PLATAFORMA DIGITAL
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
Sumário

1- Visando acompanhar a evolução tecnológica e social e as formas, cada vez mais complexas, de prestar trabalho, que daquelas resultam, o artigo 12.º-A do Código do Trabalho veio estatuir a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital que pode ser ilidida nos termos gerais de acordo com o n.º 4 da mesma norma.
2- Tendo resultado provado que o prestador de actividade paga uma taxa pela utilização da plataforma da Ré, decide unilateralmente o local onde presta a sua actividade, escolhe o tempo e disponibilidade para o desenvolvimento da actividade, pode recusar pedidos de entrega sem que se tenha provado qualquer penalização para tal recusa e pode ligar-se e desligar-se da plataforma quando bem entender, sem que daí resultem quaisquer consequências, é de concluir que a Ré ilidiu a presunção de existência de contrato de trabalho.

Texto Integral

Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
O Ministério Público veio, ao abrigo do disposto nos artigos 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho, intentar acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, contra Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda, contribuinte fiscal com o nº 515642428 e sede na Rua Alexandre Herculano, 50, 4.º 1250-096 Lisboa, pedindo que, julgando-se procedente a acção, seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, entre o trabalhador AA e a Ré, com reporte a 6 de Setembro de 2022.
Invocou para tanto, em síntese, que: na sequência de acção inspectiva levada a cabo pela ACT no dia 27/9/2023, esta entidade verificou que AA prestava a actividade de estafeta para a Ré em condições análogas às de um contrato de trabalho; a Ré é uma plataforma de entregas online, que, para a execução das suas actividades, explora uma plataforma tecnológica através da qual estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos, que podem ser solicitados por qualquer interessado através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet; para efectuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito; para protecção dos mesmos, a Ré tem um contrato de seguro com a Chubb European Group SE, Sucursal em Espanha, apólice n.º ESBMN232412; para lhe serem distribuídas tarefas/pedidos na plataforma da Ré, o estafeta tem que criar uma conta na plataforma, efectuando o respectivo registo na modalidade de utilizador/estafeta, para o que tem de demonstrar o cumprimento de determinados requisitos, nomeadamente a posse de uma mochila térmica com os requisitos específicos que exige; activada a conta, o estafeta descarrega então no seu telemóvel a aplicação, Glovo Couriers, após o que lhe é distribuído pela Ré trabalho, recepção/distribuição de encomendas; a atribuição dos pedidos aos estafetas é determinada essencialmente em função do critério da distância entre aquele, o estabelecimento e o consumidor; ao aceitar um pedido de entrega da Ré, o estafeta concorda então em prestar aquele serviço de entrega em troca do pagamento da taxa de entrega proposta na aplicação e, assim, o estafeta recebe da Ré, como contrapartida da sua actividade, um valor por cada pedido/entrega que efectua, valor que é fixado unilateralmente pela Ré; o período de facturação é quinzenal e o estafeta pago por transferência bancária; a Ré exige que o estafeta faça uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos e que cumpra com os padrões de higiene para transporte de alimentos; exige que, chegado ao cliente final, se este não estiver na morada, tenha que esperar 10 minutos e dar nota disso ao suporte técnico da Ré, a qual entra em contacto com o cliente final, tomando a plataforma a decisão final quanto à acção a tomar pelo estafeta sobre aquela entrega; a partir do momento em que o estafeta se coloca na aplicação em modo de disponibilidade, a plataforma fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização, sendo aquele indispensável ao exercício da actividade, para a atribuição dos pedidos dos clientes finais e para o cálculo do valor do serviço; por essa via é possível à Ré controlar o tempo de entrega dos pedidos e o percurso efectuado pelo estafeta; a Ré pode verificar a qualidade da actividade prestada através de um sistema denominado "sistema de reputação", no qual os clientes finais avaliam as entregas, através de meios eletrónicos inseridos na aplicação; o estafeta não tem qualquer intervenção na escolha dos clientes finais e dos respetivos pedidos que surgem na aplicação móvel, uma vez que estes surgem aleatoriamente; a Ré pode, temporariamente, restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desactivar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta ao vincular-se aos termos gerais de utilização da aplicação; tendo em vista a prestação dessa actividade, a 6 de Setembro de 2022, AA registou-se na plataforma da Ré, escolhendo como área de trabalho a zona da grande Lisboa - Lisboa, Amadora, Oeiras, Cascais e Loures- para o que criou a conta exigida pela Ré e demonstrou cumprir o requisitos por ela exigidos; AA recebe uma média mensal de € 500,00, com o que se sustenta, sendo o trabalho que realiza para a Ré a sua única fonte de rendimento; e a Ré apenas autoriza AA a utilizar a conta que criou, não permitindo igualmente que as encomendas que lhe encaminha sejam entregues por outros estafetas;
Concluiu no sentido de que, no caso, estão verificadas as características a que alude o n.º do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, pelo que se presume a existência de um contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.
Regularmente citada, a Ré contestou por excepção e por impugnação.
Por excepção invocou: a manifesta insuficiência de causa de pedir por falta de concretização de factos no Auto e na Petição Inicial e a ineptidão da Petição Inicial por manifesta ausência de factos susceptíveis de integrar a causa de pedir.
Mais alegou que deve ser decretada a suspensão da instância por entender que os presentes autos não podem prosseguir até ao trânsito em julgado do Processo 4198/23.1BELSB isto porque a actuação da ACT, no âmbito dos procedimentos administrativos, motivou a propositura pela Ré, no dia 23.11.2023, de uma Intimação para a Proteção de Direitos Liberdades e Garantias, processo urgente actualmente pendente no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o qual tem carácter de prejudicialidade face à presente acção ou, pelo menos, constitui um motivo justificado para que seja ordenada a suspensão da instância.
