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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RESOLUÇÃO
BANCO DE PORTUGAL
PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO E PARTILHA DO ACTIVO DE INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
Sumário
Sumário - Elaborado pela Relatora nos termos do art.º 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC). 1 – Apenas caberá à Relação conhecer da impugnação da matéria de facto, quando os factos que a parte pretende impugnar forem relevantes para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito, sob pena de o tribunal praticar no processo atos inúteis, proibidos por lei, nos termos do art.º 130º, do CPC. 2 - A impugnação da matéria de facto deve ter em consideração, e ser instrumental, relativamente à decisão de mérito a proferir. 3 – Importa analisar, integradamente, as deliberações tomadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal relativamente ao Banco Espírito Santo, S.A., nomeadamente, no caso, as deliberações datadas de 03.08.2014 e 29.12.2015. 4 – “Responsabilidades”, “passivos” e “contingências definidas como passivos” não são o mesmo que “ativos” ou créditos”. 5 - Tratando-se os recursos de um meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, os mesmos apenas podem ter como objeto, com exceção daquelas que sejam de conhecimento oficioso, questões que tenham sido anteriormente apreciadas na decisão objeto de recurso. 6 – A interpretação das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal pelos tribunais comuns é admissível, não estando em causa qualquer interferência nos poderes do Banco de Portugal ou nas competências dos Tribunais Administrativos.
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
Massa insolvente de Banco Espírito Santo, S.A. - em liquidação, intentou ação declarativa de condenação contra Novo Banco S.A., pedindo, a final, a condenação da ré, a pagar à autora:
i) O montante de 1.005.392,06 € (um milhão, cinco mil trezentos e noventa e dois euros e seis cêntimos), a título de crédito resultante da consignação feita pelo Banco Espírito Santo, S.A., acrescido dos juros de mora vencidos desde o dia 21 de novembro de 2019, até à data da propositura da presente ação, no montante de 371.003,44 € (trezentos e setenta e um mil e três euros e quarenta e quatro cêntimos);
ii) O montante de 322.407,26 € (trezentos e vinte e dois mil, quatrocentos e sete euros e vinte e seis cêntimos), a título de crédito emergente da manutenção em vigor dos contratos financeiros em virtude do desfecho do processo judicial, acrescido dos juros de mora vencidos desde o dia 21 de novembro de 2019 até à data da propositura da presente ação, no montante de 118.972,70 € (cento e dezoito mil, novecentos e setenta e dois euros e setenta cêntimos), perfazendo o total de 1.817.775,46 € (um milhão, oitocentos e dezassete mil, setecentos e setenta e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), a que acrescem juros de mora vincendos até integral e efetivo pagamento.
Alegou, em síntese, que no âmbito da sua atividade enquanto instituição de crédito, o Banco Espírito Santo, S.A. – por intermédio, ao tempo, da sua Sucursal em Espanha – celebrou com a Fundación Dr. Melchor Colet dois contratos-quadro de operações financeiras, em 24 de fevereiro de 2006 e 28 de março de 2008, aos quais estavam associados, por sua vez, a dois contratos de permuta de taxa de juro ("Interest Rate Swap"), datados, respetivamente, de 24 de fevereiro de 2006 e de 29 de janeiro de 2008.
Disse ainda que:
a) Em 2012, a Fundación Dr. Melchor Colet peticionou, perante os Tribunais Espanhóis, a declaração de nulidade de tais contratos, bem como de quaisquer outros contratos ou acordos de swap celebrados com o Banco Espírito Santo, S.A., e, consequentemente, a condenação desta instituição na devolução dos montantes já pagos ao abrigo da respetiva execução.
b) Em 31 de outubro de 2013, foi proferida sentença, que julgou essa ação procedente, declarando nulos os sobreditos contratos financeiros e condenando as partes na restituição recíproca das quantias recebidas ao abrigo dos mesmos, acrescidas dos juros legais aplicáveis, mais condenando, especificamente, o Banco Espírito Santo, S.A., no pagamento das custas;
c) Não se conformando, o Banco Espírito Santo, S.A. interpôs recurso dessa decisão; na pendência desse recurso, a Fundación Dr. Melchor Colet promoveu desde logo a execução provisória da referida sentença, obrigando à consignação pelo Banco Espírito Santo, S.A., a favor daquela entidade, do montante de 658.316,76 €;
d) Por aresto datado de 22 de fevereiro de 2016, o recurso interposto pelo Banco Espírito Santo, S.A., nos supra referidos autos, foi julgado procedente pelo Tribunal Provincial de Barcelona, tendo sido revogada a sentença que havia declarado a nulidade dos contratos financeiros e condenada a referida Fundación no pagamento das custas incorridas pelo Banco Espírito Santo, S.A., na primeira instância e, bem assim, determinado a devolução do mencionado depósito;
e) Da mesma decisão a Fundación Dr. Melchor Colet interpôs recurso para a Sala Civil do Supremo Tribunal de Justiça de Espanha, tendo o mesmo sido julgado, a final, inadmissível, por acórdão datado de 30 de janeiro de 2019.
Referiu também que:
a) A ré Novo Banco, S.A. - por via da respetiva sucursal em Espanha - veio, incompreensivelmente, intervir nesse processo declarativo, respondendo a tal recurso, como se do Banco Espírito Santo, S.A., se tratasse.
b) A ré, munida dessa decisão definitivamente favorável ao Banco Espírito Santo, S.A., promoveu a instauração de processo executivo contra a Fundación Dr. Melchor Colet, no qual pediu a restituição da quantia de 658.316,76 €, que havia sido consignada pelo Banco Espírito Santo, S.A., acrescida dos juros vencidos e vincendos, num total de 773.378,51 €, acrescido de 30%, a título de juros e custas.
c) A ré e a Fundación Dr. Melchor Colet celebraram um acordo de transação, a 21 de novembro de 2019, o qual foi homologado pelo Tribunal de Primeira Instância n.º 20 de Barcelona, por decisão judicial n.º 671/2019, datada de 22 de novembro de 2019.
d) A autora só tomou conhecimento da celebração desse acordo em janeiro de 2023, sem, porém, conhecer o montante acordado como devido, nem os demais termos da referida transação, o que veio posteriormente acontecer através da Fundación Dr. Melchor Colet.
Acrescentou também a autora, que, nos termos desse acordo:
a) A Fundación Dr. Melchor Colet pagaria ao Novo Banco, S.A., o montante de 1.027.038,40 €, e à Graells March Abogados, S.L.P., a quantia de 60.500,00 €, a título de custas judiciais;
b) A ré e a Fundación Dr. Melchor Colet acordaram a extinção do litígio que opunha esta última ao Banco Espírito Santo, S.A., bem como a cessação dos contratos que eram objeto daquele litígio, declarando, ainda, completamente liquidadas as dívidas e obrigando-se a não intentar qualquer ação judicial atinente ao objeto do acordo de transação.
Invocou, também, que a ré Novo Banco, S.A., não tinha qualquer legitimidade para cobrar os créditos resultantes do processo judicial instaurado pela Fundación Dr. Melchor Colet contra o Banco Espírito Santo, S.A., nem para acordar com aquela fundação os termos do respetivo pagamento. Pelo que, ao tê-lo feito, a ré apropriou-se indevidamente da posição jurídica do Banco Espírito Santo, S.A., no âmbito de um processo judicial que o Banco de Portugal decidiu manter na esfera jurídica do Banco Espírito Santo, S.A., assim se enriquecendo, sem qualquer causa, e à custa do Banco Espírito Santo, S.A., por meio do acordo celebrado com a Fundación Dr. Melchor Colet.
Indicou prova e juntou documentos.
A ré Novo Banco S.A., contestou, concluindo a final pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.
Alegou, em síntese, que: os “Contratos Marco de Operaciones Financieras” e os respetivos “Contratos de lnterest Rate Swap”, celebrados entre o Banco Espírito Santo, S.A. – Sucursal de Espanha e a Fundación Dr. Melchor Colet, transitaram automaticamente para o Novo Banco – Sucursal de Espanha, por força da medida de resolução bancária, em particular a Deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015; que apenas o passivo que pudesse emergir do processo que correu termos em Espanha sob o n.º 1145/2012 é que permaneceu na esfera do Banco Espírito Santo, S.A.; que a ré requereu a substituição processual do Banco Espírito Santo, S.A. e assumiu a sua posição nos autos que correram os seus termos em Espanha, sendo um facto que as decisões judiciais, há muito transitadas em julgado, proferidas pelos Tribunais espanhóis, reconheceram ao Novo Banco – Sucursal de Espanha, a posição jurídica previamente ocupada pelo Banco Espírito Santo, S.A. - Sucursal de Espanha, na ação movida pela Fundación Dr. Melchor Colet, o que posteriormente lhe permitiu promover a ação executiva contra esta última que correu termos sob o n.º 84/2014.
Argumentou também que existem duas decisões judiciais proferidas pelos Tribunais espanhóis, cujo reconhecimento automático se impõe nos presentes autos por via do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012 e que, nos termos das referidas decisões judiciais, a ré é o titular de todos os créditos (posições jurídicas ativas) emergentes dos autos n.º 1145/2012, inclusivamente do valor que havia sido consignado em depósito em sede de execução provisória e, bem assim, das posições jurídicas emergentes dos “Contratos Marco de Operación Financiera” e “lnterest Rate Swap” objeto da ação que correu termos sob o n.º 1145/2012; evidenciou que a sede própria para a autora se insurgir quanto à posição judicialmente reconhecida à ré teria sido nos autos que correram termos em Espanha.
Arguiu ainda que a procedência da presente ação - quod non - constituiria uma violação do princípio do respeito pelo caso julgado.
Mencionou, também, que não existe aqui enriquecimento sem causa, porquanto a medida de resolução bancária legitimou os créditos (posições jurídicas ativas) do Novo Banco emergentes dos contratos celebrados com a Fundación Dr. Melchor Colet; e, por outro lado, as decisões judiciais proferidas pelos Tribunais espanhóis também confirmaram a existência daquele crédito na esfera da ré, sendo certo que os seus efeitos se estendem ao nosso ordenamento nos termos do referido Regulamento n.º 1215/2012.
Apontou, por fim, que o direito da autora de intentar a presente ação, com base enriquecimento sem causa, se encontra prescrito, nos termos do artigo 482.º, do Código Civil, considerando o ano da Deliberação de 29 de dezembro de 2015, por um lado, e, por outro, as datas das decisões dos Tribunais espanhóis (2019).
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Em 25.09.2024, foi ordenada a notificação da autora para se pronunciar sobre as exceções invocadas pela ré na respetiva contestação.
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Em 09.10.2024, veio a autora apresentar requerimento de resposta, dizendo, a final que devem ser declaradas improcedentes a exceções alegadas verificar-se pela ré, pronunciando sobre as exceções de autoridade de caso julgado; de prescrição do direito de restituição e de violação do princípio de subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa.
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Foi realizada tentativa de conciliação nos autos, na qual não se logrou alcançar acordo.
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Em 12.12.2024, foi proferido despacho nos autos nos seguintes termos:
“Considerando que os autos reúnem todos os elementos, notifique as partes para, querendo, se pronunciarem quanto ao mérito dos presentes autos – artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.”
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Em resposta as partes apresentaram requerimentos, em 23.01.2025, a autora, e, em 27.01.2025, a ré, concluindo a primeira pela procedência da ação e a segunda pela improcedência da mesma e consequente absolvição do pedido.
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Em 31.01.2025, foi proferida sentença final nos autos, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, vistos os factos provados à luz das disposições legais aplicáveis
I – Julgo a presente acção de condenação improcedente e, em consequência absolvo o NOVO BANCO, S.A., do pedido.
II – Nos termos do disposto no artigo 303.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, a actividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma.
Assim, não há lugar a custas.”
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Em 31.01.2025, veio a autora apresentar novo requerimento nos autos, pedindo, a final: “a retificação do manifesto lapso material em que incorreu na indicação dos valores peticionados nesta ação no requerimento de pronúncia sobre o mérito dos autos que apresentou em 23 de janeiro de 2025, por forma a que os mesmos passem a ser lidos como correspondentes aqueles indicados da sua petição inicial, perfazendo um total de € 1.817.775,46 (um milhão, oitocentos e dezassete mil, setecentos e setenta e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), acrescido dos juros de mora vincendos até integral e efetivo pagamento.”
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Inconformada com a sentença final proferida nos autos veio a autora, em 19.02.2025, apresentar recurso da mesma, pedindo, a final, no que ora nos interessa, que seja o despacho saneador sentença revogado e substituído por outra decisão que tendo por base a matéria de facto provada com as correções requeridas e conhecendo das demais questões de direito suscitadas e debatidas nos autos, julgue a ação procedente e condene a recorrido no pedido.
Apresentou a recorrente as seguintes conclusões:
A. A RECORRENTE pede a restituição do enriquecimento de que o RECORRIDO beneficiou, sem qualquer causa, à custa do BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. (“BES”), por se ter feito substituir na posição do mesmo na ação n.º 1145/2012 (perante os tribunais espanhóis) e ter subsequentemente celebrado acordo judicial com a contraparte FUNDACIÓN DR. MELCHOR COLET (“FMC”), em 22 de novembro de 2019, por meio do qual perdoou e aceitou receber montantes devidos pela mesma ao BES.
B. Peticiona assim que lhe seja restituído, a título de enriquecimento sem causa, o valor de € 1.817.775,46 (um milhão, oitocentos e dezassete mil, setecentos e setenta e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), ao qual acrescem ainda os juros de mora vincendos, igual ao somatório do valor consignado pelo BES na ação n.º 1145/2012, acrescido de juros e custas, e do montante correspondente à execução dos contratos financeiros celebrados entre o BES e a FMC que se mantiveram em vigor por força de decisão judicial proferida na aludida ação.
