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TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE TRABALHO
PREJUÍZO SÉRIO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Sumário
I. Não é admissível a transferência de local de trabalho operada sem cumprimento das normas aplicáveis, nomeadamente do contrato coletivo de trabalho, referentes ao aviso prévio e à indicação dos motivos da mudança. II. Existe prejuízo sério para o trabalhador numa transferência de local de trabalho que implica uma nova viagem com praticamente o dobro da distância e despesas de deslocação acrescidas, nomeadamente portagens, as quais a empregadora nunca se manifestou disposta a suportar. III. Tal transferência constitui fundamento de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com justa causa. IV. Nestas circunstâncias não é exagerada a fixação da medida da indemnização de antiguidade em 35 dias por ano, relativamente a um trabalhador que aufere 864,96 € de retribuição mensal, pouco acima da RMMG.
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autor (A.) e recorrido: AA
Ré (R.) e recorrente: Securitas – Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A.
O A. intentou a ação alegando que, em 5 de maio de 2004, celebrou com a Ré contrato de trabalho para desempenhar funções de Vigilante, laborando no Campo Real, Turcifal, Torres Vedras; em reunião realizada em 16 de agosto de 2023 a Ré informou-o da mudança do local de trabalho para Lisboa a partir do dia seguinte, o que implicava um aumento de 36 Km de distância a percorrer, em viatura própria, com inerente aumento de consumo de combustível e respetivos custos, e que tivesse de sair de casa com duas horas de antecedência, tendo assim menos tempo de descanso e lazer com a família; à data auferia o salário mensal de € 864,96, sua única fonte de rendimento, sendo casado e tendo um filho menor, dependendo o agregado financeiramente de si; pediu à Ré que suportasse as despesas da sua deslocação, a qual negou qualquer concessão de apoio financeiro; tal situação causou-lhe grande stress e ansiedade que afetaram o seu bem-estar físico, sentiu-se menosprezado e desvalorizado, entrou num estado depressivo, passou a ter dificuldades em dormir, sentiu-se desanimado, constantemente preocupado e angustiado, tendo iniciado baixa médica em 17.08.2023 até 27.09.2023; devido a tal situação, no dia 18.09.2023 comunicou à Ré a resolução imediata do contrato de trabalho, invocando justa causa, a qual não foi reconhecida pela Ré, que lhe descontou € 1.551,79 por alegado incumprimento de pré-aviso e não lhe pagou indemnização pela resolução do contrato de trabalho; pelos proporcionais de subsídio de natal de 2023 deveria ter recebido € 627,98 e a Ré só lhe pagou € 155,79, estando em falta € 472,19; tudo isto causou-lhe angústia e tristeza, dificuldade em adormecer, receio de ser tratado com o mesmo desprezo em nova relação laboral, fê-lo estar constantemente em estado de alerta e ansiedade, deprimido e receoso de estabelecer novos vínculos laborais, o que lhe confere direito a indemnização; tendo em conta o grau de ilicitude da Ré, tem direito a receber o correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade, o que perfaz € 25.132,71.
Pediu a final que seja declarada a resolução do contrato de trabalho com justa causa e a Ré condenada a pagar-lhe, acrescidos de juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento:
− € 472,19 a título de subsídio de Natal;
− o valor a determinar pelo tribunal a título de indemnização por danos não patrimoniais;
− € 25.132,71 a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa nos termos do disposto 396.º do Código de Trabalho.
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Não havendo acordo a Ré contestou, impugnando parcialmente os factos alegados, afirmando que o local de trabalho do Autor era nas instalações do cliente Condomínio do Aldeamento Turístico do Campo Real desde 12/12/2017, o qual, no dia 11/08/2023, solicitou a sua substituição, o que motivou a transferência para o novo local de trabalho, em Lisboa, dado que não existiam outros postos de trabalho mais próximos da residência do Autor; a transferência era provisória até que surgisse vaga em cliente mais próximo da residência do Autor; na reunião de 16.08.2023 foi-lhe dito que poderia solicitar à Ré ajuda para custear essas despesas de transportes, por escrito, o que o A. não fez; o acréscimo de tempo despendido na deslocação para o novo local de trabalho era de apenas 40 minutos por dia pelo que não existia fundamento para pagar despesas de transporte do Autor pela ida e regresso à sua residência e o cliente sito em Lisboa; a mudança do local de trabalho não causava lhe prejuízo sério, não existindo por isso justa causa de resolução do contrato de trabalho, não sendo devida indemnização, que, a ser considerada, devia ser fixada pelo mínimo; a Ré não cometeu nenhum ilícito que determine obrigação de indemnizar e os sentimentos alegados pelo A. não têm especial relevo nem gravidade, traduzindo-se no que, comummente, se verifica em idênticas situações, não existindo motivo para atribuição de indemnização por danos não patrimoniais, não sendo cumuláveis os dois pedidos de indemnização – por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Com a contestação deduziu também reconvenção, alegando ser credora do Autor por € 1.729,92 (€ 864,96 x 2 meses) relativos à indemnização por despedimento unilateral do A., sem aviso prévio, com efeitos imediatos e sem justa causa, devendo operar-se a compensação parcial entre esse crédito e o crédito do A. no valor bruto de € 1.706,17, do que resulta ainda um saldo a seu favor no valor de € 23,75 (€ 1.729,92 – € 1.729,92), extinguindo-se o crédito do Autor.
Rematou a contestação / reconvenção pedindo que:
a) a acção seja julgada improcedente no que respeita à indemnização pedida pelo Autor no valor de € 25.132,71 dado que a resolução do contrato de trabalho por sua iniciativa foi feito com efeito imediato, com inexistência de aviso prévio e sem justa causa;
b) a acção seja julgada parcialmente procedente no que respeita à parte confessada de € 1.706,17;
c) a reconvenção seja julgada procedente no que respeita à indemnização por despedimento devida pela rescisão do contrato de trabalho efectuada pelo Reconvindo, sem aviso prévio, com efeitos imediatos e sem justa causa, devendo este ser condenado a pagar à Reconvinte € 1.729,92;
d) se opere a compensação parcial da qual resulta um saldo a favor da Ré de € 23,75, que o Autor deve ser condenado a pagar-lhe.
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O Autor respondeu à reconvenção, impugnando parcialmente os factos nela alegados e reiterando os pedidos deduzidos na p. i., alegando que existe justa causa de resolução do contrato, pois a deslocação para o novo local de trabalho aumentava de 36 para 76 kms e representava um aumento de custos nas deslocações – combustível, manutenção do carro e portagens -, assim como aumento de tempo necessário para a realização das mesmas, de 30 minutos para 57 minutos ou 01h25m, despesas que a Ré tinha de custear como previsto no CCT aplicável, e recusou; o pedido de substituição feito pelo cliente não se enquadra em qualquer dos fundamentos previstos na cláusula 18.ª, n.º 3, do CCT, pelo que não podia ser transferido do seu local de trabalho; mesmo que se entendesse que havia motivo para a transferência sempre poderia ter sido transferido para o cliente Eusgter & Frismag, Lda.; uma vez que procedeu à resolução do contrato com justa causa não tinha de cumprir qualquer pré-aviso, não sendo devida à Ré a indemnização pedida em reconvenção.
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Saneados os autos e efetuado o julgamento, o Tribunal julgou a ação parcialmente procedente e:
a) Declarou que o Autor resolveu o contrato de trabalhe celebrado com a Ré com justa causa;
b) Condenou a Ré a pagar ao Autor:
i. 19.560,34 € a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho, acrescidos de juros de mora à taxa legal, vincendos a partir do trânsito em julgado da presente sentença;
ii. 472,19 € a título de subsídio de Natal, acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 22.09.2023 e vincendos até integral pagamento;
c) Absolveu a Ré do mais peticionado pelo Autor;
2) Julgou a reconvenção improcedente e absolveu o Autor do pedido reconvencional.