Por impugnação invocou, em síntese, que o presente processo insere-se numa ação geral de reclassificação massificada do vínculo que titula a actividade, desencadeada pela ACT, sem qualquer interesse em atender a cada caso concreto, que a Ré é uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais locais oferecem os seus produtos através de uma aplicação móvel ou da Web e, acessoriamente, quando apropriado e se solicitado pelo utilizador cliente dos referidos estabelecimentos comerciais através da aplicação, actua como intermediária na entrega imediata dos produtos; que a principal atividade da Ré inclui a intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma: utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes, por exemplo); utilizadores estafetas; e utilizadores clientes, o que inclui a intermediação dos processos de recolha e/ou pagamento e a intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva entrega, em nome do utilizador cliente e dos estabelecimentos comerciais; que a Ré não é uma plataforma de organização de trabalho, a Ré apenas redirecciona os pedidos para os estabelecimentos comerciais e para os prestadores de serviços de entrega, os quais são livres de aceitar ou rejeitar esses serviços, sem que haja qualquer relação de exclusividade com a plataforma, que, pelos serviços da Ré os estabelecimentos comerciais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Parceria”), os utilizadores prestadores de serviços pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Plataforma”) e os utilizadores clientes finais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Serviço”), visando todas as taxas remunerar a plataforma pelo acesso aos serviços tecnológicos que a mesma proporciona aos diferentes perfis de utilizadores, que a Ré também não recebe o pagamento do utilizador final devido pelo serviço do prestador de serviços de entrega, actuando a Ré, através de um prestador autorizado de serviços de pagamento, como um mero agente intermediário nos pagamentos entre utilizadores finais, estabelecimentos comerciais e estafetas e transferindo na sua totalidade o montante pago a título de serviços de entrega para os utilizadores prestadores desses serviços, que o prestador tem actividade através da plataforma desde 28 de Fevereiro de 2023, sendo que o artigo 12.º-A do Código do Trabalho entrou em vigor no dia 1 de Maio de 2023, que não estão verificados os critérios de presunção de existência de contrato de trabalho invocada na Petição Inicial e prevista no artigo 12.º do CT, pois o trabalho não é efectuado na plataforma, nem esta fixa os valores mínimos e máximos da retribuição, que é definida pelo número de entregas, sendo que o valor da retribuição de cada entrega depende de um conjunto de variáveis, designadamente a distância, as características do pedido e de outros factores particulares e se como diz a petição inicial, o estafeta aufere 500,00€ por mês e tendo presente que a retribuição mínima mensal garantida em Portugal são 820,00€ é inverosímil que o estafeta dependa em exclusivo dos rendimentos auferidos através da plataforma da Ré, o prestador da actividade pode escolher um multiplicador e pode receber gratificações do cliente, é o prestador da atividade que define o número de pedidos que pretende realizar, escolhendo conectar-se ou desconectar-se da aplicação sempre que assim entender, a maior parte das variáveis da retribuição não dependem da plataforma, mas antes do prestador da actividade, o estafeta paga quinzenalmente uma taxa à Ré para poder utilizar a plataforma e, assim, ter contacto e oportunidade de recepcionar ofertas de pedidos de outros utilizadores da plataforma, o estafeta decide unilateralmente quando quer prestar serviços, podendo, de igual modo, recusar quando e quantos pedidos quiser sem que sofra qualquer consequência e AA recusou 2083 ofertas de serviço disponibilizadas pela plataforma da Ré e nesse mesmo período o estafeta realizou 2195 serviços através da plataforma, o que demonstra a inexistência de qualquer poder diretivo por parte da Ré, a disponibilização de seguro de responsabilidade civil é um benefício e uma garantia de segurança para o público em geral, quanto ao facto de ter de aguardar 10 minutos quando o utilizador não está na morada, tal trata-se de uma condição do negócio celebrado entre as três partes, nada impedindo que o estafeta aguarde mais tempo, a utilização de uma mochila térmica não é uma obrigação da Ré, mas antes uma imposição legal quanto ao transporte de bens alimentares, não há qualquer controlo do trabalho através de geolocalização e o único momento em que a geolocalização deve estar activa é quando o pedido é efectuado e sugerido ao prestador, uma vez que esta informação é necessária para providenciar os serviços de intermediação tecnológica, após a aceitação do pedido e durante toda a respetiva execução, a geolocalização pode ser objecto de desativação pelo prestador de serviços, se o prestador da actividade opte por realizar o serviço, não recebe quaisquer instruções da Ré sobre a forma de efetuar a entrega, sendo livre de escolher o meio de transporte, o percurso e definir os seus critérios de eficiência e produtividade, o prestador da actividade tem total liberdade para se ligar ou desligar, não tendo de cumprir qualquer horário predefinido nem tendo de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade, nem é verdade que o estafeta preste serviços através da Ré diariamente ou que tenha determinada carga horária, a possível desactivação de conta não sucede por motivos de desempenho ou pelo número de pedidos efectuados, não se tratando do exercício de poderes laborais, nomeadamente poder disciplinar, mas respeitam ao cumprimento de obrigações decorrentes dos serviços de intermediação em linha, que se encontra prevista no artigo 4.º do Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha (Regulamento P2B), norma que visa a protecção de terceiros, a plataforma consiste em código informático que é utilizada a partir do telemóvel que é da propriedade do prestador da actividade e não é um instrumento de trabalho, de acordo com os termos Gerais o estafeta tem total liberdade de escolher o percurso e liberdade para exercer a actividade para um concorrente da Ré e que a Ré logrou provar a não verificação de nenhum dos indícios imputados na petição inicial ilidindo, assim, a referida presunção de laboralidade.