C. A generalidade dos factos alegados pela RECORRENTE como fundamento da sua pretensão estão provados por acordo, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 465.º, n.º 2, e 574.º, n.º 2, do CPC.
D. Assim estando desde logo verificados nos autos os primeiros dois requisitos do enriquecimento sem causa, a saber, o enriquecimento do RECORRIDO à custa do empobrecimento da RECORRENTE.
E. Permanecendo somente controvertida a verificação do terceiro requisito, negativo, do enriquecimento sem causa, i.e., a falta de causa justificativa.
F. Causa essa, que o RECORRIDO afirma encontrar-se nas deliberações do Banco de Portugal relativas à Medida de Resolução que foi aplicada ao BES.
G. O que foi acriticamente secundado pelo Tribunal a quo, que, socorrendo-se de uma interpretação criativa, mas inaceitável, das mesmas, julgou improcedente a presente ação, absolvendo o RECORRIDO do pedido e dando por prejudicadas as demais questões suscitadas nos autos.
H. Tal decisão absolutória, sem embargo de reconhecer expressamente que a questão de mérito nos presentes autos depende somente de uma questão de direito, enferma, desde logo, de erros no julgamento da matéria de facto que a RECORRENTE não pode deixar de invocar, para efeitos do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC.
I. Bem como, e sobretudo, de um manifesto erro de julgamento da matéria de direito.
J. Pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que, tendo por base a matéria de facto julgada provada, com as correções infra requeridas, e conhecendo das demais questões de direito suscitadas e debatidas nos autos, julgue a presente ação procedente e condene o RECORRIDO no pedido.
K. Desde modo, em primeiro lugar, deve o facto provado mm) da sentença recorrida ser alterado, por forma a dele se fazer constar, como se disse no artigo 8.º da petição inicial, e em cumprimento do disposto nos artigos 465.º, n.º 2, 574.º, n.º 2, e 607.º, n.º 5, do CPC, que a consignação a que o BES procedeu no âmbito da ação n.º 1145/2012 ocorreu “em data antecedente a 03.08.2014” (cfr. pág. 3 do DOC. N.º 2 junto aos autos com a petição inicial, artigo 8.º da contestação e requerimento de resposta à contestação apresentado em 23 de setembro de 2024).
L. Por sua vez, deve o facto rr) ser também alterado, passando a corresponder com rigor ao que foi alegado nos artigos 12 a 18 da resposta às exceções apresentada em 9 de outubro de 2024 e resulta demonstrado pelo Doc. n.º 5 junto pelo RECORRIDO com a contestação, nos seguintes termos: “Em 3 de Outubro de 2016, já na pendência do recurso da Fundación Dr. Melchor Colet, o NOVO BANCO, S.A. – Sucursal de Espanha, requereu a substituição processual do Banco Espírito Santo, S.A., fundamentando-a na escritura por meio da qual a Sucursal do BES em Espanha passou a ser a Sucursal do Novo Banco em Espanha, por imposição da Medida de Resolução do Banco de Portugal aplicada a esta última instituição bancária, mantendo-se, porém, inalterados, nomeadamente, a respetiva sede, n.º de identificação fiscal e representação processual”. [sublinhado o segmento alterado]
M. Por fim, em face da alegação a que a RECORRENTE procedeu nos artigos 31.º a 34.º da sua petição inicial em confronto com o conteúdo da cadeia de e-mails junta aos autos como DOC. N.º 2 da mesma, deve ainda ser aditado ao acervo de factos provados, imediatamente antes do facto provado ccc) do despacho saneador-sentença recorrido, o seguinte facto novo: Pelo menos, desde Junho de 2023, procurou a AUTORA, ainda que sem sucesso, esclarecer o tema junto do RÉU e aceder ao Acordo em questão.
N. Acresce que, como acima se adiantou, incorreu ainda o Tribunal a quo num flagrante erro na decisão da matéria de direito, na medida em que decidiu que na Medida de Resolução aplicada ao BES pelo Banco de Portugal se verificava uma causa para o enriquecimento do RECORRIDO.
O. Ora, o que resulta dessa Medida de Resolução, mormente, por meio da Deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 – Contingências, é que não foram transferidos do BES para o NOVO BANCO “quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014 fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES”.
P. Vindo expressamente identificadas, nomeadamente, no Anexo I da referida Deliberação, as ações em relação às quais se verificavam “responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente”, entre as quais se inclui a ação n.º 1145/2012.
Q. Porém, o Tribunal a quo fez disso tábua rasa.
R. Procedendo a uma interpretação das Deliberações do Banco de Portugal que aplicaram e explicitaram a Medida de Resolução ao BES sem o mínimo de correspondência nem na letra das mesmas, nem da lei, nem suporte na sua interpretação sistemática ou racional.
S. O Tribunal a quo louva-se unicamente na ideia de necessidade de robustez e liquidez financeira do NOVO BANCO, enquanto “Banco Bom”, para o sucesso da Medida de Resolução que foi aplicada ao BES, para fundamentar um resultado que, simplesmente, a Deliberação de 29 de dezembro de 2015 – Contingências, não prevê, a saber, o de que, transformando-se as responsabilidades litigiosas do BES em ativos, estes últimos se transferem para o NOVO BANCO.
T. Resulta da Deliberação em causa precisamente o contrário.
U. Tal Deliberação tem por finalidade última a certeza e a segurança jurídicas, garantindo estabilidade na delimitação do perímetro de transferência entre as esferas jurídicas do BES e do NOVO BANCO, para viabilizar o cumprimento dos desígnios da Medida de Resolução que foi aplicada ao BES e, particularmente, da criação do NOVO BANCO, como se infere, desde logo, dos Considerandos 7 e 12 a 14 da Deliberação em análise.
V. O que se alcançou, designadamente, através da exclusão do perímetro de transferência das posições do BES em litígios pendentes, como a ação n.º 1145/2012, com recurso a um critério sincrónico, referente ao momento em que foi tomada a Medida de Resolução (20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014),
W. Afastando-se o risco de dúvida acerca da transmissão de responsabilidades litigiosas para NOVO BANCO no âmbito de ações judiciais cujo desfecho era ainda incerto e, ainda, o risco da própria transmissão de responsabilidades litigiosas futuras, numa lógica similar, aliás, àquela que motivou a não transferência dos “ativos tóxicos” do BES para o NOVO BANCO.
X. Ao que vem dito não obsta o recurso pelo Banco de Portugal à expressão “responsabilidades”, como entende o Tribunal a quo, pois que à data em que foi aplicada a Medida de Resolução ao BES, era disso mesmo que se tratava.
Y. Inclusivamente na ação n.º 1145/2012, em que, à data em que foi aplicada a Medida de Resolução, o BES havia sido condenado, tendo procedido à consignação do valor em dívida em sede de procedimento executivo, enquanto aguardava decisão do recurso por si interposto.
Z. Do que não decorre que, por meio da utilização de tal expressão, o Banco de Portugal visasse que, nos referidos litígios pendentes, se procedesse a uma verificação casuística - conforme do seu desfecho resultassem passivos ou ativos - da transmissão, ou não, das inerentes posições jurídicas para o NOVO BANCO.
AA. Acresce que, a contrário, para a situação inversa, i.e., a transmissão indevida para o NOVO BANCO de quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas à data de 3 de agosto, vem já prevista a respetiva retransmissão na Deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015.
BB. No mesmo sentido se pronunciou já o Tribunal da Relação de Lisboa, decidindo que o NOVO BANCO não podia substituir-se ao BES para reaver um montante penhorado ao mesmo num processo que havia sido incluído na lista de responsabilidades litigiosas contida no Anexo I da Deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 – Contingências.
CC. A mesma conclusão se impunha ainda ao abrigo da alínea g) da Deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 – Perímetro –, que dispõe que “[q]ualquer garantia relacionada com qualquer obrigação não transferida para o Novo Banco, SA também não será transferida para o Novo Banco, SA.”.
DD. Por fim, a interpretação feita pelo Tribunal a quo das Deliberações do Banco de Portugal é também inadmissível na medida em que interfere indevidamente no perímetro de transferência entre as esferas do BES e do NOVO BANCO, cuja fixação é competência única do Banco de Portugal, ao abrigo do artigo 145.º-H do RGICSF, e que está sujeita à tutela do contencioso administrativo, nos termos do artigo 145.º-AR do RGICSF, como resulta dos Considerandos 17 e 18 da Deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 - Contingências.
EE. A posição do BES na ação n.º 1145/2012 não foi, em absoluto, transferida para o RECORRIDO.
FF. Pelo que, a Medida de Resolução do Banco de Portugal não constituiu qualquer causa justificativa para o locupletamento do RECORRIDO.
GG. Assim, deve o despacho saneador-sentença recorrido ser revogado e substituído por decisão que devidamente julgue a presente ação procedente, nos termos acima enunciados, condenando o RECORRIDO no pedido.
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Foram apresentadas contra-alegações pela ré., ora recorrida, em 10.03.2025, pedindo, a final, que seja o recurso interposto pela massa insolvente do BES julgado totalmente improcedente, mantendo-se, na integra, a sentença recorrida.
Apresentou conclusões nos seguintes termos: Enquadramento e objeto do recurso interposto pela Massa Insolvente do BES
A. O presente recurso vem interposto pela Massa Insolvente do BES, que não se conformou com a interpretação feita pelo Tribunal a quo quanto ao alcance da Medida de Resolução e, particularmente, da Deliberação de 29 de dezembro.
B. O Tribunal a quo secundou, na íntegra, a interpretação do Novo Banco, no sentido de que, por força da divisão de ativos operada pela Medida de Resolução e pela divisão de responsabilidades litigiosas resultante da Deliberação de 29 de dezembro, a posição jurídica ativa que emergiu do processo que correu termos nos tribunais espanhóis passou para o Novo Banco.
C. Contrariamente ao que afirma a Recorrente (§ 12 do seu recurso), o Tribunal de primeira instância – bem – não decidiu a questão à luz do enriquecimento sem causa. Limitou-se a interpretar a Medida de Resolução e, particularmente, a Deliberação de 29 de dezembro, para apreciar o mérito do direito da Recorrente, pelo que o pretenso enquadramento do tema sub judice à luz daquele instituto não tem qualquer fundamento e deve ser também recusado por este Tribunal ad quem – pelas razões que oportunamente se desenvolveram em sede de Contestação (ref.ª Citius 49604490) e na Pronúncia quanto ao mérito dos autos (ref.ª Citius 51154377) e para as quais se remete por economia processual.
D. Nenhum dos fundamentos invocados na motivação da Recorrente, quanto aos erros de facto e quanto aos erros de Direito, deverá proceder, como se verá adiante. Resposta aos alegados erros de julgamento quanto à matéria de facto
E. A Massa Insolvente do BES imputa três erros de julgamento quanto à matéria de facto julgada como provada pelo Tribunal a quo. Sucede que, mesmo que qualquer um deles fosse julgado procedente, não teria qualquer influência na procedência da ação porque, como se defendeu em sede de Contestação e a primeira instância confirmou, “a questão de mérito é exclusivamente de direito” (cf. p. 6 da Sentença).
Concretamente,
F. Não existe fundamento atendível para o Tribunal ad quem julgar o recurso procedente quanto ao aditamento referente ao facto mm). Com efeito, o momento concreto da consignação do montante de € 658.316,76 a favor da Fundación Dr. Melchor Colet não tem qualquer relação com o impacto da Medida de Resolução e, concretamente, no princípio da transmissibilidade universal da atividade do BES e das situações jurídicas inerentes que se retomará na discussão dos supostos erros de Direito.
G. A vingar a tese da Recorrente de que o momento da consignação é relevante, a generalidade dos ativos do BES teria permanecido na sua esfera e não teriam sido transmitidos para o Novo Banco (é o caso, designadamente, dos mútuos bancários celebrados pelo BES antes da Medida de Resolução).
H. Também no que concerne ao aditamento referente ao facto rr) não se alcança a respetiva relevância. O que a Recorrente pretende aditar é uma constatação que resulta evidente da escritura junta como Doc. 5 da Contestação: o fundamento para a transmissão da sucursal em Espanha foi, precisamente, a Medida de Resolução, sendo irrelevante se os dados fiscais e a sede daquela sucursal se mantiveram os mesmos ou não.
I. Finalmente, no que concerne ao facto novo que a Massa Insolvente do BES pretende aditar, também não se reconhece qualquer relevância, particularmente face ao enquadramento de Direito aplicável e devidamente identificado pelo Tribunal a quo – que afasta, naturalmente, qualquer recurso ao enriquecimento sem causa.
J. O aditamento pretendido só seria relevante se a questão houvesse que ser apreciada a essa luz, para efeitos de apuramento da prescrição do pretenso direito à restituição do indevido, nos termos do artigo 482.º do Código Civil. Contudo, mesmo nesse cenário, o seu direito já se encontraria há muito prescrito, tal como alegado no artigo 109.º da Contestação do Novo Banco e desenvolvido nos artigos 54.º a 79.º da sua Pronúncia quanto ao mérito dos autos (ref.ª Citius 51154377), para onde novamente se remete, sendo, nessa medida, irrelevante considerar-se junho ou dezembro de 2023 como o momento a partir do qual o “credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável”.
Em conclusão, deverão os apontados três erros de julgamento da matéria de facto serem julgados totalmente improcedentes, mantendo-se, na íntegra, a factualidade dada como provada. Resposta aos pretensos erros de julgamento quanto ao Direito
A correta interpretação do Tribunal a quo quanto ao alcance da Deliberação
de 29 de dezembro
K. Em sede de Direito, a Recorrente insurge-se quanto à interpretação que o Tribunal a quo faz das Deliberações tomadas pelo Banco de Portugal por força da resolução bancária do BES, insistindo que, por via da Deliberação de 29 de dezembro, a posição jurídica do BES nos autos n.º 1145/2012 (identificados no seu Anexo I), teria permanecido no BES. Contudo, este entendimento não em acolhimento no espírito e na letra da Medida de Resolução e da referida deliberação.
