cita[1], conclui pela inexistência de titulo válido executivo.
Vejamos.
Conforme artigo 21º do requerimento executivo (requerimento executivo referente à quinta cumulação de execução de 29.11.2013, à qual foram deduzidos os presentes embargos), a dívida em execução compreende os seguintes valores aí discriminados, com referência ao número de documento, data de emissão e data de vencimento, descritivo e valor, a saber:
-A 4445 31-02-2021 08-02-2022 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 2 611,49
- A 4624 29-04-2022 06-05-2022 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 1 612,47
- A 4758 15-07-2022 21-07-2022 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 2 026,89
- A 4889 31-10-2022 09-11-2022 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 147,60
- A 5243 31-01-2023 08-02-2023 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 2 092,13
- A 5422 28-04-2023 05-05-2023 Sanções pecuniárias aprov. A. Geral. 2 154,89, no valor global de € 10.645,47 (dez mil seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), referente a capital, ao qual acrescem os legais juros de mora contados sobre a data de vencimento de cada um dos documentos, vencimento cujas datas se encontram apostas nas atas que aqui se executam, bem como nos avisos emitidos na sequência do deliberado, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento, juros que à presente data ascendem a € 523,77 (quinhentos e vinte e três euros e setenta e sete cêntimos.
Estes avisos de pagamento foram emitidos pelo Condomínio Exequente, na sequência da Assembleia de Condóminos que teve lugar em 04/11/2021, da qual veio a ser lavrada a ata n.º 69. Cfr. Doc. n.º 6.
Nessa assembleia onde foram aprovadas as contas relativas aos anos de 2019 e de 2020, no respeitante ao ponto sexto da ordem de trabalhos, sobre os procedimentos a tomar para cobrar dívidas, bem como penalizações, juros, despesas judiciais e extrajudiciais, foi proposto ratificar as deliberações tomadas na última assembleia geral, deliberações essas que foram transcritas para a ata n.º 69. Cfr. Doc. n.º 6, a saber: No respeitante às penalizações, ficou aprovado pela maioria a deliberação que determinou a manutenção dos procedimentos até aí em vigor, o que foi transcrito para a ata do seguinte modo: “Será aplicada uma penalização de 3% que incidirá sobre o saldo que esteja por regularizar no fim de cada trimestre; será sempre acumulável ao saldo que esteja por regularizar. Para o efeito os Condóminos irão receber no mês seguinte ao respetivo trimestre um Aviso de Débito referente a essa penalização com vencimento em 8 dias. A Administração fica desde já autorizada a cobrar essas verbas se necessário com recurso à via judicial.”
No caso em apreço, a presente execução cumulada tem, tal como se afirma na sentença recorrida, como título executivo as atas n.ºs atas n.ºs 1, 16, 38, 43, 49, 51, 54, 55, 56, 57, 59, 60, 61, 65 e 69, das reuniões da assembleia de condóminos juntas aos autos, em conjugação com o referido regulamento do condomínio e as faturas-avisos/notas de débito juntas aos autos.
É de salientar que, ao invés da sentença que considerou estarem também a ser coercivamente cobradas despesas de contencioso/judiciais/com honorários de advogado, constata-se que, tal como alega a exequente/apelante, apenas foi pedido nesta quinta cumulação de execução, o pagamento coercivo das penalizações/multas pelo atraso no pagamento das quotas do condomínio, supra discriminadas e já não tais despesas.
Isto posto, resta saber se o condomínio exequente dispõe ou não de título executivo relativamente aos montantes que pretende cobrar a título de penalização pela mora no cumprimento das quotizações pela condómina executada/embargante.
A ação executiva tem na sua base a existência de um título pelo qual se determinam o seu fim e os respetivos limites subjetivos e objetivos (art. 53º, nº1 do CPC).
Os títulos executivos podem definir-se, de facto, como “(…) os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador.[2]
Os documentos aos quais a lei reconhece força executiva encontram-se taxativamente elencados no art. 703º do CPC, entre os quais se destacam aqueles a que, por disposição especial seja atribuída força executiva (al. d) do nº 1 do art. 703º ).
Como é sabido, o Dec. Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, veio conceder força executiva às atas da reunião da assembleia de condóminos, passando as atas de condomínio a constituir os documentos previstos em legislação avulsa mais comumente dados à execução, prescrevendo no seu art. 6º, nº1,[3] na sua versão inicial, que, “a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e aos serviços, constituiu título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido a sua quota-parte”.
Como vinha sendo entendido, em regra, as condições gerais cumulativas para a exequibilidade da ata de condomínio eram as seguintes:
- que aprove o montante das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento dos serviços de interesse comum.
- que estabeleça o prazo de vencimento e a quota-parte de cada condómino.
- que o condómino devedor esteja aí devidamente identificado.
Assim, verificadas estas condições, os condóminos podem ser executados com base nas atas de condomínio, nos termos previstos no art.º 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25/10, em conjugação com o art.º 703.º, n.º 1, al. d), do CPC.
Acontece que, relativamente às sanções pecuniárias aprovadas pela Assembleia de Condóminos para o atraso no pagamento das quotas do condomínio, que decorrem da possibilidade expressamente previstas no artigo 1434º do Código Civil, nos termos do qual, “a assembleia pode estabelecer a obrigatoriedade da celebração de compromissos arbitrais para a resolução de litígios entre condóminos, ou entre condóminos e o administrador, e fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador” , colocava-se em face da redação daquele artº 6º nº 1, a dúvida legitima de saber se, apesar de devidas, estas sanções podiam ser objeto de execução, dividindo-se a doutrina a e a jurisprudência quanto à possibilidade das mesmas se integrarem no título executivo, tal como era definido naquele artigo 6º nº 1 do DL n.º 268/94, de 25/10, que apenas mencionava as deliberações de condóminos constantes de ata, que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e aos serviços.
Na interpretação desta norma, a jurisprudência e a doutrina, dividiram-se na adoção dum critério mais restritivo ou mais abrangente do conceito de título executivo.
Assim, na doutrina, discutia-se a natureza destas sanções pecuniárias, sendo que Rui Pinto[4], defendia desde logo que “esta ata não constitui título executivo de quaisquer outras obrigações pecuniárias de condomínio, como o pagamento de penas pecuniárias fixadas pela assembleia do condomínio, nos termos do art.º 1434.º do CC. […] as penalidades não são nem “contribuições”, nem “despesas”, mas obrigações sucedâneas por incumprimento”.