Invocou ainda a inconstitucionalidade do presente processo e terminou pedindo que as excepções sejam julgadas procedentes com a sua absolvição da instância; caso assim não se entenda, que a instância seja suspensa até ao trânsito em julgado do processo supra mencionado; e ainda que assim se não entenda, que a acção seja julgada improcedente e absolvida a Ré do pedido.
Mais requereu a apensação de acções e formulou pedido de reenvio prejudicial.
O Ministério Público respondeu pugnando pela improcedência do pedido de suspensão da instância e das excepções e invocando a inutilidade do pedido de reenvio prejudicial e a inviabilidade do pedido de apensação de acções.
AA foi notificado nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 186.º- L do CPT e nada disse.
Foi proferido despacho que julgou improcedentes as excepções e indeferiu os pedidos de suspensão da instância e de apensação de acções.
Realizou-se a audiência final e após foi proferida a sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda. do pedido.
Inconformado, o Ministério Público recorreu e, em conclusão, invocou:
“A Glovoapp, através da internet, e de uma aplicação informática, recebe os pedidos dos utilizadores inscritos e organiza a forma de satisfazer esses pedidos, encaminhando-os para os estabelecimentos comerciais aderentes e atribuindo o trabalho de entrega dos produtos pedidos a estafetas que se encontram registados na aplicação;
Faz a cobrança do valor do serviço ao utilizador final e efetuando os posteriores pagamentos do trabalho prestado pelo referido estafeta e do valor acordado com o parceiro comerciante;
Pelo que é uma plataforma digital.
De acordo com o artigo 12-A, do Código do Trabalho, presume-se a existência de contrato de trabalho “quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.”
Os estafetas, onde se integra o AA, prestam para a Glovoapp a sua atividade, acima descrita, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, pois:
A Glovoapp paga, quinzenalmente, através de transferência bancária, diretamente ao estafeta.
O que tudo integra a presunção estabelecida no artigo 41, al a).
É a Glovoapp que determina as regras específica quanto à prestação da atividade por parte do estafeta:
Os termos e condições de utilização da plataforma para os estafetas foram e estão predefinidos pela Glovoapp;
A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade do estafeta, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
A atuação do estafeta é controlada em tempo real através de GPS, ou seja, a localização exata do prestador de atividade é conhecida pela plataforma da Glovoapp através do sistema de geolocalização;
O que integra a presunção estabelecida no artigo 41, al b).
A plataforma digital exerce o poder disciplinar sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras atividades na plataforma através de suspensão ou desativação da conta, o que agora integra a presunção estabelecida no artigo 41 al e).
A aplicação informática (App) da Glovoapp é um instrumento de trabalho essencial ao seu negócio e é utilizado pelos diferentes utilizadores da plataforma:
Toda a atividade do estafeta é realizada com base nessa aplicação que o estafeta tem que instalar no seu telemóvel, aplicação essa que é propriedade da Glovoapp que é por si desenvolvida, suportada e mantida;
O que por último integra a presunção estabelecida no artigo 41 al f).
Ocorre que a Glovoapp não ilidiu as referidas presunções.
Na verdade, tem como fim a prestação de um serviço de recolha e entregas, fixa o preço e as condições do pagamento do serviço, assim como as condições essências para a prestação do referido serviço.
Os estafetas não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma, prestando os seus serviços enxertados na organização de trabalho da Glovoapp, submetidos à sua direcção e organização, como demonstra o modo como estabelece os preços dos serviços de entrega.
A prestação de trabalho do estafeta está sujeita a uma organização do trabalho determinada pela Glovoapp que estabeleceu meios de controle do processo produtivo em tempo real que operam sobre a actividade e não apenas sobre o resultado final, mediante a gestão algorítmica do serviço e a possibilidade de conhecer constantemente a geolocalização dos estafetas, o que evidência a ocorrência do requisito da dependência e subordinação jurídica própria da relação laboral
Em suma, a atividade levada a cabo pelo estafeta AA, através da plataforma da Ré, reveste aquelas características previstas no supra citado artigo 12.º-A do Código do Trabalho, o que implica que se presuma a existência de um contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.
Assim, entendemos, com o devido respeito, que a decisão recorrida viola normas e princípios jurídicos que regem a matéria sub judice, designadamente o artigo 11.º e 12-A do Código do Trabalho.
Pelo exposto, deve a douta sentença ser substituída por outra que declare a existência de um contrato de trabalho entre AA e a Glovoapp, com reporte a 1 de junho de 2023.”
A Ré contra-alegou e, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º do CPC, requereu a ampliação do âmbito do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“A. O Recorrente, sem impugnar a matéria de facto constante dos autos, pretende que se altere a decisão e que se reconheça a existência de contrato de trabalho.
B. O Recorrente, fazendo “tábua rasa” da fundamentação constante da sentença recorrida, começa por recorrer ao «chamado “método indiciário”» tendo em vista a “identificação de vários factores susceptiveis de indiciar a referida subordinação”.