L. A Medida de Resolução do BES baseou-se em três princípios chave (que a própria Recorrente não coloca em causa): (i) a transmissão universal da atividade do BES e das situações jurídicas inerentes, exceto onde esse princípio fosse expressa e excecionalmente afastado; (ii) a estabilidade do perímetro dos passivos transferidos para o Novo Banco; e (iii) a impermeabilidade do perímetro de transferência face a decisões de entidades que não o Banco de Portugal.
M. Por força do referido princípio de transmissão universal, apenas aquilo que foi expressamente excecionado é que não seria transmitido para a esfera do Novo Banco (cf. factos provados 13) d), e), h) e i)).
N. Por seu turno, a Deliberação de 29 de dezembro – com um propósito meramente clarificativo –, teve como principais objetivos garantir a estabilidade do perímetro dos passivos transferidos para o Novo Banco, clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES e determinar a retransmissão do Novo Banco para o BES de quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas à data de 3 de agosto de 2014, independentemente da sua natureza e independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES (facto provado 13 o), §19 da Deliberação de 29 de dezembro, transcrito na p. 14 da Sentença).
O. Como corretamente também salienta o Tribunal a quo, a fundamentação desta deliberação prende-se com a necessidade de maior certeza e segurança jurídica, evitando que decisões de tribunais em que se discutisse o perímetro da resolução bancária materializassem, na esfera jurídica do Novo Banco, responsabilidades relativamente às quais, por força de toda a urgência inerente à resolução bancária, pudesse restar alguma dúvida relativamente à sua não transmissão para o Novo Banco.
P. A par do espírito da Medida da Resolução, profusas referências literais que constam da dita Deliberação de 29 de dezembro e, particularmente, do título do Anexo I da mesma, onde se encontra listado o processo que correu nos tribunais espanhóis e que opôs o BES à Fundación Dr. Melchor Colet, demonstram que esta apenas se refere a responsabilidades e não a toda e qualquer situação jurídica. Esta deliberação do Banco de Portugal versa apenas e tão somente sobre responsabilidades e isto mesmo sustentou o Tribunal a quo nas pp. 49 a 51 da Sentença.
Q. Assim, à luz daquilo que foram as preocupações que o regulador pretendeu assegurar – especialmente em matéria de “capital adequacy ratio”, como sinaliza o Tribunal a quo –, por um lado, e à luz da literalidade da Deliberação de 29 de dezembro, que consistentemente refere apenas responsabilidades litigiosas e passivos, por outro, é inequívoco que só as eventuais responsabilidades decorrentes do processo n.º 1145/2012 foram retransmitidas para o BES.
R. Neste sentido, bem andou o Tribunal de primeira instância ao entender que a
Massa Insolvente do BES não tinha direito a beneficiar do montante resultante do desfecho positivo do processo judicial em curso, tal como, de resto, não beneficiou do desfecho positivo de centenas ou milhares de outros processos judiciais de cobrança que estavam em curso à data da resolução bancária.
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de outubro de 2019
S. Como se defendeu em sede de Contestação e de Pronúncia quanto ao mérito dos autos, a decisão deste Tribunal que a Recorrente persiste em referir não deve oferecer qualquer subsídio útil para a apreciação do litígio sub judice.
T. Em primeiro lugar, os contornos de facto subjacentes ao acórdão referido pela
Massa Insolvente do BES tão pouco são conhecidos e uma leitura cuidada da referida decisão não permite encontrar factualidade bastante para reclamar solução de Direito idêntica para os presentes autos.
U. Em segundo lugar, porque faz, por um lado, uma leitura errada e manifestamente superficial da Deliberação de 29 dezembro (ignorando as referências profusas a “responsabilidades litigiosas”) e, por outro, o segundo argumento de que se socorre – e que corresponde a um argumento de coerência – não tem acolhimento na lei nem no alcance da Medida de Resolução. Aliás, a transposição para os presentes autos de solução semelhante violaria inequivocamente o perímetro de transferência definido pelo Banco de Portugal no âmbito de uma competência que lhe é exclusiva.
V. Em terceiro lugar, não existe qualquer situação de caso julgado passível de ser
equacionada e o acórdão de 28 de outubro de 2019 não vincula minimamente o Tribunal na apreciação dos presentes autos.
W. Assim, deverá o Tribunal ad quem, confortado com a fundamentação avançada pela Primeira Instância – por contraposição à exígua fundamentação oferecida no dito acórdão de 2019 –, acolher a posição do Tribunal a quo.
A alínea G) da Deliberação do Banco de Portugal de 29 de Dezembro 2015 – Perímetro (já antes constante da Deliberação de 11 de agosto de 2014).
X. A Recorrente traz ainda uma nova questão para ser conhecida em sede de recurso (cf. §68 da sua alegação de recurso), a qual, atendendo à fase do processo em que nos encontramos não deverá ser sequer apreciada.
Y. Em todo o caso, não se compreende sequer o argumento por si formulado à luz da alínea g) do Anexo 2 da Deliberação do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 (20h) – “Perímetro”. Esta enquadra-se na decisão mais vasta sobre o perímetro de transferência para o Novo Banco e em nada contende com a retransmissão das responsabilidades litigiosas prevista no Anexo I da Deliberação de 29 de dezembro.
Z. Ademais, tendo a Fundación Melchor Colet perdido a ação, não se coloca sequer o cenário de existência de quaisquer obrigações emergentes do processo n.º 1145/2012. Deste apenas emergiu uma situação jurídica ativa para o BES que, por força da Medida da Resolução e da clarificação decorrente da Deliberação de 29 de dezembro, foi transferida para o Novo Banco. A questão coloca-se, pois, a montante da referida alínea g): como se não se trata da transferência de quaisquer obrigações, está afastado o escopo da dita alínea, havendo que apreciar a questão especificamente à luz da referida Deliberação de 29 de dezembro.
Os poderes administrativos exclusivos que cabem ao Banco de Portugal, nos termos do artigo 145.º-H do RGICSF, na determinação do perímetro de transferência de posições jurídicas entre os dois bancos.
AA. Não se questiona que os poderes de transmissão e retransmissão são exclusivos do Banco de Portugal. Aliás, o próprio Recorrido, em sede de Contestação, referiu o papel do supervisor na determinação dos ativos e passivos a transferir para o banco de transição (artigos 39.º a 41.º da Contestação).
BB. No entanto, não se trata de apurar quem tem competência para essa transmissão e retransmissão, mas, apenas, de interpretar o alcance, em particular, da Deliberação de 29 de dezembro, o que foi precisamente o que o Tribunal a quo fez, julgando, por força dessa interpretação, totalmente improcedente a pretensão da Recorrente.
CC. À luz do que vem de se expor, devem também os erros de julgamento quanto à matéria de Direito ser julgados integralmente improcedentes, mantendo-se, na íntegra, a Sentença recorrida.
*
O tribunal a quo, em 12.03.2025, proferiu despacho nos autos nos seguintes termos:
“A autora Massa Insolvente do Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, veio no seu requerimento de fls. 224 e seguintes requerer a rectificação de um lapso material de escrita referente a indicação do valor peticionado nesta acção e constante do requerimento de pronúncia sobre o mérito dos autos.
Analisada a posição da autora ao longo dos presentes autos, entendemos que assiste razão a esta parte quanto à verificação de um erro de escrita nos valores peticionados indicados no seu requerimento de pronúncia sobre o mérito dos autos.
Pelo exposto, defere-se o pedido de rectificação formulado pela autora a fls. 224 e seguintes.
Notifique.
*
Por legalmente admissível, tempestivo e interposto por quem para tal tem legitimidade, admito o recurso interposto pela autora Massa Insolvente do Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, a fls. 226 e seguintes, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito devolutivo (artigos 629.º, n.º 1, 631.º, 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil, e artigos 14.º, e 17.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). Notifique.
*
Remeta os presentes autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.”
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
2. Objeto do recurso
Analisado o disposto nos artºs 608º, n.º 2, aplicável por via do art.º 663º, n.º 2, 635º, nºs 3 e 4, 639º, nºs 1 a 3 e 641º, n.º 2 al. b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que o tribunal deve conhecer oficiosamente e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução a outras, este Tribunal apenas poderá conhecer das questões que constem das conclusões do recurso, que definem e delimitam o objeto do mesmo. Não está ainda o Tribunal obrigado, face ao disposto no art.º 5º, n.º 3 do citado diploma, a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar essas conclusões, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
Considerando o acima referido são as seguintes as questões a decidir no presente recurso:
1 - Da alteração e ampliação da matéria de facto.
2 - Da condenação ou absolvição da ré no pagamento à autora das quantias
de:
i) 1.005.392,06 €, a título de crédito resultante da consignação feita pelo Banco Espírito Santo, S.A., acrescido dos juros de mora vencidos desde o dia 21 de Novembro de 2019 até à data da propositura da presente ação, no montante de 371.003,44 €;
ii) de 322.407,26 €, a título de crédito emergente da manutenção em vigor dos contratos financeiros em virtude do desfecho do processo judicial que correu termos em Espanha, sob o nº 1145/2012, acrescido dos juros de mora vencidos desde o dia 21 de Novembro de 2019 até à data da propositura da presente ação, no montante de 118.972,70 €, num total de 1.817.775,46 €, a que acrescem juros de mora vincendos até integral e efetivo pagamento.
3. Fundamentos de facto
Os constantes da decisão proferida em primeira instância, nos seguintes termos (sem prejuízo da apreciação que se irá fazer infra face à impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente):
a) O Banco Espírito Santo, S.A., tinha como objecto social o exercício da actividade bancária.
b) O Banco de Portugal proferiu as seguintes Deliberações relativamente ao Banco Espírito Santo, S.A., datadas de:
1) 30 de Julho de 2014 – “Deliberação do Conselho de Administração de 30 de Julho de 2014”;
2) 3 de Agosto de 2014, divulgada às 23 horas – “Deliberação do Conselho de Administração de 3 de Agosto de 2014 sobre a aplicação de uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A.”;
3) 3 de Agosto de 2014, divulgada às 23 horas – “Deliberação do Conselho de Administração de 3 de agosto de 2014 sobre a nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do Novo Banco, S.A.”;
4) 11 de Agosto de 2014, divulgada às 23 horas – “Deliberação sobre clarificação e ajustamento do perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo, SA (BES), transferidos para o Novo Banco, SA. (Novo Banco)”;
5) 11 de Agosto de 2014, divulgada às 23 horas – “Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, sobre dispensa temporária do Banco Espírito Santo, SA, da observância de normas prudenciais e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas”;
6) 14 de Agosto de 2014, divulgada às 15 horas – “Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 14 de agosto de 2014”;
7) 13 de Maio de 2015 – “Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 13 de Maio de 2015”;
8) 29 de Dezembro de 2015 – “Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 - Contingências”;
9) 29 de Dezembro de 2015 – “Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 - 'Perímetro'”;
10) 29 de Dezembro de 2015 – “Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015 - 'Retransmissão'”
11) 6 de Julho de 2016 – “Resultados da avaliação independente do nível de recuperação de créditos em cenário de liquidação do Banco Espírito Santo, S.A.”;
12) 28 de Junho de 2021 – “Citação de Contrainteressados (Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Processo n.º 883/16.2BELSB)”;
13) 16 de Agosto de 2022 – “Banco de Portugal publica versão integral do relatório de avaliação independente sobre o nível de recuperação de créditos em cenário de liquidação do Banco Espírito Santo, S.A.”.
c) Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária de 3 de Agosto de 2014, às 20 horas, foi determinada a sujeição do Banco Espírito Santo, S.A., à medida de resolução prevista no artigo 145.º-G, n.º 5, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("Medida de Resolução").
d) Nos termos da Medida de Resolução, foi ainda determinada a constituição de um banco de transição - Novo Banco -, e a transferência para o mesmo da quase totalidade dos activos, licenças e direitos do Banco Espírito Santo, S.A., incluindo direitos de propriedade, bem como todos os trabalhadores e prestadores de serviços que, até então, se integravam naquele.
e) Consta da Deliberação de 3 de Agosto de 2014, que o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou o seguinte: “É constituído o Novo Banco, SA, ao abrigo do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.” e “São transferidos para o Novo Banco, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Credito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17.º-A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A., que constam dos Anexos 2 e 2A a presente deliberação”.
f) No artigo 1.º dos Estatutos do Novo Banco, S.A., que constituem o Anexo 1 à deliberação de 3 de Agosto de 2014, consta que o mesmo é “constituído nos termos do n.º 3 do artigo 145.º-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("RGICSF"), aprovado pelo Decreto-Lei n. º 298/92, de 31 de dezembro".
g) No artigo 3.º dos mesmos Estatutos, consta que “O Novo Banco, SA, tem por objecto a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo, SA, para o Novo Banco, SA, e o desenvolvimento das actividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF, e com o objectivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito”
h) No Anexo 2 à referida deliberação constam os critérios de identificação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A., objecto de transferência para o Novo Banco, S.A..
i) Consta do Anexo 2 que são transferidos para o Novo Banco, S.A.: “(a) Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do BES serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA (…). (b) As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com exceção dos seguintes (“Passivos Excluídos”) (…). No que concerne às responsabilidades do BES que não serão objecto de transferência, estes permanecerão na esfera jurídica do BES. (c) Todos os restantes elementos extrapatrimoniais do BES serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA com exceção dos relativos aos Banco Espírito Santo Angola, S.A., ao Espírito Santo Bank (Miami) e ao Aman Bank (Libia); (d) Os ativos sob gestão do BE ficam sob gestão do Novo Banco, SA; (e) Todos os trabalhadores e prestadores de serviços do BE são transferidos para o Novo Banco, SA.” Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre BES e o Novo Banco, SA, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145º H, número 5 (...)”.
