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NOTA DISCRIMINATIVA DE CUSTAS DE PARTE
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário
Face ao quadro legal vigente, a remessa da nota discriminativa e justificativa de custas de parte ao mandatário da parte basta para que se forme o título executivo.
Texto Integral
Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
Na sequência de execução com base em nota discriminativa de custas de parte, que SPDH – SERVIÇOS PORTUGUESES DE HANDLING, S.A., NIPC …, com sede no Aeroporto de Lisboa, Lisboa, propôs contra AA, casado, NIF ..., residente na ..., veio o Executado deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, invocando, em síntese, inexistir título executivo uma vez que o Embargante nunca foi notificado pessoalmente da nota de custas já que a Embargada limitou-se a enviá-la para o Tribunal, o que não substitui a notificação à parte vencida, sendo que nem o Embargante, nem a sua então Ilustre Mandatária foram interpelados para proceder a qualquer pagamento, pelo que deve declarar-se extinta a execução; que mesmo que se considerasse que o título executivo era existente, não tendo o Embargante sido notificado/interpelado para pagamento da nota de custas, a obrigação exequenda sempre seria inexigível posto que a obrigação só pode considerar-se vencida e, consequentemente, exigível, após interpelação para pagamento, o que não sucedeu; que detém um contra crédito no valor de € 43.843,00 sobre a Embargada, pelo que argui a excepção de compensação de créditos até ao limite do seu crédito sobre aquela e que, ainda que assim não se entenda, devem os presentes embargos ser julgados parcialmente procedentes, considerando-se não verificado o vencimento da obrigação exequenda, por falta de interpelação do Embargante para pagamento e, em consequência, julgar-se improcedente o pedido de condenação do Embargante no pagamento dos juros de mora.
Pediu, a final, que os embargos sejam julgados procedentes por verificação da excepção de falta/inexistência de título executivo e, em consequência, se julgue extinta a execução, fixando-se as custas a cargo da Embargada, que, caso assim não se entenda, que os embargos sejam julgados improcedentes declarando-se verificada a excepção de inexigibilidade da obrigação exequenda e, em consequência, seja julgada extinta a execução, fixando-se as custas a cargo da Embargada e, ainda, caso assim não se entenda, nos termos da alínea h) do artigo 729.º do Código de Processo Civil, sejam os embargos julgados procedentes, declarando-se verificada a excepção de compensação até ao limite da quantia exequenda, por o Embargante ser titular de um contracrédito sobre a Embargada e, em consequência, julgar-se extinta a execução, fixando-se as custas a cargo da Embargada e que, mesmo que assim não se entenda, devem os embargos ser julgados parcialmente procedentes, por falta de interpelação do Embargante para pagamento e inerente falta de vencimento da quantia exequenda e, em consequência, julgar-se improcedente o pedido de condenação do Embargante no pagamento dos juros de mora. Mais requereu a suspensão do prosseguimento da execução sem prestação de caução.
Notificada para contestar veio a Embargada invocar, em resumo, que, após o trânsito em julgado da sentença, em 06/10/2020 apresentou a sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte ao Executado e peticionou a esse título o pagamento de € 5.273,2, o que fez através de requerimento, devidamente notificado através do Citius à então Mandatária do Embargante, sendo, que, no dia seguinte, 07/10/2020, através de mensagem de correio electrónico remetido para a mesma Mandatária, foi dado conhecimento e interpelado a proceder ao pagamento da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, que em 17/10/2020, o Embargante reclamou do requerimento com a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, alegando unicamente a intempestividade da sua apresentação, reclamação que foi indeferida, que as custas de parte não foram pagas após notificação e pagamento da conta de custas por parte da Exequente, esta apresentou um aditamento à sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte oportunamente apresentada, reclamando do Executado o pagamento do saldo actualizado e total de € 6.155,42, o que fez através de requerimento, devidamente notificado através do Citius à então Mandatária do Embargante, ainda no mesmo dia, 07/02/2022, através de mensagem de correio electrónico remetido para a sua Ilustre Mandatária, deu conhecimento e interpelou-o a proceder ao pagamento do aditamento da nota discriminativa e justificativa de custas de parte que não foram pagas, pelo que intentou a execução, o Embargante não mencionou na oposição que a Embargada apresentou nos autos os requerimentos com a nota discriminativa e justificativa de custas de parte e o aditamento, notificou a então sua Mandatária e através desta interpelou o mesmo a efectuar o pagamento devido. Concluiu que, quando a parte constitui mandatário judicial, a notificação prevista no n.º 1 do art.º 25.º do Regulamento das Custas Processuais apenas tem que ser feita a esse mandatário, não havendo necessidade de notificar pessoalmente a parte, que face aos actos e notificações realizadas nos autos, o Embargante tomou conhecimento dos valores fixados e constantes da nota discriminativa e justificativa de custas de parte e do aditamento, tanto que apresentou reclamação, mas além disso também houve interpelação para o pagamento e que estando as partes representadas por mandatários, estes não podem remeter interpelações directamente às partes (art.º 247.º do CPC e art.º 112.º, n.º 1. al. e), dos Estatutos da Ordem dos Advogados), nem faz sentido que no âmbito dum processo judicial em curso e com mandatários, as partes tenham ou se encontrem a interpelar directamente a outra parte no âmbito desse processo e que o Embargante litiga com manifesto abuso de direito, sob a forma de "venire contra factum proprium", porque na acção reclamou da tempestividade da apresentação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, o que significa que teve perfeito conhecimento da mesma, não negou e não nega ser devedor do valor executivo e agora insurge-se contra as consequências da possibilidade da sua execução, pelo que devem ser recusados os fundamentos que invoca, sendo certo que, face à sentença, notificação, interpelação, "trânsito" e não pagamento da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, é manifesto que o crédito de custas de parte que a Embargada detinha sobre o Embargante se tornou certo, líquido e exigível e que o pedido de compensação padece de indeterminação quanto aos requisitos subjacentes e aplicáveis, bem como quanto à concreta determinação do valor, uma vez que o alegado é genérico e conclusivo e, por essa razão, não pode ser objecto de produção de prova, sendo inepto além do Embargante não deter sobre a Embargada o invocado direito de crédito no valor de € 43.843,00
Terminou pedindo que a oposição seja julgada improcedente, prosseguindo a execução os seus ulteriores termos.
