APLICAÇÃO DE CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
USOS
DIUTURNIDADES
Sumário

I – As diuturnidades constituem um complemento pecuniário a que o trabalhador pode ter direito quando atinge uma certa antiguidade, por estar previsto no respectivo contrato individual de trabalho ou numa convenção colectiva de trabalho que o deva reger.
II - A lei não prevê a vinculatividade de uma CCT com base na aplicação voluntária do mesmo por parte do empregador, mas esta aplicação, fora do campo subjectivo de eficácia da CCT, e na ausência de qualquer mecanismo de extensão, é susceptível de criar um uso relevante.
III - O direito do trabalhador resultante deste uso não se funda na autonomia negocial colectiva, mas na força vinculativa que resulta do uso, com raiz na tutela da confiança do trabalhador em que a conduta do empregador se manterá e de que serão por ele efectuadas as prestações envolvidas na sua auto-vinculação.
IV – A incorporação das diuturnidades que o trabalhador vinha auferindo na retribuição, em conformidade com a revisão da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Federação Nacional dos Professores e Outros, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 29, de /2015, não desvirtua a natureza dos valores que anteriormente eram pagos especificamente para compensar a antiguidade do trabalhador, passando a retribuição auferida, a partir de então, a ter um valor majorado em atenção, justamente, àquela antiguidade.
V – Submetendo-se o contrato de trabalho a um novo instrumento de regulamentação colectiva que prevê o pagamento autónomo de diuturnidades, é de considerar que as novas diuturnidades que sejam devidas a partir de então acrescem às que foram integradas nos termos referidos em IV na retribuição que o trabalhador vinha auferindo, devendo as mesmas ser contabilizadas tendo em consideração toda a antiguidade do trabalhador ao serviço do empregador.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

П
1. Relatório
1.1. AA intentou a presente acção declarativa comum contra Cercipóvoa – Cooperativa de Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados, CRL, peticionando:
“a) Ser reconhecido à Autora o direito ao vencimento de três diuturnidade com efeitos a 01/09/2017, quatro diuturnidades com efeito a fevereiro de 2018 e de cinco diuturnidades com efeitos a fevereiro de 2023;
b) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a título de diuturnidades vencidas e não pagas a quantia total de 7.035,00 € (sete mil e trinta e cinco euros), acrescida dos pagamentos que se vencerem na pendência da acção;
c) Ser a Ré condenada a pagar à Autora juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias em que vier a ser condenada, contados desde o vencimento de cada prestação e até efetivo e integral pagamento sobre todas as quantias em que for condenada”.
Para tanto alegou, em síntese, que trabalha para a Ré desde 05 de Dezembro de 1996 e desde Fevereiro de 1998 como Monitora de actividades operacionais, categoria profissional que ainda mantém, e que a Ré não lhe pagou as diuturnidades devidas em função do seu tempo de serviço desde Setembro de 2017, data a partir da qual passou a aplicar a Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS, que prevê o pagamento de diuturnidades.
Designada data para audiência de partes, não foi possível a conciliação.
A R. apresentou contestação na qual invoca a excepção de caso julgado e, em suma, que antes de Setembro de 2017, data em que passou a aplicar a CCT da CNIS, aplicou a CCT entre a AEEP e a FNE, ao abrigo da qual pagou as diuturnidades devidas até 2016, e que, no âmbito da revisão global dessa CCT, com publicação no BTE n.º 29 de 08 de Agosto de 2015, as três diuturnidades então devidas foram incluídas no vencimento, não podendo agora ser condenada a pagá-las de novo sob pena de a A. receber diuturnidades em duplicado, pelo que tem agora direito apenas a mais uma diuturnidade desde Setembro de 2022.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, em que se julgou improcedente a excepção de caso julgado. Após a Mma. Juiz a quo decidiu do mérito da causa nos termos do artigo 61.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, concluindo com o seguinte dispositivo:
«[…]
“Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito enunciada, se decide julgar a presente acção procedente e em consequência:
a) Condenar a ré a reconhecer à autora o direito ao vencimento de três diuturnidades com efeitos a 01-09-2017, quatro diuturnidades com efeitos a Fevereiro de 2018 e de cinco diuturnidades com efeitos a Fevereiro de 2023;
b) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de 6 972,00€ (seis mil, novecentos e setenta e dois euros) referentes a diuturnidades vencidas entre Setembro de 2017 e Outubro de 2023 na remuneração mensal e subsídios de férias e de natal, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4,00%, contabilizados sobre o montante de diuturnidades, ou diferença de valor destas, desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento.
c) Condenar a ré a pagar à autora cinco diuturnidades desde Novembro de 2023 na remuneração mensal e subsídios de férias e de natal, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4,00%, contabilizados sobre o montante de diuturnidades, ou diferença de valor destas, desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento.
d) Condenar autora e ré na proporção de 1,00% e 99,00%, nas custas da acção, não as pagando a autora por estar isenta de custas.
e) Fixar em 7 035,00€ o valor da acção.
[…]»
1.2. A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1º Vem a R. recorrer da SENTENÇA que considerou procedente a presente acção, e, consequentemente condenou a R. a pagar à A. as diuturnidades vencidas entre 01 de Setembro de 2017 e Outubro de 2023.
2º A Mma. Juíza do Tribunal “a quo” não teve, com todo o devido respeito, a adequada ponderação quer dos factos quer das normas jurídicas aplicáveis, havendo factos e normas aplicáveis que impõem diversa decisão da recorrida, havendo uma errada aplicação do Direito, tendo interpretado erradamente normas jurídicas, violando-as, tudo como o recorrente de seguida infra demonstrará.
3º Está aqui em causa a aplicação, interpretação e articulação de dois IRCT, nomeadamente o CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, publicado no BTE nº 11, de 22 de Março de 2007 com actualização publicada no BTE nº 29, de 08 de Agosto de 2015, aplicado pela R. até Setembro de 2017 e o CCT CNIS/FNSTFPS, publicado nos BTE nº 31 de 22/08/2015, nº 21 de 08/06/2018, nº 47 de 22/12/2018, nº 1 de 08/01/2020 e revisão global nº 8, de 28/02/2023 aplicado pela R. a partir de Setembro de 2017 e o consequente direito a diuturnidades decorrente da referida indicada aplicação, interpretação e articulação e sua cronologia temporal.
4º Ora, com base nos factos provados e face a estes pressupostos ( Conforme refere a douta Sentença recorrida, a “(…) a questão controvertida entre as partes importa analisar e apreciar desde quando a autora tem direito a ver reconhecidas diuturnidades e quantas lhe devem ser reconhecidas”, “o CCT em causa não entrou em vigor em 2017 – antes esta foi a data a partir da qual o mesmo passou a reger a relação contratual.”) a Mma. Juiz “a quo” deveria ter decidido de forma contrária ao decidido.
5º À relação laboral entre A., aqui recorrida e R., aqui recorrente aplicou-se o CCT entre a AEEP e a FNE, nas suas várias versões ao longo dos anos, por força das várias portarias de extensão publicadas.
6º E não, erradamente, conforme Ponto 3 dos Factos Assentes:
3. À data da celebração do contrato de trabalho o IRCT aplicável à relação estabelecida entre autora e ré era o Contrato Colectivo de Trabalho (…) celebrado entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Fenprof – Federação Nacional dos Professores e outros.
7º Aliás, o que está desde logo assente por força da Sentença proferida a 04 de Fevereiro de 2019 junta sob doc. nº 1 à Contestação, que decidiu que às relações laborais entre a aqui Recorrente e os seus trabalhadores se aplica o CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, publicado no BTE nº 30, de 15/08/2014.
8º Pelo que, o Facto Assente 3 tem que ser alterado para passar a constar que: 3. À data da celebração do contrato de trabalho o IRCT aplicável à relação estabelecida entre autora e ré era o Contrato Colectivo de Trabalho (…) celebrado entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE – Federação Nacional da Educação.
9º A partir de Setembro de 2017, a recorrente passou a aplicar o CCT CNIS/FNSTFPS, publicado nos BTE nº 35 de 22/09/2009, nº 31 de 22/08/2015, nº 21 de 08/06/2018, nº 47 de 22/12/2018 nº 1 de 08/01/2020 e revisão global nº 8, de 28/02/2023 (cfr. ainda Portaria n.º 277/2018 – Diário da República n.º 193/2018, Série I de 2018-10-08 – Portaria de extensão das alterações do contrato coletivo entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade – CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS).
DAS DIUTURNIDADES DE SETEMBRO DE 2017 A SETEMBRO DE 2022:
10º Com a aplicação do CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, publicado no BTE nº 46, de 15 de Dezembrode 2005foram atribuídas à recorridatrês diuturnidade em 2013 pagas conforme referido no Facto Assente 4..
11º Ora, se por um lado, com a aplicação do CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentosde Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, publicado no BTE nº 11, de 22 de Março de 2007, passa a estar em vigor a Cláusula 45ª que refere que aos trabalhadores que tenham uma categoria para a qual está prevista progressão na carreira não é devida qualquer diuturnidade (Vejam-se os níveis 1, 2, 3, 4, 5, e 7 da categoria N do CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, publicado no BTE nº 11, de 22 de Março de 2007) - sendo que é o caso da A., conforme doc. nº 5 junto à Contestação, auferindo 638,97 euros, quando na Tabela Salarial constava o vencimento de 610,60 euros (Cfr. Anexo V, Categoria N – Nível 4 do CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, publicado no BTE nº 11, de 22 de Março de 2007).
12º Por outro lado, com a “Revisão global” preconizada pelo BTE nº 29 de 08 de Agosto de 2015 veio definir na sua cláusula 74ª nº 6 que “Os valores das tabelas salariais dos não docentes foram estabelecidos considerando as diuturnidades vencidas nas diversas carreiras e percursos pelo que ficam extintas, desde a entrada em vigor deste contrato colectivo de trabalho, todas as diuturnidades vencidas e vincendas.”.
13º Pese embora o direito a diuturnidades se encontre definido no Código do Trabalho (artigo 262º nº 2 alínea b)), a sua atribuição não decorre de norma legal, mas antes decorre da regulamentação colectiva de trabalho.