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Não se conformando, a R. apelou, tendo apresentado motivação e formulado as seguintes conclusões:
1. Os pontos 15 e 16 dos factos provados estão redigidos de forma excessiva e incorrecta.
2. Consta do facto provado 13, que o A. foi informado na reunião realizada no dia 16.08.2023 que o pedido para que as despesas da deslocação do A. fossem suportadas pela Ré, tinha de ser autorizado por esta, devendo esse pedido ser feito, por escrito, aos recursos humanos da Ré.
3. No e-mail remetido em 17.08.2023 pelo Autor não é feito qualquer pedido para a Ré autorizar que as referidas despesas fossem suportadas por si.
4. Não se pode, pois, considerar provado (ponto 15) que o Autor no e-mail de 17.08.2023, faz um pedido para a Ré custear as despesas com a deslocação para o novo local de trabalho quando nada é referido nesse sentido.
5. O acréscimo no percurso da ida da sua residência para o local de trabalho em Lisboa e regresso, só é devido se e na medida em que esse acréscimo seja superior a 40 minutos (clª 18ª nº 6 do CCT), o que não acontecia.
6. O A. para percorrer os cerca de 36Km desde a sua residência ao anterior local de trabalho, demorava 40 minutos (factos provados 20 e 21), enquanto que, para percorrer os 72/73Km entre a sua residência e o novo local de trabalho, em Lisboa, demorava, em média, 1 hora (factos provados 22 e 24).
7. Havia apenas um acréscimo de 20 minutos na deslocação.
8. Não havendo acréscimo de tempo de deslocação superior a 40 minutos com as viagens desde a sua residência para Lisboa, não existia fundamento legal para pagar despesas de transporte do A. pela ida e regresso à sua residência e o cliente sito em Lisboa.
9. Apesar de não existir esta obrigação por parte da Ré em pagar essas despesas, bastaria que o A. tivesse feito esse pedido aos recursos humanos da Ré para esta autorizar o pedido para suportar essas despesas enquanto não surgisse disponibilidade de vaga nos seus clientes perto da residência do A., como fez questão de sublinhar na carta enviada ao A. em 26.09.2024.
10. Não existindo sequer o referido pedido, não se pode considerar provado (ponto 15) que o Autor no e-mail de 17.08.2023, faz um pedido para a Ré autorizar e custear as despesas com a deslocação para o novo local de trabalho e que a Ré nunca se disponibilizou para custear essas despesas (ponto 16).
11. A 1ª parte do facto provado 15 (“Para além mail referido no ponto anterior”) deve ser eliminada e dada uma nova redacção ao ponto 16 dos factos provados, porque as suas redacções são excessivas e incorrectas, como supra alegado.
12. O ponto 22 dos factos provados está redigido de forma excessiva, imprecisa, incorrecta, subjectiva e conclusiva.
13. A viagem de automóvel feita pelo A. desde sua casa (...Cadaval) ao anterior local de trabalho (Campo Real, Turcifal/Torres Vedras) implicava um percurso de cerca de 36Km, percorridos em 40 minutos (pontos 20 e 21 dos factos provados).
14. Por sua vez, a viagem de automóvel entre a residência do A. e o novo local de trabalho em Lisboa, através do implicava um percurso de 72/73Kms (acréscimo de 36/37Km), percorridos em cerca de 1 hora (acréscimo de 20 minutos), utilizando autoestrada (A8 ou A1) – pontos 22 a 24 dos factos provados.
15. A 2ª parte do ponto 22 dos factos provados, onde consta que a deslocação para o novo local de trabalho tem (relativamente à deslocação para o anterior local de trabalho), inerente um “aumento de consumo de combustível da viatura, maior desgaste e mais rápida deterioração da mesma e consequente aumento dos custos da sua manutenção” deve ser eliminada, porque a sua redacção é excessiva, imprecisa, incorrecta, subjectiva e conclusiva, fundada em factos não provados, meramente conclusivos e baseados em simples suposições opinativas.
16. A matéria de facto considerada como provada deve ser alterada, nos pontos 15, 16 e 22 e atribuídos, a cada um deles, as seguintes redacções:
15) O Autor não remeteu aos recursos humanos da Ré, por escrito, um pedido expresso de pagamento das despesas da sua deslocação para o novo local de trabalho;
16) A Ré tinha disponibilidade para autorizar o pedido para custear as despesas inerentes à deslocação para o novo local de trabalho e enquanto este aí estivesse colocado;
22) A deslocação entre a residência do Autor - ...Cadaval – e o referido novo local de trabalho (Avenida Santos e Castro – Lisboa) passaria a implicar o percurso de uma distância de cerca de 72/73 kms.
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17. Os factos provados mostram que a Ré procedeu à mudança do local de trabalho do Autor, nos termos e ao abrigo do disposto na clª 18ª do CCT, não existindo justa causa para a resolução do contrato.
18. O A. residia em ...Cadaval e o seu local de trabalho era nas instalações do cliente Condomínio do Aldeamento Turístico do Campo Real, sito na Rua do Campo Real, nº 2 em Turcifal, Torres Vedras.
19. Em 11/08/2023 o cliente solicitou a sua substituição por outro vigilante.
20. Nos dias 11/08/2023 a 13/08/2023 o A. esteve de baixa médica e nos dias 14/08/2023 e 15/08/2023 esteve em gozo de folga, motivos pelo qual a Ré só pode convocar o Autor para uma reunião no dia 16.08.2023, em que estiveram presentes o Autor e os trabalhadores da Ré BB (escalador) e CC (vigilante chefe), no âmbito da qual o Autor foi informado que o seu posto de trabalho deixaria de ser no Campo Real e passaria a ser na Avenida Santos e Castro S/N – Lisboa e que essa alteração teria efeitos a partir do dia seguinte, ou seja, a partir do dia 17.08.2023, tendo a Ré solicitado ao Autor que se apresentasse naquele novo local de trabalho a partir desse dia.
21. O local de trabalho contratado para o A. foi a “área geográfica da Filial de Lisboa” e dentro dessa área o A. pode ser colocado em qualquer cliente da Ré, não só por força do contrato celebrado como também do disposto na clª 18ª do C.C.T. que consagra a rotatividade dos postos de trabalho como uma das características da actividade, permitindo mesmo a colocação dos vigilantes em clientes fora do local de trabalho para que foram contratados.
22. A Securitas é uma empresa de Segurança e, de acordo com o estipulado na clª 17ª nº 1 do CCT aplicável, o “local de trabalho é o local geograficamente definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, para a prestação da actividade laboral pelo trabalhador”.
23. Atento o pedido do cliente, a Ré transferiu o A. para as instalações do cliente Barraqueiro Transportes, SA, sitas na Avenida Santos e Castro, no Lumiar, junto à 2ª circular, em Lisboa.
24. A colocação do A. nestas instalações era provisória até que surgisse disponibilidade de vaga nos clientes da Securitas perto da residência do A., pois, em Agosto de 2023 não existiam outros postos de trabalho mais próximos da residência do A.
25. Na reunião de 16.08.2023, o A. pediu para que as despesas da sua deslocação para o novo local de trabalho fossem suportadas pela Ré, sendo-lhe, então, dito pelos seus dois colegas presentes nessa reunião que eles não podiam autorizar esse pagamento e que o pedido devia ser feito, por escrito, aos recursos humanos da Ré.
26. O A. não remeteu aos recursos humanos da Ré, por escrito, esse pedido expresso de pagamento das despesas da sua deslocação para o novo local de trabalho.
27. O A. limitou-se a enviar, no dia 17/08/2023, à Ré um e-mail em que não é feito qualquer pedido para que as referidas despesas fossem autorizadas e suportadas pela Ré.
