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IPATH
PARECER DO IEFP
NOÇÃO DE POSTO DE TRABALHO
Sumário
I - Na determinação da natureza e medida da incapacidade do sinistrado, o juiz deve socorrer-se da prova pericial, considerando a natureza eminentemente técnica – do foro médico – das matérias a que é chamado a decidir. A própria lei assim o obriga (artigos 140º nº 1 e 2 e 145º nº1 do CPT). II - A força probatória dos pareceres periciais é fixada livremente pelo tribunal, o que significa que é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjectiva e, por isso, deve ser motivada. III - Nada impede que o juiz, na formação da sua convicção, e ao avaliar criticamente os vários exames periciais elaborados, aceite fundamentadamente uns em detrimento de outros, pois não está vinculado a uma perícia em detrimento de outra. IV – Na IPATH o que está em causa não é propriamente um juízo científico similar ao traduzido na existência de uma incapacidade permanente parcial, mas saber se essa incapacidade impede a sinistrada de realizar o seu trabalho habitual. V – À IPATH subjaz tanto uma base factual como um juízo científico, pois deve considerar-se, não só as sequelas que o sinistrado apresenta, mas também as características do posto de trabalho do sinistrado, bem como as funções concretas que o mesmo desempenhava à data do acidente, e que deixou de desempenhar. Portanto, para além dos pareceres médico-periciais, é determinante a intervenção do IEFP, cujo parecer sobre as características das funções exercidas pela sinistrada e das exigências do respectivo posto de trabalho, corresponde também a um exame pericial, sujeito ao princípio da livre apreciação da prova. VI - Haverá que atribuir à sinistrada uma IPATH se se mostrar que, em consequência do acidente, ficou incapacitada a 100% para o exercício das funções de enfermeira ou, pelo menos, que se mostra impossibilitada de executar o núcleo essencial das tarefas inerentes a essa categoria profissional, o que significa que não é reconvertível no seu posto de trabalho, ainda que lhe reste alguma capacidade para exercer outra actividade laboral compatível com a capacidade restante. VII – O posto de trabalho para efeitos de apreciação da reconversão do sinistrado corresponde ao conjunto de tarefas, responsabilidades e exigências adstritos ao trabalhador à data do acidente, não relevando o simples designativo formal atribuído ao local de trabalho. VIII - A articulação entre a reconvertibilidade e a não reconvertibilidade passa por considerar que o sinistrado não está ou está afectado por uma IPATH, pois são precisamente as situações de IPATH as situações típicas de não reconvertibilidade do trabalhador sinistrado em relação ao seu posto de trabalho à data do acidente.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
AA intentou acção emergente de acidente de trabalho, sob a forma do processo especial, contra “FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A..” e contra o “HOSPITAL GARCIA DE ORTA, E.P.E..” peticionando a condenação das Rés, na medida da respectiva responsabilidade, no pagamento: (i) da quantia de € 628,48, a título de diferenciais indemnizatórios pelos períodos de incapacidade temporária; (ii) do capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de € 2.986,21, desde 14 de Julho de 2018; (iii) da quantia de € 2.475,00, a título de despesas com consultas médicas, com tratamentos médicos, com exames médicos e a título de despesas de deslocação para comparência a tais actos; (iv) da quantia de € 60,00, a título de deslocações aos exames médicos e ao tribunal; (v) de juros de mora.
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Em 16-04-2021 foi proferida decisão que julgou “a Autora afectada de uma IPP de 18,446% desde 13/07/2018.”
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Em 13-09-2021 foi proferida sentença que decidiu “a) condena as rés a pagar à autora a quantia de € 886,46 (oitocentos e oitenta e seis euros e quarenta e seis cêntimos), a título de diferencial de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, sendo € 429,62 (quatrocentos e vinte e nove euros e sessenta e dois cêntimos) a cargo da ré seguradora e € 456,84 (quatrocentos e cinquenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos) a cargo da entidade empregadora, quantias a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde o fim do mês em que cada parcela deveria ter sido liquidada até efectivo e integral pagamento;
b) condena as rés a pagar à autora, com efeitos a 14 de Julho de 2018, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 2.713,46 (dois mil setecentos e treze euros e quarenta e seis cêntimos), sendo € 2.647,97 (dois mil seiscentos e quarenta e sete euros e noventa e sete cêntimos), a cargo da ré seguradora, e € 65,49 (sessenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos), a cargo da ré empregadora, capital ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, desde 14 de Julho de 2018 até efectivo e integral pagamento;
c) condena as rés a pagar à autora, a título de despesas médicas, tratamentos e transporte, a quantia de € 822,23 (oitocentos e vinte e três euros e vinte e três cêntimos), sendo € 802,43 (oitocentos e dois euros e quarenta e três cêntimos), a cargo da ré seguradora, e € 19,80 (dezanove euros e oitenta cêntimos), a cargo da ré empregadora, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; d) no mais, absolve as rés do pedido.”
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Interposto recurso para este Tribunal da Relação, foi proferido acórdão em 27-04-2022, que decidiu “julgar a apelação procedente e, em consequência, alterar a sentença recorrida passando o dispositivo a ser nos seguintes termos:
"Por tudo quanto se deixa exposto, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a. condena as rés a pagar à autora a quantia de € 637,20 (seiscentos e trinta e sete euros e vinte cêntimos), a título de diferencial de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, sendo €180,36 (cento e oitentaeuros e trinta e seis cêntimos) a cargo da ré seguradora e € 456,84 (quatrocentos e cinquenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos) a cargo da entidade empregadora, quantias a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde o fim do mês em que cada parcela deveria ter sido liquidada até efectivo e integral pagamento;
b. condena as rés a pagar à autora, com efeitos a 14 de Julho de 2018, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €2.713,46 (dois mil setecentos e treze euros e quarenta e seis cêntimos), sendo € 2.647,97 (dois mil seiscentos e quarenta e sete euros e noventa e sete cêntimos), a cargo da ré seguradora, e € 65,49 (sessenta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos), a cargo da ré empregadora, capital ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, desde 14 de Julho de 2018 até efectivo e integral pagamento;
c. condena as rés a pagar à autora, a título de despesas médicas, tratamentos e transporte, a quantia de € 822,23 (oitocentos e vinte e três euros e vinte e três cêntimos), sendo € 802,43 (oitocentos e dois euros e quarenta e três cêntimos), a cargo da ré seguradora, e € 19,80 (dezanove euros e oitenta cêntimos), a cargo da ré empregadora, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
d. no mais, absolve as rés do pedido." Custas em 1º instância como ali fixado. Apelação sem custas.”
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Em 15-03-2023, a sinistrada requer seja submetida a exame médico de revisão, alegando que “segundo, informação médica, “à data mantém incapacidade para o trabalho por persistência da sua patologia ansiosa com episódios de pânico (nomeadamente aquando do uso de transportes públicos) que impacta e impede grandemente a sua actividade laboral, pelo que, não apresenta condições para retomar a sua normal actividade laboral.”
Pretende se ordene a elaboração de relatório ao Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) de molde a aferir se não está apta para desempenhar a sua profissão.
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Foi realizado exame médico, que respondeu aos quesitos formulados da seguinte forma:
1- Quais as sequelas que a sinistrada apresenta, actualmente, em consequência do acidente de trabalho?
Resposta – Clínica compatível com algoneurodistrofia do membro superior direito (lado dominante) – ao nível do punho – manifestada por dor localizada e refractária/neuropática, défices de força muscular contra resistência e das amplitudes articulares, alterações sensitivas, cromáticas e da temperatura, condicionando impotência funcional do mesmo.
Enquadrável em III – 6.1.10
Perturbações de stress pós-traumático em relação com o evento em apreço, implicando medicação diária e crónica e acompanhamento pelas especialidades de Psicologia e Psiquiatria, atualmente medicada com Duloxetina 120 mg id manhã e Pregabalina 150 mg 2id e Triticum 100 mg 1 id noite, condicionando repercussões a nível pessoal, familiar, social, profissional. Enquadráveis em X – 2 – Grau I.