O Embargante respondeu concluindo como no requerimento inicial.
A Embargada requereu o desentranhamento da resposta.
Foi designada uma tentativa de conciliação e proferido despacho que suspendeu a execução ao abrigo do disposto no art.º 733º, nº 1, al. c), do CPC.
Tendo a Embargada sido declarada insolvente foi dado conhecimento da pendência dos presentes autos ao processo de insolvência e notificado o Administrador da Insolvência nos termos e para os efeitos previstos no artigo 85.º, n.ºs 1 e 3 do CIRE, vindo a massa insolvente informar que pretendia que os autos prosseguissem no Juízo do Trabalho.
Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de ser proferida a decisão de mérito sem necessidade de mais diligências instrutórias, nada disseram.
Fixado o valor da causa e dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador sentença que julgou os embargos totalmente improcedentes e condenou o Embargante nas custas.
Inconformado com o saneador sentença, o Embargante recorreu e formulou as seguintes conclusões:
“A) O presente recurso submetido à apreciação de V. Exas., vem interposto sentença de 29/09/2024 de fls..., na parte em que decidiu pela existência e exigibilidade do título executivo, objeto dos presentes autos.
B) Decidindo conforme decidiu, o Tribunal a quo violou flagrantemente a ratio legis cristalizada, nomeadamente, nos artigos 25º, nº 1, RCP e 31º, nº 1, da Portaria 419- A/2009, de 17 de Abril.
A. DA INEXISTÊNCIA E INEXIBILIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO OBJETO DOS PRESENTES AUTOS
C) A douta sentença sustenta que a notificação entre mandatários da junção da nota de custas de parte aos autos é válida e suficiente, considerando, por isso, exigível, o título executivo compósito, formado pela sentença condenatória e pela nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
Acontece que,
D) Conforme decorre do artigo 25.º do RCP e do artigo 31.º da Portaria n.º 419- A/2009, de 17 de Abril, para que a parte vencedora tenha direito ao recebimento do montante discriminado na sua nota de custas, necessário se torna que se verifiquem, de forma cumulativa, os seguintes requisitos: a) O envio da nota de custas para o tribunal; b) O envio da nota de custas para a parte vencida (interpelação para pagamento) e, quando aplicável; c) O envio da nota de custas para o agente de execução
E) In casu, o embargante nunca foi notificado da nota de custas que serve de base à presente execução. A embargada, ora recorrida, apenas e tão só enviou a nota de custas para o tribunal, via Citius e para a sua então mandatária (de fls…), não para o embargante.
F) Ora, o legislador refere expressamente que a nota discriminativa e justificativa deve ser enviada, quer ao tribunal, quer à “parte vencida”. Não o faz, referindo-se à parte vencida, em abstrato, como se nela coubesse quer a parte vencida, quer o seu mandatário.
G) Tal não poderia, sequer, considerar-se, em face do disposto no artigo 9.º, nº 2 e 3 do Código Civil:
“Artigo 9.º
Interpretação da lei
(…) 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
H) Efetivamente, o legislador, de harmonia com o sistema jurídico, nomeadamente com o estabelecido no Regulamento das Custas Processuais, no Código de Processo Civil ou na Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, refere-se à parte vencida e não ao seu mandatário.
Vejamos:
I) A lei utiliza expressamente, não só o termo “parte vencida”, como “remetem (…) para a parte vencida”. Ao invés de “notificam”, o legislador optou, e bem, por clarificar que a nota de custas deve ser, verdadeiramente, remetida à parte.
J) Por outro lado, sempre se diga, que os poderes conferidos pelo mandato forense ao mandatário constituído, definido nos termos da Lei n.º 10/2024, de 19 de Janeiro, terminam com o trânsito em julgado da sentença final, pelo que nunca poderia a interpelação para pagamento bastar-se com a notificação ao mandatário da nota de custas
K) É precisamente por tais razões que a notificação da conta de custas, que vale também como interpelação para pagamento, é dirigida pela secretaria diretamente às partes, e não apenas aos seus mandatários.
L) Que sentido faria, que a conta de custas, como interpelação para pagamento que é, fosse notificada diretamente às partes e não o fosse, mesmo que assim o legislador o determine expressamente, a nota de custas de parte?
M) Ora, querendo o legislador que a nota discriminativa e justificativa fosse notificada diretamente à parte - o que nos presentes autos não se verificou - não pode a notificação à mandatária relevar como interpelação para pagamento.