28. A Ré não tinha a obrigação legal de suportar estas despesas, pois o acréscimo no percurso da ida da sua residência para o local de trabalho em Lisboa e regresso, só é devido se e na medida em que esse acréscimo seja superior a 40 minutos (clª 18ª nº 6 do CCT), o que não acontecia.
29. O A. para percorrer os cerca de 36Km desde a sua residência ao anterior local de trabalho, demorava 40 minutos (factos provados 20 e 21), enquanto que, para percorrer os 72/73Km entre a sua residência e o novo local de trabalho, em Lisboa, demorava, em média, 1 hora (Factos provados 22 e 24).
30. Havia apenas um acréscimo de 20 minutos na deslocação.
31. Não havendo acréscimo de tempo de deslocação superior a 40 minutos com as viagens desde a sua residência para Lisboa, não existia fundamento legal para pagar despesas de transporte do A. pela ida e regresso à sua residência e o cliente sito em Lisboa.
32. Apesar de não existir esta obrigação por parte da Ré em pagar essas despesas, bastaria ao A. fazer o pedido para os recursos humanos da Ré para esta autorizar o pedido para suportar essas despesas enquanto não surgisse disponibilidade de vaga nos seus clientes perto da residência do A., como a Ré fez questão de sublinhar na sua carta enviada ao A. em 26.09.2024.
33. Não existindo este pedido, o A. inviabilizou a sua concretização, por sua culpa exclusiva.
34. O Autor optou por não por se apresentar no novo local de trabalho, em Lisboa, em 17/08/2023, nem posteriormente e procedeu à resolução imediata do contrato de trabalho, em 23.09.2023.
35. A mudança de local de trabalho não causava prejuízo sério ao A., nos termos e para os efeitos do nº 7 in fine da clª 18ª do C.C.T., não existindo justa causa de resolução do contrato, conforme supra alegado, devendo a douta sentença ser revogada.
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36. Ainda que se entenda que houve justa causa para a resolução do contrato de trabalho – o que não se concede e só por mera cautela de patrocínio se admite – e a recorrente seja responsabilizada, ainda assim, não se justifica a sua condenação no montante indemnizatório da sentença, atento o nº 7 da clº 18 do CCT, uma vez que agiu sem culpa.
37. Assim sendo, e se entender que houve justa causa para a resolução do contrato de trabalho – o que só se admite por mera hipótese de patrocínio - o montante indemnizatório por ano de antiguidade não deve exceder os 15 dias pelo que, neste caso, também quanto ao valor da indemnização deve ser revogada a douta sentença recorrida.
38. A eventual violação dos procedimentos previstos no art.º 196º do C. T. – que não se concede e só por mera cautela de patrocínio se admite – constitui contra-ordenação leve e não motivo justa causa de resolução do contrato.
Termina pedindo que seja revogada a sentença e declarado que o Autor resolveu o contrato de trabalho celebrado com a Ré sem justa causa e a recorrente absolvida.
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A A. contra-alegou e pediu a improcedência do recurso, concluindo:
53. Os pontos 15 e 16 dos factos provados estão redigidos de forma correta, pelo que se devem manter, sendo que o Autor dirigiu um e-mail no dia 17-08-2023, solicitando o pagamento das deslocações, bem como mostrando o seu descontentamento no desinteresse mostrado pelo corpo da entidade empregadora, aqui Ré, para custear as despesas acrescidas.
54. Quanto ao ponto 22 dos factos provados da sentença, deve ser mantido na sua íntegra, visto que o aumento do consumo de combustível e os custos com a manutenção do automóvel seriam agravados com a transferência para o novo local de trabalho.
55. Não existindo constrangimentos rodoviários, entre o antigo local de trabalho e o novo a distância seria aproximadamente entre 35 e 52 minutos, como se pode confirmar no Google Maps.
56. Pelo que o acréscimo de tempo tendo em conta a ida e o regresso, em média diária, seria aproximadamente de 86 minutos.
57. Ora, havendo trânsito diariamente na cidade de Lisboa, mas também na autoestrada ou estradas nacionais até ao novo local salienta-se que o acréscimo de tempo de ida e regresso do local de trabalho é bastante superior a 40 minutos.
58. Consequentemente, a manutenção da viatura deve ser assegurada pela aqui Ré, sendo a viatura do aqui Autor percorre mais km diariamente. Além disso, o tráfego da capital prejudica ainda os níveis do consumo de combustível do automóvel.
59. Assim sendo, nos termos do n.º 4 do artigo 194.º do Código Civil, como o n.º 5 da clausula 15.º na Convenção Coletiva de Trabalho convencionada pelas partes, a Ré era responsável pelas despesas mensais acrescidas de transporte ao trabalhador.
60. Assim sendo, o Autor deveria ser pago nos termos do n.º 3 da clausula 22.º ou compensado com igual redução no período normal de período diário, tal como fora convencionada na Convenção Coletiva de Trabalho.
61. O Autor viu o seu bem-estar físico e psíquico afetado com toda esta situação, já que o mesmo prestava as suas funções para aqui Ré há mais de uma década, dessa forma procedeu exames médicos que demonstraram que claramente esta incapaz de trabalhar.
62. Posto isto, o Autor resolveu o contrato de trabalho.
63. Salientar ainda que, o procedimento para a transferência do local de trabalho não foi válido. A Ré deveria ter comunicado ao Autor, por escrito, com oito dias antecedência, mencionando, para além do mais, a duração previsível da sua transferência.
64. Contrariamente ao que a Ré alega, a mudança de local de trabalho causa prejuízo sério ao Autor, existindo por isso justa causa de resolução do contrato.
65. Assim sendo, estão verificados os factos concretos para que haja prejuízo sério do trabalhador, e este poder resolver o contrato de trabalho.
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O MºPº teve vista, pronunciando-se no sentido da confirmação da sentença.
A R. respondeu ao parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
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* FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objeto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se merece censura a decisão de facto; se há justa causa de resolução pelo trabalhador; e eventualmente se a medida da indemnização de antiguidade fixada (35 dias x ano) é adequada.
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Da matéria de facto.
A matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal da Relação nas situações contempladas no n.º 1 do art.º 662º do CPC: se os factos tidos por assentes ou a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art.º 607.º, n.º 5, do CPC), segundo o qual “O juiz (…) aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”1. Ou seja, ao juiz cabe apreciar livremente as provas, sem constrangimentos nomeadamente quanto à natureza das provas, decidindo de harmonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido.
O controlo da matéria de facto, nomeadamente com base na documentação (mormente na gravação), dos depoimentos prestados em audiência, está vinculado à observância dos princípios fundamentais do processo civil, entre os quais, além do próprio principio da livre apreciação das provas2, o da imediação3.
É na 1ª instância que, por natureza, se concretizam os aludidos princípios4, estando, pois, em melhores condições de apreciar os depoimentos prestados em audiência, atento o imediatismo, impossível de obter na análise da matéria de facto na Relação, por ser quem conduz a audiência de julgamento e quem interage com a produção da prova e capta pormenores, reações, hesitações, expressões e gestos, enfim os símbolos impossíveis de detetar em simples gravações5.
O artigo 640 CPC estabelece os ónus que impendem sobre quem recorre da decisão de facto, sob pena de rejeição do recurso (art.º 640/1 e 2/a):
- especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (nº 1, alínea a);
- especificar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b);
- a decisão que, no seu entender, deve ser tomada sobre as questões de facto impugnadas (n.º 1, al. c).
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A R. cumpriu os ónus relativos a esta impugnação.
Vejamo-la, pois.
N.º 22: A Recorrente entende que a 2ª parte do ponto 22 dos factos provados está redigida de forma excessiva, imprecisa, incorrecta, subjectiva e conclusiva, constando que a deslocação para o novo local de trabalho tem (relativamente à deslocação para o anterior local de trabalho), inerente um “aumento de consumo de combustível da viatura, maior desgaste e mais rápida deterioração da mesma e consequente aumento dos custos da sua manutenção”, além de ser fundada em factos não provados, meramente conclusivos e baseados em simples suposições opinativas.