2- Essas sequelas decorrem de agravamento das lesões que sofreu na sequência do acidente de trabalho ocorrido em 21 de Março de 2017?
Resposta: Sim.
3- Pode melhorar com tratamento? Na afirmativa, qual o tipo de tratamento?
Resposta: Na presente data, não. Os tratamentos que realiza têm como objetivo evitar um agravamento precoce do caso e/ou possibilitar um melhor prognóstico do mesmo.
4- Tais sequelas determinam-lhe um agravamento da incapacidade permanente que lhe foi atribuída?
Resposta: Sim.
5- Na afirmativa, qual o grau de desvalorização de que se mostra afectada e desde quando?
Resposta: IPP de 23,20%.
6- É portadora de IPATH?
Resposta: Sim; As sequelas que apresenta não são compatíveis com a profissão de Enfermeira, tendo em conta a incompatibilidade entre as mesmas e as funções nucleares da mesma profissão, inclusive conforme proposto e fundamentado em parece do IEFP atrás referido e também corroborado pelo médico do centro de saúde da área da sua residência.
7- Desde que data?
Resposta: Desde a data do pedido de revisão.
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Foi realizado exame por junta médica, que respondeu aos seguintes quesitos, da seguinte forma
1) Existe agravamento clínico das sequelas?
Resposta: sim (por unanimidade).
2) Em caso afirmativo, em que consiste o agravamento?
Resposta: Agravamento da dor relacionada com o síndrome doloroso regional complexo (algoneurodistrofia) com necessidade de tratamentos multimodais. (unanimidade)
3) Qual o atual enquadramento das sequelas na TNI?
Resposta: Capítulo III – 6.1.10 (algoneurodistrofia do MS direito) e Cap. X – 2 grau 1 (pós-traumático) (unanimidade)
4) Qual a IPP atual a considerar?
Resposta – IPP de 23,2% (unanimidade)
5) O agravamento dessas sequelas implica atribuição de IPATH? Justifique sff.
Resposta: Não, uma vez que a sinistrada poderá exercer as funções de enfermeira que não envolvam actividade em esforço moderado a intenso com o membro superior direito.
Pelo perito da Seguradora foi dito ainda que sendo a sinistrada funcionária do Hospital Garcia de Orta (hospital público) há todas as condições para proporcionar a reconversão profissional. (maioria)
Pelo perito da sinistrada foi dito que subscreve a proposta do exame singular e a descrição do parecer do IEFP.
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Foi determinada a realização de junta médica da especialidade de Medicina do Trabalho, que respondeu aos seguintes quesitos, pela seguinte forma:
“- as sequelas que a sinistrada é portadora ao nível do membro superior direito permitem que continue a exercer as funções de enfermeira, mormente no serviço de urgência geral?
- em caso afirmativo, qual a tipologia de funções que continua a poder executar?
Resposta: Pelo perito em representação do tribunal e pelo perito em representação da Seguradora, poderá desempenhar tarefas, no Serviço de Urgência, consentâneas com as limitações funcionais que tem, designadamente, em termos de triagem e de orientação. O perito médico da sinistrada entende que não.
- em caso negativo, deverá a afirmação ser justificada, tendo em consideração o elenco funcional subjacente à actividade.
Resposta: Pelo perito em representação do tribunal e pelo perito em representação da Seguradora, prejudicado. Pelo perito médico em representação do sinistrado a sinistrada à data do acidente, seu posto de trabalho habitual era enfermeira do Serviço de Urgência Hospitalar. Das múltiplas tarefas descritas na legislação relativa ao exercício profissional dos enfermeiros, aplicáveis no Serviço de Urgência (o seu posto de trabalho habitual), não são compatíveis em provavelmente mais de 90%, com esse exercício, pelo que se considera que a sinistrada tem uma incapacidade permanente para o seu trabalho habitual à data do acidente.
O perito em representação da seguradora, solicitou a possibilidade de assinalar o seguinte:
Segundo as orientações aprovadas pela Competência em Avaliação do Dano na Pessoa da Ordem dos Médicos, constantes em estudo publicado na Revista do Ministério Público n° 173, de Janeiro: Março 2023, sob o título Acidentes de trabalho e Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH) — contributo para a avaliação do dano na pessoa", o "conceito de IPATH corresponde à incapacidade, concretamente avaliada, do ponto de vista médico-legal, de reintegrar a pessoa sinistrada no seu posto de trabalho habitual ou em outro, na área da sua QECTP (qualificação/experiência/competência técnico-profissional), na mesma empresa ou em outra, atendendo às sequelas resultantes, tarefas estruturantes, qualificações e idade, sendo, em geral, necessário o recurso à reconversão profissional. Nas situações em que a reconversão profissional não é possível, estaremos, então, perante um caso de IPA". Determina-se, também, que "A atribuição de IPATH deve concretizar-se apenas nos casos em que não haja qualquer dúvida sobre a mesma (não se trata de uma avaliação opinativa), ou seja, exclusivamente com base em fundamentos concretos e demonstráveis". E acrescenta-se, ainda, que as leges arfis da avaliação pericial determinam que "O perito médico necessita, sempre, de fundamenar a atribuição da IPATH", considerando as sequelas observadas, o posto de trabalho e as funções/tarefas exercidas, especialmente as estruturantes, podendo os aspetos ligados à idade, estado geral, QECTP e habilitações académicas, serem também equacionados, conforme referido na definição proposta.
Note-se, que a situação sequelar do sinistrado seria inteiramente suscetível de uma reconversão profissional, caso não pudesse continuar no posto de trabalho que ocupava ou em outro na mesma unidade de saúde, dentro das suas funções profissionais de enfermeira. Ora acresce, citando ainda o mesmo estudo acima referido, que "tendo como meta a reintegração laboral da pessoa sinistrada, este conceito (o de trabalho habitual) deverá ser considerado não apenas em relação às tarefas que aquela executava de forma regular, mas, também, em relação a outras mais ocasionais, e até mais raras ou mesmo novas, importando, sim, que se enquadrem dentro do âmbito da sua QECTP (qualificação/experiência/competência técnico-profissional), de forma a que a capacidade restante possa, efetivamente, ser aproveitada e o trabalhador consiga manter uma vida profissional ativa no domínio da área de trabalho prévia". Tal como igualmente se assinala neste estudo "Poderá ser atribuída uma IPP nos casos em que a pessoa sinistrada tenha capacidade para retomar o essencial das suas anteriores tarefas, seja no seu posto de trabalho habitual ou em outro posto de trabalho, desde que na área da sua QECTP, ainda que com esforço acrescido e, eventualmente, com algumas adaptações ou modificações técnicas, que permitam a execução dessas tarefas tendo em conta as limitações funcionais adquiridas e a capacidade restante. A atribuição de IPATH ou IPA, ficará a depender da possibilidade de RP (Reconversão Profissional) da pessoa sinistrada".
Assinalam ainda estas recomendações, que "Na generalidade dos casos, deverá existir alguma proporcionalidade entre a taxa de IPP valorada e a atribuição de IPATH, ainda que em situações excecionais, tal possa não acontecer, devendo, também nestes casos, explicar-se de forma clara e concreta, IPATH qual o motivo da discrepância".
No caso em apreciação, a funcionalidade/capacidade restante é plenamente compatível com diversos outros postos de trabalho no âmbito da enfermagem, nomeadamente e a mero titulo de exemplo, atividade de codificação ou de triagem inicial, linha de atendimento SOS, etc. sendo que atividade de triagem já foi realizada anteriormente pela sinistrada e no âmbito da urgência.
Em face do que fica exposto e de uma cuidadosa ponderação do caso em apreço, e com o maior respeito e consideração - e que é muito - pela opinião diversa de perito interveniente na Junta, este perito médico entende, assim, que a presente situação não justifica a atribuição de IPATH, pois a sinistrada tem capacidade funcional para desempenhar funções numa unidade de saúde, ainda que "com esforço acrescido e, eventualmente, a necessidade com algumas adaptações ou modificações técnicas, que permitam a execução dessas tarefas tendo em conta as limitações funcionais adquiridas e a capacidade restante, que aos serviços de medicina do trabalho da empresa competirá definir e implementar.