N) Não tendo existido interpelação para pagamento dirigida ao executado, forçosamente se conclui, visto que o vencimento da obrigação depende da interpelação para pagamento efetivamente concretizada, inexistir título executivo.
O) A respeito da matéria vertida nos presentes autos, veja-se o entendimento jurisprudencial sufragado em Acórdãos proferidos em casos similares:
P) “Embora a parte credora de custas de parte comunique a nota discriminativa e justificativa ao tribunal e notifique o mandatário da parte devedora de tal acto, esta comunicação à parte devedora das custas não releva como interpelação para pagamento. O vencimento da obrigação depende da interpelação para pagamento concretizada através da expedição para a parte vencida da nota discriminativa e justificativa, só assim se criando título executivo.” (…)”. (cfr. O Douto Acórdão da Relação de Lisboa, de 26-03-2019); Q) “II - Por isso, considerando a unidade do sistema jurídico e porque devemos presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados devemos interpretar o segmento «parte vencida» do nº 1 do art.º 25º e do nº 2 do art.º 26º do RGP bem como do nº 1 do art.º 31º da Portaria 419-A/2009 como sendo a «parte responsável pelo pagamento» referida no nº 1 do art.º 31º do RCP. III - Assim, a nota discriminativa e justificativa das custas de parte deve ser, tal como a conta, notificada também à própria parte responsável pelo pagamento.”. (…)”. (O douto Acórdão da Relação de Lisboa, de 10-10-2019);
R) “(…) Ora, no caso sub judice, não tendo o apelante sido pessoalmente notificado da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, conforme definido no nº. 1 do art.º 25º do RCP. e não havendo uma interpelação concreta, não se criou qualquer título executivo. A notificação através do mandatário não substitui nem isenta a notificação da própria parte.» [3] (…)”. (O douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 05-05-2020);
S) “A parte vencida nas custas de parte tem de ser notificada pessoalmente do montante das custas devidas e constante da “guia da nota discriminativa e justificativa das custas de parte” devidas, não bastando ser a mesma apenas notificada aos mandatários judiciais das partes envolvidas no processo (…)”. (O douto Acórdão da Relação de Évora, de 21-09-2021);
T) “por mais adequado aos relevantes interesses em presença (e sua salvaguarda), do regime do n.º 2 daquele art.º 247.º, com notificação cumulativa [ao mandatário, por ser o técnico/especialista, mas também à parte (devedor), por ser esta quem, pessoalmente, haverá, uma vez interpelada, de suportar o pagamento devido, sob pena de célere execução e penhora sobre os seus bens].” (O douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 15-02-2022);
Com efeito,
U) Não havendo interpelação para pagamento, não se encontra, de todo o modo, vencida a obrigação exequenda, pelo que se conclui pela inexistência e concomitante inexigibilidade do título executivo.
V) Salvo melhor entendimento, não se poderia o Tribunal a quo ter considerado a existência de interpelação para pagamento, mediante simples notificação do mandatário.
W) Decidindo conforme decidiu, a mui douta Sentença violou o disposto nos artigos 25º, nº1 do RCP, 31º, nº1 da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril e 713.º do Código de Processo Civil.
Pelo que,
X) Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, sendo a mui douta sentença revogada e substituída por outra que que faça uma correta aplicação do direito.
Termos em que, dando provimento ao presente recurso, deve ser revogada a mui douta sentença recorrida, sendo substituída por outra que faça uma correta interpretação e aplicação do direito, concluindo pela inexistência e inexigibilidade do título executivo que dá causa aos presentes autos, nos termos dos artigos 25º, nº 1, do RCP, 31º, nº 1, da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril e 713.º do Código de Processo Civil.”
A Embargada contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões:
“1.ª - Não se verifica a alegada inexistência de título executivo e a inexigibilidade da obrigação exequenda respeitante às custas de parte devidas pelo Apelante à Apelada.
2.ª - A execução foi intentada com base em título executivo composto pela Sentença proferida nos autos principais, com a condenação em custas processuais, e os requerimentos apresentados com a nota discriminativa e justificativa de custas de parte em conformidade e aditamento e que foram notificadas à mandatária do Apelante através do Citius e de correio electrónico.
3.ª - "A nota justificativa e discriminativa das custas de parte a que se refere o artigo 25 do RCP só tem de ser notificada ao advogado da parte vencida." (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/06/2023, relatado pelo Juiz Desembargador Pedro Martins, Proc. n.º 23320/19.6T8LSB-A.L1-2, in www.dgsi.pt).
4.ª - O disposto no art.º 25.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais e no art.º 31.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04, não exige a notificação pessoal da parte quando é representado por advogado.
5.ª - A citação para execução também afastou qualquer questão quanto à liquidação ou à exigibilidade da obrigação relativa às custas de parte devidas pelo Apelante à Apelada.
6.ª - Sendo que, caso proceda o alegado, à cautela diga-se que o Apelante nos autos principais reclamou mas apenas da apresentação intempestiva da nota justificativa e discriminativa das custas de parte, nada invocando quanto a valores ou não ter sido notificado.
7.ª - Para ter reclamado significa que teve conhecimento, pelo que as questões suscitadas nos embargos de executado pelo Apelante constituem abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o que em última análise impõe que não sejam consideradas.