C. Percorre ainda os indícios do artigo 12.º-A do Código do Trabalho (na redação dada pela Lei n.º 13/2023, de 03 de abril, e que só entrou em vigor em 01.05.2023), na tentativa de demonstrar o preenchimento de algumas das alíneas, concluindo pelo preenchimento das alíneas a), b), c), e) e f) do referido n.º 1 do artigo 12.º-A.
Da inaplicabilidade do artigo 12.º-A do Código do Trabalho
D. Tendo a relação contratual entre o prestador de atividade e a Ré Recorrida iniciado em data anterior à entrada em vigor do artigo 12.º-A, n.º 1, do C.T., revela-se o mesmo insuscetível de ser aplicado.
Da data de registo do Estafeta na plataforma da Ré
E. Refere-se na sentença a quo que:
“Quanto à data do início da atividade, AA referiu à ACT ter iniciado atividade para a Ré, em abril de 2023, ao tribunal, em sede de audiência, referiu Julho de 2023, o Ministério Público alega a data de 6 de setembro de 2022 e a Ré datou a atividade através da plataforma em 28 de fevereiro de 2023. Com a participação foi junta uma lista dos estafetas de Lisboa, onde se refere que AA registou-se a 23 de fevereiro de 2023 e teve a primeira ordem no dia 28 de fevereiro de 2023. A Ré juntou aos autos a lista de recusas de serviços por parte de AA e as primeiras referem-se ao mês de fevereiro de 2023.
Mas no que se refere ao multiplicador só há registo desde Junho de 2023.
Pelo exposto e considerando que os recibos juntos dizem respeito aos meses de junho, julho, agosto e de setembro de 2023, o Tribunal considerou que AA prestou atividade para a Ré desde junho de 2023 a janeiro de 2024 (quanto a esta última data, foi AA que a referiu e não houve qualquer prova em sentido diferente).”
F. O primeiro serviço proposto através da aplicação da Ré e aceite pelo prestador AA teve lugar em 28.02.2023, isto é, antes da entrada em vigor do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, havendo uma contradição clara entre os factos considerados provados 28 e 41.
G. A este propósito, a recente Diretiva (UE) 2024/2831 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2024, publicada no passado dia 11.11.2024, que veio prever no artigo 5.º n.º 6 que a presunção legal ilidível a estabelecer pelos Estados-Membros até 02.12.2026, relativa à relação contratual entre uma plataforma de trabalho digital e uma pessoa que trabalha em plataformas digitais, só é aplicável ao período iniciado a partir da entrada em vigor da presunção, isto é, não pode produzir efeitos retroativos, por razões de segurança jurídica (cfr. refere o ponto 33 do preâmbulo).
H. Esclarece a Diretiva, no ponto 33 do preâmbulo, que:
“Por razões de segurança jurídica, a presunção legal não deverá produzir efeitos jurídicos retroativos, devendo, por conseguinte, aplicar-se apenas ao período com início em 2 de dezembro de 2026, inclusive para as relações contratuais concluídas anteriormente e ainda vigentes nessa data. Por conseguinte, as reclamações relativas à eventual existência de uma relação de trabalho anterior a essa data, bem como os direitos e obrigações decorrentes da relação até essa data, deverão ser apreciadas unicamente com base no direito da União e nacional aplicável antes dessa data, incluindo a Diretiva (UE) 2019/1152.”
I. Tal está de acordo com o n.º 1 do artigo 35.º da Lei nº 13/2023 e com o n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, além de que é o entendimento unanime do Supremo Tribunal de Justiça, conforme decisões citadas nas alegações de recurso supra, para onde se remete.
J. Pelo que, deve, sem mais, improceder o recurso intentado pelo Autor Recorrente, devendo, sem conceder, improceder o pedido de redução do pedido.
Sem conceder,
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
K. Embora a Recorrida tenha sido totalmente absolvida do pedido em primeira instância, pretende impugnar a matéria de facto, conforme previsto nos artigos 636.º, nº 2 e 640.º, nº 3, nos termos dos quais: O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável no caso do recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º.
Nesta situação, apenas não poderá a Ré Recorrida beneficiar do prazo de 10 dias, conforme previsto no n.º 7, do artigo 638.º do CPC. Veja-se, a este propósito, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 8671/14.4T8LSB.L2-7, de 20-12-2022.
L. Pretende a Recorrida impugnar a matéria de facto, nos termos que melhor se descreverão infra.
DA DIFERENCIAÇÃO ENTRE CONTRATO DE TRABALHO E CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
M. Em suma, “A diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se, essencialmente, em dois elementos distintivos: no objecto do contrato (no contrato de trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma actividade intelectual ou manual, e no contrato de prestação de serviço uma obrigação de apresentar um resultado) e no relacionamento entre as partes: com a subordinação jurídica a caracterizar o contrato de trabalho e a autonomia do trabalho a imperar no contrato de prestação de serviço.
[…] Provando-se que: os instrumentos utilizados pelo Autor eram propriedade deste e não do empregador; o Autor utilizava a sua própria viatura nas deslocações de serviço, suportando as respectivas despesas; não estava sujeito a qualquer horário de trabalho; a remuneração auferida era variável e à percentagem, e não fixa em função do tempo despendido na realização da sua actividade ou número de locais visitados, e à qual o Autor dava quitação através da emissão dos respectivos ”recibos verdes”, nunca tendo auferido, durante a execução do contrato, retribuição nas férias, subsídios de férias e de Natal, afastada está a referida presunção, pelo que, não se pode considerar como provado o contrato de trabalho.
[…]
“Não obstante o que antecede, que não se pense que, por tal facto, o prestador de serviço(s) está completamente à margem e liberto da recepção e seguimento de instruções dadas por aquele que lhe solicita e encomenda o trabalho a efectuar.