14º Nessa sequência, conforme se verificousupra,até Setembrode 2017aplicou-se à relação laboral entre A. e R. o CCT AEEP/FNE.
15º Ou seja, significa esta disposição que as tabelas salariais decorrentes da aplicação da “Revisão global” do CCT AEEP/FNE de 08 de Agosto de 2015 já incluem/têm em consideração as diuturnidades, pelo que deixam as mesmas de ser pagas “à parte” por estarem incluídas.
16º Assim, por força da aplicação do CCT publicado no BTE nº 29 de 08 de Agosto de 2015, deixou de estar convencionada a atribuição de qualquer montante autónomo a título de diuturnidades para os trabalhadores nele abrangidos, sendo o nível retributivo de cada categoria em função dos sucessivos anos de serviço.
17º Uma vez que comparando a categoria e nível tabela salarial aplicável à A., que foi alterada pela “Revisão global” do CCT AEEP/FNE de 08 de Agosto de 2015, não se mantendo a tabela salarial do CCT AEEP/FNE - BTE nº 30 de 15 de Agosto de 2014 – Categoria = que passou a categoria Q5 – vencimento: 635,00 euros (Cfr. nº 3 da Cláusula 74º do CCT AEEP/FNE de 08 de Agosto de 2015 e email junto sob doc. nº 6 à Contestação), em Abril de 2017 (sendo que as diuturnidades até 2016 foram pagas conforme Facto Assente 4.), a recorrente começou a pagar à recorrida a quantia de 786,16 euros (Cfr. doc. nº 7 junto à Contestação), onde se incluíam as três diuturnidades (Cfr. 53ª do CCT AEEP/FNE publicado no BTE nº 30 de 15 de Agosto de 2014 – valor da diuturnidade 35,02 euros = 635,00 euros + 105,06 euros=740,06 euros) (Cfr. os CCTs AEEP/FNE publicados nos BTE nº 30 de 15 de Agosto de 2014 (Cláusula 53ª e Categoria N – Nível 4) e nº 29 de 08 de Agosto de 2015 (Cláusula 74ª nº 6).
18º Ou seja, mais 46,10 euros/mês do que devia ter pago, ou seja, durante 64 meses, o que corresponde a 64 x 46,10 euros =2.950,40 euros pagos a mais a favor da recorrida (Cfr. docs. nº 8 a 71 juntos à Contestação).
19º Aliás, a verdade é que a A. nem vem alegar qual o vencimento que deveria auferir e que, alegadamente, terá deixado de auferir face à inclusão das diuturnidades no vencimento.
20º Com efeito, a recorrente por imposição da aplicação do BTE nº 29 de 08 de Agosto de 2015 que veio definir na sua cláusula 74ª nº 6 que “Os valores das tabelas salariais dos não docentes foram estabelecidos considerando as diuturnidades vencidas nas diversas carreiras e percursos pelo que ficam extintas, desde a entrada em vigor deste contrato colectivo de trabalho, todas as diuturnidades vencidas e vincendas”, teve que aumentar exponencialmente os trabalhadores e aí incluir as diuturnidades a que os mesmos tinham direito.
21º O que fez com a recorrida, incluindo as três diuturnidades.
22º Uma vez que a mesma apenas tinha direito a receber um vencimento de 635,00 euros, mas anteriormente já recebia um vencimento de 681,10 euros, manteve o vencimento e passou a receber um vencimento de 786,16 euros, onde se incluíam as três diuturnidades – 105,06 euros. Facto Assente 5.
23º Pelo que, tais três diuturnidades encontram-se devidamente incluídas no vencimento da recorrida.
24º Sendo que, ao atribuir tais três diuturnidades fora do vencimento, a recorrida estará a receber seis diuturnidades – três incluídas no vencimento por força da aplicação do indicado IRCT e três fora por força da Sentença da qual se recorre, o que é inconcebível, injusto e viola a finalidade e espírito do referido IRCT, ao contrário do invocado pela Mma. Juiz “a quo”.
25º Aliás, conforme a Sentença recorrida refere na Cláusula 74ª nº 1 na Revisão Global BTE nº 29 de 08 de Agosto de 2015 “1- Considerando que o presente contrato colectivo de trabalho contem um regime globalmente mais favorável para os trabalhadores por ele abrangidos, a adesão ao mesmo, após Setembro de 2014, implica a aceitação expressa de todas as condições nele previstas, nomeadamente o regime de carreira e cláusulas de natureza pecuniária, mesmo que tal implique a redução da remuneração em função das tabelas do anexo III.”
26º Ou seja, implica a aceitação do disposto no nº 6 da mesma Cláusula.
27º Não obstante, num volte face, conclui, de modo diferente ao já concluído por este Tribunal (Cfr. docs. nº 72 e 73 juntos à Contestação), a Mma. Juiz “a quo” vem interpretar tal Cláusula 74ª no sentido de “resulta que a autora deixou de auferir qualquer diuturnidade – tendo as que até então recebia passado a constituir remuneração.”.
28º Ora, esta interpretação não só vai contra o espírito do IRCT, como também lesa a recorrente uma vez que a mesma, na sua boa fé contratual e laboral aplicou a referida Cláusula 74ª e as tabelas do indicado IRCT, aumentou os trabalhadores e agora, afinal, estão em dívida as diuturnidades!
29º A Mma. Juiz “a quo” efectua uma interpretação errada da Cláusula 74º do CCT de 2015. A Mma. Juiz “a quo” deveria ter interpretado exactamente ao contrário, no sentido de as diuturnidades já estarem incluídas no vencimento e não poderem ser pagas em duplicado.
30º Nem pode a Mma. Juiz “a quo”, com o devido respeito vir argumentar que tal interpretação fundamenta-se no facto de as remunerações das tabelas de 2014 serem superiores às de 2015, pois que também tal situação a Cláusula 74ª resolve:
“A reclassificação prevista no número anterior não implica perda de vencimento. Nos casos em que a nova tabela seja de valor inferior ao vencimento actual, incluindo diuturnidades, o trabalhador mantém o vencimento até que, pela progressão em função do tempo de serviço, passar a nível de valor superior.”.
31º Pelo que, não tem qualquer razão a Mma. Juiz “a quo” na sua argumentação que falha redondamente, quando invoca a aplicação da Cláusula 74ª, assenta no pagamento de 786,16 euros e posteriormente refere que as três diuturnidades de Setembro de 2017 a Setembro de 2022 são devidas extra vencimento, errando a Mma. Juiz “a quo” na aplicação do Direito.
DAS DIUTURNIDADES PREVISTAS NO CCT CNIS/FNSTFPS, PUBLICADO NOS BTE Nº 35 DE 22/09/2009, Nº 31 DE 22/08/2015, Nº 21 DE 08/06/2018, Nº 47 DE 22/12/2018, Nº 1 DE 08/01/2020 e agora nº 8, de 28 de Fevereiro de 2023:
32º Este CCT CNIS/FNSTFPS aplica-se à relação laboral entre a as partes a partir de Setembro de 2017.
33º Assim sendo, ao abrigo deste CCT, a recorrente considerou, então ser de pagar à recorrida, uma diuturnidade (ficando a recorrida a receber 4 diuturnidades – 3 incluídas no vencimento e 1 extra vencimento) a partir de Setembro de 2022.
34º Com a interpretação veiculada pela douta Sentença recorrida, passaria, assim, a recorrida a receber sempre mais três diuturnidades do que aquelas a que tem direito, pela aplicação do CCT CNIS/FNSTFPS que se aplica à relação laboral entre a as partes a partir apenas de Setembro de 2017, começando a contagem das diuturnidades a partir daí, ou seja, passando a receber 8 diuturnidades (3 incluídas no vencimento e mais 5 diuturnidades) – conforme a douta Sentença deu razão, erradamente, diga-se à recorrida.
35º Decisão esta até diferente às proferidas no âmbito de outros processos, pela Mma. Juiz “a quo” quando decidiu que umatrabalhadora da mesma entidade empregadora que trabalha desde 01 de Fevereiro de 1996 (a aqui recorrida trabalha desde 05 de Dezembro de 1996 – Facto Assente 1) tem direito a três diuturnidades – (cfr. doc. nº 1 que ora se junta – processo nº 4122/23.1T8VFX) e a aqui recorrida tem direito a cinco diuturnidades e quando decide quanto a outra trabalhadora que presta trabalho na mesma entidade empregadora desde 02 de Novembro de 1998 que lhe é devida uma diuturnidade – (Cfr. doc. nº 2 que ora se junta – processo nº 554/23.3T8VFX). Tem, que existir igualdade e uniformidade.
36º Sendo que a A. desde 1998 a 2022, tem apenas direito a quatro diuturnidades, que se encontra a receber, três incluídas no vencimento e outra à parte face à aplicação de ambos os IRCT aqui em causa.
37º Aliás, conforme o referido Douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação, sobre situação em tudo idêntica – junto à Contestação sob doc. nº 73, há sempre que comparar os valores pagos à trabalhadora e os estabelecidos na tabela salarial do CCT em vigor, aqui o da CNIS com a FNSTFPS, não consubstanciando uma redução salarial.
38º Nesta senda, deveria a Mma. Juiz “a quo” ter efectuado os mesmos cálculos face aos documentos juntos que o permitiam fazer, os quais não foram impugnados – docs. 4 a 74 juntos com a Contestação, devendo ter contabilizando o que a recorrida recebeu.