8.ª - A douta Sentença não violou qualquer preceito legal nos termos invocados pelo Apelante.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Apelante, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!”
Foi proferido despacho que admitiu o recurso.
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O Embargante respondeu ao Parecer sustentando, no essencial, o já afirmado em sede de recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
Assim, no presente recurso, a questão a apreciar consiste em saber se, no caso, inexiste título executivo e a obrigação exequenda é inexigível por a nota discriminativa e justificativa de custas de parte não ter sido notificada directamente ao Executado/Embargante.
Caso proceda a mencionada questão, haverá ainda que apreciar a questão suscitada pela Embargada nas contra-alegações no sentido de o Embargante actuar com abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Fundamentação de facto
A sentença considerou provados os seguintes factos:
A) – Na parte decisória da sentença proferida em 06/04/2019 no processo principal, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa já transitado em julgado, consta: «Por tudo o que ficou exposto e nos termos das disposições legais citadas, julgo a acção parcialmente procedente e procedente a reconvenção, em consequência: I – Condeno a ré a pagar ao autor o subsídio de chefia correspondente ao exercício das funções de responsável pela Área de Qualidade e Informática, no período compreendido entre Dezembro de 2011 e Abril de 2014; II - Condeno o autor a devolver à ré o diferencial correspondente à retribuição de cargo que lhe foi paga e a retribuição base que deveria ter recebido, de acordo com a sua categoria profissional e escalão em que estava inserido, no período compreendido entre 16 de Junho de 2008 e 15 de Junho de 2009. Custas na proporção do decaimento - art.º 527º, nº 2, do CPC.».
B) – Por requerimento enviado ao processo principal em 06/10/2020 (Refª 36703920), notificado, via citius, à ilustre mandatária do ali autor, aqui embargante, a ali ré, aqui embargada, apresentou a sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte e peticionou, a esse título, o pagamento de € 5.273,22.
C) – Em 07/10/2020, por mensagem de correio electrónico remetida à ilustre mandatária do autor, aqui embargante, junta como doc 1 à contestação, cuja cópia consta de fls. dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o ilustre mandatário da ré, aqui embargada, interpelou por essa via o autor, AA, para pagar o saldo apresentado no requerimento de custas de parte, que anexou.
D) – Por requerimento enviado ao processo principal em 14/10/2020 (Refª 36794138), o autor, ora embargante, reclamou do requerimento com a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, referido em B), alegando a intempestividade da sua apresentação.
E) – Por despacho proferido no processo principal, em 31/05/2021, a reclamação, referida em D), foi indeferida.
F) – Por requerimento enviado ao processo principal em 07/02/2022 (Refª 41249841), notificado, via citius, à ilustre mandatária do ali autor, aqui embargante, a ali ré, aqui embargada, apresentou um aditamento à nota discriminativa e justificativa de custas de parte, referida em B), peticionando o pagamento do total actualizado de € 6.155,42.
G) – Em 07/02/2022, por mensagem de correio electrónico remetida à ilustre mandatária do autor, aqui embargante, junta como doc. 4 à contestação, cuja cópia consta de fls. dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o ilustre mandatário da ré, aqui embargada, interpelou por essa via o autor, AA, para pagar o saldo apresentado no requerimento de aditamento às custas de parte, que anexou.
H) – Em 13/10/2022, foi instaurada a execução que constitui o apenso .1, pelo valor de € 6.310,57
I) – No apenso referido em H), o ali executado, aqui embargante, foi citado em 29/11/2022.
J) – O embargante, em 02/12/2022, deduziu contra a embargada incidente de liquidação, que constitui o apenso B, no qual indicou o valor de € 43.843,00.
K) - O requerimento inicial dos presentes embargos foi enviado a tribunal, via citius, em 19/12/2022.
L) – Por sentença de 08/11/2023, já transitada em julgado, foi julgada extinta a instância incidental, referida em J), por inutilidade superveniente da lide, devido à insolvência da ali requerida, aqui embargada.
*
Discutindo-se nos presentes autos se inexiste título executivo e se a obrigação exequenda é inexigível, o que pressupõe que o credor não terá sido interpelado, não pode manter-se a redacção dos factos provados nas alíneas C) e G) dos factos provados na parte em que refere expressamente que a Embargada interpelou o Embargante.
Assim, considerando o teor dos documentos que suportam os mencionados factos, ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 e 663.º n.º 2 do CPC, altera-se as alíneas C) e G) dos factos provados que passam a ter a seguinte redacção: C) – Em 07/10/2020, o ilustre mandatário da embargada enviou mensagem de correio electrónico à ilustre mandatária do embargante com o seguinte teor: “(…) Na qualidade de mandatário da SPDH-SERVIÇOS PORTUGUESES DE HANDLING, S.A., anexo requerimento de custas de parte que dei entrada nos autos acima identificados, interpelando por esta via e através da Ilustre Colega o A. AA a pagar o saldo apresentado. (…).” G) – Em 07/02/2022, o ilustre mandatário da embargada enviou mensagem de correio eletrónico à ilustre mandatária do embargante com o seguinte teor: “(…). Na qualidade de mandatário da SPDH-SERVIÇOS PORTUGUESES DE HANDLING, S.A., anexo requerimento de aditamento de custas de parte que dei entrada nos autos acima identificados, interpelando por esta via e através da Distinta Colega o A. AA a pagar o saldo apresentado. (…).”