[…] E naturalmente que quem encomenda o serviço, quem contrata, não pode ficar desonerado ou impedido de dar instruções ao prestador de serviços sobre o que quer e de que modo pretende ver realizado esse trabalho”, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 292/13.5TTCLD.C1.S1, de 08.10.2015.
Natureza intuitu personae
N. O facto de não ser feita qualquer triagem ou seleção prévia do utilizador estafeta, põe a descoberto uma inexistência da natureza intuitu personae, reconhecidamente característica do contrato de trabalho.
O. Não há escrutínio académico, curricular ou sequer de empatia ou personalidade e atitude/apresentação.
P. Resulta do ponto 61 dos factos provados que o prestador de atividade pode subcontratar a terceiros os serviços de entrega.
Q. Pelo que, também por este motivo, se deverá confirmar o teor da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, cuja decisão final não merece reparo, devendo o recurso intentado pelo Autor Recorrente, improceder, sem mais.
DAS ALEGAÇÕES DO RECORRENTE
Da verificação das alíneas do artigo 12.º-A do Código do Trabalho invocadas pelo Recorrente
Alínea a): “A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela”
R. Os factos que o Recorrente alega são referentes a “ordens, direcção e fiscalização”.
S. Ora, esta alínea a) é referente à fixação da retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelecimento de limites máximos e mínimos para o referido trabalho.
T. Em suma, o alegado pelo Recorrente, em nada permite concluir pela verificação da alínea a).
U. No entanto, não podemos deixar de assinalar que a alegação do Autor é desde logo falsa, porque faz uma caracterização da Ré Recorrida e da sua atividade que não resulta dos factos provados,
pois:
• A Ré não “organiza a forma de satisfazer esses pedidos”.
• A Ré não encaminha estafetas para estabelecimentos comerciais.
• A Ré não atribui “trabalho de entrega dos produtos pedidos a estafetas que se encontram registados na aplicação”,
• A Ré não organiza nem controla “esse trabalho de recolha, transporte e entrega ao utilizador cliente final”,
• A Ré não faz cobranças.
V. Tudo conforme a matéria de facto provada, nomeadamente os factos 3, 4, 5, 7, 8, 10, 12, 41, 42, 43, 44, 49, 50, 51, 52.
W. Em suma, é falso que os estafetas e em particular o interveniente acidental, esteja sujeito a ordens e instruções da Ré, mas remete a ré recorrida para quanto refere ao abrigo da alínea b), a este propósito.
X. Primeiro, se o preço do serviço varia em função das distâncias, e se é o estafeta que tem liberdade para decidir onde é que aguarda pedidos, constata-se que o próprio define essas distâncias.
Y. Segundo, se o preço varia em função das horas de maior procura e se é o estafeta, livremente, se presta serviços nessas horas ou noutras, constata-se que é o próprio que define quais os serviços, mais caros ou mais baratos, que pretende efetuar.
Z. Terceiro, o estafeta escolhe e define um fator de multiplicação sobre todas as componentes do preço.
AA. Por fim, se ainda assim existir algo que não lhe agrade ou não seja do seu interesse, sem ter que justificar à Ré, pode recursar. O AA recusou mais de 2.000 propostas de serviços entre fevereiro e novembro de 2023 (facto provado 53.), sem qualquer penalização.
Logo, o estafeta tem liberdade para negociar os preços, assim como, em última instância, recusar a prestar o serviço.
BB. Se fosse trabalhador de uma empresa de transportes, o que não se concede, e se recusasse a executar 2.000 serviços, seria despedido com justa causa.
Jurisprudência
CC. A este propósito veja-se as seguintes decisões cujas passagens relevantes são citadas supra nas alegações:
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 2, Processo 29935/23.0T8LSB, de 21/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo: 29209/23.7T8LSB, de 07/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho Santa Maria da Feira – Juiz 2, Processo 4119/23.1T8VFR, de 13/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 7, processo n.º 12499/23.2T8LRS, de 30/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho do Barreiro - Juiz 2, processo n.º 3025/23.4T8BRR, de 03/11/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2, processo n.º 5725/23.0T8MTS, de 26/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão - Juiz 1, processo n.º 3842/23.5T8PTM e apensos, de 05/04/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real - Juiz 1, Processo: 2793/23.8T8VRL, de 02/06/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Águeda, na sentença proferida no processo n.º 2746/23.6T8AGD, de 26/06/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1, Processo: 10/24.2T8MTS, de 11/07/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa, Juiz 7, Processo: 29031/23.0T8LSB, de 15/07/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira -Juiz 1, Processo: 4116/23.7T8VFR, de 13/05/2024;
DD. Concluindo, em geral, todos os acórdãos, que Não é a plataforma que estabelece o limite mínimo de cada entrega, mas sim o próprio estafeta, nomeadamente através, do multiplicador, sendo que o valor dos serviços depende de vários fatores.
Parecer do INESC-ID
EE. Também o Parecer junto aos autos, do INESC-ID – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento em Lisboa, em resultado da realização de uma auditoria à interação dos utilizadores-estafetas registados na plataforma da Ré, obtém as mesmas conclusões de que a Ré Recorrida não fixa a retribuição ou estabelece limites máximos e mínimos.
