ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÃO VITALÍCIA
REMIÇÃO PARCIAL FACULTATIVA
Sumário

Considerando o disposto no artigo 75º nº2 da LAT é possível proceder à remição parcial facultativa, peticionada em 2024, de uma pensão de 5.905,87€, actualizada em 2024 para 6.786,08€, correspondente a uma IPP de 47,31%, respeitante a um sinistrado de 57 anos de idade, que, à data do acidente, auferia a retribuição anual de 17.833,34€, sendo o valor a remir de 1.866,08€ e a pensão anual sobrante de 4.420€, porquanto:
- a pensão anual e vitalícia corresponde a uma IPP superior a 30%;
- o capital de remição parcial é inferior ao capital de remição que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%; e
- a pensão anual sobrante não é inferior a seis vezes a rmmg à data da autorização da remição.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
Nos presentes autos de acção emergente de acidente de trabalho, a seguir a forma de processo especial, em que é sinistrado AA, nascido a 02-11-1966, e responsáveis a FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e ENGIPLAZA - ENGENHARIA CONSTRUÇÃO LDA, foi proferida sentença em 15-02-2024, que transitou em julgado, e que decidiu:
“-Fixa-se ao sinistrado uma IPP de 47,31%, sendo a alta reportada a 07-02-2022; e
- Condenam-se:
a) ambas as responsáveis no pagamento ao sinistrado de uma pensão anual e vitalícia, devida desde 08-02-2022, no valor €5.563,331, sendo €5.563,33 a cargo da seguradora e €342,54 a cargo da empregadora;
d) tudo acrescido de juros de mora devido desde o dia seguinte ao dia da alta, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.”
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O sinistrado, em 15-02-2024, veio requerer a remição parcial da pensão até ao valor máximo legalmente permitido.
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Foi proferida decisão que considerou legalmente inadmissível, e indeferiu a requerida remição parcial da pensão anual e vitalícia fixada.
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Inconformado, o sinistrado interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que:
1.ª De acordo com o art.º 75.º n.º 2 al. a) da LAT a pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, ou seja, 4.920€ (820€x6), pelo que tal como consta da Douta Promoção ao valor atual da pensão (6.786,08€) abate-se esse valor que será a pensão sobrante (4.920€) para se apurar qual o valor que é possível fazer a remição parcial que é nos presentes de 1.866,08€ (6.786,08€-4.920€), tendo na Douta Decisão Recorrida sido feito o cálculo de remição parcial considerando esse valor, o que deu um capital de remição parcial de 22.422,81€.
2.ª Porém, no cálculo da pensão sobrante houve um erro de escrita, pois, em vez de se abater à pensão atual a pensão que é possível ser feita a remição parcial (1.866,08€) para se obter a pensão sobrante abateu-se a pensão correspondente a 30% de incapacidade (3.745€).
3.ª Assim, nos termos do art.º 614.º do CPC aplicável por art.º 1.º n.º 2 do CPT, deve ser feita a retificação do erro de escrita ou de cálculo da Douta Decisão Recorrida, ficando a constar que a pensão sobrante é de 4.920€, ou seja, a diferença entre a pensão atual (6.786,08€) e a que é possível pedir a remição (1.866,08), a qual não é inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, cumprindo-se assim o requisito previsto no art.º 75.º n.º 2 al. a) da LAT.
4.ª O Recorrente louva-se na Douta Promoção, o que se alega para todos os efeitos legais, pois, reúne os requisitos previstos nas als. a) e b) do n.º 2 do art.º 75.º da LAT pelo que pode pedir a remição parcial.
5.ª Com o devido respeito pela Douta Decisão Recorrida, para se apurar se há remição parcial tem que se deduzir à pensão anual arbitrada (6.786,08€) as seis retribuições mínimas mensais garantidas (4.920€) e se for apurado algum valor é sobre esse que é feita a remição parcial, o que foi o caso pois apurou-se 1.866,08€ (6.786,08€-4.920€), aliás, conforme tem sido entendido pela Jurisprudência Dominante, como se exemplifica nos acórdãos de 29/03/2023 e 18/11/2015 referidos em 15.1. a 15.2..