Entende ainda este perito assinalar que não existem, na data desta junta, elementos clínicos para que se considere um quadro de algoneurodistrofia. Note-se, também, que não existe qualquer atrofia do membro superior direito (que diz taxativamente não utilizar há 7 anos, o que evidencia que não ser verdade esta afirmação), acrescendo que a sinistrada afirma que conduz. Como considerar que pode conduzir e depois dizer não poder utilizar sequer o membro superior direito para teclar em computador?” ***
Foi pedido parecer ao IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional que procedeu à seguinte análise e conclusão sobre as exigências do posto de trabalho da sinistrada e
“X. A análise conjugada dos elementos disponíveis, essencialmente os apurados através da análise da entrevista à trabalhadora sinistrada Sra. AA, e informação clínica disponível, permite observar as seguintes evidências:
1. A capacidade de articulação e força dinâmica do membro superior direito apresenta significativas restrições na mobilidade do punho: flexão dorsal 300; flexão palmar 30; Pronação 700; Supinação 450; Desvio radial 200; desvio cubital 100; e fenómenos álgicos com mobilização;
2. Alterações sensitivas no bordo cubital do antebraço, mão e 5º dedo da mão esquerda, e do bordo cubital do punho e do 5º dedo da mão direita. 3. Sintomatologia indiciadora de sequelas de Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT).
4. Das principais exigências requeridas pelas tarefas do posto de trabalho habitual de enfermeira que a Sra. AA desempenhava à data do acidente, destacam-se as seguintes por considerarmos serem as mais relevantes para a avaliação da incapacidade para o trabalho habitual:
• É necessário a mobilização e força dinâmica de ambos os membros superiores, exigida pela persistente necessidade de manipulação de objetos e equipamentos, com destreza e rapidez.
• É exigido coordenação bimanual e destreza digital de ambos os membros superiores que permita efetuar os atos básicos de enfermagem, designadamente os que exigem a manipulação cuidadosa de utensílios e equipamentos;
• É necessário, de modo frequente, manipular pesos que podem atingir 30/40 Kg, assim como empurrar e puxar pesos que podem atingir os 80/90 Kg.
• É exigido adequada estabilidade emocional que permita atuar de forma responsável e assertiva nas emergências médicas diversas.
• A sinistrada é dextra.
5. Considerando as exigências físicas e psíquicas requeridas para o desempenho das tarefas nucleares do posto de trabalho de enfermeira no serviço de urgência que a sinistrada desempenhava, entendemos que estas parecem ser incompatíveis com as incapacidades que a Sra. AA aparenta atualmente, e dificilmente compatíveis com os atos de enfermagem exigidos em qualquer local ou serviço, corroborando o parecer emitido pela perita médica do tribunal no relatório de exame por junta médica, “…que considera que as sequelas a nível do punho de que a sinistrada é portadora inviabilizam o desempenho inerente às tarefas de enfermeira que a sinistrada desempenhava à data do acidente – enfermeira de serviços de urgência, bem como todos os outros serviços onde a mesma tenha de prestar cuidados diretos aos doentes que impliquem esforços mobilidade e destreza com ambas as mãos…como é o caso da profissão de enfermagem.” 6. Entendemos também que os manifestos sentimentos de tristeza, desesperança e labilidade emocional revelados pela Sra. AA são motivo de encaminhamento para intervenção de âmbito psicológico/psicoterapêutico.”
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Foi proferida decisão que julgou “procedente o incidente de revisão, condeno:
a) as entidades responsáveis (seguradora e empregadora) a pagar à sinistrada a pensão anual e
vitalícia de € 10.368,60 (dez mil trezentos e sessenta e oito euros e sessenta cêntimos), desde 15 de Março de 2023 actualizada, desde 1 de Janeiro de 2024 para € 10.990,72 (dez mil novecentos e noventa euros e setenta e dois cêntimos), sendo € 10.118,35 (dez mil cento e dezoito euros e trinta e cinco cêntimos) a cargo da seguradora e € 250,25 (duzentos e cinquenta euros e vinte e cinco cêntimos) a cargo da empregadora, no ano de 2023, e € 10.725,46 (dez mil setecentos e vinte e cinco euros e quarenta e seis cêntimos) a cargo da seguradora e € 265,26 (duzentos e sessenta e cinco euros e vinte e seis cêntimos) a cargo da empregadora, no ano de 2024, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações da pensão em falta até efectivo e integral pagamento; b) a seguradora a pagar à sinistrada o subsídio de elevada incapacidade, no valor de € 4.473,60 (quatro mil quatrocentos e setenta e três euros e sessenta cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 15 de Março de 2023 até efectivo e integral pagamento.”
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Inconformada, a FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS S.A, interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
“1. Proferiu o Tribunal a quo Sentença, por haver considerado encontrar-se dotado de todos os elementos, os quais, no seu entendimento, eram aptos à decisão, designadamente de facto.
2. Salvo melhor opinião, foi cometido erro de julgamento, precisamente porque os elementos
de que o tribunal dispunha não o aptavam à decisão que acabou por tomar.
3. Assim, considera a ora Apelante incorretamente julgados os factos que dão como provado que “sem prejuízo do parecer maioritário emitido nas perícias por Junta Médica antes relatado, entende o tribunal, dele divergindo, que à sinistrada não pode deixar de ser reconhecida a afectação com IPATH.”.
4. Afigura-se inquestionável a força probatória do auto de exame por junta médica, mesmo sujeita ao princípio da livre apreciação pelo juiz.
5. Neste sentindo, ensina-nos o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 01/09/2020, “não estando o juiz adstrito às conclusões da perícia médica (…) apenas dela deverá discordar, (…) com base em opinião científica em contrário, em regras de raciocínio ou máximas da experiência que possa extrair no âmbito da sua prudente convicção.”.
6. A mera realização de junta médica pressupõe, per si, a pronúncia dos peritos sobre todo o tipo de lesões que a sinistrada pudesse padecer, tendo sempre presente todas as idiossincrasias relativas a cada posto de trabalho.
7. Já no que toca aos pareceres do IEFP, estes pretendem apenas esclarecer eventuais dúvidas sobre o emprego do trabalhador incapacitado.
8. Não só os relatórios periciais em causa se baseiam nos testemunhos prestados pelos sinistrados, sem verificação efectiva das suas capacidades e incapacidades para as tarefas,
9. Como a ser verificável, ainda estariam em falta os conhecimentos médicos do técnico do IEFP para tal avaliação.
10. No processo em crise, foi determinada a marcação de uma segunda junta médica da especialidade de medicina do trabalho esclarecimentos com o fito único de apurar uma eventual IPATH por parte da Sinistrada.
11. Mais uma vez ficou demonstrado que a Sinistrada poderá desempenhar tarefas, no Serviço de Urgência, consentâneas com as limitações funcionais que tem, designadamente, em termos de triagem e de orientação.
12. Assim, conforme conclusões da mesma junta, a sinistrada tem capacidade funcional para desempenhar funções numa unidade de saúde,
13. Ainda que com esforço acrescido e, eventualmente, a necessidade com algumas adaptações ou modificações técnicas, que permitam a execução dessas tarefas tendo em conta as limitações funcionais adquiridas e a capacidade restante, que aos serviços de medicina do trabalho da empresa competirá definir e implementar.
14. Ao contrário do exposto na sentença, da referida junta resultaram também elementos clínicos que desconsideram que a Sinistrada padece de um caso algoneurodistrofia, ficando também demonstradas algumas incoerências no discurso da mesma,
15. Como pode a sinistrada em sede de junta médica ter alegado que não utiliza o membro superior há 7 anos e ao mesmo tempo conduz?
16. Parece assim claro que o Tribunal a quo pretende atribuir uma IPATH só por cautela de um eventual incumprimento da entidade patronal da sua obrigação de reintegração da sua trabalhadora.
