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MEDIDA CONCRETA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA DE PRISÃO
Sumário
I - O maior trunfo recursivo assenta no apelo a circunstâncias das quais o Arguido já beneficiava à data da prática dos factos e que não foram suficientemente determinantes para impedir a sua prática. Assim, o valor de pena concreta encontrado pelo Tribunal a quo não merece censura. II - Dos factos provados percebe-se não estar o Arguido numa situação que permita julgar em seu favor. Concluindo-se que a ameaça pendente de prisão, se durante o período da suspensão não acatar as obrigações que lhe forem impostas ou incorrer na prática de novo crime, será insuficiente para garantir tal finalidade da pena, mostra-se acertada a decisão recorrida.
Texto Integral
Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
No Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada – J2 do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores foi proferido acórdão, com o seguinte dispositivo: «Face ao exposto, acordam os juízes que integram o tribunal coletivo da Instância Central - 1ª secção Cível e Criminal - do Tribunal da Comarca dos Açores: A) Condenar o arguido AA: . pela prática em autoria material e na forma consumada de crime de incêndio, p. e p. pelo artº. 272º, nº. 1, al. a) do CP, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; . pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de ameaça agravada, p.p. nos termos dos art.ºs 153.º, nº. 1 e 155º, nº. 1, al. a) do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão; . Em cúmulo jurídico das penas acima pontadas fixar a pena única em 5 (cinco) anos de prisão efetiva. B) Não aplicar ao arguido o perdão da lei 38-A/2023, de 2.8. em razão da data dos factos aqui em causa; C) Julgar procedente por provado o pedido de indemnização cível deduzido BB e nessa conformidade condenar o arguido AA a pagar-lhe a quantia de €4.999.99 (quatro mil novecentos e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal civil vencidos desde a data da notificação do pedido de indemnização cível e vincendos, até efetivo e integral pagamento; (…)»
- do recurso -
Inconformado, recorreu o Arguido formulando as seguintes conclusões: «1- Como vem sendo entendido uniformemente pela Jurisprudência, a suspensão da execução da pena de prisão não pode deixar de ser entendida como uma medida pedagógica e reeducativa, com vista à realização, de forma adequada, das finalidades da punição, isto é, da proteção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º n.º 1 do C.P.). 2- “Estando subjacente à suspensão da pena de prisão a possibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido no sentido de se entender que a condenação em causa constitui para si uma séria advertência e um forte alerta para que não volte a delinquir, acreditando-se que, nas concretas condições em que aquele se encontra, é razoavelmente de acreditar que a sua ressocialização se poderá fazer ainda em liberdade.” In douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – de 12.11.2020 - 9.ªSecção – proferido no Processo 83/17.4SULSB.L1 3- Convirá também não esquecer que “a capacidade de o arguido se ressocializar em liberdade” é quase um pressuposto na filosofia do nosso Direito Penal, onde a matriz cristã impera e onde a reintegração do agente na sociedade é ela própria, elemento preponderante dos fins das penas. 4- “E a decisão sobre a capacidade que o arguido presentemente tem para prosseguir a sua vida em liberdade sem delinquir, parte, necessariamente, da análise do que o mesmo foi capaz de fazer anteriormente” (ibidem) 5- Por via do Art.º 50.º do Código Penal – Suspensão da Pena-, impende, sobre o tribunal, um poder – dever na aplicação desta espécie de pena, preenchidos os respetivos pressupostos. 6- Constitui pressuposto material de suspensão da execução da pena de prisão a existência de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido. 7- E, são finalidades de prevenção especial de socialização, que estão na base de suspensão da execução da pena na prisão, isto é, 8- A finalidade político criminal que a lei visa alcançar com o instituto da suspensão consiste no “… afastamento do delinquente, no futuro da prática de novos crimes e não qualquer correção” “; … decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência” , tal como refere o Professor Figueiredos Dias ( in Direito Penal Português – as consequências jurídicas do crime pág. 343 e segs). 9- E a existência de condenações anteriores, como é o caso do recorrente, não é impeditiva da concessão da suspensão, embora, nesta situação, o prognóstico favorável relativamente ao comportamento do recorrente se torne mais exigente. 10- De todo o modo, o que aqui está em causa não é uma qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, 11- Deve o Tribunal, encontra-se disposto a correr um certo risco – fundado e calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade. (Figueiredo Dias in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime” Notícias Editorial. 