6.ª Contudo, na Douta Decisão Recorrida para se apurar a pensão sobrante (aquela de que não se pode pedir a remição) diminui-se à pensão atual a pensão corresponde a 30% de IPP, quando não se pediu a remição parcial dessa incapacidade.
7.ª Com o devido respeito pela opinião em contrário, o valor da pensão sobrante é de 4.920€ e o valor da pensão que se pode pedir a remição parcial é de 1.866,08€ (6.786,08€-4.920€), conforme consta da Douta Promoção, pelo que está preenchido o requisito previsto no n.º 2 al. a) do art.º 75.º da LAT, pelo que a pensão sobrante (pensão de que não vai ser feita a remição parcial) não é inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição.
8.ª O Recorrente nasceu em 02/11/1966, pelo que tem 57 anos de idade e tendo em conta a Portaria n.º 11/2000 para se apurar o capital de remição deve aplicar-se 12,016, pelo que tendo em conta que tinha uma retribuição anual de 17.833,34€ á data do sinistro, o capital de remição correspondente a uma IPP de 30% é de 44.999,94€ (17.833,34x0,70x30%x12,016), tal como consta na Douta Decisão Recorrida e na Douto Promoção e tendo em conta o valor que é possível pedir a remição parcial de 1.866,08€, o capital de remição é de 22.422,82€ (1.866,08x12,016).
9.ª Com efeito, o valor do capital da remição parcial é de 22.422,82€ o qual não é superior ao capital que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 % o qual seria de 44.999,49€, pelo que também está preenchido o requisito no n.º 2 al. b) do art.º 75.º da LAT.
10.ª Na Douta Sentença Recorrida foi feita uma interpretação errada do disposto nos art.º 75.º n.º 2 al. a) da LAT.
Nestes termos e nos demais de direito deve revogar-se a Douta Decisão Recorrida e em consequência julgar-se procedente o pedido de remição parcial da pensão.”
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O Ministério Público contra-alegou, concluindo que:
1.ª - De acordo com o regime legal do art.º 75.º, n.º 2 da NLAT, pode ser parcialmente remida a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30% ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal, desde que se respeitem dois pressupostos cumulativos, a saber:
a) a pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;
b) o capital de remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.;
2.ª -Analisada a situação em concreto e o regime jurídico resultante do citado art.º 75º, n.º 2 da NLAT, resulta que o capital de remição parcial (22.442,81€) é inferior ao capital de remição que caberia a uma IPP de 30% (44.999,94€) e que, como tal, resulta verificado o requisito previsto na alínea b) do preceito legal em apreço;
3.ª - Contudo, a pensão anual sobrante (a saber, 2.986,84€) no presente caso é inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição (4.920€).
4.ª - Não se mostrando verificado o requisito previsto na alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da NLAT, conclui-se não ser legalmente admissível a remição parcial da pensão anual fixada.
5.ª - É de concluir que a decisão recorrida, ao indeferir a requerida remição parcial da pensão anual e vitalícia oportunamente fixada, não merece qualquer reparo nem censura, tendo procedido à correta aplicação do regime legal aplicável in casu.
6.ª - Assim, conclui-se que a decisão recorrida é formal e materialmente correta, tendo sido prolatada em rigoroso cumprimento de todas as imposições legais, devendo merecer inteira confirmação, pelo que, tem de improceder o recurso interposto.
V. Exas., no entanto, melhor decidirão e farão como sempre a Costumada Justiça!
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer nos seguintes termos:
Por sentença de 15-02-2024 foi fixada ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia com base num IPP de 47,31% reportada a 07-02-2022, no valor de € 5.905,871, sendo € 5563,33 da responsabilidade da seguradora e € 342,34, da responsabilidade da empregadora.
A referida pensão foi atualizada em 2023 (8,4%) para € 6401.96 e em 2024 (6%) para € 6.786,08.
A remição parcial foi pedida (e indeferida) em 2024, sendo que nesse ano a RMMG era de € 820,00.
Assim, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 75.º, n.º 2 da LAT, a pensão sobrante não podia ser inferior a € 4.920,00.
Com base neste critério, a pensão remível era, de facto de € 1.866,08 (€ 6.786,08 - € 4.920,00).
Para verificar o critério da alínea b) do mesmo artigo 75.º, n.º 2 da LAT importa calcular a pensão22 que seria devida ao sinistrado se estivesse afetado de uma IPP de 30%.