17. Deve assim se proceder a alteração da decisão nos termos do nº 1 do artigo 662º do CPC, aplicável por remissão do artigo 1º, nº2 al. a), do CPT,
18. Uma vez que a sentença recorrida violou e interpretou erroneamente as normas que invoca na sentença e todo o disposto nº 5 das Instruções Gerais da TNI, devendo a sinistrada ser considerada desvalorizada numa incapacidade permanente parcial de 23,20%. NESTES TERMOS E DEMAIS DE DIREITO, deve o presente recurso ser declarado procedente e, como corolário, ser alterada da decisão do Tribunal Recorrido em consonância com o resultado fixado em sede de junta médica, fazendo-se assim a ACLAMADA JUSTIÇA!”
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A sinistrada, representada pelo Ministério Público, contra-alegou, concluindo nas suas alegações que:
“1.º
Por Sentença de 22 de Maio de 2024, foi atribuída à sinistrada, AA, uma IPP de 34,80%, com IPATH, desde a data do pedido de revisão.
2.º
A recorrente não se conforma com o facto do Tribunal a quo ter considerado o sinistrado afectado de IPATH e não ter aderido ao entendimento da Junta Médica de Revisão, considerando existir erro de julgamento.
3.º
Na situação em análise, o Tribunal socorreu-se de todos os elementos constantes do processo – Parecer do IEFP, resultado do exame médico de revisão e da própria posição da Junta Médica de Revisão, que considera que a sinistrada não poderá retomar as suas funções ou anteriores tarefas, equacionando o exercício da profissão de enfermeira que não envolva actividade em esforço moderado e intenso com o membro – para considerar a sinistrada afectada de IPATH.
4.º
Fê-lo, ao abrigo, do principio da livre apreciação da prova, segundo o qual, a força probatória da prova pericial é fixada livremente pelo julgador, nos termos dos art.ºs 389º, do Código Civil, e 489º, do Código de Processo Civil”. (vide Acórdão da Relação do Porto de 23/09/2019, publicado na página web, www.dgsi.pt”.
5.º
Em sentido consentâneo com a decisão recorrida, fazemos apelo à posição inserta no Tribunal da Relação de Guimarães, de 26/10/2023, publicado na página web, www.dgsi.pt, que “II - Ocorrendo modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento da lesão que deu origem à reparação, caso se verifique que o sinistrado está de forma permanente incapacitado de exercer o seu trabalho habitual, impõe-se que lhe seja atribuída IPATH, sem que tal contenda com o caso julgado.
III- Se o sinistrado não retoma, pelo menos, o núcleo fundamental das suas funções ou das suas anteriores tarefas, ainda que, com limitações, não é reconvertível em relação ao seu posto de trabalho e, em consequência impõe-se concluir que está afetado de IPATH”.
6.º Pelo que, face aos argumentos aduzidos em supra, entende-se que o recurso interposto deverá improceder e a decisão recorrida ser mantida.”
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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, cumpre apreciar e decidir se o tribunal a quo errou ao considerar a sinistrada afectada de IPATH, havendo também a apreciar e decidir da sub-questão da importância das juntas médicas e da possibilidade de o tribunal decidir em contrário das conclusões aí apresentadas.
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III – Fundamentação de Facto
Os factos com interesse para a decisão são os que resultam do relatório que antecede, e ainda, considerando o disposto nos artigos 663º nº2 e 607º nº4 do CPC: Da sentença proferida em 13-09-2021 (não foi impugnada a matéria de facto no recurso de apelação da sentença)
1- No dia 21 de Março de 2017, a Autora trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização do Hospital Garcia de Orta, EPE.
2- Com a categoria profissional de enfermeira.
3- No dia acima indicado, quando se encontrava a prestar as suas funções, foi vítima de um acidente.
4- Que consistiu quando segurava um doente este deu um puxão no seu punho direito.
5- Como consequência directa e necessária, a Autora sofreu, pelo menos, fissura do tendão cubital e ruptura proximal da fibrocartilagem triangular do punho.
6- Em consequência do evento referido em 3 e 4, a Autora veio a manifestar um quadro sintomatológico de fobia e de ansiedade.
7-A Autora, em consequência das lesões descritas em 5 e 6, está afectada de IPP, com coeficiente de desvalorização de 18,446%, desde 13 de Julho de 2018, data da alta.
8- Em data anterior a 21 de Março de 2017, a autora não apresentava sintomatologia psiquiátrica.
9-A Autora, em razão das sequelas que é portadora, carece de acompanhamento psiquiátrico uma a duas vezes por ano.
10- Também em razão das sequelas que é portadora ao nível do punho direito, a autora carece de tratamentos de medicina física e de reabilitação duas vezes por ano e sempre que ocorra agudização do seu estado clínico.
Exame Médico e Juntas Médicas
11- A sinistrada padece, em consequência do acidente, de Algoneurodistrofia do membro superior direito (lado dominante) – ao nível do punho – manifestada por dor localizada e refractária/neuropática, défices de força muscular contra resistência e das amplitudes articulares, alterações sensitivas, cromáticas e da temperatura, condicionando impotência funcional do mesmo. [embora a Apelante considere que este facto não está demonstrado, não lhe assiste razão porquanto o mesmo resulta, não só do exame médico realizado, como da junta médica, e o próprio perito da Seguradora assim concordou na resposta ao quesito 2º da 1º junta médica, que foi respondido por unanimidade, tendo depois, na junta médica da Medicina do Trabalho referido, em declaração, que “não existem elementos clínicos para que se considere um quadro de algoneurodistrofia”, usando como fundamento a alegada declaração da sinistrada de que conduz. Facto é que, numa questão eminentemente técnica, seis médicos atestaram que a sinistrada padece de algoneurodistrofia, não havendo dúvidas acerca da questão.]
12- A sinistrada sofreu um agravamento da dor na região dorsal do punho, manifestando dor muito intensa à palpação do D5 da mão direita e na mobilização do punho.
13- Apresenta amplitude articular do punho direito flexão 30º, extensão 15º mas com endfeel mole, desvio radial e cubital de cerca de 15º condicionado pela dor. Força muscular condicionada pela dor.
Queixa-se de dor permanente do membro superior direito, com irradiação até à nuca e hipersensibilidade ao toque. Relatório do IEFP
14- Eram as seguintes as tarefas que a sinistrada exercia no seu posto de trabalho à data do acidente:
a) Organiza, executa e avalia intervenções de enfermagem, requeridas pelo estado de saúde do indivíduo e prescritas pelo médico, no âmbito da intervenção do serviço de urgência de um hospital, desenvolvendo as seguintes tarefas e operações:
a.1. Consulta o mapa de distribuição de tarefas e recebe instruções de última hora da chefia.
a.2. Acolhe os doentes do serviço de urgência, presta os primeiros cuidados quando necessário e cumpre protocolos estabelecidos para os atos de enfermagem.
a.3. Após a triagem presta todas as informações necessárias, relativamente aos atos médicos e de enfermagem que vão ser efetuados, preparando e tranquilizando os doentes quanto aos mesmos.
a.4. Presta informações ao acompanhante do doente, sempre que necessário.
a.5. Presta manobras de primeiros socorros e suporte básico de vida sempre que necessário.
a.6. Prepara o doente para a intervenção médica, intervindo no penso e/ou sutura, administrando medicação oral ou intravenosa, introduzindo cateteres, recolhendo sangue, urina, avaliando os sinais vitais, temperatura, e outras intervenções de enfermagem necessárias.
a.7. Prepara as salas de intervenção para pequenas cirurgias, verificando o funcionamento dos equipamentos, a higienização, a esterilização do material cirúrgico, o stock de consumíveis, e a organização e disponibilização do material e equipamento necessário.
a.8. Transmite ao médico informações pertinentes acerca do estado do doente.
a.9. Organiza o material e instrumentos utilizados de forma a serem encaminhados para esterilização.
a.10. Mobiliza o doente da cadeira de rodas para a maca, da maca para a cama, e vice-versa e coadjuva na higiene do doente sempre que necessário.
a.11. Realiza pensos, limpa feridas e suturas, administra medicação e realiza outros atos de enfermagem, prescritos pelo médico, e transmite algumas informações pertinentes.
a.12. Coadjuva na passagem dos doentes para as enfermarias ou para o SO.
a.13. Ajuda os doentes a despir/vestir a roupa e a vestir/despir as batas esterilizadas, de acordo com a capacidade de autonomia de cada um.
a.14. Efetua diversos registos relacionados com as intervenções médicas e de enfermagem, designadamente os débitos de consumo e o registo das intervenções.