Aceita que a factualidade contida em 13 e 14 está correta (13. A viagem de automóvel feita pelo A. desde sua casa (Casais da Olaria, Lamas/Cadaval) ao anterior local de trabalho (Campo Real, Turcifal/Torres Vedras) implica um percurso de cerca de 36Km, percorridos em 40 minutos (pontos 20 e 21 dos factos provados); 14. A viagem de automóvel entre a residência do A. e o novo local de trabalho em Lisboa, através do implica um percurso de 72/73Kms (acréscimo de 36/37Km), percorridos em cerca de 1 hora (acréscimo de 20 minutos), utilizando autoestrada (A8 ou A1).
Pois bem. É conclusiva a resposta que envolve juízos valorativos ou de direito (neste sentido cfr. ac. RP de 27-09-2023, rlt J. Freitas), afastando-se, nessa medida, do plano naturalístico em que devem situar-se os factos.
Já não o é aquela que representa um corolário lógico, uma consequência natural, como será o dizer-se que “2 e 2 são 4” (neste sentido cfr. o ac. da RC de 20.06.2018, rlt- JE Martins: “Os factos conclusivos são ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum”).
É evidente, no caso, que o aumento de um percurso para aproximadamente o dobro acarreta o aumento de consumo de combustível da viatura, maior desgaste e mais rápida deterioração da mesma e consequente aumento dos custos da sua manutenção.
Desta sorte, a fundamentação exarada, de que estes aumentos “constituem consequências necessárias e inevitáveis do aumento do percurso”, é inatacável, correspondendo incontornavelmente à verdade.
E a resposta não tem subjacente uma valoração, mas uma mera consequência fáctica do aumento do percurso.
Pelo que improcede a impugnação.
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N.º 15: a ré pugna pela retificação do disposto neste número, decerto para evitar qualquer confusão no sentido de se “considerar provado … que o autor no e-mail 17/08/2023 faz um pedido para a R. custear as despesas com a deslocação para um novo local de trabalho” (cfr. pág. 10 das alegações).
O que não diz, porém, é que o n.º 14 reproduz o aludido e-mail, pelo que a pretendida retificação em 15 é totalmente inútil, nada esclarecendo ou corrigindo; e como tal não é permitida pelo princípio da economia dos atos processuais (art.º 130, CPC).
N.º 16: pretende a recorrente neste caso uma resposta totalmente diversa da que foi dada (“a ré nunca se disponibilizou perante o autor a custear as despesas inerentes à deslocação para o novo local de trabalho”), que refere apenas a disponibilidade desta para, em determinadas circunstâncias, autorizar o pedido. Não se trata, em bom rigor, de uma resposta positiva, explicativa ou restritiva. Mas ainda que assim não fosse, a pretensão não poderia proceder porquanto a argumentação aduzida não resiste claramente ao confronto com aquela que a decisão recorrida invoca, designadamente os sedimentos de CC e BB e as declarações de parte do autor.
Pelo que se julga improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto.
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São estes os factos apurados nos autos:
1) A 5 de maio de 2004 o Autor celebrou com a Ré contrato de trabalho escrito, a termo certo, para desempenhar, sob a autoridade e direção da Ré, as funções inerentes à categoria profissional de Vigilante;
2) De acordo com a cláusula 12.ª do contrato de trabalho o IRCT aplicável é o Contrato Coletivo de Trabalho entre a AES – Associação das Empresas de Segurança e outra e o STAD – sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, domésticas e Atividades Diversas e outros e o Sindicato dos Trabalhadores do Setor de Serviços e outros, publicado no Boletim do trabalho e Emprego, n.º 4, de 29 de Janeiro de 1993;
3) A relação contratual iniciou-se no dia 7 de maio de 2004 e tinha como data de cessação o dia o 06/05/2005;
4) A cessação por caducidade do referido contrato dependia de comunicação antecipada de uma das partes dirigida à outra parte, tal como disposto no contrato;
5) Uma vez que nenhuma das partes comunicou a cessação da relação laboral, o contrato foi sendo renovado até se ter transformado em contrato sem termo;
6) De acordo com a cláusula 2ª do contrato de trabalho, o local de trabalho era na “área Geográfica da Filial de LISBOA”;
7) Em concreto, pelo menos desde 12.12.2017, o local de trabalho do Autor era no Campo Real sito em Rua do Campo, Turcifal, 2565-770 Torres Vedras;
8) Nos dias 28.07.2023 a 30.07.2023 e nos dias 11.08.2023 a 13.08.2023 o Autor esteve de baixa médica;
9) Por e-mail enviado no dia 11.08.2023 o cliente da Ré, Condomínios do Campo Real, transmitiu à Ré comunicação com o seguinte teor:
“(…) Conforme conversa telefónica os Condomínios do Campo Real vem solicitar a V. Exas., como entidade empregadora, a substituição do funcionário AA, por elemento com maior proactividade.
Com os melhores cumprimentos
Eng. DD / EE / Eng. FF”.
10) Após a receção da comunicação referida no ponto anterior a Ré convocou o Autor para comparecer em reunião que se realizou no dia 16 de agosto de 2023 na sede da Ré;
11) No âmbito dessa reunião, o Autor foi informado que o seu posto de trabalho deixaria de ser no Campo Real e passaria a ser na Avenida Santos e Castro S/N – Lisboa e que essa alteração teria efeitos a partir do dia seguinte, ou seja, a partir do dia 17.08.2023, tendo a Ré solicitado ao Autor que se apresentasse naquele novo local de trabalho a partir desse dia;
12) Nessa reunião, em que estiveram presentes o Autor e os trabalhadores da Ré BB (escalador) e CC (vigilante chefe), foi entregue ao Autor comunicação escrita com o seguinte teor:
“(…) Serve a presente Comunicação de Serviço para informar o Vigilante AA, N.º 35188, que deverá apresentar-se no dia 17 de Agosto de 2023 às 16h00 para começar a estagiar no cliente Barraqueiro Transportes SA, situado na Avenida Santos e Castro S/N 1750-Lisboa, com o intuito de ser o Pivot de férias.
Irá estagiar no horário 16h00/00h00 nos dias 17 e 18/08/2023.
Estagia no horário 00h00/08h00 nos dias 20 e 21/08/2023.
Estagia no horário 08h00/16h00 nos dias 23 e 24/08/2023.
Até ao final do estágio irá receber indicações de qual a letra do vigilante que irá substituir por férias no cliente.
Linda-a-Velha, 16 de Agosto de 2023”;
13) Na mesma reunião (referida em 10)) o Autor pediu para que as despesas da sua deslocação para o novo local de trabalho fossem suportadas pela Ré, sendo-lhe dito por GG e CC que não podiam ser eles a autorizar esse pagamento e que o mesmo devia ser pedido, por escrito, aos recursos humanos da Ré;
14) Por e-mail remetido no dia 17.08.2023, o Autor dirigiu aos recursos humanos da Ré comunicação com o seguinte teor:
“(…) Bom dia, No seguimento da reunião de ontem, para a qual fui convocado através do email que junto, venho por este meio informar que, tal como já tinha avisado logo ontem o escalador BB e o supervisor CC, que nem hoje, nem qualquer um dos outros dias, irei comparecer no cliente Barraqueiro Transportes SA (Avenida Santos e Castro S/N - Lisboa), conforme comunicação interna apresentada presencialmente na reunião (em anexo), pelas mais diversas razões faladas ontem e que aqui apresento, para ficar por escrito e com conhecimento dos interessados:
1º Distância de 76 km da minha habitação até ao cliente (segue em anexo print do Google Maps para vossa confirmação)
2º Recibo de 2,45€ entre Aveiras de Cima e Alverca, só ida (segue em anexo o comprovativo da portagem de ontem, só para ir à Sede para a tal reunião)
Ainda só apresentei 2 razões e já são mais do que viáveis... primeiro que tudo porque imagino que, tal como eu, ninguém vai PAGAR para ir trabalhar e juntado o facto que só para me apresentar a tempo e horas ao serviço tinha que sair de casa com pelo menos 2 horas de antecedência, isto com o tempo bom!!!!!!