Por sua vez, Sandra Passinhas[5] defendia o contrário, dizendo que, “(…) embora, rigorosamente, a pena pecuniária não seja uma “contribuição devida ao condomínio”, esta é a solução mais conforme à vontade do legislador. Não faria sentido que a ata da reunião da assembleia que tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma ata não servisse de título executivo para as penas pecuniárias, aplicadas normalmente para punir os condóminos inadimplentes”.
Na jurisprudência, a título meramente exemplificativo, no sentido em que as penalizações (penas pecuniárias) a aplicar aos condóminos incumpridores, constitui título executivo nos termos do art.º 6º, do DL nº. 268/94, de 25/10, citamos os seguintes acórdãos: da RL 20-02-2014 (relator o Desembargador Olindo Geraldes, no Pº.8801/09.8TBCSC-A.L1; da - RP 24-02-2015, reatora Desembargadora Mª Amália Santos, no Pº. 6265/13.0YYPRT-A.P1 e da RG 22-10-2015, relator, Desembargador Jorge Teixeira., no Pº 1538/12.2TBBRG-A.G1.
Em sentido oposto, também indicados a título exemplificativo, decidiram os seguintes arestos: da - RP de 16-12-2015, relatora Desembargadora Ana Lucinda Cabral, no P. 2812/13.6TBVNG-B.P1, da RC 07-02-2017, relator Desembargador Emídio Francisco Santos, no Pº. 454/15.0T8CVL.C1 e da RP 07-05-2018, relator Desembargador Carlos Querido, p. 9990/17.3T8PRT-B.P1.[6]
A tendência da jurisprudência, nos últimos tempos,[7] era, porém, no sentido de se considerar que as referidas quantias não podiam ser reclamadas a coberto do disposto no art. 6º nº1 do DL n.º 268/94, de 25/10 por não se tratarem de despesas comuns relacionadas com os encargos de conservação e fruição do edifício na previsão do art. 1424º do Código Civil.
Acontece que a Lei 8/2022 de 10.01, veio dar uma nova redação ao art. 6º do DL 268/94 de 25.10., acolhendo a posição jurisprudencial minoritária, já que passou a consagrar o seguinte:
“1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
2 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
3 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
4 - O administrador deve instaurar ação judicial destinada a cobrar as quantias referidas nos n.os 1 e 3.
5 - A ação judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.”
A nova redação do art. 6ºdo DL 268/94 de 25.10, que passou a vigorar a partir de 10.4.2022,[8] no seu nº 3, veio assim, claramente, pôr termo à mencionada polémica existente em relação às sanções pecuniárias, afirmando agora a lei, de forma expressa que, se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
Relativamente à inclusão dos juros de mora na previsão legal desta norma, não deixa de ser uma redundância em face do que dispõe o nº 2 do art. 703º do C.P.C., mas quanto ás sanções pecuniárias devidas nos termos do art. 1434º do C.Civil, reflete uma tomada de posição em face da polémica anteriormente existente.
Constata-se que, nestes autos executivos, iniciados com o requerimento executivo de 13.09.2007, foram sido cumuladas execuções posteriores (em 27.1.2010, em 4-11-2014, em 18.7.2017 e a ora em apreço instaurada em 29.11.2023).
Ora, no âmbito destas execuções, existem decisões anteriores proferidas em sede de embargos de executado, nomeadamente no apenso B, em que o tribunal foi aí chamado a pronunciar-se sobre a validade do título executivo relativamente às sanções pecuniárias.
Haverá pois que ter em consideração, na decisão a proferir eventuais efeitos do caso julgado, o que foi tido em consideração na sentença recorrida, onde se pode ler o seguinte: “Quanto a tal questão, importa dizer que, em 23/02/2023, foi já aqui proferido acórdão nos embargos de executado/apenso-B deduzidos pela aqui embargante, que abrangiam a execução cumulada em 18/07/2017, julgando procedentes os embargos, por falta de título executivo, com extinção da execução, o que foi tudo confirmado no STJ por douto acórdão de 11/07/2023, como tudo consta da sentença e dos doutos acórdãos constantes do apenso B, transitados em julgado, cujo teor aqui se dá por reproduzido.”
E salienta a sentença que, “Em tal douto acórdão transitado em julgado, proferido já depois da entrada em vigor da nova Lei n.º 8/2022, de 10/01, foi já afirmado e decidido o seguinte: “(…)I- A ata de assembleia de condóminos que aprova a aplicação de sanções a condóminos que não paguem as prestações a que se obrigam ou fixe penas pecuniárias em caso de incumprimento, não é título executivo nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10, não podendo servir de base á acção executiva instaurada para cobrança dessas quantias.
II- Os honorários as despesas judiciais não constituem despesas de conservação e fruição das partes comuns nem despesas com serviços de interesse comum para o condomínio.”
Nestes termos, conclui a sentença recorrida, que, “Cremos que tal entendimento superior e tal anterior decisão judicial/acórdão se deve aplicar também nestes novos embargos de executado instaurados/pendentes por apenso à mesma execução inicial e suas cumulações e entre as mesmas partes, sendo também obrigatória e vinculativa para as partes destes autos e para este tribunal, por estar em causa a mesma questão, os mesmos sujeitos e atenta a prejudicialidade e a força derivada da autoridade de caso julgado, impondo-se aqui o acatamento da decisão/acórdão anterior proferido nos embargos/apenso-B, nos termos previstos nos arts. 580.º, 581.º e 619.º, n.º 1, do CPC, e para se evitar contradições decisórias entre os mesmos sujeitos e no âmbito de uma mesma execução inicial, que ainda está pendente e a correr os seus termos entre as mesmas partes.”
É certo que, compulsados os autos, constata-se que no Apenso B, foi proferido acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 23.2.2023, que decidiu julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida nos embargos de executado do Apenso B, julgando procedentes os embargos de executado por falta de título executivo, com a consequente extinção da execução (execução cumulada em 18/7/2017), por se entender que a ata da assembleia de condóminos que delibere sobre a fixação de penas pecuniárias a aplicar aos condóminos incumpridores das respetivas obrigações, não constitui título executivo no que diz respeito a essas penalizações, por tais quantias não estarem abrangidas pelo preceituado no artigo 6º, nº 1, do referido DL nº 268/94, não podendo, assim, servir de base à execução a instaurar pelo administrador para cobrança coerciva das mesmas.