15 - Exigências do desempenho das funções referidas em 14.
a) Relativamente às condições de execução do trabalho as tarefas são executadas, na maior parte do tempo, em espaço fechado e climatizado nas instalações do serviço de urgência do hospital. Os riscos profissionais são, essencialmente, psicossociais, pela interação humana intensa e em fragilidade física, sofrimento e doença ou risco de vida; possibilidade de infeções por agentes bacterianos pelo contato com sangue ou outros fluídos corporais do utente; e lesões músculo-esqueléticas por esforços físicos e risco e agressão física por parte dos utentes, e, por vezes, posturas articulares extremas.
b) Quanto às exigências físicas, esta função exige, relativamente à posição de trabalho, que a trabalhadora adote quase exclusivamente a postura de bipedestação. No entanto, adota com frequência outras posturas, como curvada e fletida, no desenvolvimento das suas tarefas, designadamente no trabalho de enfermagem de assistência a intervenções médicas, pequenas cirurgias, realização de pensos, mobilização de doentes, etc. No desenvolvimento da atividade profissional de enfermeira a trabalhadora está sujeita a persistentes flexões frontais e torsões laterais do tronco, torsão, flexão e extensão do pescoço, bem como a trabalhar com os braços estendidos em frente e acima dos ombros.
c) Em termos de locomoção a função exige deslocações frequentes em terreno plano, no interior do hospital, com necessidade de efetuar com rapidez percursos de várias dezenas de metros, atendendo à dimensão do mesmo e ao fato de ser necessário atender a diversas solicitações em locais diferentes.
d) No que diz respeito ao tipo e intensidade do esforço, o desenvolvimento da atividade exige o frequente manuseamento dos utentes, o que exige a utilização da força dinâmica ao nível dos sistemas ombros-braços-mãos, tronco e coxa-pernas-pés. O peso manipulado, no caso de utentes com limitações na mobilidade, pode atingir os 30/40Kg. (ajudar a mobilizar o utente da cadeira de rodas para a maca, da maca para a cama, e vice-versa.). Durante um dia de trabalho o titular da função pode ter de manipular vários utentes.
e) Ao nível das exigências psicomotoras, é necessária a coordenação motora no desenvolvimento das tarefas de manipulação precisa de instrumentação, a realização de pensos, administração de injetáveis e cateteres, manobras de reanimação, manipulação de doentes, etc., especificamente a coordenação motora mão-mão; ombro-braço, braço-braço, oculo-manual e mão-dedos.
f) Em termos de exigências sensoriais e cognitivas são revelantes a acuidade visual ao perto (administrar cateteres, limpeza de feridas, manipular instrumentação, etc) atenção distribuída (estar atenta a diversos estímulos em simultâneo), atenção concentrada (manter focada a atenção durante vários minutos, em determinados atos de enfermagem) a memória de trabalho, a acuidade auditiva, a sensibilidade táctil (administrar cateteres, verificar tumefações, algaliar, etc.), a capacidade de organização e planeamento de tarefas e a capacidade de tomada de decisão.
g) Em termos de exigências psicológicas o desempenho desta função exige que a profissional possua relevantes capacidades de comunicação, relacionamento interpessoal e, também, afirmação pessoal (comunicação verbal eficiente, empatia, relação de ajuda e atitudes de assertividade em diversas situações), sensibilidade e competências específicas para lidar com pessoas com limitações físicas, assim como adequada estabilidade emocional e resistência a situações de tensão psíquica, pela urgência das situações clinicas, pelo contínuo contacto direto com situações de sofrimento humano e consciência de relevante responsabilidade pelo seu estado de saúde.
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IV – Apreciação do Recurso
Está em causa nos presentes autos a atribuição à sinistrada de IPATH.
1. Desde logo insurge-se a Recorrente, Seguradora, quanto ao facto do tribunal a quo ter divergido do laudo maioritário das juntas médicas realizadas, que considerou que a sinistrada não está afectada de incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual, e ter valorizado o relatório do IEFP, atribuindo-lhe tal incapacidade.
Pede seja revogada a sentença, devendo a sinistrada ser considerada desvalorizada numa IPP de 23,20%.
A este propósito, refere a decisão recorrida: “Na prolação da decisão para fixação da incapacidade o juiz não pode deixar de servir-se da prova obtida por meios periciais, isto é, o exame feito pela junta médica e o exame médico singular realizado na fase de conciliação ou na fase inicial de um incidente de revisão. É o que decorre do art.º 145.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, quando diz que a decisão é proferida realizadas que sejam as perícias médicas. Tanto não significa, contudo, na sequência do que vimos de expor, que o juiz esteja vinculado ao parecer dos peritos, já que o princípio da livre apreciação da prova permite-lhe que se desvie do parecer daqueles, seja ele maioritário ou unânime, sem prejuízo do também já exposto dever de fundamentação da sua decisão.2”1
De acordo com o disposto no artigo 388º do C.Civil, a prova pericial “[T]em por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Sobre a revisão da incapacidade dispõe o artigo 145º do CPT que, - “Quando for requerida a revisão da incapacidade, o juiz manda submeter o sinistrado a perícia médica.” (nº1).
Dispõe ainda o art.º 140º do CPT que “1 - Se a fixação da incapacidade tiver lugar no processo principal, o juiz profere decisão sobre o mérito, realizadas as perícias referidas no artigo anterior, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no nº3 do artigo 73º. 2 - Se a fixação da incapacidade tiver lugar no apenso, o juiz, realizadas as perícias referidas no número anterior, profere decisão, fixando a natureza e grau de incapacidade; a decisão só pode ser impugnada no recurso a interpor da sentença final. (…)”
No artigo 139º, referente às perícias, determina-se que “1 - A perícia por junta médica, constituída por três peritos, tem carácter urgente, é secreta e presidida pelo juiz.
2 - Se na fase conciliatória a perícia tiver exigido pareceres especializados, intervêm na junta médica, pelo menos, dois médicos das mesmas especialidades.
(…)
6 - É facultativa a formulação de quesitos para perícias médicas, mas o juiz deve formulá-los, ainda que as partes o não tenham feito, sempre que a dificuldade ou a complexidade da perícia o justificarem. 7 - O juiz, se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos. (…)”
E ainda o art.º 484º do CPC, determina que “O resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respectivo objecto.” (nº 1). E o nº 2 “Tratando-se de perícia colegial, se não houver unanimidade, o discordante apresentará as suas razões”.
De acordo com o artigo 389º do C.Civil – “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.”
O que resulta da análise das normas legais elencadas é que a prova pericial tem lugar quando a percepção ou apreciação dos factos exige conhecimentos técnicos que não podem ser dispensados.
Assim é que, na determinação da natureza e medida da incapacidade do sinistrado, o juiz deve socorrer-se da prova pericial, considerando a natureza eminentemente técnica – do foro médico – das matérias a que é chamado a decidir. A própria lei assim o obriga (artigos 140º nº1 e 2 e 145º nº 1 do CPT).
A força probatória dos pareceres periciais é fixada livremente pelo tribunal, o que significa que é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjectiva e, por isso, deve ser motivada. De facto, sendo a prova pericial fundada em juízos técnicos elaborados por especialistas, a sua livre apreciação pode apresentar limitações, mas não a transforma numa prova plena, insusceptível de ser sindicada pelo tribunal. É este o sentido da doutrina e da jurisprudência:
Alberto dos Reis refere no seu Código de Processo Civil Anotado2 : É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.”
Pires de Lima e Antunes Varela3, em anotação ao artigo 389º do C.Civil , “[P[rova livre não quer dizer prova arbitrária,mas prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais” - citando o Ac. do STJ de 30 de Dezembro de 197744.