39º A recorrida auferia em 2017 – 786,16 euros, quando a Tabela do CCT – BTE nº 21, de 08/06/2018 – nível A – XI – previa o vencimento de 658,00 euros – assim a recorrida recebia a mais 128,16 euros. Tendo em consideração, alegadamente, as 3 diuturnidades que a douta Sentença recorrida preconiza (com as quais não se concorda, mas por cautela de patrocínio aqui se contabilizam), ainda assim, a recorrida recebia a mais 65,16 euros;
40º A recorrida auferia em 2018 – 786,16 euros, quando a Tabela do CCT – BTE nº 47, de 22/12/2018 – nível A – XI – previa o vencimento de 663,00 euros – assim a recorrida recebia a mais 123,16 euros. Tendo em consideração, alegadamente, as 4 diuturnidades que a douta Sentença recorrida preconiza (com as quais não se concorda, mas por cautela de patrocínio aqui se contabilizam), ainda assim, a recorrida recebia a mais 39,16 euros;
41º A recorrida auferia em 2019 – 786,16 euros, quando a Tabela do CCT – BTE nº 47, de 22/12/2018 – nível A – XI – previa o vencimento de 663,00 euros – assim a recorrida recebia a mais 123,16 euros. Tendo em consideração, alegadamente, as 4 diuturnidades que a douta Sentença recorrida preconiza (com as quais não se concorda, mas por cautela de patrocínio aqui se contabilizam), ainda assim, a recorrida recebia a mais 39,16 euros;
42º A recorrida auferia em 2020 – 786,16 euros, quando a Tabela do CCT – BTE nº 1, de 08/01/2020 – nível A – XI – previa o vencimento de 670,00 euros – assim a recorrida recebia a mais 116,16 euros. Tendo em consideração, alegadamente, as 4 diuturnidades que a douta Sentença recorrida preconiza (com as quais não se concorda, mas por cautela de patrocínio aqui se contabilizam), ainda assim, a recorrida recebia a mais 32,16 euros;
43º A recorrida auferia em 2021– 786,16 euros, quando a Tabela do CCT – BTE nº 1, de 08/01/2021 – nível A – XI – previa o vencimento de 687,00 euros até Junho de 2021– assim a recorrida recebia a mais 99,16 euros. Tendo em consideração, alegadamente, as 4 diuturnidades que a douta Sentença recorrida preconiza (com as quais não se concorda, mas por cautela de patrocínio aqui se contabilizam), ainda assim, a recorrida recebia a mais 15,16 euros;
44º A recorrida auferia em 2021 - 786,16 euros, quando a Tabela do CCT – BTE nº 44, de 29/11/2021 – nível A – XI – previa o vencimento de 717,00 euros a partir de Julho de 2021– assim a recorrida recebia a mais 69,16 euros. Tendo em consideração, alegadamente, as 4 diuturnidades que a douta Sentença recorrida preconiza (com as quais não se concorda, mas por cautela de patrocínio aqui se contabilizam), a recorrida recebia a menos apenas 14,84 euros x 6 meses + 1 subsídio Natal (uma vez que as tabelas salariais se aplicaram apenas a partir de 01 de Julho de 2021) o que perfaz apenas 103,88 euros;
45º A recorrida auferia em 2022 - 786,16 euros, quando a Tabela do CCT – BTE nº 44, de 29/11/2021 – nível A – XI – previa o vencimento de 717,00 euros a partir de Julho de 2021 até Junho de 2022– assim a recorrida recebia a mais 69,16 euros. Tendo em consideração, alegadamente, as 4 diuturnidades que a douta Sentença recorrida preconiza (com as quais não se concorda, mas por cautela de patrocínio aqui se contabilizam), a recorrida recebia a menos penas 14,84 euros x 6 meses + 1 subsídio férias (uma vez que as tabelas salarias se aplicaram apenas a partir de 01 de Julho de 2021) o que perfaz apenas 103,88 euros;
46º a recorrida auferia em 2022 - 786,16 euros, quando a Tabela do CCT – BTE nº 8, de 28/02/2023 – nível A – XI – previa o vencimento de 752,00 euros a partir de Julho de 2022– assim a recorrida recebia a mais 34,16 euros. Tendo em consideração, alegadamente, as 4 diuturnidades que a douta Sentença recorrida preconiza (com as quais não se concorda, mas por cautela de patrocínio aqui se contabilizam), a recorrida recebia a menos apenas 49,84 euros x 6 meses + 1 subsídio Natal (uma vez que as tabelas salariais se aplicaram apenas a partir de 01 de Julho de 2022) o que perfaz apenas 348,88 euros, sendo que a este valor se tem que deduzir as diuturnidades recebidas desde Setembro de 2022 – 21,00 euros x 5 = 105,00 euros, perfazendo o valor final de 243,88 euros;
47º A recorrida auferia em 2023 – 807,00 euros + 21 euros de diuturnidade, quando a Tabela do CCT – BTE nº 38, de 15/10/2023 – nível A – XI – previa o vencimento de 807,00 euros. Tendo em consideração, alegadamente, as 4 diuturnidades até Janeiro de 2023 e 5 diuturnidades a partir de Fevereiro de 2023 que a douta Sentença recorrida preconiza (com as quais não se concorda, mas por cautela de patrocínio aqui se contabilizam), a recorrida recebia a menos apenas 63,00 euros x 1 mês e 81,00 euros x 9 meses + 1 subsídio férias o que perfaz apenas 810,00 euros.
48º E isto sem conceder, naturalmente.
49º Contudo, a serem efectuadas contas em sintonia com a decisão da Mma. Juiz “a quo” estes valores teriam que ser sempre todos ponderados. E não foram.
50º Violando, assim, a Mma. Juiz “a quo” o CCT entre a CNIS e a FNSTFPS e fazendo uma errada interpretação do mesmo, e em consequência, padecendo a douta Sentença recorrida de erro de julgamento.
51º Urge, assim, clarificar esta questão de Direito, não podendo a mesma entidade empregadora aplicar a situações iguais, decisões judiciais diferentes.
52º Não podem duas convenções colectivas ser aplicadas de forma a se cruzarem, conflituarem e duplicarem os direitos que dessa aplicação advêm.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente Recurso ser admitido, e consequentemente deve a Sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a R. do pedido formulado pela A..”
1.3. A A. respondeu às alegações da R. e concluiu do seguinte modo:
“A autora apenas peticionou o pagamento de diuturnidades vencidas a partir de setembro de 2017, o que realizou por aplicação do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS, CCT que, a partir de Setembro de 2017, a ré passou a aplicar.
2. CCT que, na sua Clausula 68.ª estabelece, no seu n.º 1 que “Os trabalhadores que estejam a prestar serviço em regime de tempo completo tem direito a uma diuturnidade (...) por cada cinco anos de serviço, ate ao limite de cinco diuturnidades”.
3. E manda, através do seu n.º 4, que: “Para atribuição de diuturnidades será́ levado em conta o tempo de serviço prestado anteriormente a outras instituições particulares de solidariedade social, desde que, antes da admissão e por meios idóneos, o trabalhador faça a respectiva prova.”, sendo que a autora sempre trabalhou para a ré.
4. Da revisão global operada em 2015 (do Contrato Colectivo de Trabalho, celebrado entre Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Federação Nacional dos Professores e Outros), não pode deixar de resultar que o valor de remuneração a considerar é o da remuneração base acrescida de diuturnidades.
5. Tendo sido todas as diuturnidades vencidas e vincendas” os até então valores pagos como tal são considerados remuneração. (sublinhado nosso)
6. Como se lê na sentença, a ter razão a recorrente “ou seja, considerando a ré que a autora já estava em Setembro de 2017 a receber três diuturnidades, sempre teria de considerar o vencimento da quarta em Fevereiro de 2018 e não em Setembro de 2022. “,
7. Fosse atendível a versão da recorrente, a quarta diuturnidade teria vencido em fevereiro de 2018o que não sucedeu e bem ilustra e contradiz toda a construção realizada pela recorrente.”
1.4. O recurso foi admitido.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em douto Parecer, no sentido de que o recurso merece provimento.
Apenas a recorrida se pronunciou sobre o indicado Parecer, dele discordando.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, as questões que fundamentalmente se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da impugnação da matéria de facto;
2.ª – aferir em que termos se concretiza o direito a diuturnidades da recorrida, tendo como referência o período temporal a que se reporta o pedido (a partir de 1 de Setembro de 2017), o que implica a análise das sub-questões de saber:
a) quais os efeitos da inclusão das diuturnidades devidas à recorrida na sua remuneração, na sequência da revisão global operada em 2015 à Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) e a Federação Nacional dos Professores e Outros (FNE);
b) qual a data do vencimento da primeira diuturnidade após a aplicação ao contrato de trabalho sub judice da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS.
3. Fundamentação de facto
3.1. A recorrente impugna a decisão de facto fixada na 1.ª instância no que diz respeito ao facto 3. do qual ficou a constar que:
3. À data da celebração do contrato de trabalho o IRCT aplicável à relação estabelecida entre autora e ré era o Contrato Colectivo de Trabalho foi o celebrado entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Fenprof – Federação Nacional dos Professores e outros.
Segundo aduz, à relação laboral entre A., aqui recorrida e R., aqui recorrente aplicou-se o CCT entre a AEEP e a FNE, nas suas várias versões ao longo dos anos, por força das várias portarias de extensão publicadas e não, conforme erradamente ficou Ponto 3 dos Factos Assentes.
Alega ainda que tal está desde logo assente por força da Sentença proferida a 04 de Fevereiro de 2019 junta sob doc. nº 1 à Contestação, que decidiu que às relações laborais entre a aqui Recorrente e os seus trabalhadores se aplica o CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, publicado no BTE nº 30, de 15/08/2014.
E defende que o Facto Assente 3 tem que ser alterado para passar a constar que: “3. À data da celebração do contrato de trabalho o IRCT aplicável à relação estabelecida entre autora e ré era o Contrato Colectivo de Trabalho (…) celebrado entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE – Federação Nacional da Educação”.
É de acolher a alegação da recorrente quanto ao desacerto da inclusão do ponto 3. da matéria de facto no elenco de factos provados, mas já não os fundamentos em que a estriba, o mesmo sucedendo quanto à redacção que pretende para o ponto 3. em discussão.
Com efeito, a afirmação que consta do ponto 3. da decisão de facto não constitui o relato de um facto concreto, tendo um evidente conteúdo jurídico. Isto porque a aplicabilidade a determinadas relações de trabalho de um instrumento de regulamentação colectiva objecto de publicação em documento oficial – o Boletim de Trabalho e Emprego – não constitui um facto concreto mas uma afirmação de direito que deve extrair-se de outros factos provados e, por isso, este ponto 3. não deveria ter sido incluído no elenco de factos.
Embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado, a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos. O direito aplica-se a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos. Por isso apenas os factos são objecto de prova – cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil – e por isso o artigo 607.º, n.º 3 do CPC prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados”.