1993. Pág. 344). 12- Ora, nos presentes autos pretende-se obter o afastamento do recorrente, no futuro, da prática de novos crimes e a consciencialização por partes dos mesmos, da necessidade de inverter o rumo para que se dirige a sua vida. 13- O facto de contar com o apoio familiar, nomeadamente da mãe, 14- Afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que ainda não está afastada a possibilidade de a simples censura do facto e a ameaça de prisão afastar o recorrente definitivamente deste género de criminalidade: 15- A pena de prisão do recorrente deve, por isso, ser suspensa, alcançando-se, por essa via, os fins que concretamente visavam o cárcere 16- Afastando-o, assim, da criminalidade sem, contudo, descurar as finalidades da punição. 17- Nunca esquecendo, que o que está em causa é a esperança fundada de que a socialização em liberdade, do recorrente, possa ser alcançada 18- Deste modo, ao assim não proceder o douto acórdão terá violado, por mero erro de interpretação, o disposto no art.º 50.º n.º 1 do Código Penal. 19- Não o tendo feito o douto Acórdão violou, entre outros, o disposto nos Art.ºs 70.º, 71.º e 50.º do Código Penal; 20- E, nessa medida, a decisão ora recorrida é nula e impõe-se a sua alteração. Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, requer-se a V.ª s Exas, Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, se dignem revogar o douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que respeite o preceituado no Art.º 50.º do Código Penal, e fixe uma pena próxima dos limites mínimos legais e não privativa da liberdade, por ser de direito e de Justiça »
- da resposta -
Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos: «1. A prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão. 2. Quanto à medida da pena o Ministério Público entende que a pena única de 5 (cinco) anos de prisão efetiva, se mostra justa e adequada, em nada excessiva atentos os circunstancialismos apontados no douto acórdão, a gravidade dos ilícitos da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial. Isto é, 3. Nenhuma censura merece a determinação da medida da pena, sendo pena aplicada ao arguido ora recorrente adequada à sua culpa, à sua conduta anterior e posterior aos factos, às exigências de prevenção geral e especial e não pecam por excesso, bem como são acertadas face às condições pessoais e potencial de inserção social do arguido. 4. Em concreto, com o crime de incêndio lei pretende proteger a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado, antecipando essa tutela, punido a conduta independentemente da verificação de um resultado. Enquanto o crime de ameaça é a liberdade de ação e decisão, ali se abarcando a paz jurídica individual e o sentimento de tranquilidade e segurança pessoal. 5. Ora, considerando que a determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (artigos 71.º, n.º 1, e 40.º do Código Penal), deve corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências decorrentes dessa lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade do delinquente. 6. Relativamente às exigências de prevenção especial, é elevado o grau de ilicitude dado o modo de atuação, as consequências do facto (os danos provocados com o incêndio) e o perigo causado para todo o conjunto habitacional. A intenção provada evidencia o dolo direto. 7. Mas não podemos ignorar os seus antecedentes criminais, em concreto ter praticado estes factos em pleno período de suspensão de execução de uma pena de prisão pela prática de um crime de violação doméstica. 8. Quanto à suspensão da pena de prisão sempre se dirá que, os requisitos da aplicação da medida de suspensão da execução da pena de prisão, relacionase, para além do limite máximo de 5 anos, com: a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao facto punível, as circunstâncias deste e o poder concluir-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastá-lo da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação do crime 9. Por isso, e tendo em conta o tipo de crimes em causa, não só as exigências de prevenção geral positiva, atento o forte alarme social das condutas praticadas, como as exigências de prevenção especial positiva, consubstanciadas no fato de atento o seu percurso não se afigurar como suficiente a simples ameaça da pena, somos levados a concluir pela necessidade de aplicação de uma pena de prisão efetiva. 10. Isto é, no caso “sub judice”, atendendo a toda a factualidade, associando ao facto de o recorrente ter uma postura de total alheamento pela sorte destes autos, faltando sem qualquer justificação à audiência, logo vemos que a suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada não resultou para o recorrente mudar os seus comportamentos. 11. Entendemos que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pelo recorrente., pelo que o recurso não merece provimento.»
Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao parecer.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: medida da pena; sua eventual suspensão.
DO ACORDÃO RECORRIDO
Do acórdão recorrido consta a seguinte matéria de facto provada: «Da acusação: 1. No dia ........2024, cerca das 23h20 o arguido AA, consumiu produto estupefaciente com CC companheira do ofendido BB, e discutiram tendo CC fugido para casa onde reside com BB na ...; Então, CC telefonou ao ofendido BB para que lhe abrisse a porta porque o arguido AA queria bater-lhe e estava a fugir dele; Entretanto, o arguido AA deslocou-se à ..., onde o ofendido reside, bateu à porta do ofendido para falar com a CC e, como não conseguiu, aproximou-se do veículo marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-PX-.., propriedade do ofendido que se encontrava estacionada na via pública junto da residência do ofendido e atirou pedras ao veículo, partiu os vidros e os espelhos do veículo e com uma faca furou os pneus do veículo; Durante a sua atuação, o arguido AA dirigindo-se ao ofendido proferiu as expressões “vais morrer” e “vais ser morto”; Então, o arguido ausentou-se momentaneamente do local, voltando e com um isqueiro ateou fogo a um pedaço de pano com álcool e arremessou-o para o interior do veículo, fazendo chama e provocando fogo, incendiando o veículo; Em consequência do fogo, o arguido causou estragos no veículo do ofendido; O arguido agiu da forma descrita, motivado por se desentender com CC e BB e por o ofendido o ter impedido de falar com CC, sabendo que ao lançar uma chama do isqueiro, provocaria fogo no veículo e que as chamas e o incêndio eram suscetíveis de danificar o veículo do ofendido e outros que se encontrassem no local, criando perigo os veículos que ali se encontravam, e mesmo sabendo, quis lançar a chama e deitar fogo no veículo, o que fez; O arguido agiu, pretendendo incendiar e danificar o veículo do ofendido, sabendo que o método, e a forma súbita eram capazes de atear fogo e provocar um incêndio, resultado que pretendeu e que alcançou; O arguido sabia que ao agir da forma descrita tal era adequado a causar no ofendido medo de que atentasse contra a sua vida e a limitar a sua liberdade de determinação, resultados que quis e logrou alcançar; O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei; Mais se provou: Do PIC: 2. Que a viatura propriedade do BB sofreu danos no valor de €9.213,33, tendo ela, naturalmente, valor superior que justificou a reparação; 3. Com a conduta apontada em 2., o arguido causou ao demandante BB o prejuízo correspondente aos danos causados na viatura de que é proprietário no montante de €4.999,00 que ainda não recebeu; Resulta do relatório social do arguido e do seu CRC: 4. a). AA, de 26 anos de idade, é o elemento mais velho de uma fratria de dois elementos, oriundo de agregado familiar disfuncional decorrente da conduta desajustada do progenitor em seio familiar, atualmente já falecido. Os pais do arguido separaram-se quando este tinha sete anos de idade, tenho a progenitora de AA estabelecido um novo relacionamento, e se deslocado para território continental, juntamente com os filhos, de forma a residirem com o padrasto na zona de origem do mesmo. Dois anos mais tarde, por rutura relacional, DD e os filhos regressaram a ..., integrando agregado de origem daquela, passando a avó materna a ser a figura de referência destas crianças. Mais tarde, por motivos aparentemente relacionados com a frágil condição de saúde da avó do arguido, foi desencadeada institucionalização de AA aos doze anos, tendo regressado ao agregado da progenitora três anos mais tarde. Habilitado com o 9º ano de escolaridade (realizado já em adulto através da …) iniciou ainda na adolescência, juntamente com o irmão (apenas um ano mais novo do que o arguido), consumo de substâncias opiáceas, tendo, posteriormente, vindo a agravar esses consumos, registando consumos de novas substâncias psicoativas. Aos dezanove anos de idade estabeleceu relação de