E na jurisprudência, entre outros:
- Acórdão do STJ de 22-05-2007: “… É evidente que, na decisão a proferir nos termos do art.º 140º do Código de Processo de Trabalho, o juiz não pode deixar de atender a outros elementos, designadamente com valor probatório, existentes nos autos. E, de entre estes, é figurável que atente naquilo que considere adquirido por acordo. Simplesmente, se a realização da prova pericial visa a demonstração de uma dada realidade de facto – in casu pretendeu-se, por intermédio do exame singular e do exame colegial, a demonstração de qual tinha sido o grau de incapacidade do sinistrado – torna-se patente que era lícito ao juiz vir a proferir uma decisão sobre aquela realidade que fosse diversa da conclusão que se extraía do primeiro ou do segundo daqueles exames, precisamente dada a liberdade de apreciação que lhe estácometida.”5
- Acórdão da Relação de Lisboa de 22-05-20246 - “1- A prova pericial decorrente de perícia médica, ainda que colegial, está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova. 2- Desde que expressas e fundadas as razões da divergência, nada impede que o juiz, no seu prudente arbítrio, se afaste da avaliação médico-legal.”
- Acórdão da Relação de Lisboa de 16-06-202177 “I– No domínio da prova pericial, subjacente à decisão em causa, vigora o princípio da livre apreciação da prova - o que não significa apreciação arbitrária, mas antes a ausência de critérios rígidos que determinem uma aplicação tarifada da prova, e se traduz numa apreciação racional e criticamente fundamentada das provas de acordo com as regras da experiência comum e com base nos dados objetivos aplicáveis.
II– O juiz exerce a sua atividade crítica, movendo-se, na apreciação desse tipo de prova, com inteira liberdade e sem outros limites que não sejam os que lhe são impostos pela sua íntima convicção e pelo seu próprio juízo. Não existindo qualquer hierarquia entre as provas, pode ser atribuída maior relevância a um elemento do que a outro. III– No presente caso, não tendo os peritos médicos que intervieram na junta médica que examinou o sinistrado manifestado posição unânime quanto às sequelas de que o mesmo padece - em face do resultado do exame médico singular, dos vários elementos de diagnóstico constantes dos autos, da posição manifestada pelo perito médico indicado pelo trabalhador e das declarações do próprio sinistrado que impunham outra solução, não estava o Mmo. Juiz impedido de se desviar do parecer maioritário daquele exame médico. Sendo certo, IV– Como lhe era exigível, à luz do art.º 607.º do CPC e do art.º 205.º da CRP, que o mesmo fez constar a sua motivação, os fundamentos e as razões por que o fez, mostrando-se devidamente fundamentada a sentença recorrida.”
- Acórdão da Relação de Lisboa de 14-07-20118 – “Na decisão final, a proferir nos termos do art.º 140º do Código de Processo de Trabalho, cabe ao juiz fixar a natureza e o grau de desvalorização. E nessa decisão o juiz deve lançar mão dos pareceres dos peritos médicos existentes nos autos (seja em exame singular, seja em junta médica, ou mesmo de exames e pareceres complementares (art.º 139º nº 7 do CPT), sendo certo que a força probatória desses pareceres é fixada livremente pelo tribunal - art.º 389º do C. Civil. Como refere Leite Ferreira, (Cod. Proc. Trab. Anotado 4ª ed. pág. 627) "as asserções e conclusões dos peritos, ainda que emitidas por unanimidade, não vinculam o julgador. O princípio da livre apreciação das provas ou da prova livre tem aqui perfeito cabimento. Por isso, pode o magistrado exercer sobre elas a sua actividade crítica, movendo-se, na sua apreciação, com inteira liberdade e sem outros limites que não sejam os que lhe são impostos pela sua convicção íntima ou pelo seu próprio juízo. Nada obsta, pois, a que o julgador se desvie do parecer dos peritos. Apenas se exige, neste caso, que deixe consignada nos autos a sua motivação, isto é, os fundamentos ou razões por que o faz - Cód. Proc. Civil art.º 653º nº 4 e 655º". 9
Ou seja, a livre apreciação da prova pericial por parte do juiz laboral ou civil, não é, como referimos, sinónimo de arbitrariedade na ponderação dessa prova, mas pode ser rejeitada, ou por via da rejeição dos dados de facto que subjazem ao juízo científico ou técnico, o que não requer uma crítica material e científica, ou por via da rejeição do próprio juízo cientifico ou técnico, o que, na nossa perspectiva, requer uma crítica material e científica, devendo o tribunal, quando pretenda afastar-se do juízo científico que encerra o parecer pericial, motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões por que se afasta dessa prova, com o recurso a argumentos que não podem, na nossa perspectiva, deixar de ser também científicos.10
Não é este o entendimento do Ac. do STJ de 06-07-2011, no processo 3612/07.6TBLRA.C2.S1”, que decidiu que “O valor da prova pericial civil não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma critica material da mesma natureza, ou seja, dito de outro modo, os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito, também não requer uma crítica material e científica.”
No presente caso, no entanto, o que está em causa não é propriamente um juízo científico similar ao traduzido na existência de uma incapacidade permanente parcial, pois esta existe e não foi impugnada neste recurso. O que está em causa é saber se essa incapacidade impede a sinistrada de realizar o seu trabalho habitual. É certo que a esta matéria subjaz tanto uma base factual como um juízo científico, pois deve considerar-se, não só as sequelas que o sinistrado apresenta, mas também as características do posto de trabalho do sinistrado, bem como as funções concretas que o mesmo desempenhava à data do acidente, e que deixou de desempenhar. Portanto, para além dos pareceres médico-periciais, é determinante a intervenção do IEFP, cujo parecer sobre as características das funções exercidas pela sinistrada e das exigências do respectivo posto de trabalho, corresponde também a um exame pericial, por emitido em matéria da sua competência (artigos 21º nº 4. 48º nº 3 b), 154º e 159º nº 1 da LAT, e artigo 18º do Decreto-Lei 167-C/2013, de 31 de Dezembro), e que também está sujeito ao principio da livre apreciação da prova.
Tudo visto, nada impede que o juiz, na formação da sua convicção, e ao avaliar criticamente os vários exames periciais elaborados, aceite fundamentadamente uns em detrimento de outros, pois não está vinculado a uma perícia em detrimento de outra.
2. No presente caso, a Mma juíza afastou fundamentadamente os pareceres maioritários das juntas médicas que consideraram que a sinistrada não tem uma IPATH. Vejamos se acertadamente.
É a seguinte a motivação da decisão recorrida: “Ora, sem prejuízo do parecer maioritário emitido nas perícias por Junta Médica antes relatado, entende o tribunal, dele divergindo, que à sinistrada não pode deixar de ser reconhecida a afectação com IPATH. Aliás, isso mesmo já fora ponderado na Junta Médica antes realizada (cfr., fls. 24-28, dos autos). A sinistrada é, de formação académica, enfermeira. Sem prejuízo, a formação académica, embora habilite ao exercício de uma profissão, nas suas várias valências, não se confunde com o posto que trabalho que, adiante, o trabalhador venha a ocupar. A sinistrada é, de facto, enfermeira, mas, à data do acidente, estava afecta ao serviço de urgência (cfr., os vários elementos constantes dos autos e sem dissenso acolhido nos vários exames médicos). Nesta medida, podendo a sinistrada, conforme se afirma nas perícias por Junta Médica, assegurar tarefas de triagem e de orientação ou serviços leves com o membro superior direito, o que se consente possa, de facto, efectuar, já não poderá, seguramente, assegurar a realização de outrase múltiplas tarefas inerentes ao seu posto de trabalho que impliquem o uso persistente, moderado ou intenso do membro superior direito e que, seguramente, constituem o núcleo essencial das suas tarefas, a saber, o acolhimento de doentes e a prestação dos primeiros cuidados, designadamente, actos de enfermagem que impliquem o uso, com destreza, do membro superior direito (aliás, o dominante), manobras de primeiros socorros e de suporte básico de vida, preparação dos doentes para a intervenção médica, designadamente, a ministração de medicação intravenosa (como pode a sinistrada preparar um injectável se tem o membro superior direito praticamente afuncional), a introdução de cateteres (que, obviamente, pressupõe destreza), recolha de urina e sangue, mobilização de doentes (que pressuporá destreza e força), realização de pensos, limpeza de feridas e suturas, ajuda dos doentes a despir e vestir.