O referido comando normativo do artigo 607.º relativo à discriminação dos factos aplica-se, também, ao Tribunal da Relação (cfr. o artigo 663.º, n.º 2 do CPC), impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações que se traduzam em juízos valorativos.
Assim, não só não pode subsistir o ponto 3. da decisão tal como se encontra, como não pode também conferir-se ao mesmo a redacção proposta pela recorrente, pois que enfermaria do mesmo vício.
Seja como for, estando junta aos autos uma sentença proferida em processo de contra-ordenação laboral em que a recorrente foi condenada pela prática de uma contra-ordenação prevista no artigo 521.º, n.º 2, do Código do Trabalho, por não ter observado uma prescrição da CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, publicada no BTE nº 30, de 15 de Agosto de 2014, que aí se julgou reger as relações laborais da recorrente com os seus trabalhadores, é possível a este Tribunal da Relação considerar provado o facto que emerge de tal documento junto com a contestação sob doc. 1, dentro dos limites em que o referido documento se reveste de força probatória plena.
Com efeito, como resulta das disposições conjugadas do artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 4 do mesmo diploma, os factos admitidos por acordo ou plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito.
Alterar-se-á, pois, o facto 3., de modo a que o mesmo passe a conter, simplesmente, o que resulta de tal documento, a saber:
3. Por sentença proferida a 04 de Fevereiro de 2019 no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo do Trabalho de Vila Franca de Xira - Juiz 2, Proc. nº 594/17.1T8VFX, foi decidido que às relações laborais entre a aqui recorrente e os seus trabalhadores se aplica a Convenção Colectiva de Trabalho entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, vindo a recorrente a ser nela condenada “pela prática de uma contra-ordenação prevista no art.º 521º nº 2 do Código do Trabalho, com referência ao CCT entre a AEEP — Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE — Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e Outros publicada no BTE nº 11 de 22/3/2007, com última actualização no BTE nº 30 de 15/8/2014, e Portaria de Extensão 462/2010, na coima de 142 UC (…)”.
Em consequência desta alteração, ter-se-á que alterar igualmente o facto 4., do qual constava que “4. Ao abrigo deste IRCT a ré, em 2019, pagou 8 425,67€ de diuturnidades vencidas até 2016”. Isto porque, uma vez eliminado o facto 3. tal como se encontrava, não é já possível fazer a conexão com o facto 3. do valor pago conforme descrito no facto 4., pelo que haverá de se suprimir o segmento inicial deste último. Para clarificar, e porque corresponde à alegação da parte, ficará a constar do ponto de facto que esse pagamento foi feito à A.
Fica o facto 4. com a seguinte redacção:
4. A ré, em 2019, pagou à A. 8.425,67 € de diuturnidades vencidas até 2016.”
Ainda, por força da prova documental introduzida nos autos sob doc 5, junto com a petição inicial, da qual emerge qual a data da filiação sindical da A. – o que tem evidente relevo para aferir da aplicabilidade directa do instrumento de regulamentação colectiva que a mesma invoca – cabe alterar o facto 6., aditando ao mesmo a data da referida filiação. Passa o facto 6. a ter a seguinte redacção:
6. A autora é, desde 25 de Outubro de 2017, sócia do STFPSSRA – Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas que, por sua vez, é associado na FNSTFPS – Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais..”
E cabe também alterar o facto 9., na medida em que resulta da petição inicial e da contestação haver acordo quanto ao facto de a R. desde Setembro de 2017, ter efectivamente aplicado (além de tomar a decisão de o fazer, que ficou relatada no ponto 9. da sentença) aos trabalhadores ao seu serviço o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS (vide vg. os artigos 6.º da petição inicial e os artigos 14.º, 15.º, 39.º e 47.º da contestação).
É de notar que a afirmação de que se verificou esta aplicação integra questão de facto, não podendo deixar de considerar-se como um evento material e concreto, uma ocorrência da vida real, considerar provado que a ré decidiu aplicar, e aplicou, o indicado instrumento de regulamentação colectiva a todos os trabalhadores ao seu serviço. Se aplicou bem, ou mal, ou se tal aplicação acarreta efeitos jurídicos, é questão que não atine a este facto.
Fica o facto 9. com a seguinte redacção:
9. Desde Setembro de 2017 que a ré decidiu aplicar – e aplicou – aos trabalhadores ao seu serviço o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS.
Procedendo parcialmente o recurso em matéria de facto, altera-se o ponto 3. e alteram-se ainda oficiosamente os pontos 4., 6. e 9. dos factos provados, com os fundamentos assinalados.
3.2. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são, assim, os seguintes:
«[...]
1. A autora trabalha sob as ordens, direcção e fiscalização da ré desde 05 de Dezembro de 1996, data em que foi admitida para desempenhar as funções inerentes à categoria de vigilante.
2. Actualmente tem a categoria de monitora de actividades ocupacionais, cujas funções exerce desde Fevereiro de 1998.
3. Por sentença proferida a 04 de Fevereiro de 2019 no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo do Trabalho de Vila Franca de Xira - Juiz 2, Proc. nº 594/17.1T8VFX, foi decidido que às relações laborais entre a aqui recorrente e os seus trabalhadores se aplica a Convenção Colectiva de Trabalho entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE, vindo a recorrente a ser nela condenada “pela prática de uma contra-ordenação prevista no art.º 521º nº 2 do Código do Trabalho, com referência ao CCT entre a AEEP — Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE — Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e Outros publicada no BTE nº 11 de 22/3/2007, com última actualização no BTE nº 30 de 15/8/2014, e Portaria de Extensão 462/2010, na coima de 142 UC (…)”.
4. A ré, em 2019, pagou à A. 8.425,67 € de diuturnidades vencidas até 2016.
5. Em Abril de 2017 a ré pagava à autora uma remuneração mensal base de 786,16€.
6. A autora é, desde 25 de Outubro de 2017, sócia do STFPSSRA – Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas que, por sua vez, é associado na FNSTFPS – Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais.
7. Desde Novembro de 2016 a ré é equiparada a IPSS.
8. Desde 08-05-2018 a ré é filiada na CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade.
9. Desde Setembro de 2017 que a ré decidiu aplicar – e aplicou – aos trabalhadores ao seu serviço o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS.
10. Em Setembro de 2017 a autora tinha 19 anos de antiguidade na categoria.
11. A autora auferia à data de propositura da acção (31-10-2023) a remuneração mensal de 807,00€ acrescida desde Setembro de 2022, de uma diuturnidade no valor de 21,00€.
[…]».
4. Fundamentação de direito
4.1. A questão essencial de direito a enfrentar consiste em aferir em que termos se concretiza o direito a diuturnidades da recorrida, tendo como referência o período temporal a que se reporta o pedido (a partir de 1 de Setembro de 2017).
Em fundamento do seu direito, a A., ora recorrida, invocou o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS –, que a partir de Setembro de 2017 a recorrente passou a aplicar aos trabalhadores ao seu serviço.
Nos temos da cláusula 68.ª da Convenção Colectiva de Trabalho entre a CNIS e a FNSTFPS, de acordo com a revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 31 de 2015 (que corresponde à cláusula 67.ª da CCT publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 35 de 2009):
«1- Os trabalhadores que estejam a prestar serviço em regime de tempo completo têm direito a uma diuturnidade no valor de 21 €, em 2015, por cada cinco anos de serviço, até ao limite de cinco diuturnidades.
(…)
4- Para atribuição de diuturnidades será levado em conta o tempo de serviço prestado anteriormente a outras instituições particulares de solidariedade social, desde que, antes da admissão e por meios idóneos, o trabalhador faça a respectiva prova.
(…).»
Redacção similar adoptou esta mesma cláusula 68.ª na revisão global da Convenção Colectiva de Trabalho publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 1, de 2020, ainda que alterando-se o ano a que se reporta, não sofrendo alterações de substância nas revisões ulteriores até ao texto consolidado publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 8, de 28 Fevereiro 2023.
As diuturnidades constituem um complemento pecuniário a que o trabalhador pode ter direito quando atinge uma certa antiguidade, por estar previsto no respectivo contrato individual de trabalho ou numa convenção colectiva de trabalho que o deva reger.
No n.º 2 do artigo 262.º do Código do Trabalho, o legislador definiu o conceito de retribuição base [alínea a)] e diuturnidade [alínea b)], caracterizando esta última como "a prestação de natureza retributiva a que o trabalhador tenha direito com fundamento na antiguidade".
Sendo este complemento pecuniário estabelecido para compensar a permanência do trabalhador na mesma empresa ou categoria profissional e tendo muitas vezes, como razão de ser, também, a inexistência ou dificuldade de acesso a escalões superiores, é pago com carácter regular e certo e, como resulta dos instrumentos de regulamentação colectiva que adicionam tais valores ao das retribuições mínimas das categorias respectivas, a fim de se achar o mínimo salarial próprio do trabalhador com certo tempo na mesma categoria, e do próprio artigo 262.º do Código do Trabalho1.
Apesar de o Código do Trabalho se ter preocupado com a delimitação conceptual desta específica prestação, conferindo-lhe um carácter retributivo e equiparando-a mesmo à retribuição base para os relevantes efeitos previstos no n.º 1 do artigo 262.º, certo é que em momento algum estabeleceu o direito à sua atribuição, pressupondo que o direito a diuturnidades tenha raiz convencional (individual ou colectiva).
É a partir da identificação do regime jurídico convencional a que se entende estar submetida a relação laboral sub judice que poderá identificar-se se existe, ou não, uma disciplina normativa associada ao reconhecimento do direito às referidas diuturnidades e se o empregador observou, ou não, tal disciplina, havendo valores que não pagou e deveria ter pago.