Fundamentação de direito
Vejamos, então, se, no caso, inexiste título executivo e a obrigação exequenda é inexigível por a nota discriminativa de custas de parte não ter sido notificada directamente ao Executado/Embargnte.
Sobre a questão entendeu o saneador sentença o seguinte: “O art.º 729º do CPC, sob a epígrafe Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, estabelece: “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”. No requerimento inicial começa o embargante por alegar a inexistência de título executivo, uma vez que nunca foi notificado da nota de custas que serve de base à execução, faltando, assim, o requisito da notificação para pagamento endereçada à parte por ele responsável. Sobre um caso semelhante, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 20/04/2016 (por lapso consta 2026), Pº 2417/07.0TBCBR-C.C1, em cujo sumário doutrinal pode ler-se: “1. A execução por custas de parte, da parte vencedora contra a parte vencida (art.º 36º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais) assenta em título executivo compósito - nota discriminativa de custas de parte enviada pela primeira à segunda mais a própria sentença que condenou em custas; 2. O envio da nota justificativa das custas de parte ao mandatário da parte vencida vale como se o envio tivesse sido efectuado para a parte que representa.”. E, em sede de fundamentação, pode ainda ler-se no mesmo acórdão: “(…) 3. A decisão recorrida merece, na generalidade, a nossa concordância. A recorrente, contudo, objecta com 3 argumentos: que o envio feito pela parte vencedora da conta de custas de partes apenas e só ao advogado constituído não é suficiente face o estatuído no dito art.º 25º, nº 1, tanto mais que o próprio mandato cessará com o trânsito em julgado da sentença, não podendo, portanto, ser invocado o art.º 247º, nº 1, do NCPC; o legislador na letra da lei utiliza o termo “remetem” e não notificam e “para a parte vencida”; que, tal como a secretaria judicial notifica, quando há lugar a pagamento de custas, a parte e o mandatário, sendo tal expediente exigido legalmente, o mesmo deverá ser feito no caso das custas de parte. Analisemos. Quanto ao 1º argumento, dispõe o art.º 25º, nº 1, do RCP, que após o trânsito em julgado (ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos), as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida (e para o agente de execução, quando aplicável), a respectiva nota discriminativa e justificativa. Uma evidência, por um lado, pode, pois, afirmar-se. O referido preceito não determina que o envio da nota justificativa de custas de parte não possa ser remetido ao mandatário constituído pela parte vencida, nem tal restrição decorre do aludido art.º 44º, nº 1, do NCPC. Assim, recebendo o mandatário a nota discriminativa, naturalmente recebê-la-á na qualidade de representante da parte. Nem, por outro lado, a interpretação que a recorrente faz do art.º 247º, nº 1, do NCPC, de que o processo não estava pendente, e por isso não pode haver notificação ao mandatário judicial porque o seu mandato já cessou (com o trânsito em julgado da sentença) tem o valor que aparenta. Na verdade, após o trânsito em julgado da sentença, a lei prevê expressamente a notificação aos mandatários das partes da conta de custas (cfr. art.º 31º, nº 1, do RCP), por entender naturalmente ou ficcionar que o mandatário da parte continua a ser o seu representante. A ser levada à letra tal interpretação, tal notificação não devia acontecer mas não é isso que se passa. O que se compreende, pois, tal notificação acautela os interesses da parte já que o seu mandatário sempre estará em melhores condições para avaliar se a conta está em harmonia com as disposições legais, e, eventualmente reclamar da conta ou mesmo recorrer (cfr. nºs 3 e 6 do referido art.º 31º). O mesmo ocorre com o pedido de custas de parte, pois o respectivo mandatário sempre estará, também, em melhores condições para decidir se as mesmas são ou não devidas, e, eventualmente reclamar da mencionada nota justificativa ou mesmo recorrer (cfr. art.º 33º, nº 1 e 3, da Portaria 419-A/2009, de 17.4 (que regulamenta o RCP). Concluímos, por isso, que havendo mandatário constituído no processo a nota justificativa das custas de parte pode e deve ser remetido ao mandatário da parte vencida. Quanto ao 2º argumento também ele peca por redutor na comparação entre os termos “remetem” e “notificam”. Se é verdade que em tal art.º 25º, nº 1, se utiliza o termo remetem, já no art.º 31º, nº 1, da apontada Portaria 419-A/2009, e que tem redacção praticamente igual, se usa o termo “enviar”, enquanto no art.º 33º, nº 1, da mesma Portaria, se refere que a contagem do prazo para reclamação da nota de custas de parte se inicia após a “notificação” da reclamação à contraparte. Ou seja, todas estas expressões significam o mesmo, dar conhecimento à parte vencida das custas de parte devidas à parte vencedora, interpelá-la ao pagamento, via remessa, envio ou notificação da mesma de tal nota discriminativa e justificativa. Não divisamos, assim, o relevo diferenciador de interpretação e aplicação da lei que a recorrente quer emprestar a tais termos redactoriais. Quanto ao 3º argumento. É verdade que o indicado art.º 31º, nº 1, do RCP ordena a notificação aos mandatários das partes da conta de custas e à parte responsável pelo pagamento delas. Mas a analogia não pode ser estabelecida com tal simplicidade. Na verdade, embora nas custas processuais se distingam a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art.º 529º, nº 1, do NCPC), dando o normativo a entender que as custas de parte correspondem a uma categoria distinta das restantes, e com elas cumulável, no âmbito das custas totais do processo, o certo é que se vê no art.