Este acórdão veio a ser confirmado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 11.7.2023.
Porém, não podemos concordar com as conclusões que, na sentença recorrida se retira desta situação, por duas razões:
A primeira porque, se é certo que, quer o acórdão do TRP, quer o acórdão do STJ [9] proferidos naquele apenso B, se mostram proferidos em datas posteriores à entrada em vigor da Lei 8/2022 de 10.1, que alterou a redação do art. 6º nº 3 do DL 268/94 de 25.10, (já que esta lei entrou em vigor no dia 10.4.2022), nenhuma daquela decisões aborda ou menciona sequer a nova lei - Lei 8/2022 de 10.1 e as alterações que introduziu no citado artº 6º do DL nº 268/94 - não discutindo por isso a sua aplicabilidade, limitando-se a decidir com base no art. 6º nº 1 do DL nº 268/94, na redação anterior, tendo aqueles tribunais, no Apenso B de Embargos de Executado, adotado a posição mais restritiva a qua supra fizemos referencia.
Também discordamos da sentença recorrida quando defende que aquele sentido decisório (decisões proferidas no apenso B), tem de ser acolhido nestes embargos, por entender que: “Cremos que tal entendimento superior e tal anterior decisão judicial/acórdão se deve aplicar também nestes novos embargos de executado instaurados/pendentes por apenso à mesma execução inicial e suas cumulações e entre as mesmas partes, sendo também obrigatória e vinculativa para as partes destes autos e para este tribunal, por estar em causa a mesma questão, os mesmos sujeitos e atenta a prejudicialidade e a força derivada da autoridade de caso julgado, impondo-se aqui o acatamento da decisão/acórdão anterior proferido nos embargos/apenso-B, nos termos previstos nos arts. 580.º, 581.º e 619.º, n.º 1, do CPC, e para se evitar contradições decisórias entre os mesmos sujeitos e no âmbito de uma mesma execução inicial, que ainda está pendente e a correr os seus termos entre as mesmas partes.”
Ora o próprio Supremo Tribunal de Justiça, teve ocasião de apreciar a questão da eventual formação de caso julgado, no acórdão que proferiu no mesmo apenso B, afirmando o seguinte: “É certo que, no âmbito das múltiplas questões que o tribunal aí teve de decidir, em que se incluía a exequibilidade de quantias peticionadas a título de penalizações pelo atraso no pagamento das quantias devidas pela condómina executada, o tribunal concluiu afirmativamente, após ponderar que “… é de considerar que as penalizações requeridas integram o conceito de contribuições devidas ao condomínio, na interpretação mais abrangente supra referida, pelo que as multas ou sanções devidamente previstas ou aplicadas por deliberação da assembleia de condóminos, desde que o respetivo valor esteja determinado em ata de reunião de assembleia de condóminos – ou seja determinável com base nessas atas -, são passíveis de serem executadas ao abrigo do referido art. 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro.”
Porém, tal juízo tornou-se vinculativo apenas em relação às quantias que constituíam o objeto da referida sentença.
É certo que a execução primitiva e a primeira execução cumulada (onde foi proferida a sentença datada de 27.11.2013) têm as mesmas partes que a terceira execução cumulada, que ora nos ocupa (em que foi proferido o acórdão recorrido).
Porém, o acórdão ora impugnado tem por objeto pedido diferente, recai sobre crédito diverso do que foi alvo de apreciação e de decisão na primeira sentença referida.
Não há, entre as decisões em confronto, identidade de pedido e de causa de pedir. Por outro lado, como resulta de decisão expressa do STJ, a decisão proferida, não faz caso julgado. Desta forma entende este tribunal que não de encontra vinculado por aquela decisão.
Assim, confrontado com embargos de executado deduzidos a respeito de créditos distintos dos apreciados na sentença emitida noutra execução, o tribunal estava livre, no exercício do seu poder soberano, de interpretar a lei da forma que livremente julgava ser a mais acertada, ainda que esta divirja daqueloutra pela qual enveredou o juiz que proferiu a primeira sentença.”
Feito este esclarecimento, o tribunal a quo não estava impedido, assim como não o está este tribunal de recurso, pelas razões adiantadas naquele acórdão do STJ, às quais aqui se adere, de decidir de forma diversa, das decisões anteriores transitadas em julgado que versaram questão idêntica, relativamente às quais não ocorre caso julgado, sendo este tribunal livre, no exercício do seu poder soberano, de interpretar a lei da forma que livremente julgue ser a mais acertada.
E se assim é, também é verdade que a decisão a proferir nestes autos não pode deixar de atender à alteração legislativa introduzida pela Lei 8/2022 de 10.1.
A Lei n.º 8/2022, de 10/01 veio rever o regime da propriedade horizontal, alterando o Código Civil, o Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, e o Código do Notariado.
A regra básica em matéria de sucessão de leis no tempo é a que se mostra estabelecida no art. 12º do Código Civil, que, numa fórmula sintética estabelece o princípio da não retroatividade das leis:
“1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
A ratio legis que está na base da aplicação imediata é: por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas naturalmente em conta pela lei nova, o interesse no ajustamento às novas conceções e valorações da comunidade e do legislador, bem como a unidade do ordenamento jurídico.
No caso que ora cuidamos porém, a nova regulação normativa do artigo 6.º, n.º 3, do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, na redação da Lei n.º 8/2022, veio determinar que se consideram abrangidos pelo título executivo a que se reporta o n.º 2 do mesmo artigo, os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio, pondo desta forma termo à situação de incerteza que se verificava.
Quando à inclusão das as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434.º do Código Civil, trata-se de uma opção legislativa, enquadrável nas finalidades visadas prosseguir pela Lei 8/2022 de 10.1, no âmbito da propriedade horizontal, de incutir celeridade à cobrança coerciva das dívidas, por um lado e por outro, a de pôr termo a algumas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais nesta matéria.