namoro com EE (dez anos mais velha do que o arguido). O casal tem uma filha em comum, que ficou aos cuidados da avó materna após ocorrer o términus deste relacionamento. Em ..., após a rutura relacional, AA regressou ao agregado da progenitora, integrando bairro social problemático, conotado pela presença de práticas pró-criminais, nomeadamente, relacionadas com a problemática da toxicodependência. A dinâmica relacional foi sendo marcada pela instabilidade e disfuncionalidade relacional dando origem ao processo 26/20.8PFPDL, tendo AA sido condenado em pena de prisão de dois anos e seis meses, suspensa na sua execução pelo mesmo período temporal. A sentença transitou em julgado a 7.3.2022, e embora o termo probatório estivesse previsto para 7.9.2024, por audiência de incumprimento foi a suspensão prorrogada por mais um ano, até 7.9.2025. Por ausência de motivação para cumprimento das obrigações impostas, e fraco sentido de compromisso e responsabilidade, nomeadamente no que respeita ao tratamento aditivo, foi novamente efetuado relatório de incumprimento, dando origem a audiência no passado dia 19.8.2024, tendo o arguido faltado, desconhecendo-se a consequente decisão judicial. No que respeita à problemática aditiva, AA tem vindo a ser encaminhado para realização de diversos tratamentos, quer em internamento, quer em ambulatório, no entanto, AA mantém fraca capacidade para consolidar um processo de manutenção de abstinência, recaindo no consumo de diferentes substâncias psicoativas de forma recorrente, e embora tenha efetuado o último internamento na ..., com alta clinica a ........2024, posteriormente, não cumpre a terapêutica em ambulatório. Foi nessa altura sinalizado para a ...para poder ter uma resposta habitacional, no entanto, a ........2024 assume novamente consumos de THC, tendo sido expulso da valência do ..., por incumprir as regras institucionais, nomeadamente, ficar alguns dias sem pernoitar na valência, e não iniciar a terapêutica prescrita. Em ........2024, AA não mantinha contactos com a progenitora, também por desajustes comportamentais que originaram novas ocorrências policiais. Em termos laborais, embora revele capacidades profissionais, é identificado pela comunidade, como um individuo com défices ao nível do controlo de impulsos, com dificuldades em lidar com as contrariedades que vão surgindo, refugiando-se facilmente nos consumos, sendo esta conduta facilitada pela proximidade a pares pró-criminais, com comportamentos de risco, e à sua permeabilidade à influência de terceiros. Revela vulnerabilidades nas várias dimensões da sua vida, nomeadamente a nível aditivo, estruturação pró-social do tempo e défice de competências pessoais e sociais, apresentando grande resistência à intervenção dos Serviços de Reinserção Social aquando de medida probatória, apresentando fraca motivação intrínseca e ambivalência perante a abordagem externa. Nos últimos dois anos encontra-se referenciado em diversas ocorrências por multi tipologias de crime; b). O arguido já foi condenado: . Por decisão de 4.2.2022, relativamente a factos consubstanciadores do crime de violência doméstica praticados em ........2020, na pena de prisão suspensa com regime de prova; e . Por decisão de 27.3.2023, relativamente a factos consubstanciadores do crime de dano simples praticados em ........2021, na pena de multa;»
FUNDAMENTAÇÃO
Da medida da pena
Na determinação da medida da pena há que atender ao critério estabelecido no art.º 71.º do Código Penal, segundo o qual «1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.»
Porém, previamente, e como o impõe o teor do art.º 70.º do mesmo Código, há que dar preferência à punição com recurso a pena não privativa da liberdade caso a norma incriminadora preveja esta punição alternativa. Porém, tal só ocorrerá se, atentas as circunstâncias dos factos, se julgar tal opção adequada e suficiente para atingir as finalidades da punição. Caso contrário poderá, e deverá, o Tribunal lançar mão da pena privativa da liberdade.