º 533º do mesmo código que continua a não ser assim: as custas de parte não designam, como a taxa de justiça e os encargos, quantias a pagar pela parte ao tribunal, mas quantias que a parte vencida tem o dever de pagar directamente à parte vencedora. O mesmo resulta, igualmente, do art.º 26º, nº 2, do RCP. Tanto é assim que as custas de parte não se incluem na conta de custas (cfr. art.º 30º, nº 1, da acima apontada Portaria 419-A/2009. Trata-se, pois, de duas realidades diferentes. Na primeira, conta de custas judiciais, estabelece-se a chamada relação jurídica tributária, de tipo obrigacional, resultante da lei e da actividade jurisdicional desenvolvida, encabeçada pelo Estado, sujeito activo, e pelos utentes do serviço de justiça vencidos, sujeitos passivos, cujo objecto imediato e mediato se consubstancia, respectivamente, na vinculação ao respectivo pagamento e na prestação pecuniária correspondente (vide Ac. do STJ de 5.2.2004, Proc. 03B809, em www.dgsi.pt). Daí a compreensível notificação da pessoa responsável pelo pagamento dessas custas ao Estado. Já na segunda, custas de parte, essa relação é estabelecida directamente entre as próprias partes. Não se verifica, assim, a mesma razão de decidir para estabelecer a referida analogia, como defendido pela recorrente. Em suma, entendemos que o envio da nota justificativa das custas de parte ao mandatário da parte vencida vale como se o envio tivesse sido efectuado para a parte que representa. Como o título executivo é compósito, é a nota discriminativa de custas de parte enviada à mesma mais a própria sentença que condenou em custas (vide o indicado art.º 26º, nº 1, do RCP), e no nosso caso isso se verifica (factos 3. a 6.), não se verifica a invocada inexistência do título executivo, como afirma a apelante. (…)”. Revertendo ao caso dos autos, em vista do que se deixou referido nas alíneas A) a G), dos factos provados, e aplicando, com as necessárias adaptações, a doutrina expendida no aresto citado, só podemos concluir, aqui como ali, que não se verifica a inexistência de título executivo invocada pelo embargante. As mesmas razões valem para a alegada inexigibilidade da obrigação exequenda que, como tal, também não se verifica. Mas, ainda que assim não se entendesse, sempre a citação do devedor na acção executiva, que teve lugar em 29/11/2022 – cfr. al. I) dos factos provados –, seria suficiente para afastar a situação de inexigibilidade. Neste sentido vd. Ac. STJ de 27/01/2022, Pº 1522/12.6TBMTJ-B.L1.S1. Quanto à pretendida compensação do alegado contracrédito do embargante sobre a embargada, é certo que, como consta da alínea J) dos factos provados, o embargante, em 02/12/2022, deduziu contra a embargada incidente de liquidação, que constitui o apenso B, no qual indicou o valor de € 43.843,00. No entanto, como se deixou dito em L) dos mesmos factos, tal instância incidental foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide, devido à insolvência da ali requerida, por sentença de 08/11/2023, já transitada em julgado. Assim, não tendo sido liquidado qualquer crédito do embargante sobre a embargada, não se mostra possível operar a pretendida compensação. E sendo a obrigação exequenda certa, líquida e exigível, são devidos juros de mora, nos termos pedidos pela exequente, aqui embargada. Finalmente, quanto à pedida suspensão da execução, a mesma foi ordenada por despacho proferido nos autos em 24/05/2023. Falece, assim, toda a argumentação aduzida pelo embargante no requerimento inicial. Nem resultam provados quaisquer outros factos que se enquadrem em algum dos fundamentos de oposição, taxativamente enumerados no preceito supra transcrito. Aqui chegados, sem necessidade de mais alongadas considerações, só podemos concluir pela improcedência da oposição deduzida e, consequentemente, dos presentes embargos. Prosseguindo a execução nos seus precisos termos.”
A questão suscitada nestes autos já foi apreciada em vários Acórdãos das diferentes Relações sendo exemplificativos os identificados por ambas as partes. E sobre essa questão delinearam-se duas correntes jurisprudenciais: uma que defende que o título executivo se forma com a remessa directa, à parte vencida, da nota discriminativa e justificativa das custas de parte e outra que afirma bastar a remessa de tal nota ao mandatário constituído da parte vencida para que se complete o título executivo.
O Embargante estriba-se na primeira corrente jurisprudencial e argumenta nos seguintes termos: i) o elemento literal (a lei utiliza expressamente, não só o termo “parte vencida”, como “remetem (…) para a parte vencida”, ao invés de “notificam”, o que significa que o legislador clarificou que a nota discriminativa e justificativa de custas de parte deve ser remetida directamente à parte; ii) os poderes conferidos pelo mandato forense ao mandatário constituído, definido nos termos da Lei n.º 10/2024, de 19 de Janeiro, terminam com o trânsito em julgado da sentença final, pelo que nunca poderia a interpelação para pagamento bastar-se com a notificação ao mandatário da nota de custas; iii) é pelas mesmas razões que a notificação da conta de custas, que vale também como interpelação para pagamento, é dirigida pela secretaria directamente às partes e não apenas aos seus mandatários; iv) não faz sentido que a conta de custas fosse notificada directamente às partes e não o fosse a nota discriminativa de custas de parte; v) o legislador quis que a nota discriminativa e justificativa das custas de parte fosse notificada directamente à parte; e vi) não pode a notificação à mandatária relevar como interpelação para pagamento. Donde, conclui, a obrigação não se venceu, não existindo, assim, título executivo.