Da Análise da Ré Recorrida
FF. Com relevância para a análise da característica constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, resultou da matéria de facto provada da sentença os factos 3, 4, 5, 7, 8, 10, 12,13, 31, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51 e o facto não provado “Em média, mensalmente, AA recebesse € 500,00 da Ré”
GG. Além de que refere, ainda a sentença a quo que “Ficou também demonstrado que o prestador de atividade/estafeta pode utilizar um multiplicador (que é um mecanismo disponibilizado pela Ré, para que este possa aumentar ou diminuir, uma vez de 24 em 24 horas, o valor base sugerido pela Ré. Com o multiplicador, a Ré estabelece máximos e mínimos que os estafetas podem escolher, para aumentar ou diminuir o valor de cada serviço) e, no caso concreto AA trabalhou efetivamente com aplicação do multiplicador. Finalmente, ficou demonstrado que, tendo conhecimento do valor sugerido para cada pedido, o estafeta tem, ainda, a liberdade de aceitar ou de recusar o pedido.”
HH. Assim, é o prestador da atividade que, dispondo de liberdade quanto à realização da sua atividade, determina o número de serviços e também as plataformas para que deseja prestar serviços, podendo, assim, conformar livremente o montante global da sua remuneração.
II. Não há mínimos, nem máximos! O estafeta receberá tanto mais quantos mais serviços aceitar executar, sendo que é livre de executar todos ou nenhum!
JJ. O utilizador estafeta recebe um montante se decidir aceitar efetuar e concluir a entrega de um determinado bem do ponto “A” ao ponto “B” a pedido de um utilizador cliente.
KK. O utilizador estafeta sabia utilizar esta ferramenta de negociação do preço dos seus serviços, o multiplicador (e utilizou), conforme resulta do documento 1, melhor identificado supra.
LL. Acresce que o estafeta em questão, conforme documento 2, melhor identificado supra, inclusive recusava efetuar pedidos como muita frequência, tendo recusado, por exemplo, no mês de junho de 2023, 360 pedidos, 73 antes de aceitar o serviço proposto e 287 já depois de ter aceite o mesmo.
MM. É o prestador da atividade que define o tempo em que se pretende manter ligado e consequentemente o número de pedidos que recebe, bem como aceitar aqueles que lhe apresentem o preço desejado ou rejeitar aqueles que não lhe interessem.
NN. O preço desses serviços é variável, pois dependerá, nomeadamente, da distância que o estafeta tenha que percorrer entre o ponto “A” e o ponto “B”, da hora em que esses pedidos pelos utilizadores ocorrem, mas, também, de um fator de multiplicação que cabe ao estafeta, e a mais ninguém, escolher.
OO. O utilizador estafeta não recebe qualquer contrapartida pelo tempo que se encontra ligado à aplicação da Ré.
PP. Por outro lado, se aceitar e realizar todos os pedidos que lhe sejam apresentados a pedido dos utilizadores clientes, irá receber o respetivo preço por cada um dos serviços efetuados, sem fixação de quaisquer mínimos ou máximos!
QQ. Tal é o oposto do conceito de retribuição devido a um trabalhador pela obrigação de prestar trabalho!
RR. As características do pedido, que são determinadas pelo cliente.
SS. Uma outra componente importante da retribuição, totalmente alheia à Ré, é a gratificação/gorjeta do utilizador cliente, aspeto esse omitido nas alegações de recurso, livremente atribuída pelo utilizador cliente. Se a Ré organizasse a atividade dos estafetas, certamente que dividiria as gorjetas entre todos os estafetas, o que não sucede.
TT. Assim, a mera conclusão do Autor Recorrente de que a Ré Recorrida “fixa a retribuição” é totalmente infundada e não poderá ser tida em consideração pelo Venerando Tribunal ad quem, porquanto, a Ré não fixa quaisquer retribuições pelos serviços prestados pelo estafeta, ou quaisquer limites.
UU. Pelo exposto, não se pode considerar preenchida a característica prevista no artigo 12.º- A, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho, resultando provado que a aplicação gerida pela Ré não fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela.
Da impugnação da matéria de facto
VV. A matéria de facto dada como provada supra já permite concluir pela não verificação desta alínea a).
WW. Sucede que foram dados como provados factos que não têm sustentação na prova produzida em audiência de julgamento.
XX. Foram ainda dados como provados os factos 13 e 45.
YY. Os factos dados como provados deveriam ser:
ZZ. 13) O estafeta recebe da ré, como contrapartida da sua atividade, o valor pago pelos clientes utilizadores por cada pedido/entrega que efetua.
AAA. 45) Entre junho e setembro de 2023 AA recebeu os seguintes valores: […]
BBB. Para se concluir neste sentido atente-se no depoimento da testemunha da Ré recorrida, no dia 04/07/2024, entre o minuto 02:46 e 14:00
CCC. Tal está também claro nos Termos e Condições da Ré Recorrida:
“5.3.1 […] A GLOVO, através de um processador de pagamento, conectar-se-á e atuará como um intermediário nos pagamentos entre Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais e Estafetas (ou empresa de serviços de logística conexa).
[…] os serviços que oferece podem e terão de ser faturados ou refaturados ao Cliente Utilizador e/ou ao Estabelecimento Comercial, que em última instância paga o preço dos serviços por si oferecidos.” [sublinhados nossos].
DDD. A Ré desempenha um papel de mera intermediadora, cobrando taxas aos 3 intervenientes, sendo que taxa cobrada ao estafeta incluí o pagamento do processamento, nomeadamente a emissão de faturas em nome dos estafetas.
EEE. Foram ainda dados como provados os factos 14 e 31.
FFF. Deve, no entanto, dar-se como provado que a Ré Recorrida não fixa o preço, nem montante mínimo ou máximo para tal, dependo o valor recebido pelo estafeta das características dos pedidos que decide aceitar realizar, sendo as características dos mesmos definidas pelos clientes utilizadores.