Com efeito, na Exposição de Motivos constante do Projeto de Lei N.º 718/XIV/2.ª, que antecedeu a Lei 8/2022 de 10.1,[10] esclarece-se a este respeito que, “o presente projeto de lei introduz mecanismos facilitadores da convivência em propriedade horizontal, nomeadamente agilizando procedimentos de cobrança, os quais a administração do condomínio pode e deve concretizar no sentido de responder às necessidades dos condóminos, de forma mais célere e eficaz” e para o que aqui importa, expressamente reconhece que pretendeu-se “contribuir para a pacificação da jurisprudência que é abundante e controversa a propósito de algumas matérias, como, por exemplo, os requisitos de exequibilidade da ata da assembleia de condóminos, a legitimidade processual ativa e passiva no âmbito de um processo judicial e a responsabilidade pelo pagamento das despesas e encargos devidos pelos condóminos alienantes e adquirentes de frações autónomas, colocando fim, neste último aspeto, à vasta e sobejamente conhecida discussão acerca das características de tais obrigações”
Desta forma, estamos claramente perante uma norma de natureza interpretativa.
O artigo 13º do Código Civil no seu nº1 dispõe que “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém os efeitos, já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada ou por atos de análoga natureza.”
Diz o Professor Batista Machado[11], que, “No que respeita à questão de saber se a lei em causa deve ou não ser considerada lei interpretativa que é a lei aplicável a factos e situações anteriores conforme decorre do disposto no artigo 13.º do Código Civil, importa atentar nas razões que levam a considerar assim determinada lei. Uma das razões "reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são da sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu conteúdo controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado […]. Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos; que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei".
Também o Professor Pedro Romano Martinez[12] escreve a este respeito que, “a regra interpretativa contrapõe-se à inovadora, porquanto, na primeira, não se prescrevem soluções novas, atende-se, explicando, à regulamentação existente. As regras interpretativas fixam o sentido de outras regras jurídicas – p. ex., artigo 9.º CC (…). A lei interpretativa, ao determinar o sentido da lei interpretada, integra-se nesta e o sentido agora fixado vincula o aplicador desde o início de vigência da lei interpretada”.
E afirma ainda, que[13], “[n]o caso de lei interpretativa prescreve-se a retroatividade (artigo 13.º, n.º 1, CC). A lei interpretativa é retroativa, pois atua sobre factos ocorridos na vigência da lei interpretada e que antecederam a entrada em vigor daquela, com salvaguarda do caso julgado e de efeitos já produzidos. (…). A retroatividade da lei interpretativa resulta de se ter estabelecido um novo entendimento, que se pretende integrar na lei interpretada (artigo 13.º, n.º 1, 1.ª parte, CC), ficando, porém, ressalvados os efeitos já produzidos em quatro hipóteses: 1) cumprimento da obrigação; 2) sentença transitada em julgado; 3) transação; 4) atos análogos. (…).”
A norma em análise, nada traz de inovador, limitando-se a escolher de entre as várias leituras que se litigavam, a que se entendeu ser a mais consentânea com os seus objetivos.
Daí que, como norma interpretativa que é, integra-se na sua versão anterior, não deixando dúvidas quanto à abrangência pelo título executivo constituído pelas atas das reuniões de assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio, das sanções pecuniárias aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio, sobre o valor de contribuições em dívida pelos condóminos, ora expressamente previsto no nº 3, aditado ao art. 6º, do DL 268/94, resolvendo sem inovação o dito conflito, tratando-se, por conseguinte, de lei com cariz interpretativo.
Neste sentido, pronunciaram-se já, pelo menos, os seguintes acórdãos:
- Acórdãos desta Relação do Porto de 21.02.2022, proferido no Pº. 5404/09.0T2AGD-D.P1, em que é relator, o Desembargador Pedro Damião e Cunha e de 8.5.2023, proferido no P.º 4878/22.9T8VNG-B.P1, em que +e relator o Desembargador Miguel Baldaia de Morais;
- Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.3.2023, proferido no processo 421/14.1TBCSC-C.L1-2, em que é relator o Desembargador Arlindo Crua e de 7.11.2024, proferido no Pº..555/22.5T8OER-A.L1-8, em que +e relatora a Desembargadora Cristina da Conceição Pires Lourenço, e ainda de 15.12.2022, proferido no P.º 4678/18.0T8ALM-A.L1-2, em que é relator o Desembargador Carlos Castelo Branco;
- Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 27.4.2023, proferido no P 283/08.8TTBGC-D.G, em que é relator o Desembargador Antero Veiga.[14]
Desta forma e pelo exposto, tendo em consideração a aplicabilidade à situação em apreço do nº 3 do art. 6º do DL, entendemos não poder subsistir a decisão recorrida, na parte em que decidiu pela procedência da exceção de irresponsabilidade/inexigibilidade - falta de título executivo contra a aqui executada/embargante, impondo-se a sua revogação, neste segmento decisório.
4.2.Da caducidade
O segundo fundamento decisório da sentença com o qual o Condomínio Apelante não se conforma diz respeito à decisão que julgou procedente a exceção da caducidade, nestes termos: “A presente execução cumulada foi instaurada em 29/11/2023, pedindo-se o pagamento de dívidas condominiais de 2021, 2022 e até abril de 2023, conforme os avisos/faturas emitidos pelo exequente.
Atento o acima referido, estando em causa um prazo para a instauração da ação executiva previsto no citado art.º 6.º do DL n.º 268/94, de 25/10, tratando-se de um prazo substantivo, e para tutela da certeza e segurança jurídica e do interesse púbico, além dos interesses das partes, afigura-se-nos que o referido regime e o prazo de 90 dias fixado no art.º 6.º, n.º 5, do DL n.º 268/94, de 25/10, na redação da Lei n.º 8/2022, de 10/01, aplica-se ao caso vertente, pois a presente execução cumulada foi já instaurada muito depois da entrada em vigor da Lei n.º 8/2022, de 10/01, e atento o disposto nos arts. 12.º, 296.º, 297.º, n.º 1, 298.º, n.º 2, 328.º e 329.º, todos do Cód. Civil.
Atenta a posição assumida pelas partes e o acima referido, importa dizer que não foi devidamente impedida a caducidade, nos termos do art.º 331.º do Cód. Civil e do art.º 6.º, n.º 5, do DL n.º 268/94, de 25/10, na redação da Lei n.º 8/2022, de 10/01.