Depois de dar conhecimento aos presentes destas objeções, nenhum deles foi capaz de apresentar nenhuma solução, como por exemplo ajuda de custo de deslocação, foi-me dito que não era assunto para eles.... e que neste momento era o único local disponível......
Não posso deixar de referir que me senti gozado pelo simples facto de ter conhecimento de causa da falta de vigilantes que a zona Oeste tem! Mais ainda se juntar a justificação que me foi dada para já não me apresentar mais no cliente, onde até ao dia 15 de Agosto de 2023 exercia funções de vigilante, Condomínio Campo Real no Turcifal, uma vez que este "já não me queria lá"....!!!?!?
Justificação esta dada por boca e sem qualquer comprovativo ou justificativo palpável. Não posso deixar de referir o tão estranho e estapafúrdia que acho desta justificação uma vez que quem paga à Securitas são todos os moradores que pagam e bem um serviço de condomínio, moradores estes que quando têm algum problema dizem "só quando está cá o Sr. AA é que conseguimos resolver as coisas..."
Em quase 20 anos de trabalho na Securitas nunca mudei a minha forma e maneira de trabalhar, por alguma razão gostam sempre de mim em todos os clientes por onde já passei, nestes últimos 3 anos, ainda menos mudei.... anexo carta/email enviado pelo Condomínio Campo Real para a Securitas a elogiar o trabalho dos vigilantes, destacando a minha pessoa, AA, em primeiro lugar, para desta forma me conseguirem justificar o que é que mudou para já não me apresentar mais no Campo Real?!?”
15) Para além do mail referido no ponto anterior, o Autor não remeteu aos recursos humanos da Ré, por escrito, um pedido expresso de pagamento das despesas da sua deslocação para o novo local de trabalho;
16) A Ré nunca se disponibilizou perante o Autor a custear as despesas inerentes à deslocação para o novo local de trabalho;
17) A colocação do Autor no novo local de trabalho era provisória, até que surgisse disponibilidade de vaga nos clientes da Ré perto da residência do Autor;
18) Em agosto de 2023, para além do Campo Real, a Ré não dispunha de outros postos de trabalho mais próximos da residência do Autor que o novo local de trabalho;
19) O Autor deslocava-se para o local de trabalho com a sua viatura automóvel;
20) A deslocação entre a residência do Autor (sita na ...Cadaval) e o anterior local de trabalho (Campo Real, Turcifal / Torres Vedras) implicava um percurso de cerca de 36 kms;
21) Para percorrer o percurso entre a sua residência e o anterior local de trabalho (Campo Real, Turcifal / Torres Vedras), de carro, o Autor demorava cerca de 40 minutos;
22) A deslocação entre a residência do Autor -...Cadaval – e o referido novo local de trabalho (Avenida Santos e Castro – Lisboa) passaria a implicar o percurso de uma distância de cerca de 72/73 kms, com inerente aumento de consumo de combustível da viatura, maior desgaste e mais rápida deterioração da mesma e consequente aumento dos custos da sua manutenção;
23) Caso a referida deslocação se efetuasse em autoestrada (A1 ou A8), o Autor teria de suportar também custos acrescidos com portagens, sendo que o custo da portagem pela A1, entre Aveiras de Cima e Alverca, é de €2,45;
24) No trajeto entre a sua residência e o novo local de trabalho (Avenida Santos e Castro – Lisboa) o Autor demoraria, em média, cerca de 1 hora, caso efetuasse o percurso em autoestrada com portagem, ou cerca de 1 hora e 25 minutos caso efetuasse o trajeto em estradas sem portagem;
25) O salário que auferia da Ré era a única fonte de rendimento do Autor e do seu agregado familiar composto pela cônjuge e um filho menor;
26) Em consequência da súbita imposição da mudança de local de trabalho e dos custos acrescidos que a mesma implicava e que a Ré não se prontificou a suportar, o Autor sofreu stresse, ansiedade e nervosismo, sentiu-se triste e injustiçado e sentiu dificuldades em dormir;
27) No dia 22 de agosto de 2023 o Autor apresentou-se ao seu médico, Dr. HH, que após o examinar emitiu certificado de incapacidade temporária para o trabalho, com início reportado a 17.08.2023 e termo a 28.08.2023, e depois prorrogada (em 29.08.2023) até 27.09.2023;
28) O Autor comunicou à Ré a resolução imediata do contrato de trabalho mediante carta registada, com aviso de receção - datada de 18.09.2023 mas enviada apenas no dia 21.09.2023 e recebida no dia 22.09.2023 - com o seguinte teor:
“(…) ASSUNTO: Resolução de contrato de trabalho celebrado em 05.05.2004 por justa causa
Exmos. Senhores,
Venho pelo presente meio informar V. Exa., que nos termos do número 2 e) do artigo 394.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código de Trabalho, na sua versão atual, a resolução imediata do contrato de trabalho celebrado com V. Exa. a 5 de maio de 2004.
A dia 16.08.23 foi-me informado em sede de reunião que o meu posto de trabalho deixaria de ser no Campo Real e passaria a ser na Avenida Santos e Castro S/N-Lisboa a partir de 17.08.23. Este local dista 76 km da minha residência, sendo esta uma distância que acarreta um acréscimo de custos e de tempo de deslocação consideráveis. Além deste facto, esta comunicação não foi feita nos termos nem no prazo legalmente exigíveis (artigo 196.º/1 do Código de Trabalho) de 8 ou 30 dias de antecedência conforme se trate de alteração temporária ou definitiva e deve ser feita por escrito mencionando os motivos da alteração. Nada disto foi respeitado.
De acordo com as cláusulas 18ª/1 e 18.ª/2 do Contrato Coletivo de Trabalho entre a AES Associação das Empresas de Segurança e outra e o STAD Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas e outros e do Contrato Coletivo de Trabalho entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e o Sindicato dos Trabalhadores do Setor de Serviços - SITESE a rotatividade de postos de trabalho é considerada como mudança de local de trabalho quando a mesma implique um acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação para o trabalhador. Segundo o número 6 da mesma cláusula, estas despesas de transporte devem ser suportadas pela entidade empregadora. Todavia, V. Exas. não se demonstraram dispostos ou interessados em suportar tais custos de deslocação.
Estes comportamentos refletem má-fé da vossa parte, que interferem com as minhas condições de trabalho, visto que me prejudicam e induzem ao incumprimento das minhas obrigações. Tal corresponde a uma violação do artigo 126.º do Código do Trabalho que impõe às partes contraente de “colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador”, ou seja, impõe a boa-fé na execução do contrato de trabalho. Além do mais, a pressão sobre mim exercida através de um clima de perseguição e instabilidade, é uma violação à proibição de a entidade empregadora de “Exercer pressão sobre o trabalhador para que atue no sentido de influir desfavoravelmente nas suas condições de trabalho ou nas dos seus colegas de trabalho” constante nas Cláusulas 10.ª b) do Contrato Coletivo de Trabalho entre a AES – Associação das Empresas de Segurança e outra e o STAD - Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas e outros e do Contrato Coletivo de Trabalho entre a AES-Associação de Empresas de Segurança e o Sindicato dos Trabalhadores do Setor de Serviços -SITESE.
Todos estes motivos invocados consubstanciam-se em justa causa de resolução do contrato de trabalho celebrado.
Solicito que me seja entregue o CERTIFICADO DE TRABALHO previsto no n.º 1 do artigo 341.º do Código do Trabalho, bem como a compensação a que tenho direito.