Assim: € 17.833,34 x 0,7 x 0,3 = € 3.745,00
É manifesto que a pensão de € 1.866,08 não excede o capital de remição calculado com base numa IPP de 30%.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, somos de parecer que o recurso merece provimento, devendo autorizar-se a remição parcial da pensão, tal como requerido.
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O autos foram aos vistos às Exmas. Desembargadoras Adjuntas.
Cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, cumpre apreciar e decidir se há lugar à remição parcial e facultativa da pensão do sinistrado.
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III – Fundamentação de Facto
Os factos com interesse para a decisão são os que resultam do relatório que antecede, e ainda que o acidente de trabalho ocorreu no dia 10-08-2021, e que o sinistrado auferia a remuneração anual de 17.833,34€ (sentença).
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IV – Apreciação do Recurso
A única questão que requer pronuncia é se a pensão atribuída ao sinistrado é passível de remição parcial e facultativa.
Atenta a data em que ocorreu o acidente de trabalho – 10-08-2021 – o regime aplicável é o que resulta da Lei 98/2009, de 04-09 (LAT).
A remição da pensão é uma das formas de reparação do dano que resulta do acidente de trabalho. Extingue a obrigação de pagar a pensão que, ao invés de ser paga anualmente, é liquidada de forma unitária, convertendo-se em capital 3.
Como afirma Vítor Ribeiro “[E]ntre nós … a medida legal em que é consagrada, tem um sinal marcadamente reservado.
A pensão é, por vocação, uma prestação duradoura, por toda a vida ou, pelo menos, até uma certa idade mínima dos familiares beneficiários por morte (…) [A] inalienalibiliadde e irrenunciabilidade dessas pensões … vedam qualquer possibilidade da sua transmissão ou renúncia, ou qualquer outra forma, não permitida por lei, da sua negociação, mesmo a título oneroso. Trata-se aqui do grau mais absoluto de indisponibilidade que alcança não só a existência do direito, mas também o seu exercício (…)”4. Embora pronunciando-se sobre a longínqua Lei 2127 de 3-08-1965, estes considerandos continuam judiciosos e pertinentes à luz da actual Lei dos Acidentes de Trabalho, face ao regime da remição aí previsto, e ao disposto no artigo 78º, cuja epígrafe “Inalienabilidade, impenhorabilidade, irrenunciabilidade dos créditos e garantias”, resume o regime protector dos créditos inerentes à reparação por acidentes de trabalho, que se concretiza na norma “[O]s créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho.”
A remição pode ser obrigatória, resultante de uma imposição legal, ou facultativa, dependendo da vontade das partes. Mas em ambos os casos, a lei é clara quanto ao regime excepcional que integra, pois em ambos os casos é a lei que estabelece as condições em que ela é obrigatória ou facultativa.
Nas palavras de Carlos Alegre “a chamada remição facultativa, (…) difere da anterior, dita obrigatória, não já porque o montante da pensão é de tal modo reduzido, que seria mais inconveniente do que vantajoso forçar o sinistrado, a recebê-la em pequeníssimas frações, mas porque, não sendo o seu montante de tal forma elevado, cuja remição pudesse criar dificuldades financeiras, às entidade seguradoras, é suficiente para que o seu recebimento unitário, se mostre “economicamente mais útil” para o sinistrado. Assim, o critério que impõe a remição (por isso, dita obrigatória) é o do seu pequeno montante e consequente desvantagem (para o sinistrado e seguradora) em pagamentos periódicos; o critério que permite a remição (por isso, dita facultativa) é o da maior utilidade económica para o sinistrado, sem gravames financeiros prejudiciais para a seguradora. O legislador, numa linha de pensamento que privilegia o pagamento de uma pensão, ao longo de toda a vida do sinistrado, em detrimento de um pagamento unitário, por razões que se prendem, alegadamente, com a proteção do sinistrado contra si próprio, consente a remição agora, em termos muito mais liberais do que anteriormente5. Ainda assim, rodeia-a de precauções que visam acautelar o sinistrado de se ver desprovido de um rendimento periódico.
Deste modo, quanto às condições de remição desta modalidade de remição, dispõe o artigo 75º da Lei 98/2009 de 04 de Setembro, que “2 - Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30 % ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites:
a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;
b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 %.”.