(…)Afigura-se-nos ser de considerar que o direito de instaurar a presente execução coerciva contra a aqui executada não foi exercido tempestivamente pelo exequente, tendo já caducado, pois foi exercido muito depois dos 90 dias a contar do primeiro incumprimento do condómino ou da entrada em vigor da referida Lei n.º 8/2022, de 10/01, e das alterações legais aí previstas (o que ocorreu em 10/04/2022).
Como já acima referido, face à factualidade provada e considerando a posição da executada, inexiste quanto a esta qualquer das causas impeditivas da caducidade previstas no art.º 331.º do Cód. Civil, nem se verifica a exceção prevista no art.º 6.º, n.º 5, segunda parte, do DL n.º 268/94, de 25/10, na redação da Lei n.º 8/2022, de 10/01.
Em suma, assiste razão à aqui embargante, verificando-se a exceção de caducidade por ela suscitada, com a extinção do respetivo direito de propositura da execução aqui invocado pelo exequente, podendo o condomínio exequente recorrer à tutela jurídica declarativa, se assim o entender.
A caducidade do direito de propor a ação executiva (baseada em ata de condomínio-prevista no referido art.º 6.º do DL n.º 268/94, de 25/10) não abrange nem invalida o direito do condomínio de instaurar a pertinente ação declarativa, baseada na respetiva relação subjacente e para obtenção de um outro título executivo/sentença condenatória.”
Discorda a Apelante deste entendimento, dizendo em suma que as dívidas ao condomínio, por assumirem um carácter periódico e renovável estão sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos, conforme decorre da alínea) g do artigo 310º do CC.
Defende ainda a apelante que, a sentença faz uma errada interpretação do n.º 5 do artigo 6º do DL 268/94, de 25/10, na redação da Lei n.º 8/2002, de 10/01, porquanto o prazo a que ali se alude não é um prazo de caducidade, mas sim um prazo orientador que tem na sua génese permitir ao administrador, em face do primeiro incumprimento do condómino avançar com uma ação judicial para cobrança das dívidas, sem ter que obter uma autorização por parte da assembleia de condóminos e sem necessidade de interpelar seja quem for. Tudo na decorrência do aumento da responsabilização que passou a recair sobre os administradores do condomínio.
Que no caso dos presentes autos, resulta que em 29/11/2023, o exequente deu à execução nova cumulação, tendo por objeto as atas nº 1, 16, 38, 43, 51, 69, sendo certo, que a ata 16 já constava da execução inicial apresentada em 13/09/2007, as atas 38 e 43 já constavam da execução cumulada no dia 04/11/2014, a ata nº 51 da cumulação apresentada no dia 08/07/2017 e a ata nº 69 já constava da execução cumulada no dia 18/03/2022.
Assim, e conforme resulta da factualidade dada como provada nos pontos 1 a 13 da sentença, resulta evidenciado que o recorrente recorreu à ação executiva desde o primeiro incumprimento e muito antes da entrada em vigor da Lei n.º 8/2022, de 10/0. Por outro lado, tendo ficado demonstrado a data dos pagamentos efetuados na pendência da execução, ainda que se entenda que aquele prazo constante do n.º 5 do artigo 6º do supra citado DL 264/98, é um prazo de caducidade, o reconhecimento por parte da executada daquela que era a sua dívida impede que se opere a caducidade.
Vejamos.
A decisão desta questão passa pela necessariamente pela interpretação da seguinte norma que foi introduzida pela já mencionada Lei nº 8/2022 de 10.1, no artigo 6º nº 5 do DL 268/94 de 25 de Outubro, a que supra já fizemos referência, com o seguinte teor:
5 - A ação judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.”
Na sentença recorrida foi acolhido o entendimento que esta norma veio fixar um prazo de caducidade, impondo ao administrador do Condomínio a propositura da ação para cobrança das contribuições a pagar ao condomínio, os juros de mora à taxa legal, bem como das sanções pecuniárias aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento de condomínio “no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino”.
Se não for respeitado este prazo, ocorre caducidade do direito de propor a ação executiva (baseada em ata de condomínio-prevista no referido art.º 6.º do DL n.º 268/94, de 25/10), o que não invalida o direito do condomínio de instaurar a pertinente ação declarativa, baseada na respetiva relação subjacente e para obtenção de um outro título executivo/sentença condenatória.”
Importará pois proceder à sua interpretação, tendo presente o que dispõe o artº 9º do Código Civil, para saber se estamos ou não perante a fixação de um prazo de caducidade.
Como refere o Professor Diogo Leite de Campos,[15] “A prescrição e a caducidade são dois institutos comuns ao Direito que se situam no âmbito da influência do tempo nas relações jurídicas. Cada relação jurídica tem o “seu tempo”, convém que não perdure quando o seu tempo já passou. Depõem neste sentido (para além da própria natureza das coisas), razões de certeza jurídica. Não devem manter-se relações já constituídas para um certo período histórico, já esquecidas ou desprovidas de sentido social. O Direto é constituído pelas relações jurídicas atuais; que estão presentes aos interessados; que estes não abandonaram.” Não é possível parar o tempo” havendo necessidade de uma “estabilização jurídica” decorrente da paralisação da inércia, através da perda do direito. Ou, mais simplesmente, através da perda do direito pelo mero decurso do tempo, sem haver referencia, pelo menos direta à inércia do titular, operando mesmo na ausência desta inércia.
Situando-se neste âmbito a prescrição e a caducidade”.
A prescrição constitui um mecanismo legal que impede o normal exercício do direito, transformando obrigações jurídicas em meras obrigações naturais
Ela representa o sacrifício do valor da justiça em favor do valor da certeza e segurança, na medida em que impede o credor de exigir o cumprimento do seu direito para além de um certo período de tempo.
Para o Professor Antunes Varela[16], a prescrição não é uma verdadeira causa de extinção das obrigações, mas apenas um meio, para além das causas extintivas propriamente ditas, de o credor se livrar da obrigação.
Na prescrição pune-se a inércia do titular do direito e tutela-se a certeza e segurança das relações jurídicas, pela respetiva consolidação, operada em prazos razoáveis.