j) Em 11 de Agosto de 2014 (“17.00 horas”), o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou clarificar e ajustar o “perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A., transferidos para o Novo Banco, S.A.”
k) Em 29 de Dezembro de 2015, o Conselho de Administração do Banco de Portugal tomou uma deliberação relativa ao ponto da agenda “Transferências, retransmissões e alterações e clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014 (20.00h)”, a qual veio clarificar, nomeadamente, as contingências decorrentes da actividade do Banco Espírito Santo, S.A., que permaneceram na sua esfera jurídica, assim limitando as responsabilidades litigiosas transferidas para o Novo Banco, S.A..
l) Do Anexo I dessa Deliberação consta a:
“I. Lista de responsabilidades litigiosas relativas aos processos judiciais pendentes em Tribunais em Portugal:
1. Processos existentes a 3 de agosto de 2014:
(…)
2. Processos iniciados após 3 de agosto de 2014 (relativos a factos anteriores à aplicação da medida de resolução):
(…)
II. Lista de responsabilidades litigiosas relativas a processos judiciais, processos administrativos e processos de contra-ordenação fora de Portugal:
(…)
PO 1145/2012 Juzgado 1ª instancia nº … Barcelona (…)
III. Lista de responsabilidades litigiosas relativas a processos pendentes em Tribunais Arbitrais:
(…)
IV. Lista de responsabilidades relativas a processos administrativos e processo de contraordenação em Portugal:
(...)
m) Consta do “Anexo 2C” da referida Deliberação o seguinte:
"DELIBERAÇÃO
Clarificação e retransmissão de responsabilidades e responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas alíneas (v) a (vii) do n.º 1 do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas). O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICFSF para seleccionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte: A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014 fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES. B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES: (i) Todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedadesveículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES; (ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o Novo Banco; (iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contractos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014; (iv) Todas as indemnizações relacionadas com contractos de seguro de vida, em que a seguradora era o BES – Companhia de Seguros de Vida, S.A.; (v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contractos de mútuo, em que o BES era o mutuante; (vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimentos; e (vii) Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo I. (…)”.
n) A deliberação em análise não foi objecto de qualquer alteração, até à data de propositura da presente acção.
o) Igualmente, no dia 29 de Dezembro de 2015, o Conselho de Administração do Banco de Portugal, relativamente ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)", adoptou uma deliberação com, no que ora releva, o seguinte teor: “(...) 4. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da actividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o "Poder de Retransmissão"). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto. (...) 7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES. 8. A legitimidade processual do BES tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este é parte, com base na alegada transferência para o Novo Banco das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o BES era réu a 3 de agosto de 2014 e que respeitam a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao BES e por efeito da aplicação desta. 9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, estão abrangidas pelas subalíneas(v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o Novo Banco. (...) 12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a selecção efectuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco (decisão sobre o «perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência. 13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o Novo Banco, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição. 14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do Novo Banco responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o Novo Banco seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado. 15. Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização é provável. 16. Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o artigo 145.º-AR do RGICSF (correspondente ao artigo 145. º- N do RGICSF, em vigor à data de aplicação da medida de resolução ao BES). 17. Questionar o referido perímetro de transferência fora do contencioso administrativo constitui um desvio à competência dos tribunais administrativos, legalmente estabelecida, e impede que o Banco de Portugal exerça a prerrogativa que a lei lhe confere de afastar, por motivo de interesse público, a execução de sentenças desfavoráveis, iniciando-se de imediato o procedimento tendente à fixação da indemnização de acordo com os trâmites definidos no Código do Processo nos Tribunais Administrativos. 18. Decisões de tribunais judiciais que, directa ou indirectamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e a eficácia da medida de resolução. 19. Tem a presente deliberação o seguinte objectivo: a. Clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto; b. Se e na medida em que quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas do BES à data de 3 de agosto (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES e que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica nos termos da Deliberação de 3 de agosto, sejam atribuídas ao Novo Banco, proceder à sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) para o BES; e c. Determinar que, de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o BES e o Novo Banco tomem as medidas previstas nesta deliberação por forma a conferir-lhe eficácia plena. 20. Face ao exposto e de forma a garantir a continuidade das funções essenciais desempenhadas pelo Novo Banco, encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício do Poder de Retransmissão, conforme previsto nesta deliberação, exercício que se afigura extremamente necessário, urgente e inadiável. O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para seleccionar os activos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte: A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES; B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES: (i) todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES; (ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionadas com ativos imobiliários que foram transferidos para o Novo Banco; (iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014; (...) (vii) Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo I. C) Na medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014; D) O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do Novo Banco praticarão todos os actos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o Novo Banco e o BES devem: (a) Adoptar as medidas de execução necessárias a adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementam, alteram ou clarificam, incluindo a presente deliberação; (b) Praticar todos os actos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter actos anteriores que tenham praticado contrários aquelas decisões; (c) Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação aos autos em que sejam parte; (d) Adequar os seus registos contabilísticos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a); e (e) Abster-se de qualquer conduta que possa pôr em causa as decisões do Banco de Portugal referidas em (a) (...)”.
p) Do Anexo I dessa Deliberação consta a:
“I. Lista de responsabilidades litigiosas relativas aos processos judiciais pendentes em Tribunais em Portugal:
1. Processos existentes a 3 de agosto de 2014:
(…)
2. Processos iniciados após 3 de agosto de 2014 (relativos a factos anteriores à aplicação da medida de resolução):
(…)
II. Lista de responsabilidades litigiosas relativas a processos judiciais, processos administrativos e processos de contra-ordenação fora de Portugal:
(…)
PO 1145/2012 Juzgado 1ª instancia …Barcelona
(…)
III. Lista de responsabilidades litigiosas relativas a processos pendentes em Tribunais Arbitrais:
(…)
IV. Lista de responsabilidades relativas a processos administrativos e processo de contraordenação em Portugal:
(...)
q) O Banco de Portugal nomeou no dia 3 de Agosto de 2014, novos administradores do Banco Espírito Santo, S.A., com o objectivo de gerirem os activos que não foram transferidos para o Novo Banco, S.A..
r) Paralelamente, no dia 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal aplicou ao Banco Espírito Santo, S.A., as seguintes medidas de intervenção correctiva e providências, com efeitos a 3 de Agosto de 2014:
a) Proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos, excepto na medida em que esta aplicação de fundos se revelasse necessária para a preservação e valorização do seu activo;
b) Proibição de recepção de depósitos;
c) Dispensa, pelo prazo de um ano (posteriormente prorrogado pelo período adicional de um ano, na sequência de Deliberação do Banco de Portugal de 30 de Novembro de 2015, e com produção de efeitos a 3 de Agosto de 2015), da observância das normas prudenciais aplicáveis e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, excepto se esse cumprimento se revelasse indispensável para a preservação e valorização do seu activo, caso em que o Banco de Portugal poderia autorizar as operações necessárias.
s) Estas medidas determinaram que, a partir de 3 de Agosto de 2014, o Banco Espírito Santo, S.A., tenha deixado de exercer qualquer actividade bancária, pois ficou impedido de efectuar qualquer uma das operações previstas no artigo 4.º, do RGICSF, limitando-se o novo órgão de administração a prosseguir os objectivos delineados na Medida de Resolução e nas demais normais legais aplicáveis, designadamente nas que regulam a adopção dessa mesma medida.
t) De acordo com o Banco de Portugal, a Medida de Resolução foi desencadeada na sequência e devido à informação divulgada pelo Banco Espírito Santo, S.A., junto da CMVM, em 30 de Julho 2014 ("Comunicação BES de 30 de Julho de 2014").
u) Na referida comunicação, o Banco Espírito Santo, S.A., divulgou prejuízos no montante global de € 3.577,3M com referência à actividade do primeiro semestre de 2014, resultantes, por sua vez, de encargos com imparidades e contingências no montante global de € 4.253,5M.
v) Assim, segundo o Banco de Portugal "As perdas registadas vieram alterar substancialmente os rácios de capital do BES, a nível individual e consolidado, colocando-o globalmente em níveis muito inferiores aos mínimos exigidos pelo Banco de Portugal, que se situam actualmente nos 7% para os rácios Common Equity Tier 1 (CET1) e Tier 1 (T1) e nos 8% para o rácio total…".
w) O que configurou "um grave incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios do Banco Espírito Santo, SA, em base consolidada, não respeitando, deste modo, os rácios mínimos de capital exigidos pelo Banco de Portugal, nos termos do artigo 94.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras…".
x) Neste contexto, por carta datada de 29 de Julho de 2014, o Banco de Portugal solicitou ao Banco Espírito Santo, S.A., a sua recapitalização, tendo este último comunicado, no dia 31 de Julho de 2014, que não era possível concretizar tal solução.
y) De acordo com o Banco de Portugal o Banco Espírito Santo, S.A., encontrava-se numa “situação de grave insuficiência de liquidez, sendo que, desde o fim de Junho até 31 de julho [de 2014], a posição de liquidez do Banco Espírito Santo, SA diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros", o que determinou que o BES se tivesse visto "forçado a recorrer à cedência de liquidez em situação de emergência (ELA - Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 1 de Agosto, cerca de 3.500 milhões de euros", porquanto já não podia recorrer "a fundos obtidos em operações de política monetária, por esgotamento dos activos de garantia aceites para o efeito e também pela limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso do BES às operações de política monetária”.
z) No dia 1 de Agosto de 2014, o Conselho do Banco Central Europeu decidiu:
(i) Suspender o estatuto de contraparte do Banco Espírito Santo, S.A., com efeitos a partir do dia 4 desse mês;
(ii) Obrigar o Banco Espírito Santo, S.A., a reembolsar o crédito de aproximadamente € 10.000M ao EUROSISTEMA.
aa) De acordo com o Banco de Portugal, "a decisão do BCE de suspensão do Banco Espírito Santo, SA, como contraparte de operações de política monetária tornou insustentável a situação de liquidez deste, que já o tinha obrigado a recorrer excepcionalmente, com especial incidência nos últimos dias, à cedência de liquidez em situação de emergência por parte do Banco de Portugal.".
bb) Ainda segundo o Banco de Portugal, os factos supra expostos “colocaram o Banco Espírito Santo, S.A., numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, nos termos dos n.ºs 1 e 3, alínea c) do artigo 145.º - C do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), pelo que, não sendo tomada, com urgência, a medida de resolução ora adoptada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira.”.
cc) Na sequência da aplicação da Medida de Resolução nos termos expostos, que esteve em vigor durante cerca de dois anos, em 13 de Julho de 2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco Espírito Santo, S.A., para o exercício da actividade bancária, a partir das 19 horas desse dia, o que implicou a dissolução e a entrada em liquidação do banco.
dd) Esta decisão do Banco Central Europeu não foi objecto de impugnação para o Tribunal Geral da União Europeia, nos termos do artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
ee) Na sequência dessa deliberação, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do Banco Espírito Santo, S.A., tendo sido proferido despacho de prosseguimento em 21 de Julho de 2016, no âmbito do Processo n.º 18588/16.2T8LSB-J1, da 1.ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa.
ff) No âmbito da sua actividade enquanto instituição de crédito, o Banco Espírito Santo, S.A. – por intermédio, ao tempo, da sua Sucursal em Espanha – celebrou com a Fundación Dr. Melchor Colet, entidade de direito espanhol, sem fins lucrativos, com sede na Calle Sicília, 225 Bajo, 08025 Barcelona, e n.º de identificação fiscal 35.094.604-P, dois contratos-quadro de operações financeiras («CEMOF»), em 24 de Fevereiro de 2006 e 28 de Março de 2008.
gg) Estes contratos estavam associados, por sua vez, a dois contratos de permuta de taxa de juro ("Interest Rate Swap"), datados, respectivamente, de 24 de Fevereiro de 2006 e de 29 de Janeiro de 2008.
hh) Em 2012, a Fundación Dr. Melchor Colet peticionou, perante os Tribunais Espanhóis, a declaração de nulidade de tais contratos, bem como de quaisquer outros contratos ou acordos de swap celebrados com o Banco Espírito Santo, S.A., e, consequentemente, a condenação desta instituição bancária na devolução dos montantes já pagos ao abrigo da respectiva execução.
ii) Assim, foi instaurado, pela Fundación Dr. Melchor Colet contra o Banco Espírito Santo, S.A., no Tribunal de Primeira Instância n.º 20 de Barcelona, o “procedimento ordinário” n.º 1145/2012.
jj) Este “procedimento” teve como desfecho em primeira instância, em 31 de Outubro de 2013, uma sentença que julgou essa acção procedente, declarando nulos os sobreditos contratos financeiros e condenando as partes na restituição recíproca das quantias recebidas ao abrigo dos mesmos, acrescidas dos juros legais aplicáveis, mais condenando, especificamente, o Banco Espírito Santo, S.A., no pagamento das custas.
kk) Não se conformando, o Banco Espírito Santo, S.A., interpôs recurso dessa decisão para a Audiencia Provincial Barcelona, Sección 11, Civil.
ll) Na pendência desse recurso, a Fundación Dr. Melchor Colet promoveu desde logo a execução provisória da referida sentença, a que foi atribuído o n.º de processo 84/2014, obrigando à consignação pelo Banco Espírito Santo, S.A., a favor da Fundación Dr. Melchor Colet, do montante de € 658.316,76 (seiscentos e cinquenta e oito mil, trezentos e dezasseis euros e setenta e seis cêntimos).