4.2. A recorrida sustentou o seu direito ao pagamento das diuturnidades que peticionou na aplicação da Convenção Colectiva de Trabalho subscrita entre a CNIS e a FNSTFPS, a qual se mostra publicada nos Boletins do Trabalho e Emprego:
• nº 17 de 08/05/2006 (com Portaria de Extensão no BTE nº 32, de 29/08/2006;
• nº 06 de 15/02/2008;
• nº 35 de 22/09/2009;
• nº 15 de 22/04/2011;
• nº 31 de 22/08/2015 (com Portaria de Extensão no BTE n.º 14 de 15/04/2016);
• nº 21 de 08/06/2018 (com Portaria de Extensão no BTE nº 39 de 22/10/2018);
• nº 47 de 22/12/2018 (com Portaria de Extensão no BTE nº 41 de 08/07/2019);
• nº 01 de 08/01/2020 (com Portaria de Extensão no BTE nº 34 de 15/09/2021);
• nº 01 de 08/01/2021 (com Portaria de Extensão no BTE nº 34 de 15/09/2021);
• nº 44 de 29/11/2021 (com as Portarias de Extensão nºs 260/22 de 28/10 e 271/22, de 09/11 no DR Iª série de tais datas) e
• nº 08 de 28/02/2023.
Radicou a aplicabilidade deste instrumento de regulamentação colectiva na sua sindicalização em 25 de Outubro de 2017 no STFPSSRA – Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas que, por sua vez, é associado na FNSTFPS – Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, na filiação da R. na CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade em 08 de Maio de 2018 e no facto de, desde Setembro de 2017, a R. ter decidido aplicar aos trabalhadores ao seu serviço o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS.
Vejamos.
4.3. Uma convenção colectiva de trabalho constitui um acordo celebrado entre associações sindicais e associações de empregadores (ou uma pluralidade de empregadores, ou um empregador) que visa regular, quer as relações individuais de trabalho, quer as relações que se estabelecem directamente entre as entidades celebrantes.
De acordo com o disposto no artigo 496º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009, a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.
Decorre destes normativos o chamado “princípio da dupla filiação”, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho obrigam apenas aqueles que, durante a respectiva vigência, estiverem filiados ou se filiarem nas entidades outorgantes (associações patronais e sindicatos) e ainda os empregadores que as outorguem directamente, sendo caso disso.
Além desta exigência da “dupla filiação” (que justifica a obrigatoriedade de se fazer menção no texto da convenção da designação das entidades celebrantes), a definição pessoal dos destinatários da CCT infere-se, ainda, da menção obrigatória no instrumento de regulamentação colectiva do respectivo “âmbito de aplicação”, o que nos reconduz ao sector de actividade profissional e geográfico que a convenção pretende abranger – cfr. o artigo 492.º, n.º 1, al. c), do Código do Trabalho de 2009.
A normação plasmada na convenção colectiva pode, ainda, alargar-se total ou parcialmente, através de uma Portaria de Extensão, mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações. Nos termos do n.º 1, do artigo 514.º do Código do Trabalho actualmente em vigor a “convenção colectiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento”.
Segundo Maria do Rosário Palma Ramalho, “a portaria de extensão é, pois, o instrumento de regulamentação emanado do Governo, que alarga o âmbito de incidência subjectiva de uma convenção colectiva ou de uma deliberação arbitral em vigor a um universo de trabalhadores e/ou empregadores não originariamente cobertos por essa convenção ou deliberação2.
De acordo com o princípio da subsidiariedade plasmado no artigo 515.º do Código do Trabalho, a portaria de extensão só pode ser emitida na falta de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho negocial.
Em suma, as convenções colectivas de trabalho obrigam os empregadores que as subscrevem e os inscritos nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros, quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes, e o âmbito da aplicação que é traçado no seu texto pode ser estendido, por regulamento ou portaria de extensão, a empregadores e trabalhadores integrados no mesmo sector de actividade e profissional definido naquele instrumento, sendo que nesse caso a extensão do contrato colectivo de trabalho depende de as entidades empregadoras exercerem a sua actividade no mesmo sector económico a que a convenção se aplica e dos termos concretos em que aquela extensão se mostra prescrita nas portarias de extensão3.
O ónus de alegação e prova da situação jurídica de filiado e da condição do empregador de associado nas associações patronais outorgantes ou da verificação do condicionalismo que permite a afirmação da aplicabilidade de determinado instrumento de regulamentação colectiva está a cargo de quem invoca o direito, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil4.
4.4. Tendo presente este quadro normativo, deve começar por se dizer que a CCT CNIS não se aplicava ao caso sub judice em Setembro de 2017 por via da filiação das partes tal como esta é perspectivada no artigo 496.º do Código do Trabalho, na medida em que então nenhuma das partes se encontrava filiada nas associações sindicais e patronais outorgantes da mesma – vide os factos 6. e 8.
Em conformidade com o princípio da dupla filiação, apenas em 8 de Maio de 2018, com a filiação da recorrente na CNIS – e uma vez que a recorrida se encontrava já filiada desde Outubro de 2017 no STFPSSRA – a Convenção Colectiva de Trabalho em análise passou a vincular directamente as partes.
Antes de tal data, a referida Convenção Colectiva de Trabalho não podia igualmente ser convocada por via de extensão administrativa na medida em que, nos termos do artigo 1.º da Portaria de Extensão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 14, de 15 de Abril de 2016 (que estendeu o clausulado da última revisão global antes de 2017, mas que reproduz no seu essencial os termos das anteriores Portarias), tal extensão foi estabelecida do seguinte modo:
«1- As condições de trabalho constantes do contrato coletivo entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 31, de 22 de agosto de 2015, são estendidas no território do Continente:
a) Às relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social não filiadas na confederação outorgante que prossigam as atividades reguladas pela convenção, exceto as santas casas da misericórdia, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nela previstas;
b) Às relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social filiadas na confederação outorgante que prossigam as atividades reguladas pela convenção e trabalhadores ao seu serviço, das referidas profissões e categorias profissionais, não representados pela associação sindical outorgante.»
Ou seja, é claro que as Portarias de Extensão limitam expressamente a extensão da CCT às “relações de trabalho entre instituições particulares de solidariedade social” (IPSS) não filiadas na confederação e aos seus trabalhadores que não estejam representados pelas associações sindicais outorgantes5.
Pelo que, não tendo a recorrente a natureza de IPSS – sendo tão só uma entidade equiparada a IPSS desde Novembro de 2016 (facto 7.) –, e face aos termos concretos em que a extensão da Convenção Colectiva de Trabalho CNIS se mostra prevista nas Portarias de Extensão, não pode afirmar-se também a aplicabilidade desta Convenção Colectiva de Trabalho a partir de Setembro de 2017 por via de extensão administrativa.
E que dizer do facto de, desde então, a R. ter decidido aplicar aos trabalhadores ao seu serviço o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS (facto 9.)?
A lei não prevê a vinculatividade de um instrumento de regulamentação colectiva com base nesta aplicação voluntária do mesmo por parte do empregador.
A eficácia normativa da Convenção Colectiva de Trabalho deriva directamente da Constituição da República Portuguesa. E, por força da injunção do artigo 56.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, à lei cabe estabelecer as regras da eficácia pessoal da Convenção Colectiva, as regras que definem o âmbito subjectivo da sua força normativa, tendo a lei portuguesa optado pela regra da eficácia limitada (plasmada no actual artigo 496.º do Código do Trabalho, mas que vinha já do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro). Na lição de Jorge Leite, a Convenção Colectiva de Trabalho “é uma decisão normativa criadora de direito objectivo, que se impõe aos seus destinatários em termos idênticos aos das demais normas jurídicas6.
Seja como for, inexiste, à partida, qualquer obstáculo legal a que o empregador aplique a todos os seus trabalhadores, independentemente da sua filiação, um determinado instrumento de regulamentação colectiva.
Como refere Bernardo Lobo Xavier, a propósito da força vinculativa das CCT, “na prática, as CCT costumam ser aplicadas a todos os trabalhadores da categoria, independentemente do facto de estarem ou não filiados nos sindicatos outorgantes7, situação esta que acontece as mais das vezes quando se trate de Convenção Colectiva de Trabalho que, de algum modo, vincule o empregador perante outros trabalhadores.
Chamando a atenção para que a lei (art.º 46.º, n.º 4, do Código Contributivo aprovado pela Lei.º 110/2009, de 16 de Setembro88) prevê a aplicação geral por parte da empresa de convenções colectivas, refere este autor que “[a] observância de uma prática uniforme de aplicação à generalidade dos trabalhadores a que em abstracto se destina uma dada CCT poderá assumir relevância normativa e carácter vinculativo. Os usos, nesse sentido, desde que apoiados numa conformidade colectiva e pacífica e num catamento constante e sem reserva dos trabalhadores não filiados poderão, pois, dar eficácia geral vinculativa à normação constante de CCT"9.
Na jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de Dezembro de 200210 subscreveu a tese de que o apelo aos usos da empresa (plasmado no então vigente artigo 12, n.º 2, da LCT) “não viola o disposto nos art.ºs 7, n.º 1, e 27 e seguintes da LRCT, pois a regra de que as convenções colectivas obrigam os trabalhadores que sejam membros das associações sindicais celebrantes não constitui obstáculo legal a que as entidades patronais apliquem a todos os seus trabalhadores, independentemente da sua filiação, os instrumentos de regulamentação colectiva por ela celebrados (excepto, obviamente, se de tal resultar degradação dos direitos do trabalhador consagrados no contrato individual por ele celebrado ou em outro instrumento de regulamentação colectiva que lhe seja aplicável)”.
Também Júlio Gomes dá notícia de doutrina estrangeira que admite ser susceptível de criar um uso relevante a aplicação voluntária pelo empregador de uma Convenção Colectiva de Trabalho fora do seu campo subjectivo de eficácia, e na ausência de qualquer mecanismo de extensão11.
O direito do trabalhador resultante deste uso não se funda na autonomia negocial colectiva, mas na força vinculativa que resulta do artigo 1.º do Código do Trabalho – com raiz na tutela da confiança do trabalhador em que a conduta do empregador se manterá e de que serão por ele efectuadas as prestações envolvidas na sua auto-vinculação – que se converte numa obrigação do empregador cujo incumprimento traduz o incumprimento do contrato de trabalho.
Segundo Júlio Gomes, “o uso não tem na sua base qualquer proposta negocial do empregador, encontrando-se antes o fundamento para a vinculação deste na confiança gerada por uma conduta reiterada que acaba por valer como regra e da qual resultam para os trabalhadores pretensões individuais que se inserem nos respectivos contratos de trabalho12.