Com os melhores cumprimentos,
AA
Cadaval, 18 de setembro de 2023”
29) Em resposta à comunicação da resolução a Ré remeteu ao Autor carta com o seguinte teor:
“(…) Assunto: Resposta à sua carta datada de 18/09/2023
Exmª Senhor
Em resposta à sua carta supra indicada, é a seguinte a nossa posição:
Aceitamos, a seu pedido, a resolução do contrato de trabalho com efeitos no dia 22 de setembro de 2023, data do recebimento da sua carta, mas contestamos os motivos invocados para a resolução do contrato de trabalho.
A indicação para se apresentar no novo posto de Trabalho resultou do facto de a cliente ande prestava serviço, ter solicitado a sua substituição.
A alocação ao novo cliente seria a título provisório, até que fosse possível alocá-lo em local mais próximo da sua residência, nunca afirmamos que esta colocação seria a título definitivo.
A empresa nunca se recusou a suportar os custos associados à nova colocação a título provisório.
Respeitamos a sua decisão, de pedido de denúncia do seu contrato de trabalho, mas rejeitamos os motivos invocados para o efeito.
Deverá proceder, nos escritórios da nossa Filial do Lisboa, à entrega em condições aceitáveis de manutenção, do fardamento que lhe está distribuído, e outros materiais e equipamentos que lhe tenham sido fornecidos, a partir do dia 31 de outubro de 2023, onde lhe serão pagos os créditos a que tiver direito.
Incluímos o certificado de trabalho.
Melhores cumprimentos”
30) À data da cessação do contrato o Autor auferia o vencimento mensal de € 864,96;
31) No recibo de retribuição do Autor relativo ao mês de outubro, a Ré quantificou o valor líquido a pagar ao Autor em €156,64, consignando em tal recibo, além do mais:
− o pagamento da quantia ilíquida de €668,38 a título de “Prop. Férias Por Vencer”;
− o pagamento da quantia ilíquida de €668,38 a título de “Prop. S. Férias Por Vencer”;
− o pagamento da quantia ilíquida de €648,72 a título de “Subsídio de Natal (Saída)”;
− a dedução/desconto da quantia de €1.561,79 a título de “Pré-aviso”;
32) O valor de €156,64, referido no ponto anterior, foi posto a pagamento ao Autor, o qual recusou o seu recebimento.
*
*
De Direito
Da Justa causa de resolução do contrato
Dispõe o n.º 1 do art.º 395 do CT, que rege o procedimento para resolução de contrato pelo trabalhador (conforme epigrafe), que “o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”.
O trabalhador, observado o procedimento supra referido, pode resolver o contrato unilateralmente, fundado num comportamento culposo do empregador, como estipula o art.º 394º: 1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato. 2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores; c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante. 3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador: a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato; b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador; c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição. d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A. 4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações. 5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Verificada a justa causa "o trabalhador tem direito a indemnização nos termos do art.º 396/1 e 2.
Há que distinguir o nº 2, que se reporta a casos justa causa subjetiva, em que há um comportamento culposo do empregador, do nº 3, que rege as situações em tal não se verifica. Por isso apenas nas primeiras o trabalhador tem direito ao pagamento da indemnização de antiguidade.
A justa causa para a resolução é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações (art.º 394/4). Destarte, «Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».
Importa, pois, que os comportamentos sejam de tal modo graves e tenham consequências tão sérias que tornem inexigível ao trabalhador a continuação da sua atividade em benefício do empregador (Cf. por todos acórdão do STJ de 18.04.2007, www.dgsi.pt, Processo 06S4282).
Também aqui o rigor da lei é algo mitigado, porquanto o trabalhador não dispõe de remédios conservatórios do vínculo, ao contrário do empregador. Neste sentido Júlio Gomes, no seu livro Direito do Trabalho, I, afirma a pág. 1043 e 1044: “…poder-se-á pensar que a noção de justa causa deveria ser aqui simétrica à do n.º 1 do artigo 396.º; no entanto, é duvidoso que assim seja já que, enquanto o empregador dispõe de outras sanções disciplinares e deve recorrer aos meios ou sanções conservatórias, a não ser em casos extremos em que se justifica o recurso ao despedimento, de tal possibilidade não beneficia, obviamente, o trabalhador que pode, quanto muito, advertir o empregador para que este, por exemplo, deixe de violar direitos contratualmente acordados ou lançar mão em certos casos de autotutela (designadamente da exceção de não cumprimento do contrato). Contudo, se a violação culposa desses direitos, por exemplo, persistir, o trabalhador pouco mais poderá fazer que optar entre tolerar a violação ou resolver o contrato. Além disso, e em segundo lugar, ao decidir da justeza e da oportunidade de um despedimento disciplinar promovido pelo empregador têm-se em conta, não apenas factores individuais - como o grau de culpa, em concreto, daquele trabalhador ou o seu passado disciplinar - mas também as consequências do comportamento do trabalhador na organização em que normalmente está inserido, a perturbação da “paz da empresa”, e, inclusive, até certo ponto, considerações de igualdade ou proporcionalidade de tratamento. Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação, o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica o despedimento”.
No caso provou-se com especial relevo a factualidade contida nos n.º 9 a 16, 19 a 24 e 28 dos factos provados.
Deles resulta que o autor foi convocado pela ré para uma reunião na qual foi informado que a partir do dia seguinte passaria a prestar a atividade noutro local (9 a 12); demandou logo o pagamento das novas despesas (13) e no dia seguinte insurgiu-se contra a mudança por e-mail (14); a deslocação entre a residência do autor no Cadaval e o anterior local de trabalho no Turcifal, Torres Vedras, implicava uma deslocação na sua viatura automóvel de 36 km percorridos em cerca de 40 minutos e a do Cadaval para o novo local de trabalho em Lisboa cerca de 72/73 km, pelo menos 1 hora e, por outra estrada (sem portagens), 1 hora e 25 minutos (20 e ss), sendo que a R. nunca se disponibilizou a custear as despesas inerentes à deslocação para o novo local de trabalho (19). O autor resolveu o contrato invocando justa causa em 22/09/23 (28).
Ponderou designadamente a sentença recorrida:
“O artigo 194º do Código do Trabalho, a propósito da “preju”, estabelece que (…).
Como resulta do ponto 2) dos factos provados, como previsto no próprio contrato de trabalho celebrado entre as partes, é aplicável à relação laboral o Contrato Coletivo de Trabalho entre a AES – Associação das Empresas de Segurança e outra e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, domésticas e Atividades Diversas e outros e o Sindicato dos Trabalhadores do Setor de Serviços e outros, publicado no Boletim do trabalho e Emprego, n.º 4, de 29 de Janeiro de 1993, sendo que ambas as partes também reconhecem a aplicabilidade daquele CCT, embora reportando-se a distintas revisões do mesmo, fazendo a Ré alusão (cfr. artigo 5º da contestação) às publicadas no BTE n.º 17, de 08.05.2011 e no BTE n.º 22, de 15 de junho de 2020 (esta ultima com republicação do texto integral) e o Autor à ultima revisão, publicada BTE n.º 4, de 29/1/2023 (cfr. artigo 4º da resposta à reconvenção).
O referido CCT publicado no BTE n.º 4, de 29 de Janeiro de 1993, foi objeto de sucessivas revisões, objeto de publicação nos seguintes BTE: BTE n.º 26, de 15 de Julho de 2004; BTE n.º 10, de 15 de Março de 2006: BTE n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2008; BTE n.º 10, de 15 de Março de 2009; BTE n.º 17, de 08.05.2011; BTE n.º 38, de 15 de outubro de 2017; BTE n.º 22, de 15 de junho de 2020 (com republicação integral); BTE n.º 9, de 8 de março de 2022; e BTE n.º 4, de 29/1/2023.
Estabelece a Cláusula 17.ª daquele CCT, sobre o “Local de trabalho”, o seguinte:
1- «Local de trabalho» é o local geograficamente definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, para a prestação da atividade laboral pelo trabalhador.