GGG. Para se concluir neste sentido atente-se no depoimento da testemunha da Ré recorrida, no dia 04/07/2024, entre o minuto 15:35 e 17:54
HHH. Tal está aliás em contradição com os factos dados como provados 43 e 44.
III. Assim, é possível aferir que os valores propostos dependem de vários fatores que não são controlados pela Ré Recorrida:
- a distância do pedido é definida pelo cliente utilizador, pois é ele que define o local da recolha e o local da entrega;
- o tempo de espera depende exclusivamente do tempo que o restaurante, por exemplo, demore a confecionar a refeição.
- condições meteorológicas também não dependem da Ré;
- nem tão pouco quais os momentos de procura mais elevada.
JJJ. Pelo que deve dar-se como provado que a Ré Recorrida não fixa o preço, nem montante mínimo ou máximo para tal.
Alínea b): A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade
KKK. O Autor Recorrente alega que se encontra verificada a alínea b).
LLL. O Autor Recorrente, não invoca qual a matéria de facto em que sustenta esta conclusão, pois não foram dados como provados quaisquer factos que permitam concluir no sentido em que concluí o Recorrente.
Jurisprudência
MMM. Para todos estes pontos veja-se o referido nas doutas sentenças cujas passagens relevantes encontram-se citadas nas alegações supra:
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo: 29209/23.7T8LSB, de 07/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora, Processo: 2231/23.6T8EVR, de 09/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 1, Processo: 4116/23.7T8VFR, de 13/05/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 7, Processo: 12499/23.2T8LRS, de 30/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1, Processo: 10/24.2T8MTS, de 11/07/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2, Processo: 4357/23.7T8AVR, de 09/07/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 4, Processo: 29783/23.8T8LSB, de 29/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho Santa Maria da Feira – Juiz 2, Processo 4119/23.1T8VFR, de 13/10/2024:
Da análise da Ré Recorrida
NNN. Com interesse para a análise desta alínea b), resultaram provados os factos 3, 5, 7, 8, 11, 12, 24, 28, 30, 33, 35, 36, 37, 38, 46, 48, 49, 50, 51.
OOO. Desde logo, quanto à forma de apresentação do prestador de atividade a douta sentença do tribunal a quo referiu que quanto à “forma de apresentação do prestador de atividade […]
Não foi alegado, nem provado que a Ré imponha que os serviços pelos quais remunera o estafeta sejam prestados por este envergando qualquer traje especial ou de determinada forma
[…]”
PPP. Tão pouco a Ré estabelece quaisquer regras quanto à prestação de atividade em si.
QQQ. Também quanto à conduta do prestador de atividade nada ficou provado a esse propósito. Nem tal seria possível! A Ré não determina nenhuma forma de tratamento/cumprimento aos clientes (ou outras), por parte do estafeta.
RRR. Aliás, o estafeta deixou de prestar serviços de entrega através da plataforma da Ré Recorrida, em janeiro de 2024, tendo passado a trabalhar num armazém, na Azambuja.
SSS. Apenas existe a inscrição na plataforma, e em cumprimento de normais legais, e não quaisquer regras laborais, conforme melhor se verá infra.
TTT. Ora, não se tendo provado a determinação de quaisquer regras, não podemos, pois, concluir pela existência de poder de direção.
UUU. As funções do estafeta consistem na recolha e entrega de bens aos clientes utilizadores da plataforma da Ré.
VVV. A Ré não define quaisquer regras que neste facto nº 8 se dá como provado que o estafeta tinha como meio de transporte uma bicicleta elétrica e nos factos 25 e 33 já se dá como provado que o estafeta tinha um motociclo.
WWW. Assim, também se comprova que a Ré não determina regras, nem, tão pouco, controla.
XXX. O estafeta tem a liberdade de se conectar e desconetar da aplicação da Ré Recorrida; escolher a área em que pretende prestar serviços e colocar-se no local que entender tendo em vista aguardar que os pedidos lhe sejam oferecidos; decidindo quais os pedidos que pretende aceitar ou não; se utiliza, ou não o multiplicador e, utilizando, em que valor; escolhendo o nome de utilizador na plataforma da Ré; Além de que é também o estafeta que escolhe as horas/dias/semanas/meses, em que pretende ligar à aplicação da ré e prestar serviços ou não.
YYY. Verifica-se ainda pelos factos não provados que, o Digníssimo Tribunal a quo entendeu, e bem, não se ter provado que:
d) Que o serviço de geolocalização tenha que estar ativo durante todo o tempo em que o estafeta presta o serviço.
Da impugnação da matéria de facto
ZZZ. Com relevância para a análise desta alínea, foram ainda dados como provados os seguintes factos:
4) Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma, para esse efeito;
9) Mais tem que comprovar perante a Ré a posse de uma mochila térmica, com os requisitos específicos que exige.
15) A ré exige que o estafeta faça uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos e que cumpra com os padrões de higiene para transporte de alimentos.
16) Mais exigindo que chegado ao cliente final e se este não estiver na morada tenha que esperar 10 minutos e dar nota disso ao suporte técnico da Ré, sendo esses dez minutos contabilizados através de um temporizador que existe na aplicação, e que conta os dez minutos desde o momento em que chegou ao local da entrega, ao que a Ré tem acesso através do GPS que o estafeta liga.
17) A Ré entra em contacto com o cliente final que toma a decisão final quanto à ação a tomar pelo estafeta relativamente àquela entrega.