“A prescrição não tem por fonte uma declaração negocial, mas um facto – o decurso de um prazo.”[17]
Para o Professor Diogo Leite de Campos,[18] a prescrição “assenta na intenção de punir a inércia do titular do direito que não o exerceu durante um certo período, quando podia fazê-lo, deixando de se justificar socialmente (e perante o respetivo titular) esse direito”
A caducidade, por sua vez aplica-se a todos os direitos que devem ser exercidos durante um certo lapso de tempo.
Na caducidade, o prazo visa preestabelecer o lapso de tempo, dentro do qual ou a partir do qual há-de exercer-se o direito, por imposição da lei, ou da vontade negocial.
Tem por objetivo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por lapsos de tempo dilatados, levando-os a que se extingam pelo decurso do prazo fixado.
O prazo na caducidade é condição de admissibilidade, por ser elemento constitutivo do direito.[19]
“Assenta em razões de certeza e segurança jurídicas, decorrendo do modo-de-ser de alguns direitos que estão ligados intimamente ao seu elemento temporal, em termos de o direito “ser” um conteúdo e um tempo. Decorrendo de estipulação legal ou das partes (artigo 330º do C.Civil).
O prazo de caducidade tem início, em regra, logo que o direito puder ser exercido (o que coincide muitas vezes com o momento da constituição do direito), embora a lei ou as partes possam estabelecer norma diversa (artigos 329º e 330º do Código Civil)”.[20]
Isto posto, as prestações condominiais relativas às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar, e que se renova, anualmente, sendo depois repartidas entre os condóminos, normalmente em prestações mensais, representando a contrapartida pelo uso, utilização e fruição daquelas partes comuns, têm a natureza de quotizações ordinárias (nestas se incluindo as contribuições destinadas ao Fundo Comum de Reserva).
Tais prestações, sendo periodicamente renováveis enquanto durar o condomínio, prescrevem no prazo de 5 anos – cf., a alínea g), do artº. 310º, do Cód. Civil -, iniciando-se o cômputo do prazo de prescrição na data em que a prestação pode ser exigida.
As quotizações mensais devidas ao condomínio vencem-se na data que for acordada para o respetivo pagamento e cada uma delas encontra-se sujeita, de per si, ao prazo prescricional de cinco anos (art.º 310º, al. g, do CC).
Significa isto que a lei pune a inércia do condomínio, se durante cinco anos não exercer o direito de cobrar do condómino faltoso tais contribuições, conferindo a lei a este a faculdade de poder recusar-se a cumprir a sua obrigação, invocando a prescrição, uma vez interpelado a cumprir.
Em face da influência do tempo nas relações jurídicas e da dicotomia prescrição/caducidade, vejamos agora se o legislador pretendeu impor ao administrador do condomínio um prazo de caducidade para intentar a ação executiva de cobrança daquelas dívidas (e das demais que integram o título executivo, tal como as sanções pecuniárias aprovadas pela assembleia ou previstas no regulamento do condomínio), que constem da “ata da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio”, isto é, se pretendeu impor um limite de tempo para a cobrança coerciva de tais dívidas, findo o qual, o condomínio vê perdida a possibilidade de instaurar ação executiva com base no título ata, tendo então de recorrer à ação declarativa de processo comum.
Pese embora a letra da lei parecer apontar no sentido de se pretender fixar um prazo de caducidade (que poderá vir a ser afastado pelos condóminos), tal possibilidade é suscetível de causar desde logo uma série de perplexidades.
Uma primeira perplexidade reside na imposição de um prazo extremamente reduzido - 90 dias a contar do primeiro incumprimento do condómino - principalmente se confrontado com o prazo de prescrição de 5 anos, incompatível com o funcionamento da maioria dos condomínios, que não dispõem de meios de resposta tão rápidos que lhes permitam a instauração de uma ação judicial, (sujeita ademais a patrocínio judiciário obrigatório, nos termos do art. 58º do CPC), em tão curto espaço temporal, para mais se pensarmos em condomínios com elevado número de condóminos.
A segunda perplexidade é a de que esta “inovação” surge num diploma legal - a Lei 8/2022 de 10.1 - cuja finalidade foi a de incutir celeridade à cobrança das dívidas do condomínio, não se mostrando por isso compatível com a fixação dum prazo tão curto de atuação do administrador do condomínio – 90 dias - para instauração da ação executiva, que não sendo observado, é suscetível de produzir precisamente o efeito contrário à pretendida celeridade, que é o de retardar de forma injustificável a cobrança de tais dívidas, no caso de inobservância do prazo, obrigando a instauração duma ação declarativa prévia para reconhecimento do direito para obtenção de um novo título executivo – uma sentença!.
A terceira perplexidade será ainda a de a lei vir alargar por um lado as dívidas abrangidas no título e por outro vir limitar temporalmente a utilização d etal título executivo.
Outra perplexidade está relacionada com o facto de o artigo 6º nº 5 deixar de fora do prazo de caducidade a cobrança dos valores em dívida iguais ou superiores ao valor indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil, (que atualmente são no valor de 443,20, [21]), ou seja as dívidas de menor valor, que são aquelas que, representam menor peso no cômputo das quantias devidas e das necessidades de conservação dos edifícios, que poderão, independentemente da diligência do administrador de condomínio continuar a ser alvo de execução.
Por fim, estando a caducidade ligada a razões de certeza e de segurança jurídicas, evitando o protelamento do exercício de certos direitos por lapsos de tempo dilatados, será difícil compreender o sentido desta solução legislativa, por não se ver qualquer necessidade de interesse público ou privado da fixação de tão curto espaço temporal, para a atuação do administrador judicial.
Procedendo-se então à interpretação da norma, para aferir o seu real sentido e alcance, constata-se desde logo que a lei não faz menção expressa de que a ação judicial mencionada nos nº 4 e 5 do artigo 6º do DL 268/94 de 25.10 deva ser intentada no prazo de 90 dias sob pena de caducidade.
É certo que tal situação, faz-nos cair na alçada no nº 2 do artº 298º do C.Civil, que dispõe que “quando por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.”
A questão interpretativa que se coloca desde logo é saber se o artigo 6º nº 5 está efetivamente a impor ao administrador do Condomínio um prazo para o exercício da cobrança judicial das dívidas condominiais, quando disponha de título executivo para tal, ou antes a fixar-lhe um prazo orientador, ou meramente indicador para o exercício de tal atividade, que se integra no âmbito do exercido das suas obrigações, nos termos do art. 1436º al h) do C.C – a de executar as deliberações da assembleia.