Os requisitos são cumulativos.
Como afirmado no acórdão desta Secção de 24-03-20216No que se refere à remição facultativa, a jurisprudência tem vindo a esclarecer os pressupostos de que depende a sua aplicação, fazendo apelo a montante, a uma visão unitária e global da pensão a considerar - desde que verificados se mostrem os requisitos legais previstos na lei, estes considerados em termos actualísticos, ou seja, à data do pedido de remição facultativa da pensão. Cfr. Acórdãos do TRL 21-03-2007, proc. 1048/2007; do TRE de 14-06-2018, proc. 237/10.4TTSTR.B.E1 disponíveis em www.dgsi.pt.”.
A 1ª instância decidiu da seguinte forma:
Conforme decorre da sentença proferida nos presentes autos em 15-02-2024, oportunamente transitada em julgado, e a data em que o requerimento foi apresentado há que atentar nos seguinte:
A Retribuição anual ………………………………… €17.833,34
Incapacidade (IPP):....................................................... 47,31%
Idade para efeitos do cálculo........................................ 57 anos
Taxa da tabela prática (Portaria 11/2000):.................. 12,016
Pensão anual = €17.833,34 x 70% x 47,31%= €5.922,44, sendo que, por força das actualizações se mostra a mesma fixada em €6.786,08
PMNR no ano 2021 = €820,00x 6 = €4.920
PPPR = €6.786,08– €4.920= €1.866,08
PI30% = €17.833,34 x 0,70 x 0,30 = €3.745,00
A PPPR é inferior à PI30% e, assim, opera-se do seguinte modo:
Capital de remição (parcial) = €1.866,08x12,016= €22.422,81
Capital de remição para pensão de 30% - 44.999,94€ (3.745€ x 12,016)
Pensão sobrante €6.786,08- €3.745,00= €3.041,08
Esta pensão não é remível.
Não o é obrigatoriamente porque a IPP é superior a 30 % (art.º 75º, n.º1); e não o é facultativamente porque não obstante do capital da remição ser inferior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 %, e apesar da IPP ser superior a 30 %, a diferença entre a pensão anual e a PMNR é inferior ao que corresponde à pensão anual sobrante, não estando verificado, assim, o requisito do art.º 75º, n.º2, al. a), da LAT, por serem cumulativos os requisitos constantes do art.º 75º, n.º2, da LAT.
Por todo o exposto, por legalmente inadmissível, indefiro a requerida remição parcial da pensão anual e vitalícia oportunamente fixada.”
O Apelante refere que ocorreu um erro de cálculo ou de escrita na decisão recorrida, pois, em vez de abater à pensão actual a pensão em que é possível ser feita a remição (1.886,08€), a 1ª instância abateu a pensão correspondente a 30% da incapacidade.
De acordo com o disposto no artigo 613º do CPC, proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, ressalvando-se os casos de rectificação de erros materiais, que é lícito suprir (cfr. N.ºs 1 e 2 do preceito).
Em matéria de rectificação dos erros materiais dispõe o artigo 614º, o qual, para o que aqui releva, autoriza o juiz, por sua iniciativa ou a requerimento das partes, a corrigir por simples despacho os “erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto”, rectificação que pode ter lugar a todo o tempo, no caso de nenhuma das partes recorrer da decisão.
Citando Alberto dos Reis “Importa distinguir cuidadosamente o erro material do erro de julgamento. O erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. (…)
O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz, logo a seguir, se convença de que errou, não pode socorrer-se do art.º 667º para emendar o erro.”7
Portanto, este desvio ao princípio da intangibilidade da decisão consagrado no nº 1 do preceito, válido para quaisquer inexactidões devidas a lapso manifesto, justifica-se pela circunstância da vontade declarada na sentença não corresponder à vontade do juiz, e por não fazer sentido “que subsista vontade diversa daquela que o juiz teve em mente incorporar na sentença ou despacho8, ficando obviamente de fora o erro de julgamento.