No caso em análise, resultando da matéria de facto que desde Setembro de 2017 a R. decidiu aplicar – e aplicou – aos seus trabalhadores a Convenção Colectiva de Trabalho entre a CNIS e a FNSTFPS, aplicação que perdurou no tempo desde então, entendemos que à A., ora recorrida, assiste o direito a reclamar da recorrente que lhe sejam satisfeitas as prestações de diuturnidades previstas na cláusula 68.ª deste instrumento de regulamentação colectiva e que se vençam a partir de Setembro de 2017.
A partir de 8 de Maio de 2018, data em que se preencheu o requisito da dupla filiação – vide os factos 6. e 8. – cabe aplicar directamente tal instrumento de regulamentação colectiva à relação laboral sub judice, enquanto fonte negocial de raiz colectiva, nos termos do artigo 496.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho.
4.5. Para responder à questão de saber em que termos se concretiza o direito a diuturnidades da trabalhadora ora recorrida a partir de 1 de Setembro de 2017 à luz do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS, cabe antes de mais aferir quais os efeitos da inclusão das diuturnidades devidas à recorrida na sua remuneração, por ocasião da revisão global operada em 2015 à Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) e a Federação Nacional dos Professores e Outros (FNE).
Alega a recorrente que, por imposição da aplicação do BTE n.º 29, de 08 de Agosto de 2015, teve que aumentar exponencialmente os vencimentos dos trabalhadores e aí incluir as diuturnidades a que os mesmos tinham direito, o que fez com a recorrida, incluindo as três diuturnidades que a mesma auferia, uma vez que a mesma apenas tinha direito a receber um vencimento de 635,00 euros, mas anteriormente já recebia um vencimento de 681,10 euros, manteve o vencimento e passou a receber um vencimento de 786,16 euros, onde se incluíam as três diuturnidades (105,06 euros), pelo que estas se encontram devidamente incluídas no seu vencimento. Além disso, reconhecendo a aplicabilidade da Convenção Colectiva de Trabalho CNIS a partir de Setembro de 2017, quando decidiu aplicar aos seus trabalhadores este instrumento de regulamentação colectiva, sustenta que apenas a partir de Setembro de 2022, data em que decorreram cinco anos de aplicação da referida CCT, é devida uma nova diuturnidade à recorrida, e apenas uma por a sua remuneração já ter incluídas três diuturnidades por imposição da CCT de 2015 que anteriormente aplicava à relação entre as partes.
A recorrida, por seu turno, defende que, quando em Setembro de 2017 a Convenção Colectiva de Trabalho da CNIS passou a ser aplicada, já tinha 19 anos de antiguidade considerando o seu início de funções na categoria de monitora de actividades ocupacionais em Fevereiro 1998, pelo que em 2017 tinha direito a três diuturnidades, no valor de 21,00 € cada uma, vencendo-se a quarta em Fevereiro de 2018 e a quinta em Fevereiro de 2023, como decorre da cláusula 68.º da indicada CCT entre a CNIS e a FNSTFPS. Diz ainda que da revisão global do CCT operada em 2015 não pode deixar de resultar que o valor de remuneração a considerar é o da remuneração base acrescida de diuturnidades e que, tendo sido todas as diuturnidades vencidas e vincendas, os até então valores pagos como tal são considerados remuneração.
A sentença sob recurso, julgou procedente a pretensão da A. e condenou a R. a reconhecer àquela “o direito ao vencimento de três diuturnidades com efeitos a 01-09-2017, quatro diuturnidades com efeitos a Fevereiro de 2018 e de cinco diuturnidades com efeitos a Fevereiro de 2023”, bem como a pagar-lhe os inerentes valores retributivos acrescidos de juros.
É pacífico nos autos, conforme assinalou a sentença, sem que qualquer das partes o refutasse:
- que entre a autora e a ré foi iniciada em 05 de Dezembro de 1996 uma relação de contrato de trabalho à qual foi aplicado um CCT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 29, de 10 de Agosto de 20151313;
- que este CCT publicado no BTE n.º 29, de 2015, onde deixou de estar prevista qualquer atribuição a título de diuturnidades, considerando a categoria da autora, constitui revisão global dos anteriores CCT's com base nos quais haviam sido atribuídas à autora diuturnidades, pagas pela ré em 2019 e contabilizadas até 2016 (o que é consentâneo com o facto 4.);
- que a autora, integrada na Categoria N do CCT publicado no BTE n.º 30, 15 de Agosto de 2014, passou com o CCT publicado no BTE n.º 9, de 2015, a ser integrada na Categoria P (Q remuneratória de não docentes), como resulta do nº 3 do art.º 74º deste CCT;
- que antes do CCT publicado no BTE n.º 9, de 2015 a autora estava integrada a categoria remuneratória N3 e o valor de remuneração base era de 681,10 €14, valor sobre o qual acresciam três diuturnidades no montante de 105,06 € (35,02 x 3)15;
- que, considerando o valor da remuneração base de 681,10 € – Nível N3 do CCT de 2014 –, acrescido de três diuturnidades no montante de 105,06 € (35,02 x 3), num total de 786,16 € (681,10 + 105,06 = 786,16), na ponderação do nº 4 do art.º 74º do CCT de 2015, se conclui que o valor da nova tabela salarial do CCT de 2015 (635,00 €, nível Q5) era inferior ao vencimento (681,10) acrescido de diuturnidades (105,06), o que perfaz o valor total de 786,16 € (em consonância com o facto 5.);
- que o valor de remuneração a considerar de acordo com o CCT de 2015 é o da remuneração base acrescida de diuturnidades, como decorre da estatuição do nº 4 do artigo 74.º do CCT, impondo a consideração das diuturnidades no valor de vencimento e a eliminação de todas as diuturnidades vencidas e vincendas;
- que, pese embora a autonomia conceptual das referidas parcelas retributivas (remuneração base e diuturnidades), do disposto no texto do IRCT – “ficam extintas, (…), todas as diuturnidades vencidas e vincendas” –, em consequência da expressa eliminação de diuturnidades, desde 1 de Setembro de 2015(cfr artigo 2º, nº 2, do CCT de 2015), resulta que a autora deixou de auferir qualquer diuturnidade – tendo as que até então recebia passado a constituir remuneração.
Quanto a estes pontos as partes não divergem da sentença na análise a que a mesma procede, ponderando a categoria profissional da A. (facto 2.) e os valores por ela percebidos, em confronto com os valores da tabela salarial e diuturnidades previstos no CCT de 2014 e a tabela salarial prevista no CCT de 2015, em termos que, também a nós, se afiguram correctos.
E deles se extrai que, por um lado, os valores pagos pela R. à A. a título de diuturnidades até 2016 (facto 4.) resultaram da aplicação do regime previsto nos instrumentos de regulamentação colectiva de que o CCT publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 9 de 2015 constituiu revisão global, e, por outro, que a retribuição mensal de € 786,16 auferida na sequência deste CCT (facto 5.) correspondia ao vencimento que a A antes auferia (681,10) acrescido de 3 diuturnidades (105,06).
A primeira divergência da recorrente face à sentença resulta do facto de esta não considerar que as três primeiras diuturnidades já se encontrem pagas pela inclusão do seu valor no valor da remuneração, por via da sua extinção e do art.º 74º do CCT de 2015.
Segundo a sentença, o valor da remuneração base decorrente da sua reclassificação é pago à A. como remuneração e não como diuturnidades, vindo a concluir que não deve ponderar-se o valor que correspondia às diuturnidades e se encontra dentro do valor global da remuneração depois da sua extinção como diuturnidades. Em conformidade, condena a R. no pagamento de três diuturnidades com efeitos a Setembro de 2017, quatro diuturnidades com efeitos a Fevereiro de 2018 e cinco diuturnidades com efeitos a Fevereiro de 2023.
Por seu turno a recorrente defende que com a interpretação da sentença a recorrida passaria a receber sempre mais 3 diuturnidades do que aquelas a que tem direito
Quid iuris?
É importante reter que a CCT publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 9, de 2015, que extinguiu as diuturnidades previstas na anterior versão da mesma CCT e passou a considerar um só valor de retribuição que incluí aquelas, estabelece, no seu artigo 3.º, com a epígrafe de “Manutenção de regalias” que “[c]om salvaguarda do entendimento de que esta convenção representa, no seu todo, um tratamento globalmente mais favorável, a presente convenção revoga integralmente a convenção anterior”.
Por seu turno o artigo 74º do mesmo instrumento de regulamentação colectiva prescreve o seguinte:
“1- Considerando que o presente contrato colectivo de trabalho contem um regime globalmente mais favorável para os trabalhadores por ele abrangidos, a adesão ao mesmo, após Setembro de 2014, implica a aceitação expressa de todas as condições nele previstas, nomeadamente o regime de carreira e cláusulas de natureza pecuniária, mesmo que tal implique a redução da remuneração em função das tabelas do anexo III.
3- Os trabalhadores das categorias N e O são reclassificados segundo a seguinte tabela: (…)
4- A reclassificação prevista no número anterior não implica perda de vencimento. Nos casos em que a nova tabela seja de valor inferior ao vencimento actual, incluindo diuturnidades, o trabalhador mantém o vencimento até que, pela progressão em função do tempo de serviço, passar a nível de valor superior.
(…)
6- Os valores das tabelas salariais dos não docentes foram estabelecidos considerando as diuturnidades vencidas nas diversas carreiras e percursos pelo que ficam extintas, desde a entrada em vigor deste contrato colectivo de trabalho, todas as diuturnidades vencidas e vincendas.”
Não está em causa que no período anterior à revisão global desta Convenção Colectiva de Trabalho publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 29, de 2015, a recorrida tivesse direito ao pagamento de três diuturnidades e que as mesmas lhe foram pagas pela recorrente, em conformidade com as redacções anteriores desse instrumento de regulamentação colectiva (e na sequência, até, da condenação a que foi sujeita no processo de contra-ordenação referido no facto 9.). Aliás, a recorrida nada pede quanto ao período anterior a 1 de Setembro de 2017, o que nos dispensa de analisar o acerto dos valores pagos até então.