mm) O Banco Espírito Santo, S.A., procedeu a esta consignação.
nn) Por aresto datado de 22 de Fevereiro de 2016, o recurso interposto pelo Banco Espírito Santo, S.A., nos supra referidos autos foi julgado procedente pelo Tribunal Provincial de Barcelona, tendo sido revogada a sentença que havia declarado a nulidade dos contratos financeiros celebrados entre a Fundación Dr. Melchor Colet e o Banco Espírito Santo, S.A..
oo) Por força desta decisão, os contratos financeiros celebrados entre o Banco Espírito Santo, S.A., e a Fundación Dr. Melchor Colet que esta reputara nulos, mantiveram-se em vigor.
pp) O Tribunal Provincial de Barcelona condenou, ainda, a Fundación Dr. Melchor Colet no pagamento das custas incorridas pelo Banco Espírito Santo, S.A., na primeira instância e, bem assim, determinado a devolução do depósito a que havia procedido o Banco Espírito Santo, S.A., em sede executiva e referido em 26) e 27).
qq) Da sobredita decisão a Fundación Dr. Melchor Colet interpôs recurso de cassación y extraordinário para a Sala Civil do Supremo Tribunal de Justiça de Espanha.
rr) Em 3 de Outubro de 2016, já na pendência do recurso da Fundación Dr. Melchor Colet, o NOVO BANCO, S.A. – Sucursal de Espanha, requereu a substituição processual do Banco Espírito Santo, S.A., fundamentando-a na Medida de Resolução do Banco de Portugal aplicada a esta última instituição bancária.
ss) Nessa sequência o Tribunal Supremo - …, através de despacho datado de 4 de Outubro de 2016, deferiu a substituição processual do Banco Espírito Santo, S.A., pelo NOVO BANCO, S.A..
tt) Devidamente habilitado, o NOVO BANCO, S.A., veio se pronunciar pela inadmissibilidade do recurso interposto pela Fundación Dr. Melchor Colet.
uu) Este recurso foi julgado, a final, inadmissível pelo “Tribunal Supremo”, por acórdão datado de 30 de Janeiro de 2019.
vv) Em 20 de Junho de 2019, o réu NOVO BANCO, S.A., munido dessa decisão, promoveu a instauração de processo executivo contra a Fundación Dr. Melchor Colet, com o n.º 4153/19-El, que correu os seus termos, novamente, no Tribunal de Primeira Instância n.º 20, de Barcelona.
ww) No âmbito desta execução, o NOVO BANCO, S.A., requereu a restituição do montante consignado em depósito, no total de € 658.317,06 e o ressarcimento de danos no valor de € 185.654,80, tudo num total de € 843.971,86, ao que acrescia a importância de € 253.191,56 a título de juros e custas.
xx) No âmbito da referida execução, o Tribunal ordenou à Fundación Dr. Melchor Colet a entrega ao NOVO BANCO, S.A., da quantia reclamada de € 843.971,86, acrescida do montante de € 253.191,56 a título de juros vincendos e custas.
yy) Em 21 de Novembro de 2019, o réu e a Fundación Dr. Melchor Colet celebraram um acordo de transacção.
zz) Ainda no âmbito desta transacção, a Fundación Dr. Melchor Colet e o Novo Banco declaram nada mais ter a reclamar no âmbito dos “Contratos de Marco de Operaciones Financieras e de lnterest Rate Swap”, contratos esses que se mantinham em vigor àquela data.
aaa) Nesta mesma data, ambas as partes apresentaram um requerimento conjunto para a extinção da execução e dispensa de pagamento de custas.
bbb) Por decisão judicial, datada de 22 de Novembro de 2019, o Juzgado de Primera lnstancia … de Barcelona homologou o referido acordo e ordenou o pagamento ao NOVO BANCO, S.A., do montante de € 658.316,76, tendo, ainda, declarado encerrada a execução.
ccc) Perante a recusa do réu em proceder ao envio do Acordo, viu-se a autora forçada a, formalmente, por meio de missiva expedida a 6 de Dezembro de 2023, instar o réu, bem como a Fundación Dr. Melchor Colet, à sua disponibilização.
ddd) Não respondeu o réu, por qualquer meio, a tal comunicação.
eee)Por sua vez, a Fundación Dr. Melchor Colet, por e-mail remetido no dia 19 de Dezembro de 2023, respondeu a essa comunicação, disponibilizando à autora o Acordo solicitado.
fff) No acordo, o réu NOVO BANCO, S.A., e a Fundación Dr. Melchor Colet pretenderam pôr termo ao litígio que opunha esta Fundación ao Banco Espírito Santo, S.A..
ggg) No processo de execução definitiva, o réu pretendia recuperar o valor de € 658.316,76 consignado pelo Banco Espírito Santo, S.A., no âmbito da execução provisória, acrescido dos juros devidos (cfr. considerando VI do Acordo).
hhh) Nesse processo, a Fundación Dr. Melchor Colet foi condenada no pagamento do valor total de € 773.378,51 (setecentos e setenta e três mil, trezentos e setenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos), acrescido de 30% a título de custas e juros (cfr. considerando VI do Doc. N.º 1), no total de € 1.005.392,06 (um milhão, cinco mil trezentos e noventa e dois euros e seis cêntimos).
iii) Por outro lado, também no acordo, o réu e a Fundación Dr. Melchor Colet consideraram que, em virtude da manutenção em vigor dos contratos financeiros ("IRS" ou "Interest Rate Swaps") - em virtude do desfecho processual favorável ao Banco Espírito Santo, S.A. -, era devida pela Fundación Dr. Melchor Colet ao réu a quantia de € 493.441.14 (cfr. considerando VII do Acordo).
jjj) Para pôr fim ao litígio existente, o réu e a Fundación Dr. Melchor Colet acordaram no pagamento, por esta àquele, do montante de € 1.027.038,40, bem como no pagamento, pela Fundación Dr. Melchor Colet à Graells March Abogados, S.L.P., da quantia de € 60.500, a título de custas judiciais.
kkk) No acordo, o réu e a Fundación Dr. Melchor Colet mais acordaram a extinção do litígio que opunha esta Fundación ao Banco Espírito Santo, S.A., bem como a cessação dos contratos que eram objecto daquele litígio, declarando, ainda, completamente liquidadas as dívidas e obrigando-se a não intentar qualquer acção judicial atinente ao objecto do acordo de transacção..
4. Apreciação do mérito do recurso
Impugnação da matéria de facto.
Impugnou a recorrente a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida, pretendendo a modificação/aditamento da mesma.
Sobre esta temática, dispõe o art.º 640º, n.º 1, do CPC, que:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa antes de mais enquadrar o normativo em análise, a fim de se conhecer
da impugnação sobre a matéria de facto em apreço.
Refere Abrantes Geraldes, na análise que faz deste artigo, que: “… podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto, que considera incorretamente julgados com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes
do processo (…) que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender,
deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.”[1]
Importa ainda referir que, tal como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, designadamente, do Supremo Tribunal de Justiça, apenas caberá à Relação conhecer da impugnação da matéria de facto, quando os factos que se pretende impugnar forem relevantes para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis de direito, sob pena de o tribunal praticar no processo atos inúteis, proibidos por lei, nos termos do art.º 130º, do CPC.[2] Assim a impugnação da matéria de facto deve ter em consideração e ser instrumental, relativamente à decisão de mérito a proferir.
Tal como se enuncia, de forma clara, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.07.2021: “Se o facto que se pretende impugnar for irrelevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o resultado a que se chegar (provado ou não provado) é sempre o mesmo: absolutamente inócuo. O mesmo é dizer que só se justifica que a Relação faça uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1ª instância quando essa actividade da Relação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, ut art.º 130º do CPC. Quando assim não ocorre, a Relação deve abster-se de apreciar tal impugnação.”[3]/[4]
Também quanto a esta matéria recordemos o referido no art.º 662º, nº 1, do CPC, que dispõe que:
“1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Da análise das conclusões do recurso interposto pela recorrente resulta que a mesma pretende ver alterada a redação de dois factos e aditado um outro, mencionando a prova documental, na qual fundamenta essa alteração, indicando os pontos de facto que considera incorretamente julgados, a prova documental junta que permite a alteração e aditamento pretendidos e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Cumpre assim concluir que a recorrente cumpre os ónus que lhe são impostos pelo referido art.º 640º, do CPC, impondo-se, pois, conhecer da impugnação da matéria de facto.
Vejamos então, ponto por ponto, o pretendido. Facto mm) da matéria de facto provada:
Enuncia este facto, na sequência do referido no facto anterior (ll[5]), que: “O Banco Espírito Santo, S.A., procedeu a esta consignação.”
Pretende a recorrente que se adite, relativamente ao referido facto, o segmento da alegação da autora, ora recorrente, constante do art.º 8º da petição inicial: “em data antecedente a 03.08.2014.”
Pronunciou-se a apelada nos autos, dizendo, quanto a esta matéria, que não existe fundamento atendível para o tribunal julgar o recurso procedente quanto ao aditamento pretendido.
Pretende, pois, a recorrente, não obstante não o diga, que o tribunal considere importante na enunciação deste facto, como data relevante, a data de 03.08.2014, ou seja, a data da determinação da sujeição do Banco Espírito Santo, S.A. (BES) a medida de resolução prevista no artigo 145º-G, n.º 5, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), tendo em atenção o facto provado enunciado na decisão proferida sob a alínea c).
Ora é a enunciação desta data, no mencionado facto mm), relevante para a decisão a proferir?
Entendemos que não. O que está em causa, e importa decidir nos presentes autos, não é qual o momento dessa consignação e se a mesma foi feita, ou não, antes da enunciada medida de resolução, mas sim o que foi deliberado pelo Banco de Portugal relativamente ao BES antes e, principalmente, depois da sujeição do mesmo a essa medida de resolução, nomeadamente nas deliberações de 29.12.2015.
O aditamento da pretendida data, neste facto em concreto, em nada modificará a decisão a proferir, designadamente tendo em consideração aquilo que veremos mais à frente, com precisão, sobre o deliberado pelo Banco de Portugal nas referidas deliberações, nomeadamente relativamente à imposição de cumprimento tanto ao BES como ao Novo Banco do decidido pelo Banco de Portugal, nos termos referidos no facto elencado como o), no ponto 20 D).
Cabe, pois manter o facto enunciado nos mesmos termos.
Quanto ao facto rr) da matéria de facto provada, diz o mesmo que: “Em 3 de Outubro de 2016, já na pendência do recurso da Fundación Dr. Melchor Colet, o Novo Banco, S.A. – Sucursal de Espanha, requereu a substituição processual do Banco Espírito Santo, S.A., fundamentando-a na Medida de Resolução do Banco de Portugal aplicada a esta última instituição bancária.”
Pretende a recorrente que seja alterado o referido facto de forma a que se passe a consignar-se que: “Em 3 de Outubro de 2016, já na pendência do recurso da Fundación Dr. Melchor Colet, o Novo Banco, S.A. – Sucursal de Espanha, requereu a substituição processual do Banco Espírito Santo, S.A., fundamentando-a na escritura por meio da qual a Sucursal do BES em Espanha passou a ser a sucursal do Novo Banco em Espanha, por imposição da Medida de Resolução do Banco de Portugal aplicada a esta última instituição bancária, mantendo, porém, inalterados, nomeadamente, a respetiva sede, nº de identificação fiscal e representação processual.”
Também aqui a posição da recorrida é contrária à alteração do referido facto, dizendo não alcançar a respetiva relevância.
Ora da análise do facto em apreço resulta que o tribunal menciona, claramente, no mesmo, que o requerimento efetuado pelo Novo Banco, S.A, junto do tribunal, na pendência do recurso enunciado, visando a substituição processual do BES, teve como fundamento a medida de resolução aplicada a este último Banco. Ora é esta a factualidade revelante para a decisão a proferir e não a escritura mencionada.
Essa escritura, limitou-se, concluímos nós, a cumprir o decidido pelo Banco de Portugal na sequência da medida de resolução, como resulta aliás da própria formulação do facto pretendida pela recorrente, quando refere: “… por imposição da Medida de Resolução do Banco de Portugal…”.
Revela-se assim também esta pretendida alteração como irrelevante para a decisão a proferir, sendo que o relevante é, como o tribunal a quo enunciou, que o requerimento em apreço se fundou na medida de resolução e não a mencionada escritura, sendo ainda irrelevantes as menções à manutenção da sede, número de identificação fiscal e representação processual das instituições bancárias em referência.
Importa, pois, que, igualmente, se mantenha inalterado este facto.
No que respeita ao facto que a recorrente pretende ver aditado imediatamente antes do facto consignado sob a alínea ccc)[6], enuncia a mesma que deverá este referir que: “Pelo menos, desde junho de 2023, procurou a Autora, ainda que sem sucesso, esclarecer o tema junto do Réu e aceder ao Acordo em questão.”.
A contra-alegante igualmente se pronunciou pela irrelevância da consignação do facto em apreço.
Ora não enunciando a recorrente os motivos pelos quais pretende ver consignado o facto em crise, apenas podemos concluir que a sua pretensão terá a sua razão de ser na invocada prescrição pela ré e no disposto no art.º 482º, do Código Civil (C.C.).
No entanto essa menção a junho de 2023, face à alegação feita na contestação (art.º 109º) pela ré, por um lado e à própria alegação da recorrente, autora, no articulado de resposta às exceções datado de 09.10.2024, nomeadamente nos artºs 41º[7] e 42º[8] desse articulado e ao dado como provado no referido facto ccc) revela-se sem relevância[9], considerando o enunciado prazo de três anos, ainda que o tribunal considerasse ser de aplicar o referido instituto do enriquecimento sem causa.