2- Na falta desta definição, o local de trabalho do trabalhador será aquele no qual o mesmo inicia as suas funções.
E na Cláusula 18.ª, o mesmo CCT, a respeito da “Mobilidade geográfica”, estabelece o seguinte (negrito e sublinhados do tribunal):
1- A estipulação do local de trabalho não impede a rotatividade de postos de trabalho característica da atividade de segurança privada, sem prejuízo de, sendo caso disso, tal rotatividade vir a ser, no caso concreto, entendida como mudança de local de trabalho, nos termos e para os efeitos da presente cláusula.
2- Entende-se por mudança de local de trabalho, para os efeitos previstos nesta cláusula, toda e qualquer alteração do local de trabalho definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, ainda que dentro da mesma cidade, desde que determine acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação para o trabalhador.
3- O trabalhador só poderá ser transferido do seu local de trabalho quando:
a) Houver cessação do contrato entre a entidade empregadora e o cliente;
b) O trabalhador assim o pretenda e tal seja possível sem prejuízo para terceiros (troca de posto de trabalho);
c) O cliente solicite a sua substituição, por escrito, por falta de cumprimento das normas de trabalho, ou por infração disciplinar imputável ao trabalhador e os motivos invocados não constituam justa causa de despedimento;
d) Haja necessidade para o serviço de mudança de local de trabalho e desde que não se verifique prejuízo sério para o trabalhador.
4- Sempre que se verifiquem as hipóteses de transferência referidas no número anterior, as preferências do trabalhador deverão ser respeitadas, salvo quando colidam com interesses de terceiros ou motivos ponderosos aconselhem outros critérios.
5- Se a transferência for efetuada a pedido e no interesse do trabalhador, considerando-se igualmente nesta situação aquele que anuiu à troca, nunca a empresa poderá vir a ser compelida ao pagamento de quaisquer importâncias daí decorrentes, seja com carácter transitório ou permanente.
6- Havendo mudança de local da prestação de trabalho por causas ou factos não imputáveis ao trabalhador, a entidade empregadora custeará as despesas mensais, acrescidas do transporte do trabalhador, decorrentes da mudança verificada. O acréscimo de tempo (de ida para e regresso do local de trabalho), superior a 40 minutos, gasto com a deslocação do trabalhador para o novo local de trabalho, será pago tendo em consideração o valor hora determinado nos termos da cláusula 32.ª, ou compensado com igual redução no período normal de trabalho diário.
7- Nos casos previstos nas alíneas a) e c) do número 3 da presente cláusula, o trabalhador, querendo rescindir o contrato, tem direito a uma indemnização correspondente a um mês de retribuição base por cada ano de antiguidade, salvo se a entidade empregadora provar que da mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador.
Face ao teor deste cláusula, nomeadamente o seu n.º 2, a primeira conclusão que se impõe em função dos factos provados, é que, ainda que a cláusula 2ª do contrato de trabalho estipulasse que o local de trabalho era na “área Geográfica da Filial de LISBOA”, a alteração do exercício de funções do Autor, do Campo Real, no Turcifal, para Lisboa, configura uma alteração do local de trabalho, pois que essa alteração implicaria, senão um “acréscimo significativo de tempo”, conceito que é indeterminado, pelo menos um acréscimo das despesas de deslocação para o trabalhador (cfr. ponto 22) dos factos provados).
*
A segunda conclusão que se impõe é que, tratando-se de uma alteração do local de trabalho, só seria admissível nas situações expressamente previstas no n.º 3 da cláusula (…).
No caso (…) a Ré não alegou qualquer outro fundamento para a necessidade de alteração do local de trabalho senão que foi efetuada por solicitação do cliente. Ora, como refere a alínea c), para que a alteração do local de trabalho seja admitida, não basta que o cliente solicite a substituição do trabalhador, por escrito, sendo necessário que esse pedido de substituição seja devido a falta de cumprimento das normas de trabalho ou infração disciplinar imputável ao trabalhador em que os motivos invocados não constituam justa causa de despedimento. (…) Como resulta do ponto 9) dos factos provados, o cliente da Ré limitou-se a pedir, por escrito, a substituição do Autor “por elemento com maior proactividade”, não sendo portanto invocada qualquer falta de cumprimento das normas de trabalho ou qualquer infração disciplinar imputável ao A., pelo que manifestamente não estão verificados os pressupostos de admissibilidade da alteração do local de trabalho previstos na alínea c) do n.º 3 da clausula 18ª do CCT em apreço.
(…) A Ré em momento algum invocou qualquer dos restantes fundamentos de admissibilidade da alteração suprarreferidos. Todavia, em audiência de julgamento, quando suscitada a não verificação dos pressupostos previstos na alínea c) do n.º 3 da clausula 18ª, tentou, através dos depoimentos das suas testemunhas, o enquadramento na previsão da al. d), ou seja, “necessidade para o serviço de mudança de local de trabalho e desde que não se verifique prejuízo sério para o trabalhador.”. Sucede que a Ré não só nunca alegou nem concretizou qualquer necessidade para o serviço da mudança do local de trabalho, nem perante o tribunal nem ao trabalhador, como tal necessidade nunca poderia decorrer apenas de um mero receio do cliente prescindir dos seus serviços se não acedesse ao pedido de substituição do Autor (sendo que no caso em apreço não foi demonstrado ou sequer alegado que tal risco existisse efetivamente) pois que se tal se admitisse ficariam completamente desvirtuadas as exigências previstas na al. c) do n.º 3, relativas à necessidade do pedido de substituição ser devido a falta de cumprimento das normas de trabalho ou infração disciplinar imputável ao trabalhador, já que perante qualquer pedido de substituição, por mais infundado que o mesmo fosse, sempre o empregador, invocando tal receio, teria a porta aberta para proceder à alteração do local de trabalho.
Assim sendo, inevitavelmente se conclui que a alteração do local de trabalho imposta ao Autor, mesmo que transitória, não obedeceu aos pressupostos de admissibilidade previstos no n.º 3 da clausula 18ª do CCT, sendo por isso ilegal.
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Mesmo que tal alteração fosse legal, por imposição direta do n.º 6 da mesma cláusula sempre a Ré estaria obrigada a pagar ao Autor as despesas acrescidas que este teria de suportar com a deslocação para o novo local de trabalho.
De acordo com o n.º 7 da cláusula 18ª, em apreço, a alteração do local de trabalho, se efetuada legalmente, no âmbito dos pressupostos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 3, confere ao trabalhador direito a rescindir o contrato com direito a indemnização correspondente a um mês de retribuição base por cada ano de antiguidade, salvo se a entidade empregadora provar que da mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador, norma que não tem assim aplicação no caso em apreço porquanto, como referido, a alteração do local de trabalho foi ilegal por não obedecer a qualquer dos pressupostos de admissibilidade previstos no referido n.º 3 da clausula 18ª do CCT, nem foi esse o caminho que o Autor seguiu pois que procedeu à comunicação da resolução do contrato invocando justa causa, ao abrigo do disposto no artigo 394º do Código do Trabalho, nos termos referidos no ponto 28) dos factos provados.
(…)
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(…)
Para além disso, a alteração também não foi comunicada ao Autor com observância das exigências previstas no art.º 196º do Código do Trabalho, nomeadamente não foi efetuada com a antecedência ali prevista (como resulta dos factos provados foi comunicada na reunião de 16.08.2023, com efeitos reportados ao dia seguinte) nem foi indicada, por escrito, a respetiva fundamentação nem a duração previsível da transferência, ou sequer se a mesma era temporária ou definitiva, pois que tais informações não constam da comunicação referida no ponto 12) dos factos provados.