Reconhece-se desde já que a redação da norma, “a ação judicial deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar do primeiro incumprimento do condómino …”e ao prever que tal prazo possa ser afastado por deliberação da assembleia de condóminos, cria a aparência de estarmos perante a fixação dum prazo sujeito a caducidade, na medida em que, nos termos do disposto no artigo 330º do Código Civil são válidos os negócios pelos quais se criem casos especiais de caducidade, se modifique o regime legal desta ou se renuncie a ela, a não ser que não se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes ou de fraude às regras da prescrição.
Desta forma se compreendendo a posição acolhida na sentença, que atendeu apenas á letra da lei, e bem assim, a posição defendida por Nuno Abranches Pinho[22], que defende o seguinte: “Finalmente cumpre registar a alteração da lei no sentido de estabelecer um prazo de caducidade para o direito de ação – A nova redação do art. º 6º, nº 5 do Decreto-Lei nº 268/94 de 25 de outubro, obriga a que a ação executiva seja proposta no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrario da assembleia de condóminos e desde que o valor em divida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil”. Apesar de reconhecer desde logo que, “Afigura-se que o prazo é particularmente curto se se considerar que poderá implicar a instauração de ações sem que se encontre integralmente cumprido o exercício orçamental em curso, designadamente quando se estipulem contribuições pelos condóminos com periodicidades mensais, trimestrais ou semestrais. De todo o modo, não se trata aqui de fixar um prazo substantivo de prescrição que tenha por objeto o direito de cobrar as contribuições dos condóminos, o que significa que a caducidade do direito de ação implica (apenas) que o condomínio perca a possibilidade de instaurar uma ação executiva com base no titulo ata, tendo então de recorrer á ação declarativa de processo comum”.
Porém, na tarefa interpretativa da lei a realizar, o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, como resulta do nº 1 do art. 9º do C.Civil.
Pretende-se saber se a alteração legislativa pretendeu efetivamente sujeitar o exercício do direito pelo representante dos condóminos, o administrador do condomínio, a um certo prazo, para intentar ação executiva - prazo de 90 dias a contar do primeiro incumprimento – ou se pretendeu tão só estabelecer um prazo indicador, ou meramente orientador, ao administrador do condomínio para o impulsionar a atuar de forma célere, no âmbito do reforço dos poderes que a Lei 8/2022 de 10.1, lhe veio conferir e na decorrência do aumento da responsabilização que passou a recair sobre os administradores do condomínio, entendemos que esta foi esta última a vontade do legislador.
O estabelecimento dum limite temporal para a atuação do administrador do condomínio, no âmbito do exercício das suas obrigações, nos termos do art. 1436º al h) do C.C – a de executar as deliberações da assembleia, visou, em nosso entender, unicamente incutir celeridade à sua atuação, impondo-lhe um prazo de cumprimento daquele seu dever, cuja ultrapassagem injustificada poderá implicar apenas a sua responsabilidade civil, enquanto administrador não diligente, e nada mais do que isso.
Com efeito, na tarefa de interpretação da norma legal, haverá que convocar, o disposto no art. 9º do Código Civil que dispõe que:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
A exposição de motivos do projeto de lei n.º 718/XIV/2.ª, a que supra já fizemos referência, anunciava mudanças significativas e respostas não só ao setor – administradores de condomínio e condóminos – mas também a todos os profissionais que se deparam com questões jurídicas relacionadas com o regime da propriedade horizontal, nomeadamente com a modificação do título constitutivo, com os procedimentos de cobrança de dívidas, com a responsabilização do administrador do condomínio, com os requisitos de exequibilidade das atas das assembleias de condóminos, com a legitimidade processual ativa e passiva em sede judicial e com a responsabilidade pelos encargos do condomínio em caso de alienação da fração autónoma.
Desta forma a lei aprovada – lei 8/2022 de 10.1 – veio reforçar a exequibilidade da ata da reunião da assembleia de condóminos, que é título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, quando tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio, o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações, passando ainda a abranger, como tivemos já oportunidade de apreciar, as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio (artigo 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de outubro).
Reforçou ainda os poderes ao administrador judicial, tendo alterado o artigo 1437.º cuja epígrafe deixa de ser “legitimidade do administrador” para passar a ser “representação do condomínio em juízo”, consagrando agora a regra de que o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele. A legitimidade, ativa ou passiva, é do condomínio, o qual tem como seu representante o administrador que representa a universalidade dos condóminos.
Naquela exposição de emotivos, podemos ler o seguinte: “Depois, o presente projeto de lei introduz mecanismos facilitadores da convivência em propriedade horizontal, nomeadamente agilizando procedimentos de cobrança, os quais a administração do condomínio pode e deve concretizar no sentido de responder às necessidades dos condóminos, de forma mais célere e eficaz.”(…)
“Muitos dos condomínios apresentam um elevado número de frações, o que, só por si, torna mais complexa a administração das partes comuns e, consequentemente, as deliberações acerca dos encargos de conservação e fruição que devem ser pagas por todos os condóminos. Tal realidade contribui, muitas vezes, para a criação de inúmeros obstáculos para quem administra os condomínios, o que, consequentemente, potencia o atraso nas decisões e, por isso, a deterioração dos prédios, acarretando prejuízo para todos os condóminos, nomeadamente prejuízos inerentes ao acréscimo de despesas futuras na recuperação dos mesmos.
Pretende-se também conferir um maior grau de responsabilidade, por um lado, aos próprios condóminos e, por outro lado, a quem administra o condomínio”.
A fixação dum prazo de caducidade, para mais, reconhecidamente tão curto, contraria e afronta até os objetivos preconizados por esta nova lei, de agilizar procedimentos de cobrança, os quais a administração do condomínio pode e deve concretizar no sentido de responder às necessidades dos condóminos, de forma mais célere e eficaz, implicando que, passado tal prazo, os condóminos deixem de poder usufruir do título executivo que esta lei quis reforçar, obrigando-os a recorrer às ações declarativas para obter o reconhecimento do direito e só depois instaurar execução.
Na tarefa de interpretação da lei, em que o limite da interpretação é o texto da lei, intervém elementos lógicos, apontando a doutrina para elementos de ordem sistémica, histórica, racional ou teleológica.