A lei exige que o erro seja manifesto sendo, pois, necessário que as circunstâncias sejam de molde a fazer admitir, sem sombra de dúvida, que o juiz foi vítima de erro ou engano, tendo escrito uma coisa quando, de forma evidente, queria escrever outra. Há-de ser o próprio contexto da sentença que há-de fornecer a demonstração clara do erro material.[.2]
No presente caso, o tribunal a quo nada rectificou, e, na verdade, o que resulta da decisão recorrida é que o tribunal, depois de elaborar as operações exigidas pelo artigo 75º nº 2 da LAT para aferir da admissibilidade da remição parcial da pensão, considerou que a pensão sobrante é a que resulta da diferença entre a pensão do sinistrado e a que resulta de uma incapacidade de 30%, o que repetiu na fundamentação que desenvolveu para considerar que a pensão não é remível. Não se trata aqui de um erro de cálculo ou de escrita, trata-se de assentar a fundamentação em determinadas premissas considerados como pressupostas pela lei para acionar a remição parcial facultativa. Caso tenha assentado em pressupostos errados, ocorre erro de julgamento e não apenas um lapso. É o que veremos de seguida.
In casu, têm interesse os seguintes factos
- o sinistrado auferia a retribuição anual de €17.833,34;
- foi fixada ao sinistrado uma IPP de 47,31%;
- o sinistrado, à data do pedido de remição, tinha 57 anos;
- em 15-02-2024 foi fixada a pensão anual e vitalícia de 5.905,87€ (repartida entre a Seguradora e a entidade patronal), por reporte à data da alta - 07-02-2022 – e actualizada para 6.786,08€, por aplicação dos índices de actualização para os anos de 2023 e 2024, previstos, respectivamente, nas Portarias 24-A/2023 de 9 de Janeiro (8,4%), e 423/2023, de 11 de Dezembro (6%).
Embora o pagamento da pensão esteja deferido à Seguradora e à entidade patronal, para efeitos de aferição da admissibilidade da remição cumpre atender ao seu valor uno.9
Aplicando os factos ao direito:
A IPP fixada ao sinistrado é superior a 30%, pelo que está preenchido o requisito a alude o corpo do nº2 do artigo 75º supra citado.
Porém, como vimos, a lei estabelece limites à possibilidade de remição parcial da pensão fixada a sinistrado com IPP superior a 30%.
O primeiro refere-se à pensão anual sobrante, que não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição (alínea a) do nº2 do art.º 75º).
Destarte, o valor da rmmg é aferido à data da prolação da decisão em 1ª instância, que corresponde ao momento em que deve ser autorizada a remição. Considerar que o valor da rmmg deve ser actualizado a cada vez que uma instância se pronuncie sobre a questão da remição (se as instâncias não se pronunciarem no mesmo ano), por um lado, poderá conduzir a resultados sucessivamente diferentes quanto à possibilidade legal da remição facultativa, por alteração dos respectivos pressupostos de base, e, por outro lado, subverte-se a função da Apelação que é a de apreciar se a 1ª instância observou corretamente o quadro legal aplicável à questão a decidir, passando, ao invés, a Relação a decidir a questão como se pela 1ª vez.10
A pensão sobrante é aquela que continuará a ser paga ao sinistrado após a remição parcial.
A retribuição mínima mensal garantida era, em 2024, data em que foi decidida a remição parcial facultativa, e por força do Decreto-Lei 107/2023, de 17 de Novembro, de 820€, o que significa que o valor mínimo não remível é de 4.920€.
Procedendo à diferença entre a pensão anual e o valor mínimo não remível, obtemos o valor de 1.866,08€ (6.786,08€ - 4.920€), que corresponde à pensão a remir.
Por outro lado, a lei estabelece ainda como limite que o capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 %.” (alínea b) do nº 2 do art.º 75º), pelo que cumpre apurar este montante: 17.833,34€ x 0,70 x 0,30 = 3.745€.
Como se sabe, o capital de remição é calculado por aplicação das bases técnicas do capital da remição, bem como das respectivas tabelas práticas, que são aprovadas por Decreto-Lei do Governo (artigo 76º nº 1 e 2 da citada Lei 98/2009).
A taxa aplicável ao presente caso, face à idade do sinistrado, é de 12,016 (Portaria 11/2000 de 13 de Janeiro, que estabelece as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho).
Assim
- capital de remição para pensão de 30% - 3.745€ x 12,016 = 44.999,92€.