É o que ocorre no caso concreto no caso da ameaça agravada. Atentas as circunstâncias dos factos, a sua gravidade, a necessidade de actuação sobre o Arguido de forma a salvaguardar qualquer ensejo de continuação ou repetição da conduta criminosa, bem como a necessidade de transmissão, para a comunidade em geral, da intolerância quanto a comportamentos da natureza dos aqui provados, exige-se a opção por uma pena de prisão.
Agora, para proceder à determinação do quantum concreto dessa punição, em primeiro lugar, há que atender à culpa. Sendo o juízo de culpa uma ponderação valorativa do processo de formação da vontade do arguido, tendo como critério aquilo que uma pessoa (enquanto homem médio com características pessoais similares à condição do agente) colocada na posição daquele faria perante a mesma situação, não poderemos deixar de a considerar elevada no caso que nos ocupa.
No fundo, o juízo de culpa releva, necessariamente, da intuição do julgador, sendo este assessorado pelas regras da experiência que lhe permitem proceder à valoração nos termos descritos. E no caso vertente, o arguido deliberadamente violou normas que punem actos de conhecida gravidade, socialmente perniciosos.
Encontrado o vector que limita o máximo concreto da pena aplicável, será ainda de ponderar: o grau de ilicitude dos factos, intenso, e suas repercussões, graves; a intensidade do dolo directo; as condições pessoais do arguido, suas habilitações literárias e situação económica; a sua conduta anterior e posterior ao facto – cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2006, Relator Juiz Conselheiro Santos Carvalho [ECLI:PT:STJ:2006:06P2681.A0] - «I - Numa concepção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto… alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada…” (Anabela Miranda Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa de liberdade, Coimbra Editora, p. 570). II - “É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica” (mesma obra, pág. seguinte). III - A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes. IV - “Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassáve1 de todas e quaisquer considerações preventivas…” (ainda a mesma obra, p. 575). “Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado” (p. 558).».
Entramos aqui nas chamadas razões de prevenção especial, aquelas dirigidas ao infractor, e as razões de prevenção geral, dirigidas à comunidade.
As primeiras traduzem-se em duas vertentes, caracterizadas como positiva e negativa. A positiva respeitando às expectativas de ressocialização do condenado, e a negativa resultando da necessidade de prevenção da reincidência.
As segundas traduzem a necessidade de apaziguamento da comunidade em geral, eliminando sentimentos de impunidade, e reforçando a mensagem de que existem consequências para a prática de condutas que são criminosas e, desta forma, assegurando ao cidadão comum que o Estado e as suas leis estão activamente a promover a segurança e a paz social.
Note-se que o maior trunfo recursivo assenta no apelo a circunstâncias das quais o Arguido já beneficiava à data da prática dos factos e que não foram suficientemente determinantes para impedir a sua prática. Como consta do acórdão recorrido, «A favor do arguido nada se encontra…e, a seu desfavor, vemos a sua postura após os factos e os seus antecedentes criminais, entre os quais pontua um crime de dano, coisa que dá nota da sua propensão a desconsiderar a propriedade de terceiros. Ainda ao nível da prevenção especial, há também a considerar a circunstância do arguido ser pessoa avessa a qual tutela, rejeitar qualquer espécie de intervenção e ter aversão a regras e hábitos de trabalho. O apoio que tem da progenitora não teve o condão de o afastar da prática de novos ilícitos, razão pela qual se vê nele forte possibilidade de recai na prática delituosa. ».
Seguindo estas indicações, fixou o Tribunal recorrido a pena de 4 anos e 6 meses de prisão para o crime de incêndio; e a pena de 1 ano de prisão para o crime de ameaça agravada.