Vejamos:
Nos termos do artigo 10.º n.º 5 do CPC, “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”
No presente caso, o título executivo é composto pela sentença que condenou em custas e pela nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
Como resulta da factualidade provada, a nota discriminativa e justificativa das custas de parte foi notificada à Ilustre Mandatária do Embargante via Citius e via e-mail, conforme decorre dos factos provados B), C), F) e G). Não foi remetida ou enviada directamente ao Embargante.
Estatui o n.º 1 do artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP): “1 - Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas.”
E dispõem os nºs 1 e 2 do artigo 26.º do RCP “1 - As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil. 2 - As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.”
Nos termos do n.º 1 do artigo 31.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril (Regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades), “As partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25.º do RCP.”
Por seu turno, o artigo 26-A do RCP prevê a possibilidade de reclamação da nota de custas dispondo o n.º 1 que “A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.”
No caso, o Embargante reclamou da nota de custas invocando a sua extemporaneidade, reclamação que foi indeferida.
Por fim, o artigo 31.º n.º 1 do RCP estabelece que “A conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efectuem o pagamento.
Ora, desde logo e quanto à invocação do elemento literal por parte do Embargante, entendemos ser de acompanhar o que, a propósito, refere o Acórdão citado na sentença recorrida. Com efeito, as expressões, “remetem”, “enviam” e “notificam” aparecem com o mesmo significado pois, a não ser assim, então, o artigo 31.º n.º 1 do RCP teria, necessariamente, de distinguir a remessa às partes da notificação aos mandatários, o que, manifestamente, não faz.
Quando aos demais argumentos invocados pelo Recorrente, importa atentar no que se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.12.2023, proc. 558/23.6T8OER-A.L1, consultável em www.dgsi.pt, cujo entendimento sufragamos: “Aos fundamentos expostos, a que aderimos, diremos ainda que se o legislador pretendesse que a notificação fosse efetuada pessoalmente à parte vencida ter-se-ia expressado em consonância, tal como o fez no art.º 31º, nº 1 do mesmo diploma legal (Regulamento das Custas Processuais). Dispõe este preceito que “a conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efetuem o pagamento.” A redação substancialmente diferente constante do art.º 25º, nº 1 do RCP (e art.º 31º da Portaria 419-A/2009, de 17 de abril), sem se referir expressamente à parte vencida, ainda que tenha mandatário constituído, leva-nos a concluir que não contempla a exigência de notificação pessoal da parte vencida - exceto no caso de esta não ter mandatário constituído, tudo em conformidade com as regras da notificação constantes dos art.ºs 221º e 247º do CPC e das regras gerais do mandato forense (art.º 1157º do CC e 44º do CPC). Esta é a interpretação que se nos afigura de acordo com os ditames do art.º 9º do CC. Decorre das mencionadas regras que as notificações entre as partes, são efetuadas pelos respetivos mandatários, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, exceto quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal – o que não é o caso. Está em causa a notificação de nota discriminativa de custas de parte, com interpelação para o seu pagamento – o que é efetuado de e para os respetivos mandatários. A tal não obsta o facto de ter ocorrido o trânsito em julgado da sentença, pois também a conta de custas é notificada aos mandatários das partes, como previsto no art.º 31º, nº 1 do RCP, a que subjaz entendimento de que o mandatário continua a ser o representante da parte. Tal como ocorre com a notificação da conta de custas, a notificação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte ao mandatário da parte vencida melhor acautela os interesses da parte, já que o seu mandatário estará em melhores condições para avaliar se a conta está em harmonia com as disposições legais, e, eventualmente apresentar reclamação, da conta de custas ou das custas de parte, e da respetiva decisão interpor recurso - cfr. respetivamente art.º 31º, nº 1 e 6 do RCP e artºs 26-A, nºs 1 e 3 do RCP e 33º, nºs 1 e 3 da Portaria 419-A/2009, de 17 de abril. À notificação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte não há que aplicar analogicamente o art.º 31º do RCP, pois não há lacuna a integrar (art.º 10º do CC): não estamos perante um caso omisso e, ainda que se entendesse em sentido contrário, não procedem as razões justificativas da regulamentação do caso previsto naquele preceito. Com efeito, o art.º 31º regula a conta de custas, concretamente a reforma e reclamação, numa relação jurídica que se estabelece entre os utentes dos serviços de justiça e o Estado, enquanto o art.º 25º rege uma relação entre partes do processo. Não ocorrendo insuficiência do título executivo impunha-se a improcedência dos embargos.”