Por outro lado, ainda que seja controvertido entre as partes se o instrumento de regulamentação colectiva aplicável até esta data era a Convenção Colectiva de Trabalho entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo – AEEP e a FNE (como diz a recorrente), ou entre aquela associação patronal e a FENPROF (como diz a recorrida), certo é que tal também se nos afigura irrelevante para a sorte deste recurso. Isto porque, apesar de a recorrente alegar ter pago as diuturnidades por apelo ao primeiro (o que é conforme com o facto 9.), não há dissenso quanto a terem sido acrescidas à remuneração e nela integradas, as três diuturnidades que vinham sendo pagas à trabalhadora na sequência da revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 29, de 2015, a qual incide justamente sobre a Convenção Colectiva de Trabalho entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Federação Nacional da Educação.
Como afirma a sentença, sem que qualquer das partes o refute (a recorrida chega mesmo a transcrever este excerto da sentença nas suas contra-alegações):
«[…]
Desta estatuição do nº 4 [do artigo 74.º da CCT de 2015], impondo a consideração no valor de vencimento das diuturnidades, conjugada com a eliminação de todas as diuturnidades vencidas e vincendas afigura-se que não pode deixar de resultar que o valor de remuneração a considerar é o da remuneração base acrescida de diuturnidades.
Pese embora a autonomia conceptual das referidas parcelas retributivas (remuneração base e diuturnidades), em face do disposto no texto do IRCT – “ficam extintas, (…), todas as diuturnidades vencidas e vincendas” –, em consequência da expressa eliminação de diuturnidades, desde 1-9-2015– cfr artigo 2º nº 2 do CCT de 2015 – resulta que a autora deixou de auferir qualquer diuturnidade – tendo as que até então recebia passado a constituir remuneração.
As diuturnidades deixaram de existir, de possuir qualquer autonomia no regime remuneratório do CCT de 2015, e a ré passou a pagar o valor de remuneração 786,16€, valor relativo apenas a remuneração, como imposto pelo nº 4 art.º 74º citado e pelo art.º 129º nº 1 al. d) do Código do Trabalho -- tanto mais que, comparando as duas tabelas remuneratórias, se verifica que os valores de remuneração base do CCT de 2014 eram superiores aos de remuneração base do CCT de 2015.
[…]»
Sendo assim, como é, o que surge como evidente é que a extinção das diuturnidades que se verificou em conformidade com a cláusula 74.ª n.º 6 da CCT publicada no BTE n.º 29 de 2015, e a sua consequente integração no vencimento, determinou a perda de autonomia das quantias antes pagas àquele título em relação à retribuição base, mas, também, que esta passou a ser auferida com um valor majorado em atenção à antiguidade da trabalhadora.
Deste modo, desde 2016 (facto 4.) até à aplicação da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a CNIS e a FNSTFPS em Setembro de 2017, a recorrida deixou de ter direito ao pagamento de diuturnidades qua tale, é certo, mas passou a ter assegurado o direito a um valor total de remuneração base de € 786,16 (correspondente à soma do valor de retribuição de € 681,10 com o valor de € 105.06 relativo às três diuturnidades a que tinha direito).
Valor global este que era superior ao valor da tabela salarial dessa CCT de 2015 para a sua categoria profissional (de € 635,00), pelo que lograva aplicação o n.º 4 do artigo 74.º da CCT, tal como afirmou a sentença, não estando em causa – nem a A. o alega – qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho face à previsão convencional dos artigos 3.º e 74.º da CCT de 2015 (nem a A. o alega).
A partir do momento em que à relação laboral entre as partes passou a ser aplicável e aplicada a CCT da CNIS16, nos termos supra assinalados, a recorrida passou a ter direito ao pagamento autonomizado de diuturnidades, em face do que estabelece a cláusula 68.ª deste instrumento de regulamentação colectiva.
Para o cômputo das diuturnidades devidas à luz desta nova CCT, não pode perder-se de vista que, como resulta da sentença, sem que tal se discuta na apelação, a absorção das anteriores diuturnidades na retribuição foi feita – mal ou bem17 –, suprimindo-se o pagamento autónomo de diuturnidades e passando o valor respectivo a ter a natureza de retribuição, mas também que tal não retirou ao inerente acréscimo retributivo o fundamento da sua atribuição, a saber: retribuir a antiguidade da trabalhadora.
A incorporação das diuturnidades na retribuição que se verificou em conformidade com a CCT de 2015 não desvirtua a natureza dos valores que anteriormente eram pagos especificamente para compensar a antiguidade da trabalhadora e a retribuição que a trabalhadora continuou a auferir a partir de então passou a ter um valor majorado em atenção, justamente, à sua antiguidade.
Ou seja, as três diuturnidades a que a recorrida tinha direito em 2015 deixaram de ser pagas como tal e foram incluídas na retribuição, mas o valor respectivo manteve a etiologia constante do artigo 262.º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho, continuando a trabalhadora a recebê-lo mensalmente integrado na retribuição base, pelo que, a nosso ver, e como preconiza a recorrente, não podem ser pagas em duplicado.
Concordamos com a sentença quando a mesma afirma, citando Luís Gonçalves da Silva, que o artigo 478.º, n.º 1, alínea c) do Código do Trabalho, ao dispor que o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho não pode “conferir eficácia retroactiva a qualquer cláusula que não seja de natureza pecuniária”, apenas abrange a retroactividade, não postergando a possibilidade da eficácia retrospectiva, ou seja, de a convenção ser imediatamente aplicável às situações jurídicas existentes18.
Mas daí não retiramos que a trabalhadora deve passar a beneficiar mensalmente de valores retributivos que já se encontram compreendidos no seu vencimento (as 3 diuturnidades no valor unitário de € 35,02 em conformidade com a CCT publicada no BTE n.º 30 de 2014).
Nesta conformidade, e visto o que estabelecem as cláusulas 3.ª e 74.ª da CCT publicada no BTE n.º 9 de 2015, bem como a cláusula 68.ª da Convenção Colectiva de Trabalho CNIS, é de considerar que as novas diuturnidades a que a recorrida passou a ter direito em consequência da aplicação do clausulado deste último instrumento de regulamentação colectiva a partir de 1 de Setembro de 2017, devem acrescer às que se mostram compreendidas na retribuição que a trabalhadora vinha auferindo e que incluía o valor correspondente às três diuturnidades a que tinha direito desde Fevereiro de 2013, sem prejuízo de, continuando a valorar a antiguidade da trabalhadora ao serviço da empregadora, lhe reconhecer o direito à atribuição autónoma das novas 4.ª e 5.ª diuturnidades, no valor unitário de € 21,00, em conformidade com a referida cláusula 68.ª da nova Convenção Colectiva de Trabalho que prevê o seu pagamento.
Procede, neste aspecto a apelação,
4.5. Cabe a este passo proceder à análise da sub-questão de saber qual a data do vencimento da primeira diuturnidade após a aplicação ao contrato de trabalho sub judice da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais - FNSTFPS.
Alega a recorrente que a CCT CNIS/FNSTFPS se aplica à relação laboral entre as partes a partir de Setembro de 2017 e, assim sendo, ao abrigo desta CCT, considerou, então ser de pagar à recorrida, uma diuturnidade, ficando a recorrida a receber 4 diuturnidades (3 incluídas no vencimento e 1 extra vencimento) a partir de Setembro de 2022, ou seja, cinco anos volvidos da aplicabilidade do novo instrumento de regulamentação colectiva.
Resulta da cláusula 68.ª, n.º 1, da CCT CNIS/FNSTFPS, que os trabalhadores que estejam a prestar serviço em regime de tempo completo têm “direito a uma diuturnidade (…) por cada cinco anos de serviço, até ao limite de cinco diuturnidades”. O n.º 4 da mesma cláusula prescreve que “[p]ara atribuição de diuturnidades será levado em conta o tempo de serviço prestado anteriormente a outras instituições particulares de solidariedade social, desde que, antes da admissão e por meios idóneos, o trabalhador faça a respectiva prova”.
A recorrida está a trabalhar ao serviço da recorrente com a categoria profissional de monitora de actividades ocupacionais desde 1998 (facto 2.).
Quando a Convenção Colectiva de Trabalho da CNIS passou a aplicar-se ao contrato de trabalho em vigor entre as partes, incidiu sobre uma relação jurídica duradoura que continuou a produzir efeitos após a sua aplicação, mas que tinha já uma concreta configuração em termos de antiguidade da trabalhadora na sua particular posição profissional, pelo que é perante esta concreta configuração que haverá de se aferir se se mostram preenchidos os pressupostos de aplicação da respectiva cláusula 68.ª.
Nada obsta à aplicação de um instrumento de regulamentação colectiva a situações futuras com origem em factos passados, como já supra se referiu. Segundo Luís Gonçalves da Silva, na retrospectividade (ou quase retroactividade, ou retroactividade imprópria) “o que existe é a aplicação imediata de uma fonte a situações de facto iniciadas no passado mas que ainda perduram no presente19, o que é consonante com as regras de aplicação da lei no tempo previstas nos artigos 12.º do Código Civil e 7.º, n.º 1, da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro (a lei nova aplica-se a situações jurídicas em curso com ressalva dos factos e efeitos jurídicos totalmente passados).
Se assim é em geral, e tendo em consideração o pressuposto básico das diuturnidades que resulta do artigo 262.º do Código do Trabalho – atribuídas com fundamento na antiguidade do trabalhador –, é-o inequivocamente à luz da cláusula 68.ª deste concreto instrumento de regulamentação colectiva celebrado entre a CNIS e FNSTFPS, que, expressamente, salvaguarda para efeitos de atribuição do direito a diuturnidades o tempo de serviço prestado anteriormente a outras instituições particulares de solidariedade social, desde que verificado o condicionalismo previsto no n.º 4 da cláusula.
Nada autoriza que se ficcione o início da contagem do tempo de serviço para estes efeitos em data distinta da que resulta da execução do contrato de trabalho, vg. fazendo-a coincidir com a submissão do mesmo a um determinado instrumento de regulamentação colectiva.
Ora resulta dos factos provados que a recorrente procede ao pagamento de uma diuturnidade no montante de € 21,00 desde Setembro de 2022 (facto 11.). E fá-lo por considerar que apenas a partir de tal data, quando decorreram cinco anos de aplicação da CCT CNIS/FNSTFPS, é devida uma diuturnidade à recorrida, o que, como resulta do já dito, não pode proceder.