Estando a primeira abaixo do ¼ do intervalo apurado não merece reparo, pelo que se decide manter a mesma inalterada. A segunda mostra-se antes no meio do intervalo da moldura da pena abstracta, o que se compreende pela gravidade da conduta e pela circunstância de ser claramente maior a necessidade de prevenção especial, pois ao Arguido será muito mais fácil e tentadora a repetição desta conduta. Assim, também o valor encontrado pelo Tribunal a quo não merece censura.
No que toca à pena única a fixar, terá que se atender à personalidade do condenado e aos factos no seu conjunto, tal como resultam do provado acima, bem como às finalidades da punição (a prevenção geral, ou seja procurar evitar que sejam praticados mais crimes na comunidade não transmitindo uma imagem de impunidade, antes assegurando a efectiva aplicação da penalização consagrada na lei; bem como a prevenção especial, i.e., procurar atingir a reabilitação do condenado).
Para o efeito relevam, naturalmente, os factos apurados quanto às suas condições pessoais, dos quais podemos extrair as necessidades de prevenção especial analisando o indivíduo e a sua integração na sociedade familiar nuclear e na sociedade alargada, bem como o seu percurso até à reclusão e durante esta.
Assim, será necessário determinar a medida da pena no intervalo entre 4 anos e 6 meses de prisão (a mais alta) e 5 anos e 6 meses (a soma de todas) para as penas de prisão a cumular.
Entendemos que, dada a circunstância do Condenado ter duas condenações recentes, por factos recentes, tudo anterior aos factos agora em apreço, e que não tiveram o condão de o demover da prática de crimes desta natureza, se revelam elevadas as exigências de prevenção geral, pelo que concordamos com a necessidade de fixar a pena única no meio do intervalo apurado, ou seja, os 5 anos de prisão tal como decidiu o Tribunal Recorrido.
Da suspensão
Determinada que foi a medida concreta da pena, sem que esteja a ser discutida essa dosimetria, impõe-se aferir da bondade da decisão de suspender a execução de tal pena.
De acordo com o art.º 50.º do Código Penal, o Tribunal deverá suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Para tanto deverá ponderar a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, daí retirando a necessidade da execução do encarceramento ou julgar que a ameaça de um período concreto de prisão bastará para alcançar a satisfação das necessidades de prevenção geral e de prevenção especial. O período de suspensão terá duração a fixar entre 1 e 5 anos.
A pedra de toque desta decisão será a avaliação e conclusão, pelo Tribunal, de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no que toca às necessidades de prevenção especial.
Para chegar a tal conclusão, ponderará ainda o decisor as diversas formas que a suspensão da execução poderá assumir. Assim, para assegurar que será alcançado tal desiderato, poderá a suspensão ser subordinada ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta, ou ainda acompanhada de regime de prova.
Tais deveres impostos ao condenado deverão ser vocacionados à reparação do mal do crime, nomeadamente, “pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado” - (art.º 51.º /1 al. a) do Código Penal).
Já quanto ao regime de prova, deverá ser determinado se o mesmo se afigurar conveniente e adequado para promover a reintegração do condenado na sociedade, assentando num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social. Necessariamente, nos casos em que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade o regime de prova é ordenado (art.º 53.º do Código Penal).