A sinistrada está, conforme se colhe do exame objectivo e, depois, do enquadramento das sequelas na TNI, afectada de algoneurodistrofia do membro superior direito, padecendo de dor intensa e tendo as mobilidades da mão e punho direitos extremamente condicionadas justamente por este quadro álgico. Trata-se de um membro praticamente afuncional devido àquele quadro de dor intensa.
Nesta medida e face ao muito limitado elenco funcional que poderia continuar a exercer, e, ainda assim, com as limitações derivadas da IPP que é portadora (para estas a sinistrada não poderia ter uma capacidade de 100%) não se antevê como possa afirmar-se que pode a sinistrada continuar a exercer a sua profissão de enfermeira, mais a mais no serviço de urgência. Mais, face ao limitado elenco funcional que, concede-se, poderia continuar a prosseguir, como exigir-se que alguém, maxime o empregador, a mantivesse, num serviço de urgência, apenas a executar tarefas residuais de triagem e orientação ou tarefas de uso leve e/ou pouco intenso do membro superior direito.
Doutro passo e embora o quadro sequelar de natureza psiquiátrica não tenha sofrido alteração e não se apresente significativa a IPP a ele associada, elementos existem nos autos, designadamente provindos do médico assistente da sinistrada, que induzem um quadro sintomatológico grave e fortemente condicionador do exercício da profissão habitual. Isto para dizer que a parte anatómica da sinistrada e as limitações – muito relevantes – que tem não pode, de todo, ser desassociada do quadro psiquiátrico que padece, sendo que justamente da associação de um e de outro resulta, como exposto, a impossibilidade de manter a sua profissão de enfermeira.
Nesta conformidade, o tribunal adere ao parecer do exame médico singular, e, bem assim, aos pareceres minoritários da Junta Médica realizada já na fase de revisão e da Junta Médica da especialidade de Medicina do Trabalho, concluindo, assim, que o quadro sequelar da sinistrada se agravou, estando a mesma agora afectada de IPP com coeficiente de desvalorização de 34,80% (23,20% x 1.5), com IPATH. A atribuição do factor 1.5 justifica-se por força da ausência de reconversão profissional da sinistrada, sendo jurisprudência uniformizada que aquele factor de bonificação se aplica justamente nestes casos (cfr., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2014 Proc. n.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1, publicado no DR 1.ª Série, de 30 de Junho de 2014, por via do qual se uniformizou a seguinte jurisprudência: «A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente).”
Concordamos inteiramente com a decisão e fundamentação da decisão recorrida.
Vejamos
Uma vez que o acidente de trabalho ocorreu no dia 21-03-2017, ao caso é aplicável o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais aprovado pela Lei 98/2009, de 04 de Setembro, que entrou em vigor no dia 01.01.2010 (artigos 187º nº 1 e 188º da referida Lei).
A resposta à questão de saber se a sinistrada está afectada de IPATH passa, como referimos, pela análise de aspectos que não são de cariz eminentemente médico, ao contrário do que acontece com a determinação da natureza das lesões e sequelas de que padece a sinistrada, e da natureza e grau da incapacidade que detém. A apreciação que o tribunal tem de fazer para verificar se o sinistrado está incapacitado para o trabalho habitual depende também de outros elementos probatórios como o parecer do IEFP, acompanhados do recurso às regras da experiência.
Em especial, cumpre analisar as lesões e sequelas que a sinistrada apresenta em resultado do acidente e confrontá-las com as características da sua profissão e das funções por si desempenhadas à data do mesmo.
Como refere Carlos Alegre, “a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) trata-se de uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, atividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra atividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio diminuta”.11
E no acórdão desta Relação 07-03-201812, “I - Não só quando o sinistrado não pode executar nenhuma das tarefas que anteriormente desempenhava no seu posto detrabalho é quese está perante uma IPATH. II– Se o sinistrado deixou de poder executar todas as anteriores tarefas ou, pelo menos, o seu conjunto fundamental, a incapacidade para o trabalho habitual é considerada total.” (sumário). E refere na fundamentação: “ (…) De facto, é entendimento do STJ (Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência de 28/5/2014, Proc. n.º 1051/11.5TTSTB.E1.S1 (Revista), 4ª Secção), com o qual também se concorda, que “...na linha da jurisprudência definida nesta secção os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.” “A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram. Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido. Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho.”.
E como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.2.2018“(…) V - A Incapacidade Permanente Absoluta Para o Trabalho Habitual (IPATH) pressupõe que atentas as limitações funcionais que resultaram do acidente de trabalho, o sinistrado não possa continuara cumprir as tarefas que habitualmente desenvolvia, integradas no conteúdo funcional da respetiva profissão, com as exigências inerentes à mesma.”13
Ou seja, haverá que atribuir à sinistrada uma IPATH se se mostrar que, em consequência do acidente, ficou incapacitada a 100% para o exercício das funções de enfermeira ou, pelo menos, que se mostra impossibilitada de executar o núcleo essencial das tarefas inerentes a essa categoria profissional, o que significa que não é reconvertível no seu posto de trabalho, ainda que lhe reste alguma capacidade para exercer outra actividade laboral compatível com a capacidade restante.
Resulta da Tabela Nacional das Incapacidades (Decreto-Lei 352/2007 de 23 de Outubro), que “[A] cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade.” – Instrução geral 3. Acresce que “[A] atribuição de incapacidade absoluta para o trabalho habitual deve ter em conta: a) A capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado ou doente;” – Instrução geral 5ª. E, “na determinação da incapacidade global a atribuir devem ser ponderadas as efetivas possibilidades de reabilitação profissional do sinistrado, face às suas aptidões e às suas capacidades restantes.” Instrução geral (10).
Interessa-nos para a decisão considerar o trabalho habitual que a sinistrada exercia à data do acidente, e que executou de forma permanente e contínua, por contraposição a trabalho ocasional, eventual ou de curta duração.14
À data do acidente, a sinistrada trabalhava no Serviço de Urgência do hospital supra referido.
O que resulta da matéria de facto é que a sinistrada padece de restrições significativas à mobilidade do pulso direito, com alterações sensitivas no bordo cubital do antebraço, mão e 5º dedo da mão direita.
As funções que exercia são as escritas no ponto 14 dos factos provados, donde decorre que a actividade que a sinistrada realizava à data do acidente era uma actividade fisicamente exigente, constituindo o núcleo dessa actividade a intervenção junto dos pacientes, seja para os acolher e prestar-lhes os primeiros cuidados quando necessário, seja praticando manobras de primeiros socorros e suporte básico quando necessário, seja administrando medicação, introduzindo cateteres, recolhendo sangue, fazendo pensos, etc, seja mobilizando os doentes da cadeira de rodas para a maca, e desta para a cama e vice-versa, seja coadjuvando na higiene dos doentes quando necessário, seja ajudando os doentes a vestir-se quando necessário.
Estas funções são exigentes do ponto de vista físico, demandando o uso da força dinâmica, nomeadamente dos sistemas ombros/braços/mãos, e a manipulação de pesos, mormente no caso de utentes com limitações de mobilidade, podendo a sinistrada ter de manipular pesos estimados de 30 ou 40 kg (facto 15 d), mas também exigente na manipulação de instrumentos, ou realização de determinadas manobras como a de reanimação.
Ou seja, a esmagadora maioria das tarefas que a sinistrada desempenhava à data do acidente, está agora impedida de realizar, porquanto padece, em consequência desse acidente, de uma algoneurodistrofia no punho direito, que lhe dificulta os movimentos por défice de força muscular contra resistência, e nas amplitudes articulares. Sofre, ademais, de dores permanentes nesse membro, que se agravaram, “manifestando dor muito intensa” à palpação do D5 da mão direita e na mobilização do punho, o que, ademais, condiciona a sua força muscular. Ou seja, é por demais evidente que a sinistrada não pode executar a maioria das tarefas de enfermagem num Serviço de Urgência, e seguramente não pode executar aquelas que são as funções principais do seu posto de trabalho.