Quanto ao elemento literal, a lei impõe um prazo ao administrador do condomínio, resultando claro que o administrador deve instaurar a ação destinada a cobrar as quantias em dívida pelos condóminos e deve fazê-lo dentro de determinado prazo, mas não afirma expressamente que o tenha de fazer sob pena de caducidade, deixando margem para que se entenda estarmos perante um prazo orientador da atividade doa administrador de condomínio que se pretende célere na cobrança das dívidas.
Acresce que o prazo em causa foi introduzido, não no Código Civil, mas no DL 268/94 de 25.10, que é uma diploma legal que visa apenas regulamentar o regime da propriedade horizontal.
Tendo a Lei 8/2022 de 10.1 procedido simultaneamente à alteração de normas do Código Civil, no âmbito da propriedade horizontal e no diploma regulamentar da propriedade horizontal, seria coerente o legislador fixar o prazo de caducidade nas normas do Código Civil, e não no diploma regulamentador.
Mas já fará sentido incluir um prazo orientador da atividade do administrador do condomínio naquele diploma regulamentar.
O elemento sistemático que visa a realização da unidade e coerência do sistema jurídico, concorre assim em sentido contrário à caducidade.
E também, por se considerar que no âmbito desta unidade e coerência do sistema jurídico as contribuições ao condomínio estão sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos, por aplicação do disposto no art. 310º al g) do Código Civil, por se tratarem de prestações periodicamente renováveis.
Como vimos a interpretação do prazo fixado no art. 6º nº 5 do DL 268/94 de 25.10 como prazo de caducidade mostra-se contrária às finalidades prosseguidas pela Lei 8/2022 de 10.1.
Desta forma também o elemento racional ou teleológico que consiste na razão da norma, (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, tendo em vista as soluções que pretende concretizar, afasta a interpretação acolhida na sentença,
Finalmente recorrendo ao elemento histórico, não cremos que se tivesse sido a vontade do legislador, que a instauração da ação executiva passasse a ficar sujeita a prazo de caducidade, o que implica uma mudança radical do “paradigma” (inexistência de qualquer prazo de caducidade, em mais de 30 anos de vigência do DL 268/94 de 25.10), não tivesse sido tal mudança devidamente acautelada pelo legislador, ficando a constar no texto legal a natureza do prazo, dessa forma acautelando as expetativas dos condóminos.
Desta forma, tendo em consideração os cânones hermenêuticos utilizados – o elemento racional de interpretação, que abrange a finalidade da norma, e o argumento sistemático decorrente da unidade do sistema jurídico o elemento histórico, entendemos ser de rejeitar a interpretação da norma feita na sentença, que considerou estarmos perante um prazo de caducidade, devendo entender-se que a lei limitou-se a fixar um prazo meramente indicador para o administrador de condomínio atuar de forma diligente na sua cobrança judicial, prazo que visa tão-só incutir celeridade à atuação do administrador do Condomínio, que fica legitimado a atuar judicialmente, sem necessidade de qualquer autorização da assembleia de condóminos, perante o condómino inadimplente em curso prazo, podendo vir a ser responsabilizado pelos danos causado ao condomínio, nos termos do art.1436º nº 3 do C.Civil, norma introduzida também pela Lei 8/2022 de 10.1. se injustificadamente o ultrapassar.
O legislador veio com efeito reforçar que o incumprimento dos poderes-deveres do administrador do condomínio, torna-o civilmente responsável em caso de omissão das suas funções, impondo-lhe um limite temporal de atuação, considerada diligente.
A consagração que agora se faz de tais consequências no n.º 3 do artigo1436.º, mais não é do que alertar o administrador de condomínio e os condóminos para as mesmas, refletindo, pois, as preocupações de clarificação explanadas na exposição de motivos do projeto de lei que veio originar a Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, uma das quais é a da celeridade e eficácia da sua atuação.
Do exposto podemos concluir que não estamos perante a fixação de um prazo de caducidade, pelo que se impõe a revogação da sentença na parte em que julgou procedente tal exceção dilatória.
V - DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso e revogar a sentença recorrida, devendo a execução prosseguir os seus ulteriores e normais termos.
Custas pela apelada.
Porto, 8 de abril de 2025.
Alexandra Pelayo
João Ramos Lopes
Márcia Portela
_____________________________________
[1] A jurisprudência citada é anterior a 10.4.2022, data da entrada em vigor da Lei 8/2022 de 10.1.
[2] João de Matos Antunes Varela / Miguel J. Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de processo civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pgs.78e 79
[3] Esta norma, como veremos de seguida, sofreu alterações introduzidas pela Lei 8/2022 de 10.1.
[4] In Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p. 192
[5] In A assembleia de condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal; Almedina, 2.ª ed., 3.ª reimp., 2009, p. 319.
[6] Todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 3ª edição, pg. 154.
[8] Nos termos do art. 9º da Lei 8/2022, a mesma entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, com exceção da alteração ao artigo 1437.º do Código Civil.
[9] Que se mostra disponibilizado para consulta no processo eletrónico.
[10] Disponível in https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/14/02/090/2021-03-05/5?pgs=4-9&org=PLC&plcdf=true
[11] In Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994, p. 246 e ss.
[12] Introdução ao Estudo do Direito; AAFDL, 2021, pp. 222 e 223.
[13] ob. cit., p. 391.
[14] Todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[15] No artigo “Caducidade e Prescrição em Direito Tributário, publicado na Homenagem da Faculdade de Direito de Lisboa ao Professor Inocêncio Galvão Telles, Almedina, 2007, pgs. 341 e ss.
[16] in Obrigações em Geral, 2ª ed., Vol II, pg. 133.
[17] P. Lima, A. Varela, Código Civil Anotado, vol.I, 3ª edição, página 272.
[18] Loc citado, pg. 342.
[19] Ver Aníbal de Castro, in A Caducidade, na doutrina, na lei e na jurisprudência, Livraria Petrony, 3ª edição, pg.45 e 46.
[20] Prof. Diogo Leite de Campos, loc cit., pg. 343.
[21] De acordo com a Portaria 29472021 de 13.12.
[22] In As Atas da assembleia de Condóminos como Título Executivo, in Propriedade Horizontal, Jornadas, Gestlegal, pg. 196.