Assim também aqui importa considerar improcedente a pretensão da autora, não se aditando o facto em referência. Concluímos, pois, dever ficar prejudicado o conhecimento da totalidade da impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente, mantendo-se a matéria de facto dada como provada nesta parte intocada. Importa, no entanto, ao abrigo do disposto no art.º 662º, n.º 2, do CPC, aditar nos factos h) e i) a) e b) o seguinte, constante da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03.08.2014 (documento junto aos autos como nº 12, junto com a contestação) e com interesse para a decisão a proferir:
Facto h): “… nos seguintes termos: “Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, registados na contabilidade, que serão objeto da transferência para o Novo Banco, SA, de acordo com os seguintes critérios: (…).”
Facto i) a): “… com exceção dos seguintes: (i) Ações representativas do capital social do Banco Espírito Santo Angola, S.A.; (ii) Ações representativas do capital social do Espírito Santo Bank (Miami) e direitos de crédito sobre o mesmo; (iii) Ações representativas do capital social do Aman Bank (Líbia) e direitos de crédito sobre o mesmo; (iv) Ações próprias do Banco Espírito Santo, S.A.; (v) Direitos de crédito sobre a Espirito Santo International e seus acionistas, os acionistas da Espirito Santo Control, as entidades que estejam em relação de domínio ou de grupo, nos termos do disposto do artigo 21º do Código dos Valores Mobiliários, com a Espirito Santo International e credito detidos sobre a Espirito Santo Financial Group ( doravante designado Grupo Espirito Santo), com exceção dos créditos sobre entidades incluídas no perímetro de supervisão consolidada do BES ( doravante designado Grupo BES, e dos créditos sobre as seguradoras supervisionadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, a saber: Companhia de Seguros Tranquilidade, Tranquilidade-Vida Companhia Seguros, Esumedica, Europ Assistance e Seguros Logo;
(vi) Disponibilidades no montante de dez milhões de euros, para permitir a Administração do Banco Espírito Santo, SA, proceder as diligencias necessárias a recuperação do valor dos seus ativos.”.
b) (…): “(i) passivos para com (a) os respetivos acionistas, cuja participação seja igual ou superior a 2% do capital social ou por pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores a transferência tenham tido participação igual ou superior a 2% do capital social do BES; membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição, (b) as pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores a criação do Novo Banco, SA, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação, (c) os cônjuges, parentes ou afins em 1º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidos nas alíneas anteriores, (d) os responsáveis por factos relacionados com a instituição de credito, ou que deles tenham tirado beneficio, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal; (ii) Obrigações contraídas perante entidades que integram o Grupo Espírito Santo, com exceção das entidades integradas no Grupo BES, excluindo o Banco Espírito Santo Angola, S.A., Espírito Santo Bank (Miami) e Aman Bank (Miami), tendo em vista a preservação de valor dos ativos a transferir para o Novo Banco, SA; (iii) Obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integram o Grupo Espírito Santo, com exceção das entidades integradas no Grupo BES; (iv) Todas as responsabilidades por créditos subordinados resultantes da emissão de instrumentos utilizados no computo dos fundos próprios do BES, cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal; (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais; (vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a emissões de ações ou divida subordinada; (vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo Espírito Santo.”
Ficam assim os factos enunciados, provados nos seguintes termos (colocando-se
sublinhado o ora aditado para maior compreensão):
“h) No Anexo 2 à referida deliberação constam os critérios de identificação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A., objecto de transferência para o Novo Banco, S.A. nos seguintes termos: “Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, registados na contabilidade, que serão objeto da transferência para o Novo Banco, SA, de acordo com os seguintes critérios: (…).”.
i) Consta do Anexo 2 que são transferidos para o Novo Banco, S.A.:
“(a) Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do BES serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com exceção dos seguintes: (i) Ações representativas do capital social do Banco Espírito Santo Angola, S.A.; (ii) Ações representativas do capital social do Espírito Santo Bank (Miami) e direitos de crédito sobre o mesmo; (iii) Ações representativas do capital social do Aman Bank (Líbia) e direitos de crédito sobre o mesmo; (iv) Ações próprias do Banco Espírito Santo, S.A.; (v) Direitos de crédito sobre a Espírito Santo International e seus acionistas, os acionistas da Espirito Santo Control, as entidades que estejam em relação de domínio ou de grupo, nos termos do disposto do artigo 21º do Código dos Valores Mobiliários, com a Espirito Santo International e credito detidos sobre a Espírito Santo Financial Group ( doravante designado Grupo Espírito Santo), com exceção dos créditos sobre entidades incluídas no perímetro de supervisão consolidada do BES ( doravante designado Grupo BES, e dos créditos sobre as seguradoras supervisionadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, a saber: Companhia de Seguros Tranquilidade, Tranquilidade-Vida Companhia Seguros, Esumedica, Europ Assistance e Seguros Logo; (vi) Disponibilidades no montante de dez milhões de euros, para permitir a Administração do Banco Espírito Santo, SA, proceder as diligencias necessárias a recuperação do valor dos seus ativos.”. (b) As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com exceção dos seguintes (“Passivos Excluídos”): (i) passivos para com (a) os respetivos acionistas, cuja participação seja igual ou superior a 2% do capital social ou por pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores a transferência tenham tido participação igual ou superior a 2% do capital social do BES; membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição, (b) as pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores a criação do Novo Banco, SA, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação, (c) os cônjuges, parentes ou afins em 1º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidos nas alíneas anteriores, (d) os responsáveis por factos relacionados com a instituição de credito, ou que deles tenham tirado beneficio, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal; (ii) Obrigações contraídas perante entidades que integram o Grupo Espírito Santo, com exceção das entidades integradas no Grupo BES, excluindo o Banco Espírito Santo Angola, S.A., Espírito Santo Bank (Miami) e Aman Bank (Miami), tendo em vista a preservação de valor dos ativos a transferir para o Novo Banco, SA; (iii) Obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integram o Grupo Espírito Santo, com exceção das entidades integradas no Grupo BES; (iv) Todas as responsabilidades por créditos subordinados resultantes da emissão de instrumentos utilizados no computo dos fundos próprios do BES, cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal; (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais; (vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a emissões de ações ou divida subordinada; (vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo Espírito Santo. No que concerne às responsabilidades do BES que não serão objecto de transferência, estes permanecerão na esfera jurídica do BES. (c) Todos os restantes elementos extrapatrimoniais do BES serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA com exceção dos relativos aos Banco Espírito Santo Angola, S.A., ao Espírito Santo Bank (Miami) e ao Aman Bank (Libia); (d) Os ativos sob gestão do BE ficam sob gestão do Novo Banco, SA; (e) Todos os trabalhadores e prestadores de serviços do BE são transferidos para o Novo Banco, SA.” Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre BES e o Novo Banco, SA, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145º H, número 5 (...)”.
* Analisemos agora a decisão final proferida nos autos.
Importa, antes de mais, referir que, ao contrário do que parece entender a recorrente, o tribunal a quo não decidiu com fundamento no instituto mencionado pela recorrente do enriquecimento sem causa, mas sim com fundamento na análise e interpretação das deliberações tomadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal, nomeadamente as datadas de 29.12.2015, tomadas na sequência da medida de resolução imposta ao BES em momento anterior – 03.08.2014.
Importa aqui recordar o disposto no art.º 5º, n.º 3, do CPC, que determina que o: “juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”
Assim, pelo menos numa primeira análise, não cumpre a este tribunal “avaliar” a decisão proferida à luz deste instituto e, mais particularmente, como parece entender a recorrente, averiguar se estão preenchidos todos os pressupostos do enriquecimento sem causa.
Feito este esclarecimento, avancemos.
Vejamos em primeiro lugar o enquadramento da lei vigente à data da resolução, com relevância, a saber; o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), na redação introduzida pelo D.L. 31-A/2012, de 10-02, sendo certo que o mesmo, após esta data, foi objeto de várias alterações legislativas, nomeadamente tendo em consideração a necessidade de transposição de diretivas comunitárias de regulação do sector, como se refere na sentença proferida.
Dispunha o art.º 144.º do referido Regime nos seguintes termos:
“Regime de resolução ou liquidação
Verificando-se que as medidas de intervenção correctiva aplicadas não permitiram recuperar a instituição de crédito, ou considerando-se que as mesmas seriam insuficientes, pode, alternativamente, o Banco de Portugal:
a) Nomear uma administração provisória, se estiverem reunidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 145.º;
b) Aplicar uma medida de resolução, se tal for necessário para garantir o cumprimento das finalidades previstas no artigo 145.º-A e se estiverem reunidos os requisitos previstos no artigo 145.º-C;
c) Revogar a autorização para o exercício da respectiva actividade, seguindo-se o regime de liquidação previsto na lei aplicável.”
Aditou o diploma referido, ao mencionado Regime, nomeadamente, o art.º 145º - G, no qual se dispunha que:
“Transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição
1 - O Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de
activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa.
(…)
3 - O banco de transição é uma instituição de crédito com a natureza jurídica de banco, cujo capital social é totalmente detido pelo Fundo de Resolução.
(…)
5 - O banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respectivos estatutos, não se aplicando o disposto no capítulo ii do título ii.
6 - Após a deliberação prevista no número anterior, o banco de transição fica autorizado a exercer as actividades previstas no n.º 1 do artigo 4.º
(…)
9 - O Banco de Portugal define, por aviso, as regras aplicáveis à criação e ao funcionamento dos bancos de transição.
10 - O Código das Sociedades Comerciais é aplicável aos bancos de transição, com as adaptações necessárias aos objectivos e à natureza destas instituições.
11 - Compete ao Banco de Portugal, sob proposta da comissão directiva do Fundo de Resolução, nomear os membros dos órgãos de administração e de fiscalização do banco de transição, que devem obedecer a todas as orientações e recomendações transmitidas pelo Banco de Portugal, nomeadamente relativas a decisões de gestão do banco de transição.
12 - O banco de transição tem uma duração limitada a dois anos, prorrogável por períodos de um ano com base em fundadas razões de interesse público, nomeadamente se permanecerem riscos para a estabilidade financeira ou estiverem pendentes negociações com vista à alienação dos respectivos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob a sua gestão, não podendo exceder a duração máxima de cinco anos.
(…)”.
Dispunha, por sua vez, o art.º 145º - H, do mesmo diploma, no que ora nos interessa que:
“Património e financiamento do banco de transição
1 - O Banco de Portugal selecciona os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição no momento da sua constituição.
(…)
5 - Após a transferência prevista no n.º 1, o Banco de Portugal pode, a todo o
tempo:
a) Transferir outros activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão da instituição de crédito originária para o banco de transição;
b) Transferir activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do banco de transição para a instituição de crédito originária.
(…)
8 - O valor total dos passivos e elementos extrapatrimoniais a transferir para o banco de transição não deve exceder o valor total dos activos transferidos da instituição de crédito originária, acrescido, sendo caso disso, dos fundos provenientes do Fundo de Resolução, do Fundo de Garantia de Depósitos ou do Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo.
9 - Após a transferência prevista no n.º 1, deve ser garantida a continuidade das operações relacionadas com os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos, devendo o banco de transição ser considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito originária.
10 - A instituição de crédito originária, bem como qualquer sociedade inserida no mesmo grupo e que lhe preste serviços no âmbito da actividade transferida, deve prestar todas as informações solicitadas pelo banco de transição, bem como garantir a este o acesso a sistemas de informação relacionados com a actividade transferida e, mediante remuneração acordada entre as partes, continuar a prestar os serviços que o banco de transição considere necessários para efeitos do regular desenvolvimento da actividade transferida.
11 - A decisão de transferência prevista no n.º 1 produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência.
12 - A decisão de transferência prevista no n.º 1 não depende do prévio consentimento dos accionistas da instituição de crédito nem das partes em contratos relacionados com os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir, não podendo constituir fundamento para o exercício de qualquer direito de vencimento antecipado estipulado nos contratos em causa. (…).”
Cumpre ainda ter em consideração, à data, o referido no Aviso do Banco de Portugal 13/2012, de 08.10, publicado no Diário da República, 2ª Série, 202, parte E, de 08.10.2012, que estabelecia “… as regras necessárias à criação e ao funcionamento de bancos de transição”[10]/[11].
Ora como resulta provado dos autos, por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em 03.08.2014, foi determinada a sujeição do BES a medida resolução prevista no artigo 145º-G, n.º 5, do RGICSF (facto c).[12]
Da referida deliberação consta, designadamente, que é constituído o Novo Banco, S.A. e que serão transferidos para este banco de transição: “nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145º-H do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (…) os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A., que constam dos Anexos 2 e 2 A à presente deliberação.” (facto e).
Nos referidos Estatutos do Novo Banco, S.A., como se deu como provado, no facto g), consta, no seu art.º 3º, que:
“O Novo Banco, SA, tem por objecto a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco Espírito Santo, SA, para o Novo Banco, SA, e o desenvolvimento das actividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF, e com o objectivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito.”