E no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.6.2023, Proc. 23320/19.6T8LSB-A.L1-2 que vem citado pela Embargada escreve-se, além do mais, o seguinte: “O que parece evidente: dizendo a lei que a parte deve comunicar a nota também ao tribunal, está a pressupor que essa notificação é feita pelo mandatário (quando exista), como qualquer outro acto processual, pelo que lhe atribui poderes para o efeito. E se o advogado da parte vencedora pode decidir a prática desse acto, também o advogado da parte vencida tem poderes para receber a notificação, ou seja, a lei está a dar ao advogado da parte poderes para receber a notificação da nota, pelo que o acto serve de interpelação para o cumprimento. Por outro lado, o facto de ser possível reclamar da nota justificativa e de a questão ser resolvida num incidente do processo, reforça a ideia de que se trata de um acto processual, apesar de o processo já ter a sua questão principal decidida e por isso já não estar pendente. Ora, os mandatários são os representantes das partes no processo e podem praticar actos em nome delas, incluindo o de receber notificações, que podem ter a natureza de interpelações. Ainda: o art.º 25/1 do RCP só fala na notificação da parte vencida e não faz a distinção entre a parte que tem advogado e a que o não tem, e isto numa fase do processo em que ainda se praticam actos em que quem é notificado é o advogado, quando exista, e não a própria parte. Pelo que, não distinguindo a lei e não impondo uma dupla notificação, a notificação a fazer é ao advogado e não à parte. Se não fosse assim e se só se notificasse a parte, embora o advogado ainda pudesse ter que praticar actos no processo, não se lhe dava conhecimento de um acto que podia implicar a prática desses actos, o que é um absurdo. (…).” Para mais completa fundamentação remete-se para o ac. do TRG de 21/10/2021, do qual ainda se salienta o seguinte, por dar resposta mais que suficiente a questões que têm sido colocadas pela jurisprudência contrária: “Devendo as notificações às partes em processos pendentes ser feitas “na pessoa” dos seus mandatários judiciais (artigo 247/1, CPC) e estas directamente “entre mandatários” (artigos 221 e 255, CPC), bastará a “remessa” da nota ao da parte vencida? Não se tratando de chamar esta “para a prática de acto pessoal” (o exercício do direito de reclamação é eminentemente acto da competência do mandatário e não é condição do pagamento que este seja efectivado pelo próprio mandante bem podendo sê-lo, prática, desejável e até estatutariamente […], pelo seu advogado, desde que provisionado com os fundos para o efeito), nem resultando expressamente da lei, apesar da sua letra, que se esteja perante um “caso especial” de “notificação pessoal” à parte, tudo, na redacção dos preceitos e no sistema de relacionamento processual em que pontifica o mandato, apontando no sentido de que, tendo o devedor um mandatário constituído, a nota justificativa das custas de parte pode e deve ser remetida pessoal e directamente a este, assim produzindo todos os efeitos, mormente o de liquidação e de consolidação do título executivo originado pela sentença condenatória nas custas de parte. […] Em face do regime legal vigente sobre as custas, maxime as custas de parte, é de todo peregrina […] a alusão a que não ocorre interpelação. Esta consuma-se inequivocamente com a remessa da nota discriminativa das quantias devidas e indicação nela do “valor a receber”. O procedimento legalmente previsto tal pressupõe e nada mais exige. […] Não colhe o argumento de que se a conta de custas também é, nos termos da lei [artigo 31/1 do RCP], notificada à própria parte responsável, igualmente deve sê-lo a nota das de parte. Além do que a esse propósito se refere no ac. do TRC quanto à distinta relação jurídica em causa, importa ponderar que se trata de resquício de antigo procedimento remontante ao Código das Custas Judiciais que não tem a ver com a formação do título executivo mas se destina a assegurar a informação do responsável sobre a obrigação de pagamento de tributo ao Estado que, como colateral ao objecto do litígio e portanto não coincidente com o cerne do mandato forense considerado na perspectiva mais estrita, serve para aquele se precaver e prover (por si próprio ou através do patrono) ao respectivo pagamento, já que, na hipótese de haver lugar a reclamação, a decisão de a apresentar e a avaliação dos necessários fundamentos (técnicos e jurídicos) para tal caem melhor na competência do respectivo advogado. […]”
Por fim, dispondo o artigo 9.º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n.º 1); que, não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2) e que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3), entendemos, com todo o respeito que nos merece a orientação contrária, que a exigência de notificação directa à parte vencida da nota discriminativa e justificativa de custas de parte não tem o mínimo de respaldo na letra da lei. E a circunstância de tal notificação ser exigida no que respeita à conta de custas, apenas vem acentuar a conclusão de que se o legislador pretendesse criar igual regime quanto à nota discriminativa e justificativa de custas de parte tê-lo-ia dito com todas as letras.
Acresce que, considerando a unidade do sistema jurídico, não se vislumbra razão plausível para que a nota discriminativa e justificativa de custas de parte não possa ser notificada ao mandatário constituído, quando este, afinal, é notificado dos demais actos processuais que ocorrem no processo e será este que, no fim de contas, apresentará reclamação à nota, como sucedeu no caso presente.
Em suma, o título executivo que serve de base à execução, a que estes embargos foram apensados, existe e é exigível devendo, pois, prosseguir a execução, como bem determinou o saneador sentença.
Improcede, pois, a apelação.
Prejudicado fica o conhecimento da questão relativa ao invocado abuso do direito.
Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas são da responsabilidade do Recorrente.
Decisão
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar o saneador sentença recorrido.
Custas pelo Recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 9 de Abril de 2025
Maria Celina de Jesus de Jesus de Nóbrega
Maria José Costa Pinto
Maria Eugénia Guerra