Vejamos a fundamentação do acórdão recorrido sobre esta questão: «Olhando para os antecedentes criminais do arguido, percebemos que foi ele condenado por sentença transitada em 7.3 2022, pelo crime de violência doméstica, em pena de prisão suspensa por 2 anos e 6 meses…suspensão esta que, por razões que apenas responsabilizam o arguido, foi prorrogada por mais 1 ano…estendendo-se, assim, o período probatório até 7.92025. Atendendo a que os factos aqui em causa ocorreram em ........2024…logo percebemos que aconteceram em pleno período probatório. Do que vem de se apontar, associado ao facto de o arguido ter uma postura de total alheamento pela sorte destes autos, faltando sem qualquer justificação à audiência, logo vemos que a suspensão da execução da pena que cumpre não está a cumprir com o fito que para ela foi desenhado. Se a tudo juntarmos o que vem do seu relatório social e citamos… “Por ausência de motivação para cumprimento das obrigações impostas, e fraco sentido de compromisso e responsabilidade, nomeadamente no que respeita ao tratamento aditivo, foi novamente efetuado relatório de incumprimento, dando origem a audiência no passado dia 19.8.2024, tendo o arguido faltado, desconhecendo-se a consequente decisão judicial. No que respeita à problemática aditiva, AA tem vindo a ser encaminhado para realização de diversos tratamentos, quer em internamento, quer em ambulatório, no entanto, AA mantém fraca capacidade para consolidar um processo de manutenção de abstinência, recaindo no consumo de diferentes substâncias psicoativas de forma recorrente, e embora tenha efetuado o último internamento na ..., com alta clinica a ........2024, posteriormente, não cumpre a terapêutica em ambulatório. Foi nessa altura sinalizado para a ...para poder ter uma resposta habitacional, no entanto, a ........2024 assume novamente consumos de THC, tendo sido expulso da valência do Novo Dia, por incumprir as regras institucionais, nomeadamente, ficar alguns dias sem pernoitar na valência, e não iniciar a terapêutica prescrita. Em ........2024, AA não mantinha contactos com a progenitora, também por desajustes comportamentais que originaram novas ocorrências policiais. Em termos laborais, embora revele capacidades profissionais, é identificado pela comunidade, como um indivíduo com défices ao nível do controlo de impulsos, com dificuldades em lidar com as contrariedades que vão surgindo, refugiando-se facilmente nos consumos, sendo esta conduta facilitada pela proximidade a pares pró-criminais, com comportamentos de risco, e à sua permeabilidade à influência de terceiros. Revela vulnerabilidades nas várias dimensões da sua vida, nomeadamente a nível aditivo, estruturação pró-social do tempo e défice de competências pessoais e sociais, apresentando grande resistência à intervenção dos Serviços de Reinserção Social aquando de medida probatória, apresentando fraca motivação intrínseca e ambivalência perante a abordagem externa. Nos últimos dois anos encontra-se referenciado em diversas ocorrências por multi tipologias de crime.”…logo percebemos que o arguido não é sensível a qualquer intervenção, pelo que as necessidades associadas à prevenção geral estão enfatizadas e apenas se garantem com a inocuização do arguido. Efetivamente, face ao que vem de se dizer, não se mostra possível construir qualquer juízo de prognose no sentido de se ter a suspensão da execução da pena, ainda que sujeita a regime de prova, como capaz de garantir os fins que se pretendem alcançar com a aplicação de penas, coisa que só a prisão alcança e, por isso, por ela se opta.»
A decisão desta questão resultará da ponderação das circunstâncias da prática do crime e das condições pessoais do Arguido. Concordamos com a apreciação feita quer quanto às primeiras, quer quanto às segundas.
A suspensão da execução da pena não é uma faculdade, um arbítrio do julgador, uma decisão meramente opinativa. Impõe-se sempre que se verifiquem as condições definidas e acima elencadas pelo que o Tribunal tem que ponderar da viabilidade da suspensão. O acórdão recorrido fez esse juízo e concluiu pela inviabilidade da suspensão da execução da pena de prisão que aplicou.
Diferente é o entendimento do Arguido. Mas a formulação do prognóstico terá que ser feita no momento da decisão, olhando para o Arguido tal como se encontra então, e perspectivar a sua evolução para o futuro
Ao olhar para os factos provados, percebe-se não estar o Arguido numa situação que permita julgar em seu favor. Assim, afigura-se insuficiente para prevenir a futura delinquência suspender a execução da pena única, ainda que a condicionando a medidas de reforço paras as quais revela pouca aptidão para aderir.
Concluindo que a ameaça pendente de prisão, se durante o período da suspensão não acatar as obrigações que lhe forem impostas ou incorrer na prática de novo crime, será insuficiente para garantir tal finalidade da pena, mostra-se acertada a decisão recorrida.
DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente o recurso, mantendo inalterado o acórdão recorrido
Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 UC a respectiva taxa de justiça.
Lisboa, 08.Abril.2025
Rui Coelho
João Grilo Amaral
Ester Pacheco dos Santos