Como bem refere a sentença, “[n]ão considerar o tempo de antiguidade da autora na função quando esta tinha já 19 anos de antiguidade na categoria em Setembro de 2017, sujeitando o vencimento da primeira diuturnidade ao decurso de tempo a partir do momento em que a ré decidiu, na sequência da sua decisão de equiparação a IPSS, iniciar a aplicação do CCT, afigura-se contrário à própria lógica da consagração de diuturnidades como prestação retributiva associada exclusivamente à antiguidade do trabalhador na categoria”.
A antiguidade da recorrida na categoria profissional remonta a Fevereiro de 1998 (facto 2.) e o direito a uma nova diuturnidade por força da aplicação da CCT CNIS – além do valor das três já incorporado no seu vencimento –, nasceu na sua esfera jurídica em 1 de Fevereiro de 2018, data em que perfez 20 anos de antiguidade ao serviço da recorrente.
Neste sentido decidiu o Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Fevereiro de 202420, num processo em que também é ré a presente e a propósito de similar integração do valor de diuturnidades no vencimento, ao afirmar que a partir da aplicação em Setembro de 2017 do CCT CNIS ao contrato de trabalho ali em causa, a diuturnidade prevista (de € 21 por cada 5 anos completos de trabalho até ao limite de 5 diuturnidades) acrescia “desde 1/1/2021 (data em que a autora perfizera 25 anos de antiguidade na ré que correspondem à 5ª e máxima diuturnidade), ao valor da efectiva retribuição base e das outra 4 diuturnidades já vencidas desde o início desta relação laboral”.
Sufragamos, pois, o juízo da sentença quanto ao início da contagem do tempo relevante para a atribuição das diuturnidades vencidas na vigência da Convenção Colectiva de Trabalho CNIS/FNSTFPS, neste específico aspecto, não procedendo a apelação.
4.7. Reconhecido que a inclusão das diuturnidades a que a recorrida tinha direito na sua remuneração, na sequência da revisão global operada em 2015 à Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) e a Federação Nacional dos Professores e Outros (FNE), e considerando que a primeira diuturnidade devida à recorrida nos termos da cláusula 68.ª da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a CNIS e a FNSTFPS se venceu em 1 de Fevereiro de 2018, estamos em condições de responder à questão essencial colocada no recurso de saber em que termos se concretiza o direito a diuturnidades da recorrida, tendo como referência o período temporal a que se reporta o pedido.
Em conformidade com o exposto, a partir de Setembro de 2017, data em que a relação laboral firmada entre as partes passou a estar submetida ao clausulado da CCT CNIS/FNSTFPS, a diuturnidade prevista na cláusula 68.ª deste instrumento de regulamentação colectiva – “uma diuturnidade de 21 €, por cada cinco anos de serviço, até ao limite de cinco diuturnidades” –, deve acrescer à retribuição que a trabalhadora vem auferindo e que, por imperativo convencional, passou a incluir as outras 3 diuturnidades já vencidas desde o início do contrato de trabalho.
O que determina se reconheça à recorrida o direito:
• à 4.ª diuturnidade, no valor mensal de € 21,00, desde 1 de Fevereiro de 2018 (data em que a recorrida perfez 20 anos de antiguidade ao serviço da recorrente);
• à 5.ª diuturnidade, no valor mensal de € 21,0021, desde 1 de Fevereiro de 2023 (data em que a recorrida perfez 25 anos de antiguidade ao serviço da recorrente).
Assim, tendo em consideração que a recorrente paga à recorrida uma diuturnidade de € 21,00 desde Setembro de 2022 – nessa medida se considerando extinto pelo pagamento o direito de crédito respectivo – e que, como resulta das Cláusulas 66.ª nº 2 e 67.ª nº 1 da Convenção Colectiva de Trabalho, esta prestação é igualmente devida nos subsídios de férias e de Natal é de considerar que lhe é devido o valor global de € 1.544,00, assim calculado:
- de Fevereiro de 201822 a Agosto de 2022 - € 21,00 x 64 (55 meses de retribuição, 5 subsídios de férias e 4 subsídios de Natal) = € 1.344,00
- de Setembro de 2022 a Janeiro de 2023 – nada tem recorrida a haver por lhe ter sido paga mensalmente uma diuturnidade de € 21,00 (facto 11.)
- de Fevereiro de 202323 a Outubro de 2023 – (€ 42,00 - € 21,00) x 10 (9 meses de retribuição, e 1 de subsídio de férias) = € 210,00
Procede parcialmente o recurso, devendo ser alterada a sentença de modo a que a condenação da recorrente contemple os valores alcançados, bem como os juros devidos.
4.8. Tendo a recorrente obtido parcial vencimento no recurso, a responsabilidade pelas custas inerentes ao mesmo recaem sobre ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento (cfr. artigo 527.º, do Código de Processo Civil). Mostrando-se paga a taxa de justiça pela recorrente e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação da recorrente é restrita às custas de parte que haja. O mesmo sucede com a A., ora recorrida, uma vez que se mostra isenta de custas atento o disposto no art.º 4.º, n.º 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais, mas a isenção não abrange a sua responsabilidade pelos reembolsos previstos no artigo 4.º, n.º 7, do mesmo Regulamento.
5. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em:
5.2. julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto e, em consequência, alterar o ponto 3. dos factos provados, nos termos sobreditos;
5.2. oficiosamente, alterar os pontos 4., 6. e 9. dos factos provados, nos termos sobreditos;
5.3. conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, alterar a sentença ficando a recorrente condenada:
a) a reconhecer à recorrida o direito ao vencimento de uma diuturnidade, além das três incluídas na sua retribuição, com efeitos a Fevereiro de 2018 e de outra diuturnidade com efeitos a Fevereiro de 2023;
b) a pagar à recorrida a quantia de € 1.554,00 (mil, quinhentos e cinquenta e quatro euros) referente a diuturnidades vencidas entre Fevereiro de 2018 e Outubro de 2023, com a remuneração mensal e subsídios de férias e de Natal, nos termos assinalados supra (4.6.) acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, contabilizados sobre o montante de diuturnidades em falta, desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;
c) a pagar à recorrida duas diuturnidades na remuneração mensal e subsídios de férias e de Natal desde Novembro de 2023 e durante a pendência da acção, a que acrescerão juros de mora nos termos assinalados em b), caso não sejam pagas na data dos seus vencimentos.
Condenam-se recorrente e recorrida nas custas de parte que a outra parte eventualmente reclame, na proporção do seu decaimento.

Lisboa, 09 de Abril de 2025
Maria José Costa Pinto
Susana Silveira
Paula Santos
_______________________________________________________
1. Vide Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 18.ª edição, Coimbra, 2017, p. 327.
2. In “Tratado de Direito do Trabalho, Parte III, Situações Laborais Colectivas”, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 367-368.
3. Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09 de Março de 2017, Processo n.º 161/15.4T8VRL.G1.S1, in www.dgsi.pt.
4. Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.12.05, Revista n.º 2547/01 e de 2005.03.16, Recurso n.º 4125/04, ambos da 4.ª Secção.
5. Vide, numa situação em que a PE restringe o seu âmbito de aplicação, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2010, proferido no processo n.º 426/07.9TTLMG.S1 - 4.ª Secção e sumariado in www.stj.pt.
6. Vide Jorge Leite, in Direito do Trabalho, volume I, reimpressão, Outubro de 2001, Serviços de Acção Social da UC, Coimbra, 1998, p. 238.
7. In Curso de Direito do Trabalho, p. 250.
8. Diz a norma em causa, relativa à delimitação da base de incidência contributiva, que “[p]ara as prestações a que se referem as alíneas p), q), v) e z) do número anterior, o limite previsto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares pode ser acrescido até 50 %, desde que o acréscimo resulte de aplicação, de forma geral por parte da entidade empregadora, de instrumento de regulação colectiva de trabalho”.
9. Vide Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Manual de Direito do Trabalho, com a colaboração de Pedro Furtado Martins, Nunes de Carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, 2.ª edição revista e actualizada, Lisboa, 2014, p. 287
10. Processo n.º 02S3494, in www.dgsi.pt.
11. In Novos Estudos de Direito do Trabalho, Coimbra, 2010, p. 49.
12. In Novos Estudos de Direito do Trabalho, Coimbra, 2010, p. 43.
13. Neste Boletim do Trabalho e Emprego mostra-se publicada a Convenção Colectiva de Trabalho entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo – AEEP e a FNE - Federação Nacional da Educação e outros - Revisão global.
14. Vide a Convenção Colectiva de Trabalho publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 30 de 2014, na tabela salarial do anexo IV, p. 2891.
15. Vide a cláusula 53.ª da Convenção Colectiva de Trabalho publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 30 de 2014, segundo a qual: “1- A retribuição mínima estabelecida pela presente convenção para os trabalhadores não docentes será acrescida de uma diuturnidade, até ao limite de cinco, por cada cinco anos de permanência na mesma categoria profissional desde que não esteja prevista nenhuma modalidade de progressão na carreira correspondente.
2- O montante da diuturnidade referida no número 1 deste artigo é de 35,02 €.”
16. Com última revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 31, de 2015.
17. Questionamos se a revisão global da CCT entre a AEPP e a FNE publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 29 de 2015, que substituiu a CCT anterior (veja-se o n.º 2 da sua cláusula prévia) foi efectivamente objecto de extensão administrativa, não havendo notícia nos autos de que tal tenha sucedido, nem vislumbrando nós que haja publicação oficial de uma Portaria de Extensão com esse desiderato.
18. Luís Gonçalves da Silva, Da Eficácia da Convenção Colectiva, vol. II, pág. 1638 e ss.
19. In Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 1158.
20. Proferido no processo n.º 557/23.8T8VFX.L1, em que também é ré a presente, publicado in www.dgsi.pt.
21. Valor que se manteve inalterado na revisão global da Convenção Colectiva de Trabalho com texto consolidado, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 8 de 2023.
22. Data em que a recorrida adquiriu o direito a mais uma diuturnidade, além das três incluídas no seu vencimento.
23. Data em que a recorrida adquiriu o direito à 5.ª diuturnidade, além das 3 incluídas no seu vencimento e da 4.ª a que tinha direito desde Fevereiro de 2018.