Considera a Apelante, e a junta médica da Medicina do Trabalho, que a sinistrada pode retomar a sua actividade profissional com as devidas adaptações, devendo a entidade patronal e a Medicina do Trabalho proceder a uma eventual adaptação do posto de trabalho, e sugerem que a sinistrada seja ocupada em funções de triagem e orientação (a primeira junta médica não referiu especificamente a questão, embora tenha defendido que a sinistrada poderia facilmente ser reconvertida pelo serviço a desempenhar funções que não envolvessem o uso de esforço moderado ou intenso).
Esta questão remete-nos à noção de posto de trabalho. Qual o posto de trabalho da sinistrada à data do acidente?
Como refere o acórdão do STJ de 30-06-201415 “A expressão [posto de trabalho]16não deve ser entendida no sentido meramente formal, como mera job description prevista no contrato, mas antes correspondendo às funções efectivamente exercidas pelo trabalhador numa concreta organização empresarial»917 . Está em causa, deste modo, o conjunto de tarefas atribuídas em concreto a um trabalhador, tendo como referência o conteúdo da respectiva categoria profissional, embora numa leitura dinâmica e não meramente literal desse conteúdo. O dispositivo faz depender o reconhecimento do direito à bonificação da incapacidade da não reconvertibilidade da vítima em relação ao posto de trabalho. Já vimos que, por força do regime da reabilitação, o trabalhador sinistrado tem o direito à reabilitação e à reintegração e que este direito tanto existe nas situações de mera incapacidade parcial permanente, como de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual. Importa, pois, saber quando é que o sinistrado se pode considerar não reconvertível em relação ao posto de trabalho, sendo certo que a não reconvertibilidade em causa estará direccionada para as tarefas levadas a cabo pelo sinistrado no posto de trabalho que ocupava quando foi vítima do acidente. De facto, o segmento «em relação ao posto de trabalho» ao qual se refere a reconvertibilidade aponta para as tarefas executadas pelo sinistrado no posto de trabalho com o qual o acidente se mostra conexionado e é nessa linha que aponta o regime de reabilitação e reintegração profissional.1018 A densificação deste conceito, no contexto em que o mesmo se mostra inserido naquele segmento normativo, terá que ser alcançada no quadro da articulação da não reconvertibilidade com o posto de trabalho que o sinistrado ocupava quando sofreu o acidente.”
Como resulta da matéria de facto provada, à data do acidente, a sinistrada exercia funções no Serviço de Urgência após a triagem (facto 14 a.3). Ou seja, o seu posto de trabalho, e entenda-se como posto de trabalho, para estes efeitos, o conjunto de tarefas, responsabilidades e exigências adstritos ao trabalhador num determinado momento, que, no caso, corresponde à data do acidente, e não o simples designativo formal “Serviço de Urgência”, não comportava serviços de triagem.
Por outro lado, dizer ainda que, mesmo que o posto de trabalho da sinistrada comportasse tais funções, o que a Apelante sugere é que a sinistrada regressasse ao seu posto de trabalho e se ocupasse das funções do tipo administrativo relacionadas com a profissão de enfermeira, e que são secundárias, não constituindo o núcleo duro dessas funções. Esta sugestão, a ser atendida, subverteria toda a razão de ser da existência de previsão legal de indemnização por IPATH. A lei estabelece os parâmetros da atribuição deste tipo de incapacidade. Como referimos supra, a TNI manda ponderar as efectivas possibilidades de reabilitação profissional do sinistrado, face às suas aptidões e às suas capacidades restantes. Esta directiva legal não quer, no entanto, dizer que o sinistrado deve ser colocado a exercer funções acessórias ou satélite do seu posto de trabalho. A articulação entre a reconvertibilidade e a não reconvertibilidade passa por considerar que o sinistrado não está ou está afectado por uma IPATH, pois são precisamente as situações de IPATH as situações típicas de não reconvertibilidade do trabalhador sinistrado em relação ao seu posto de trabalho à data do acidente.
No caso, a sinistrada está incapaz de desempenhar as funções nucleares e principais do seu posto de trabalho. Portanto, a questão que os Srs peritos médicos referem no auto de exame pericial por junta médica, e que a Apelante pretende ver deferida, não tem cabimento legal, e, portanto, tal como referido na decisão recorrida – que não tem o sentido pugnado pela Apelante de que a decisão foi tomada “só por cautela de um eventual incumprimento da entidade patronal da sua obrigação de reintegração de trabalho” ´, mas porque não é legalmente admissível - “face ao limitado elenco funcional que, concede-se, poderia continuar a prosseguir, como exigir-se que alguém, maxime o empregador, a mantivesse, num serviço de urgência, apenas a executar tarefas residuais de triagem e orientação ou tarefas de uso leve e/ou pouco intenso do membro superior direito.”
Acrescenta-se ainda, mais uma vez parafraseando a decisão recorrida, face ao seu acerto, que “Doutro passo e embora o quadro sequelar de natureza psiquiátrica não tenha sofrido alteração e não se apresente significativa a IPP a ele associada, elementos existem nos autos, designadamente provindos do médico assistente da sinistrada, que induzem um quadro sintomatológico grave e fortemente condicionador do exercício da profissão habitual. Isto para dizer que a parte anatómica da sinistrada e as limitações – muito relevantes – que tem não pode, de todo, ser desassociada do quadro psiquiátrico que padece, sendo que justamente da associação de um e de outro resulta, como exposto, a impossibilidade de manter a sua profissão de enfermeira.”
Em face do exposto, e tal como a 1ª instância, também este tribunal segue o parecer pericial dos peritos da sinistrada que intervieram nas juntas médica, e do perito que procedeu ao exame médico singular, e considera que a sinistrada está afectada de IPATH, confirmando a decisão recorrida, com total improcedência do recurso.
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V- Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto por FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.., e, em consequência, mantêm a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Registe.
Notifique.
Lisboa, 09-04-2025
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Leopoldo Soares
Paula Pott
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1. 2 Seguimos de muito perto, no exposto enquadramento, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de Maio de 2022, proferido no Processo n.º 1142/12.5TTLRA.1.C1, acessível em www.dgsi.pt. – Nota de rodapé da decisão recorrida.
2. 1987, Vol. IV, pág. 186.
3. Código Civil Anotado, 3ª edição, Volume I, 338.
4. In BMJ 271-181 e segs.
5. Sic Ac STJ de 22-05-2007 – Proc. 07S823.
6. Processo 1141/16.8T8BRR.L1.
7. Processo 3133/16.8T8PDL.L1.
8. Proc 52/09.8TTSTR.L1-4.
9. No mesmo sentido, vide ainda, entre outros, acórdão do STJ de 29-11-2022 – Processo 23119/16.1T8LSB.C2.S2, e acórdãos desta Relação 24-04-2024 – Processo 8276/19.3T8LSB.L1, de 08-11-2023 – Processo 374/21.0T8BRR.L1, de 25-10-2023 – Processo 1775/22.1T8PDL.L1, de 17-10-2012 – Processo 25094/11.TTSNT.L1.
10. Cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 24-04-2012 – Proc. 4857/07.6 TBVIS.C1.
11. Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, Almedina, 2ª Edição, 2005, pág. 96.
12. Processo 1445/14.4T8FAR.L1.
13. Processo 1419/13.2TTPNF.P1.
Veja-se, no mesmo sentido, acórdão da Relação do Porto de 30 de Maio de 2018 – Processo 624/12
14. Acórdão da Relação de Évora de 16-04-2015 – Processo 26/14.7TTPTG.
15. Processo 10/2014.
16. Nota da relatora.
17. JOANA NUNES VICENTE, "O Fenómeno da Sucessão dos Contratos a Termo", Questões Laborais, Ano XVI, n.º 33, Janeiro - Junho de 2009, pp. 33 a 35. – Nota de rodapé do acórdão citado.
18. Dicionário da Língua Portuguesa da Academia de Ciências de Lisboa, Verbo, II Volume, 2001. – Nota e rodapé do acórdão citado.