Verifica-se assim que a imposição da transferência de local de trabalho (…) consubstancia uma violação culposa de garantias legais ou convencionais do A. (nomeadamente das previstas no n.º 3 da clausula 18ª do CCT, e no art.º 196º do CT, facto suscetível de consubstanciar justa causa de resolução nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 394º do Código do Trabalho.
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Por outro lado, (…) a alteração do local de trabalho implicava um percurso adicional (face ao que já era necessário para a deslocação do anterior local de trabalho) de cerca de 74 kms por dia (73 kms – 36 kms = 37 kms x 2 = 74kms) e de cerca de 1628 kms por mês (74 kms x 22 dias), com inerente aumento de consumo de combustível da viatura, maior desgaste e mais rápida deterioração da mesma e consequente aumento dos custos da sua manutenção, além de que, sendo a deslocação efetuada em autoestrada (sem o que as deslocações, em vez de passarem de cerca de 01h20 (40 minutos x 2) para cerca de 2 horas (1 hora x 2) por dia, passariam a demorar cerca de 02h50m (01h25 x 2) por dia, caso fossem feitas em estradas sem portagem) implicaria ainda o pagamento de portagens, que pela A1, implicariam um custo diário de €4,90 (€2,45 x 2) e mensal de mais de €100,00 (€4,90 x 22 dias).
Não resultaram quantificadas as despesas acrescidas com combustível e manutenção do veículo resultantes das deslocações acrescidas. No entanto, num cálculo simplista, um veículo a gasóleo, que tivesse um consumo médio de apenas 5 litros por cada 100 kms, para percorrer os cerca de 1628 kms mensais acrescidos, gastaria cerca de 81,4 litros de combustível (5 litros: 100 kms x 1628 kms), que ao preço médio de gasóleo de €1,5, implicaria um custo aproximado de €122,10 (81,4 litros x €1,5). Só tal valor, sem ter em conta despesas de manutenção, corresponderia a quase 15% do salário do Autor (€864,96). Se ao mesmo adicionarmos os cerca de €100,00 de portagens, o Autor suportaria despesas de cerca de €222,10, o que correspondia a mais de 25% do seu salário!
Assim sendo e uma vez que a Ré impôs a alteração do local de trabalho sem nunca se prontificar ou garantir o pagamento de tais despesas (não obstante esse pagamento fosse expressamente imposto pela cláusula 18ª, n.º 6, do CCT), não podemos deixar de considerar que a ordem de alteração do local de trabalho, para além de ser ilegal por violar a garantia convencional conferida ao Autor pelo n.º 3 da Clausula 18ª do CCT, implica igualmente uma lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do Autor, também suscetível de consubstanciar justa causa de resolução nos termos da al. e) do n.º 2 do artigo 394º do Código do Trabalho.
Tais factos afiguram-se por isso suficientemente graves, quer pela ilegalidade manifesta da imposição da alteração e pelo incumprimento dos deveres legais relativos à comunicação (falta de informação escrita dos fundamentos e da duração ou sequer do carater temporário ou permanente da mesma), quer pelas consequências que a mesma acarretaria a nível económico para o Autor, nos termos supra analisados, permitindo concluir que se tornava inexigível ao Autor a continuação da sua atividade em benefício da Ré em tais condições, pelo que se considera verificada a justa causa de resolução do contrato”.
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A ré insurge-se argumentando que se tratava de uma alteração provisória, que o autor não requereu aos recursos humanos da ré o pagamento das despesas acrescidas, e que nem sequer tinha obrigação de suportar estas despesas, uma vez que o acréscimo no percurso não é superior a 40 minutos (cl.ª 18/6, CCT, factos provados 20 e 21, e ainda 22, 24), pelo que a mudança não lhe acarretava prejuízo significativo.
Deve notar-se que entre os vícios apontados à atuação da ré, e que esta não põe em causa, se contam a falta indicação na comunicação escrita de todos os elementos decorrentes do normativo aplicável e a falta de aviso prévio (pelo menos 8 dias de antecedência, art.º 196/1). Acresce que também não esclareceu as razões para a transferência suscetíveis de preencher o disposto no n.º 3 da cl.ª 18 do CCT.
Por outro lado, a R. não se dispôs a suportar as despesas acrescidas com o transporte do trabalhador (cl.ª 18/6 CCT e 194, n.º 4, do CT).
Do disposto na cl.ª 18/6 CCT não resulta que apenas sejam pagas as deslocações superiores a 40 minutos, mas sim que “serão pagas as despesas mensais, acrescidas do transporte do trabalhador, decorrentes da mudança verificada”.
O que será pago também se houver um dispêndio de tempo superior a 40 minutos é o próprio “acréscimo de tempo… gasto com a deslocação do trabalhador para o novo local de trabalho”.
Logo, a ré tinha a obrigação de suportar as despesas acrescidas, as quais, aliás, não eram despiciendas (fp. 21 a 24) e não podiam deixar de se reflectir no rendimento do trabalhador (25 e 26).
O trabalhador despenderia mais de 40 minutos em deslocação para o novo local de trabalho deslocando-se pelas estradas sem portagem, ou em alternativa teria de suportar portagens, encargos que se somariam aos necessariamente decorrentes da realização de um maior percurso (o qual tem também diversa natureza, deixando de estar limitado a um segmento da região do Oeste e passando a envolver deslocações de e para a capital, com todas as consequências, fp. n.º 22 e 24).
Como nota a Srª Procuradora-Geral Adjunta, “o não pagamento das referidas despesas de deslocação tinha grande impacto na economia doméstica do recorrido, atento o baixo valor da retribuição auferida, o elevado custo das referidas deslocações e o facto de ser o único elemento do seu agregado familiar que auferia rendimentos”.
Daqui se conclui que existe efetivo prejuízo sério para o trabalhador decorrente da mudança, suscetível de fundamentar a resolução do contrato com justa causa.
Pelo que se julga improcedente o recurso nesta parte.
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Da indemnização
Pretende a ré que todo o modo agiu sem culpa, na sequência de um pedido do cliente, provisoriamente até que surgisse uma nova vaga em cliente mais próximo da residência do autor; além de que o autor não formalizou pedido escrito para custear as despesas.
A sentença condenou a ré fixando a indemnização em 35 dias de retribuição por ano de antiguidade (ou seja, valor pouco acima da bitola média de 30 dias), esgrimindo que “tendo em conta que o valor da retribuição auferida pelo autor se cifra em 864,96 €, pouco acima da RMMG e a manifesta ilicitude da conduta da ré”.
Não acompanhamos a ré na crítica à decisão: não se vislumbra que a sua culpa seja mínima, atenta a sua natureza de conhecida empresa operadora no mercado de vigilância e a forma como se propôs operar a transferência sem indicar razões nem suportar despesas.
Por outro lado, é um facto que a retribuição do autor, próxima do RMMG, fundamenta uma bitola percentualmente superior àquela que seria a correspondente a um valor retributivo mais elevado (art.º 396/1, CT).
Desta sorte, o recurso não merece provimento.
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* DECISÃO
Pelo exposto, este Tribunal julga improcedente o recurso de facto e de direito e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pela R.
Lisboa, 9 de abril de 2025
Sérgio Almeida
Susana Silveira
Paula Santos
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1. Cf. o que é corolário das regras do direito substantivo cível art.º 396 (“A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal”), 391 (“O resultado da inspeção é livremente apreciado pelo tribunal”) e 389 (“A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”).
2. “O que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas processuais. O que decide é a verdade material e não a verdade formal” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, cl. Edit., 384).
3. “O princípio traduz-se principalmente no contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova (Manuel de Andrade, idem, 386).
4. E ainda, acrescente-se, o da oralidade.
5. E o problema não está no mero áudio, mas na natureza estática da documentação. Ainda que se grave som e imagem é fácil ver que só o Tribunal que recolhe a prova pode pôr as testemunhas à prova para dissipar duvidas, aperceber-se in loco de cumplicidades e tensões inconfessadas, etc.