No anexo 2 constam os critérios de identificação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob a gestão do Banco Espírito Santo, S.A. objeto de transferência para o Novo Banco S.A. (h), constando nomeadamente do mesmo, nos termos provados na alínea i) dos factos provados, que:
“(a) Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do BES serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com exceção dos seguintes: (i) Ações representativas do capital social do Banco Espírito Santo Angola, S.A.; (ii) Ações representativas do capital social do Espírito Santo Bank (Miami) e direitos de crédito sobre o mesmo; (iii) Ações representativas do capital social do Aman Bank (Líbia) e direitos de crédito sobre o mesmo; (iv) Ações próprias do Banco Espírito Santo, S.A.; (v) Direitos de crédito sobre a Espirito Santo International e seus acionistas, os acionistas da Espirito Santo Control, as entidades que estejam em relação de domínio ou de grupo, nos termos do disposto do artigo 21º do Código dos Valores Mobiliários, com a Espirito Santo International e credito detidos sobre a Espirito Santo Financial Group ( doravante designado Grupo Espirito Santo), com exceção dos créditos sobre entidades incluídas no perímetro de supervisão consolidada do BES ( doravante designado Grupo BES, e dos créditos sobre as seguradoras supervisionadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, a saber: Companhia de Seguros Tranquilidade, Tranquilidade-Vida Companhia Seguros, Esumedica, Europ Assistance e Seguros Logo; (vi) Disponibilidades no montante de dez milhões de euros, para permitir a Administração do Banco Espírito Santo, SA, proceder as diligencias necessárias a recuperação do valor dos seus ativos.”. (b) As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA, com exceção dos seguintes (“Passivos Excluídos”): (i) passivos para com (a) os respetivos acionistas, cuja participação seja igual ou superior a 2% do capital social ou por pessoas ou entidades que nos dois anos anteriores a transferência tenham tido participação igual ou superior a 2% do capital social do BES; membros dos órgãos de administração ou de fiscalização, revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas ou pessoas com estatuto semelhante noutras empresas que se encontrem em relação de domínio ou de grupo com a instituição, (b) as pessoas ou entidades que tenham sido acionistas, exercido as funções ou prestado os serviços referidos na alínea anterior nos quatro anos anteriores a criação do Novo Banco, SA, e cuja ação ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento de tal situação, (c) os cônjuges, parentes ou afins em 1º grau ou terceiros que atuem por conta das pessoas ou entidades referidos nas alíneas anteriores, (d) os responsáveis por factos relacionados com a instituição de credito, ou que deles tenham tirado beneficio, diretamente ou por interposta pessoa, e que estejam na origem das dificuldades financeiras ou tenham contribuído, por ação ou omissão no âmbito das suas responsabilidades, para o agravamento de tal situação, no entender do Banco de Portugal; (ii) Obrigações contraídas perante entidades que integram o Grupo Espírito Santo, com exceção das entidades integradas no Grupo BES, excluindo o Banco Espírito Santo Angola, S.A., Espírito Santo Bank (Miami) e Aman Bank (Miami), tendo em vista a preservação de valor dos ativos a transferir para o Novo Banco, SA; (iii) Obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integram o Grupo Espírito Santo, com exceção das entidades integradas no Grupo BES; (iv) Todas as responsabilidades por créditos subordinados resultantes da emissão de instrumentos utilizados no computo dos fundos próprios do BES, cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal; (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais; (vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a emissões de ações ou divida subordinada; (vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo Espírito Santo. No que concerne às responsabilidades do BES que não serão objecto de transferência, estes permanecerão na esfera jurídica do BES. (c) Todos os restantes elementos extrapatrimoniais do BES serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, SA com exceção dos relativos aos Banco Espírito Santo Angola, S.A., ao Espírito Santo Bank (Miami) e ao Aman Bank (Libia); (d) Os ativos sob gestão do BE ficam sob gestão do Novo Banco, SA; (e) Todos os trabalhadores e prestadores de serviços do BE são transferidos para o Novo Banco, SA.” Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre BES e o Novo Banco, SA, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145º H, número 5 (...)”.
Nova deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 11.08.2014 deliberou clarificar e ajustar o “perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob a gestão do Banco Espírito Santo, S.A., transferidos para o Novo Banco, S.A.”, tal como ficou provado em j).
Nova clarificação foi feita pela deliberação de 29.12.2015 em causa nos autos, nos termos enunciados no facto k), provado.
Da mencionada deliberação constam anexos, sendo relevante, para a decisão a proferir que, no anexo I da deliberação, tal como enunciado no facto l), provado, consta a menção: “II. Lista de responsabilidades litigiosas relativas a processos judiciais, processos administrativos e processos de contra-ordenação fora de Portugal” e na mesma a menção ao Processo em causa nos autos; “PO 1145/2012 Juzgado 1ª instância …Barcelona (…).
Igualmente relevante é o constante no “Anexo 2C” da referida deliberação, reproduzido no facto m).
Na mesma data, o Banco de Portugal adotou nova deliberação, com o conteúdo reproduzido, em parte, na alínea o).
Do anexo 1 da mencionada deliberação volta a fazer-se referência ao processo “PO 1145/2012, Juzgado 1ª instancia …Barcelona (…).
A propósito destas deliberações menciona-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.10.2019 que: “Estas deliberações, proferidas ultimamente pelo respetivo órgão da autoridade reguladora, com competência legal para o efeito, qual seja, o Banco de Portugal, configuram uma interpretação autêntica do teor da ajuizada medida de Resolução, tornando mais claro e completo o perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, S.A., transferidos para o Banco BB, S.A., que já derivavam do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto de 2014.”[13]
Compulsados estes elementos e tendo em atenção o referido pelo Supremo Tribunal de Justiça, com qual se concorda, verifica-se que o Novo Banco. S.A. surge através da decisão do Banco de Portugal de criar uma instituição de transição, após aplicação de uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. (BES), nos termos dos normativos legais supra elencados, designadamente o art.º 145º - G, do RGICSF.
A medida de resolução aplicada ao BES teve subjacente, como resulta do supra enunciado, uma transmissão da atividade prosseguida pelo Banco Espírito Santo, S.A. para o Novo Banco, S.A. e também, nomeadamente, dos seus ativos e passivos, surgindo o Novo Banco, S.A. como um banco de transição, tendo permanecido no BES algumas situações jurídicas que o Banco de Portugal excecionou e identificou, não só na deliberação inicial[14], como em deliberações posteriores, sendo que as deliberações que aqui nos interessam em particular são as deliberações posteriores de 29.12.2015.
A questão que aqui se coloca em concreto é de saber se os ativos aqui em análise[15], porque sem dúvida se tratam de ativos e as partes não o põem em causa, se devem considerar como tendo transitado para o Novo Banco, S.A. ou se os mesmos permaneceram na esfera do BES, justificando assim a posição da massa insolvente nos autos, impondo-se, em conformidade, averiguar se a posição jurídica que o Novo Banco, S.A. assumiu no processo judicial nº 1145/2012 e, posteriormente no processo executivo n.º 4153/19-El está em conformidade com as deliberações tomadas pelo Banco de Portugal.
Ora é com base nas deliberações referidas do Banco de Portugal que importa tomar posição.
Uma versão, em nosso entender simplista, seria a de considerar que a mera menção à identificação do processo referido, nº 1145/2012, nas deliberações mencionadas de 29.10.2015 permitiria sustentar a posição da recorrente. No entanto não acompanhamos esta posição.
Em primeiro lugar, importa ter em atenção o teor das deliberações de 29 de dezembro de 2015 em causa nos autos, sendo que a primeira veio: “clarificar, nomeadamente as contingências decorrentes da actividade do Banco Espírito Santo, S.A., que permaneceram na sua esfera jurídica, assim limitando as responsabilidades litigiosas transferidas para o Novo Banco, S.A.”, como enunciado no facto K) e igualmente com a mesma data, relativamente ao ponto da agenda: “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos…” adotou o Banco de Portugal, uma deliberação, nos termos enunciados no facto o), dado como provado.
Na deliberação enunciada na alínea m) – “Anexo 2C” consta:
Deliberação
“Clarificação e retransmissão de responsabilidades e responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas alíneas (v) a (vii) do n.º 1 do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas). O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICFSF para seleccionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte: A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014 fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES. B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES: (i) Todos os créditos relativos a acções preferenciais emitidas por sociedades veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES; (ii) Todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o Novo Banco; (iii) Todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contractos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014; (iv) Todas as indemnizações relacionadas com contractos de seguro de vida, em que a seguradora era o BES – Companhia de Seguros de Vida, S.A.; (v) Todos os créditos e indemnizações relacionados com a alegada anulação de determinadas cláusulas de contractos de mútuo, em que o BES era o mutuante; (vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimentos; e (vii) Qualquer responsabilidade que seja objecto de qualquer dos processos descritos no Anexo I. (…)”.
Por sua vez, na deliberação enunciada no facto o), consta, designadamente, que:
“… o Conselho de Administração do Banco de Portugal, relativamente ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)", adoptou uma deliberação com, no que ora releva, o seguinte teor:” (…)
E no seu ponto 9, que:
“9.Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, estão abrangidas pelas subalíneas(v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o Novo Banco.
Ora da leitura dessas deliberações, em conjugação com as deliberações anteriores do Banco de Portugal, nomeadamente a de 03.08.2014, resulta que não foi efetuada a transmissão, pura e simplesmente, de todas as posições jurídicas emergentes dos processos judiciais elencados, designadamente o ora em análise.
As deliberações de 29.12.2015 enunciam que estão em causa “passivos” e “responsabilidades” e “contingências definidas como passivos” e não ativos ou créditos, como é o caso aqui em apreço.
Passivos e responsabilidades não são o mesmo que ativos e créditos. As deliberações têm que ser lidas como um todo e não numa leitura simplista.
Argumento adjuvante a esta interpretação é a própria enunciação do Banco de Portugal na segunda deliberação tomada em 29.12.2015, face ao enunciado nos pontos, 7, 8 e principalmente nos pontos 12 a 14 e 18, resultando da leitura dos mesmos a menção a “responsabilidades” e “contingências” e não a ativos e créditos. O que estas deliberações clarificadoras e interpretativas pretenderam, como resulta da leitura e interpretação das mesmas, foi afastar da esfera da transição para o Novo Banco, S.A. o assumir por este banco de obrigações “que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi dotado.” (ponto 14, facto o).
Temos ainda de ter em consideração a data destas enunciadas deliberações e o decurso do processo judicial em análise nos autos. Nesta data de 29.12.2015, o BES tinha pendente o processo judicial em apreço, sendo que tinha sido proferida uma sentença judicial condenando ambas as partes, incluindo o BES, na restituição recíproca das quantias recebidas ao abrigo dos contratos financeiros em causa na ação, acrescidas de juros e o BES no pagamento das custas.[16]
Ou seja, a essa data, este processo era um de muitos enunciados nas referidas deliberações, dos quais resultava a existência de um passivo ainda litigioso, como a própria recorrente refere no art.º 58 das suas alegações, uma vez que ainda não existia decisão final no âmbito do mesmo, tendo sido interposto recurso da decisão proferida em primeira instância, que foi decidido em 22.02.2016.[17]
Na sequência da decisão proferida em sede de recurso, em 22.02.2016, os contratos celebrados entre o Banco Espírito Santo, S.A. e a Fundación Dr. Melchor Colet mantiveram-se em vigor (facto oo), sendo ainda que foi decidido, pelo mesmo tribunal que apreciou o recurso, o Tribunal Provincial de Barcelona, a condenação na devolução de um depósito que o BES tinha procedido em sede de execução, no valor de 658.316,76 € (facto ll) e pp). Não obstante a Fundación Dr. Melchor Colet ter interposto recurso desta decisão, o mesmo foi julgado, a final, inadmissível (facto uu).
Ou seja, aquilo que anteriormente era um passivo litigioso ou uma responsabilidade, passou a ser um ativo ou um crédito, em data posterior à das referidas deliberações, importando concluir que, de acordo com o teor das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, na interpretação integrada que fizemos acima, deixou assim este ativo ou crédito de permanecer na esfera do BES e transitou o mesmo para a esfera do Novo Banco S.A., concluindo-se igualmente, em conformidade, que a posição jurídica que o Novo Banco, S.A. assumiu no processo judicial nº 1145/2012 e, posteriormente no processo executivo n.º 4153/19-El estava em conformidade com as deliberações tomadas pelo Banco de Portugal.
A esta interpretação não se opõe o referido pela recorrente relativamente à possibilidade de retransmissão, de quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas, à data de 3 de agosto, que tenham sido transmitidas indevidamente, uma vez que, mais uma vez, o escopo dessa menção se reporta a responsabilidades e não a ativos ou créditos.
A regra foi, como resulta desde logo da deliberação de 03 de agosto de 2014, a transferência, para o Novo Banco, como se refere, no facto d), da quase totalidade dos activos, licenças e direitos do Banco Espírito Santo, S.A., isso mesmo resultando especificado no anexo 2 à referida deliberação e enunciado na alínea i) da matéria de facto provada, sendo os transferidos para o Novo Banco, S.A. “a) Todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do BES serão transferidos na sua totalidade para o Novo Banco, S.A.”, com exceção daqueles diretamente enunciados pelo Banco de Portugal nessa deliberação, impondo-se ainda considerar o referido na alínea d) desse anexo “Os ativos sob gestão do BE ficam sob gestão do Novo Banco, S.A.”
Ora as deliberações posteriores de 29.12.2015, são, designadamente, clarificadoras desta deliberação, “nomeadamente das contingências decorrentes da atividade do Banco Espírito Santo, S.A., que permaneceram na sua esfera jurídica” (facto k) e das “responsabilidades e contingências definidas como passivos”, sendo que aqui se especifica: “excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas)…” (facto o).
Ou seja, a regra imposta pela decisão do Banco de Portugal foi a transmissão da atividade e dos ativos do BES para o Novo Banco, S.A. e de todos, com exceção dos excluídos, sendo que, ao contrário do que ocorreu relativamente às contingências e responsabilidades, não foram enunciados com a precisão que ocorreu relativamente a estes, mas sim por exclusão, relativamente aquilo que não era transmitido.
Não se suscitam, pois, dúvidas que, face aos critérios de definição do “perímetro de transferência” decidido pelo Banco de Portugal, aquando da deliberação de 03.08.2014 e posteriormente, que os ativos em referência transitaram para o Novo Banco, S.A.[18], uma vez que o referido “perímetro de transferência” o assegurou, ao considerar que, em regra, os ativos eram transferidos, com exceção dos excecionados, não se tratando do caso, e ao referir que os ativos sob gestão do BE ficam sob gestão do Novo Banco, S.A., ficando ainda clara a obrigação de cumprimento do deliberado pelas administrações dos dois bancos.