- capital de remição parcial – 1.866,08€ x 12,016 = 22.422,82€.
Conclui-se, pois, que
- a pensão anual e vitalícia fixada nos autos corresponde a uma IPP superior a 30%;
- o capital de remição da pensão de 1.866,08€ (parcial) é inferior ao capital de remição que resultaria e uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%, pelo que apenas será possível remir a pensão de 1.866,08€, sendo a pensão sobrante no valor de 4.920€;
- se remíssemos a pensão de 3.745€, resultante de uma IPP de 30€, a pensão sobrante seria inferir a 6 vezes a RMMG, que é de 4.920€.
Assim, concorda-se com a promoção da Exma. Procuradora Geral Adjunta, (e também com a promoção de 25-09-2024), e julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida.
De facto, a decisão recorrida, para obter a pensão sobrante, encontrou a diferença entre a pensão do sinistrado e aquela que corresponderia a uma IPP de 30%. No entanto, a lei apenas chama à colação a incapacidade de 30%, para a determinação do capital de remição, em coerência com o disposto no nº1 do artigo 75º relativamente à remição obrigatória, que impõe a remição de pensões muito baixas. A determinação dessa pensão não serve o propósito de apuramento da pensão anual sobrante que só pode fundar-se na concreta situação do sinistrado.
Assim sendo, continuará a ser paga ao sinistrado, a partir da presente data, a pensão anual e vitalícia de 4.920€, sendo 4.634,64€, a cargo da Seguradora e 285,36€, a cargo da empregadora.
Portanto, revoga-se a decisão recorrida, e, nos termos do artigo 75º nº2 a) e b) da LAT, defere-se a remição parcial da pensão devida ao sinistrado, ascendendo o valor da pensão a remir a 1.866,08€, devendo a 1ª instância ordenar se proceda ao cálculo do capital, que ascende a 22.422,82€.
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V – Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso interposto por AA, revogando-se a decisão recorrida, e deferindo-se a remição parcial da pensão devida ao sinistrado, ascendendo o valor da pensão a remir a 1.866,08€ (mil, oitocentos e sessenta e seis euros e oito cêntimos), e a pensão anual sobrante a 4.920€ (quatro mil, novecentos e vinte euros), sendo 4.634,64€ (quatro mil, seiscentos e trinta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos) a cargo da Seguradora, e 285,36€ (duzentos e oitenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos) a cargo da empregadora.
Custas a cargo da Apelada.
Registe.
Notifique.

Lisboa, 09-04-2025
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Alexandra Lage
Francisca Mendes – que junta a seguinte declaração de voto:
Entendo que no cálculo da pensão sobrante, para os efeitos previstos na alínea a) do nº 2 do art.º 75º da lei nº 98/2009, de 04.09, dever-se-á atender à retribuição mínima garantida em vigor à data da autorização da remição.
Considero, por isso, que a pensão a remir seria no montante de €1566,08 (€6786,08-€5220).
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1. O valor referido no dispositivo corresponde a manifesto lapso, como resulta do corpo da sentença, sendo o valor correcto de 5.905,87€ (5.563,33 + 342,54).
2. É consabido que é sobre a pensão que se calcula o capital de remição. Nota de rodapé do Parecer.
3. Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, pág. 156.
4. In Revista do Ministério Público – Acidentes de Trabalho – Cadernos 1, pág. 76. 5. In Ob. citada, pág.240.
6. Processo 2445/14.0TTLSB.L2-4.
7. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V, pág.130.
8. Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, pág. 130.
9. Vide, entre outros, acórdão da Relação do Porto de 04-11-2019 – Processo 2602/17.7T8AVR.1.P1 – e jurisprudência e doutrina aí citadas, e em cujo sumário se diz: “– A aferição do preenchimento das condições estabelecidas nas alíneas do nº 2, do art.º 75º, da NLAT, tem de ser efectuada em função da pensão globalmente considerada, independentemente da divisão da responsabilidade pelo respectivo pagamento. II - As pensões constituem um todo único ainda que a responsabilidade pelo seu pagamento esteja distribuída por mais do que uma entidade. (…)”
10. Vide nesse sentido acórdão da Relação de Guimarães de 06-02-2025 – Processo 2/23.9T8VRL-A.G1.