De facto, tal como supra enunciado, não obstante efetivamente a referência ao mencionado processo constar, como vimos, das referidas deliberações de 29.12.2015, o mesmo surge nas referidas deliberações como responsabilidades, à data, do BES (“Lista de responsabilidades litigiosas relativas a processos judiciais”), sendo que, posteriormente, deixou de ser uma “responsabilidade litigiosa”, cumprindo assim o deliberado pelo Banco de Portugal, a consideração de que os posteriores ativos ou créditos que surgiram desses processos[19] transitaram para a esfera do Novo Banco, S.A., nos termos supra enunciados, competindo aliás aos conselhos de administração, tanto do BES como do Novo Banco, S.A., praticar todos os atos enunciados no facto o), 20 D), ou seja: “D) O Conselho de Administração do BES e o Conselho de Administração do Novo Banco praticarão todos os actos necessários à implementação e eficácia das clarificações e retransmissões previstos na presente deliberação. Em particular e de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 145.º-P e nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 145.º-G do RGICSF, o Novo Banco e o BES devem: (a) Adoptar as medidas de execução necessárias a adequada aplicação da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, bem como de todas as decisões do Banco de Portugal que a complementam, alteram ou clarificam, incluindo a presente deliberação; (b) Praticar todos os actos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal referidas em (a), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter actos anteriores que tenham praticado contrários aquelas decisões; (c) Para efeito de cumprimento do disposto na alínea (b), requerer a imediata junção da presente deliberação aos autos em que sejam parte; (d) Adequar os seus registos contabilísticos ao disposto nas decisões do Banco de Portugal referidas em (a); e (e) Abster-se de qualquer conduta que possa pôr em causa as decisões do Banco de Portugal referidas em (a) (...)”.
Ao contrário do mencionado pela recorrente esta leitura das deliberações do Banco de Portugal[20] tem sim correspondência na letra das deliberações, na lei e na interpretação sistemática e integrada das mesmas[21], tendo, designadamente, o Banco de Portugal incumbido os conselhos de administração, tanto do BES, como do Novo Banco, de cumprir como enunciado supra, praticando todos atos necessários para o efeito, designadamente no âmbito dos processos de que fossem partes (cf. 20 D), facto o), que podemos presumir que terá estado na origem do que ocorreu no processo pendente no Tribunal Espanhol quando o Novo Banco, S.A. assumiu a posição do BES promovendo a execução referida em vv) contra a Fundación Dr. Melchor Colet, formulando um pedido requerendo a restituição do montante consignado anteriormente em depósito pelo BES e o ressarcimento de danos, acrescido de uma quantia a título de juros e custas (facto ww) e, posteriormente celebrando um acordo de transação com a referida Fundación, acordo homologado pelo Tribunal de Barcelona (factos yy, zz, aaa) e bbb)
Como se conclui no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.12.2015:
“A partir do momento em que se alude à transferência da totalidade dos activos e direitos – especificando caso a caso as excepções – não restam dúvidas de que o Novo Banco sucedeu em tais direitos ao BES (…). Trata-se de uma transmissão que não resulta de negócio jurídico mas antes de imposição normativa.”[22]
Ora consubstanciando-se a posição da massa insolvente na inexistência de transição da posição jurídica na referida ação judicial do BES para o Novo Banco, S.A., a partir do momento em que passou a estar em causa, um crédito ou um ativo, importa assim concluir que improcede a sua pretensão.
Aqui chegados verifiquemos ainda alguns outros argumentos apresentados pela recorrente:
a) O teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.10.2019, junto como documento nº 6, com a petição inicial.
Analisada esta decisão, resulta desde logo que os contornos da mesma, dentro daquilo que se consegue averiguar, são diversos dos ora em apreciação. Estavam em causa quantias penhoradas num determinado processo de execução, sendo este Acórdão algo parco nas razões pelas quais considerou não ser de admitir o Novo Banco, S.A., no caso, a substituir, nos autos, a posição ocupada pelo Banco Espírito Santo, S.A.
Mas dentro daquilo que se logra perceber deste Acórdão, o mesmo considerou como critério, para assumir esta posição, o facto de o processo judicial em causa nos autos ter sido “incluído na lista de responsabilidades”, argumento que, por si só, como enunciámos supra, não é, em nosso entender, determinante para concluir que um determinado crédito não foi transferido para o Novo Banco, S.A.
Quanto à conduta do Novo Banco, S.A. “nos processos em que lhe é assacada responsabilização”, a mesma não é relevante para a decisão a proferir, tanto mais que, neste processo, não está em causa qualquer “responsabilização” do Novo Banco, S.A.
Importa ainda acrescentar que a posição tomada no mencionado Acórdão em nada vincula a decisão a tomar neste caso.
b) O constante da alínea g) da Deliberação do Banco de Portugal, de 29.12.2015.
Em primeiro lugar cumpre assinalar que trata-se a enunciação desta questão de uma questão nova, aqui trazida em sede de recurso. Ora tratando-se os recursos de um meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, os mesmos apenas podem ter como objeto, com exceção daquelas que sejam de conhecimento oficioso, questões que tenham sido anteriormente apreciadas na decisão objeto de recurso, o que não é o caso da questão ora em apreciação.
Como se enuncia no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09.10.2023. “… os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (excepto se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do Tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que a proferiu.”[23]
Não se impõe, pois, conhecer da referida questão, ora enunciada em sede de recurso, não sendo a mesma de conhecimento oficioso.
Mas mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que dispondo a mencionada alínea g) que: “Qualquer garantia relacionada com qualquer obrigação transferida para o Novo Banco, S.A., também é transferida para o Novo Banco, S.A., Qualquer garantia relacionada com qualquer obrigação não transferida para o Novo Banco, S.A. também não será transferida para o Novo Banco, S.A.” e reportando-se a mesma a garantias[24] e transmissão de obrigações, o seu escopo de aplicação não é, de forma alguma, o mesmo do em causa nos autos - a existência de transferência de um ativo ou de um crédito de per si - não sendo, portanto, de transpor o decidido neste âmbito pelo Banco de Portugal.
c) Inadmissibilidade da interpretação feita pelo tribunal a quo.
Defende a recorrente que a interpretação que o tribunal a quo faz das deliberações do Banco de Portugal vai além do que verdadeiramente resulta das mesmas e altera o perímetro de transferência entre o BES e o Novo Banco em função do desfecho de cada ação listada no anexo I, da Deliberação do Banco de Portugal, de 29.12.2015
Não concordamos com a recorrente, quanto às premissas do enunciado e quanto à conclusão a que chega.
Citemos a este propósito o referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.10.2018, em parte citando outro Acórdão do mesmo tribunal, com data anterior de 30.03.2017:
“Como se refere no Acórdão do STJ, de 30/3/17, in www.dgsi.pt, o BP actua no exercício de poderes que lhe estão conferidos por lei e as suas decisões, salvo se afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente o contencioso administrativo, são vinculativas para os seus destinatários, por isso que se fala, em sede administrativa, na força do caso decidido em sentido formal, quando se pondera o paralelismo entre o acto administrativo e a sentença.
Pode, todavia, suceder, acrescenta-se no citado acórdão, que o alcance de decisão proferida pela entidade supervisora seja objecto de interpretação pelos tribunais no âmbito de determinada acção judicial, caso em que, se tal decisão vier a transitar em julgado, pode, por força do caso julgado proferido, impor-se a observância dessa decisão com a inerente interpretação. Isto é, nada impede que os tribunais comuns, nos litígios que oponham particulares entre si, procedam à interpretação do alcance da decisão do BP.”[25]
Ora, na espécie, a premissa de que a recorrente parte é desde logo incorreta, tal como vimos supra. A interpretação que o tribunal a quo fez das enunciadas deliberações do Banco de Portugal é correta, ao contrário do referido pela recorrente, não indo além do que consta das mesmas e consequentemente não alterando o perímetro de transferência, decidido e admitido pelas referidas deliberações, entre o BES e o Novo Banco.
Para além disso, tal como se enuncia, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra citado, não está em causa qualquer interferência nos poderes do Banco de Portugal ou nas competências dos Tribunais Administrativos, mas sim uma interpretação das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, admissível e que aliás já teve lugar em inúmeras ações judiciais que tiveram lugar anteriormente, na sequência destas deliberações em concreto, como qualquer consulta rápida das bases de dados de jurisprudência em Portugal, nos permite concluir.
Improcede assim também esta argumentação da recorrente.
Face ao supra enunciado, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela recorrente e pela recorrida no âmbito do presente recurso (art.º 608º, n.º 2, do CPC).
Importa, pois concluir que improcede, na sua totalidade, a apelação apresentada, não assistindo à autora o direito de obter da ré as quantias peticionadas na presente ação respeitantes à quantia consignada pelo BES na ação judicial identificada, acrescida de juros de mora vencidos e à quantia respeitante à manutenção em vigor dos contratos financeiros enunciados, acrescida de juros de mora vencidos, num montante total de 1.817.775,46 €, acrescida de juros de mora vincendos até integral e efetivo pagamento.
A apelante deverá suportar as custas devidas, face ao seu decaimento (artºs 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil).
4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção de Comércio do Tribunal da
Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação apresentado e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Registe e Notifique
Lisboa, 08.04.2025
Elisabete Assunção
Fátima Reis Silva
Isabel Maria Brás Fonseca
_______________________________________________________ [1] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, págs. 197 e 198. [2] Importa ter em consideração os princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, como se enuncia, com rigor, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.12.2023, Proc. n.º 1526/22.0T8VRL.G1, Relatora Maria João Matos, disponível em www.dgsi.pt. [3] Proc. n.º 65/18.9T8EPS.G1.S1, Relator Fernando Baptista, disponível em www.dgsi.pt. [4] No mesmo sentido cf. ainda, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.01.2023, Proc. n.º 1202/18.9T8CBR.C2.S1, Relator Jorge Dias, e do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 03.11.2023, Proc. n.º 835/15.0T8LRA.C4.S1, Relator Mário Belo Morgado, igualmente disponíveis em www.dgsi.pt. [5] “ll) Na pendência desse recurso, a Fundación Melchor Colet promoveu desde logo a execução provisória da referida sentença, a que foi atribuído o nº de processo 84/2014, obrigando à consignação pelo Banco Espírito Santo, S.A., a favor da Fundación Melchor Colet, do montante de € 658.316,76 (seiscentos e cinquenta e oito mil, trezentos e dezasseis euros e setenta e seis cêntimos).” [6] “ccc) “Perante a recusa do réu em proceder ao envio do Acordo, viu-se a autora forçada a, formalmente, por meio de missiva expedida a 6 de Dezembro de 2023, instar o réu, bem como a Fundación Dr. Melchor Colet, à sua disponibilização.” [7] “… a AUTORA foi surpreendida com a informação de que o Réu havia celebrado com a FMC o acordo em crise nos autos somente no mês de janeiro de 2023, momento a partir do qual envidou todos os esforços com vista ao esclarecimento do sucedido…” [8] “E apenas tomou conhecimento do efetivo conteúdo de tal acordo e, bem assim, de todo o histórico judicial que o antecedeu em Espanha, no dia 19 de dezembro de 2023,…”. [9] Tendo a ação sido interposta em 05.06.2024. [10] Disponível em: https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/cartas-circulares//13-2012a.pdf. [11] Revogado pelo Aviso n.º 1/2017, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 11, Parte E, de 16.01.0217. [12] Como enuncia Mafalda Miranda Barbosa: “Uma medida de resolução é pensada como um remédio para fazer face a situações de liquidação iminente de uma instituição financeira, cumprindo diversos objetivos.”, em Tutela de credores e medida de resolução: do princípio do tratamento igualitário de credores ao princípio da igualdade, em www.revistadedireitocomercial.com, 2019-01-14, págs. 121-205, citação na pág. 123. [13] Proc. n.º 382/15.0T8VRL.G2.S1, Relator Oliveira Abreu, disponível em www.dgsi.pt [14] No Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal, de 03.08.2014, constam os critérios de identificação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob a gestão do BES, objeto de transferência para o Novo Banco, S.A. (factos h) e i), que vamos analisar mais à frente. [15] Nas palavras dos pedidos formulados pela autora, “créditos”. [16] Sentença proferida pelo Juzgado Primera Instancia …Barcelona, em 31 de outubro de 2013, no Processo 1145/2012 (factos ii) e jj). [17] Cf. o teor dos factos kk) e nn). [18] E isto não obstante o facto de esses ativos, inicialmente, não estarem reconhecidos como ativo. [19] E aqui também incluímos o processo executivo, que correu termos com o n.º 4153/19-El. [20] Nomeadamente das deliberações de 03.08.2015 e de 29.12.2015. [21] Cf. que aliás todas as transcrições que a recorrente faz nas alegações de recurso no que respeita a esta matéria das deliberações em crise, surgem as palavras “passivos” ou “responsabilidades” - artºs 40, 41, 43, 55, 56, 64 - não corroborando o entendimento da recorrente relativamente a esta matéria. [22] Proc. n.º 442/14.4TYLSB-A.L1-8, Relator António Valente, disponível em www.dgsi.pt. [23] Proc. n.º 6263/18.8T8PRT.P1, Relatora Rita Romeira, disponível em www.dgsi.pt. [24] Não nos competindo neste âmbito analisar este tema das garantias. [25] Sublinhado nosso. Proc. n.º 52/14.6TVLSB.L1.S1, Relator Roque Nogueira, disponível em www.dgsi.pt.