18) A partir do momento em que o estafeta se coloca na aplicação em modo de disponibilidade a plataforma fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização, sendo este indispensável ao exercício da atividade para a atribuição dos pedidos dos clientes da Ré e para cálculo do valor do serviço.
29) Para o que, como acima se expos, criou a conta exigida pela Ré na sua aplicação Glovo Couriers, o que fez através do nome de utilizador por si escolhido, bem como do respetivo código de segurança, após ter demonstrado cumprir os requisitos exigidos pela Ré, tal como em supramencionado e remetido copia do seu registo criminal, de uma fotografia , do seu IBAN, do comprovativo do início da atividade nas Finanças.
AAAA. Sendo que se deu como não provados:
c) Que AA pagasse uma taxa à ré pela utilização da plataforma.
Para análise do facto dado como não provado atente-se na seguinte prova:
BBBB. Depoimento, já mencionado, da testemunha da Ré Recorrida, no dia 04/07/2024, já citado entre o minuto 02:46 e 03:47.
CCCC. Tal consta ainda expressamente dos termos e condições que o estafeta aceitou.
DDDD. Assim, conclui-se que Ré desempenha um papel de mera intermediadora, cobrando taxas aos 3 intervenientes que pretendem aceder à sua plataforma.
EEEE. O pagamento da taxa consta ainda expressamente dos termos e condições que o estafeta aceitou.
FFFF. Por este motivo, deve ainda ser dado como provado o facto c) dos factos não provados: AA paga uma taxa pela utilização da aplicação informática da Ré.
Para análise dos factos 4 e 18 atente-se na seguinte prova:
GGGG. Depoimento, já mencionado, da testemunha da Ré Recorrida, no dia 04/07/2024, já citado entre o minuto 02:46 e 03:17.
HHHH. Pelo excerto é percetível que a Ré limita-se a facilitar o encontro de 3 utilizadores tornando o contacto entre eles mais conveniente.
IIII. A Ré recorrida limita-se a apresentar, a um estafeta, o pedido de entrega solicitado pelo cliente, sendo que o estafeta poderá aceitar efetuar essa entrega ou não, conforme, aliás, resulta do ponto 3 dos factos provados.
JJJJ. Assim, a Ré:
− Não utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma, para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes;
− não distribuí trabalho, pelos estafetas. A Ré Recorrida propõe aos estafetas os vários pedidos de entregas que recebe dos clientes utilizadores. Só a expressão “distribuí trabalho” é contraditória com a possibilidade de que o estafeta dispõe de poder recusar um serviço que lhe é proposto;
− não indica (no sentido de definir) o local de levantamento e entrega da encomenda, os quais são definidos pelo utilizador cliente, o que é um facto público, evidente e notório.
KKKK. Devendo este facto provado passar a ser:
4) Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes a Ré propõe ao estafeta, que se encontra registado na sua plataforma, o serviço;
Para análise dos factos 9 e 15 atente-se na seguinte prova:
LLLL. Depoimento da testemunha da Ré recorrida, no dia 04/07/2024, entre o minuto 39:05 e o minuto 40:15.
MMMM. Tal facto consta claramente do ponto 5.1.1., al. n dos Termos e Condições juntos aos autos:
“Para utilizar os Serviços de Tecnologia da GLOVO é necessário registar e criar uma Conta completa, atualizada e ativa. Tal inclui, consoante apropriado, mas sem caráter exaustivo, as seguintes obrigações:
n. No caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta compromete-se a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos.”
NNNN. A Ré Recorrida não exige que o estafeta utilize uma mochila com tais caraterísticas térmicas ou que cumpra os padrões de higiene para transporte de alimentos. São normas legais de HACCP, conforme a testemunha referiu e a que a Ré é alheia.
OOOO. Aliás mais se diga que tal apenas se aplica ao transporte de alimentos, sendo que na aplicação da Ré os utilizadores clientes também podem solicitar outros serviços que não o transporte de bens alimentares, pelo que também por essa razão este facto está incorreto.
Para análise dos factos 16 e 17, atente-se na seguinte prova:
PPPP. Veja-se o depoimento da testemunha da Ré recorrida, no dia 04/07/2024, entre o minuto 31:25 e o minuto 34:25.
QQQQ. Os termos e condições prevêm que
“5.1.5 Por força dos acordos alcançados com os Utilizadores Cliente, e para efeitos de evitar fraude, no momento da entrega, os Estafetas e Utilizadores Clientes aguardarão dez minutos antes de cancelar um pedido.”
RRRR. Sucede que também preveem que:
“5.1.7 O Estafeta reconhece que na sua capacidade de prestador de serviços é o único responsável pelo resultado desses serviços, que poderá resultar em custos adicionais associados a: cancelamentos, violações de serviço, impossibilidade de prosseguir ou concluir um pedido, compensação a outros Utilizadores pelo risco decorrente da sua atividade, etc., que serão sempre suportados a suas expensas.”
SSSS. A putativa regra dos 10 minutos mais não é que uma forma de o estafeta transmitir a responsabilidade pelo bem transportado para o utilizador cliente.
TTTT. Quando o estafeta recolhe o produto para proceder a uma entrega, o estafeta passa a ser o responsável pelo bem transportado, conforme previsto na cláusula 5.1.7 dos T&C da utilização da plataforma para estafetas.
UUUU. Assim os clientes utilizadores, quando solicitam a entrega de um produto e recorrem aos serviços de um estafeta sabem que dispõem de 10 minutos para recolher o bem após indicação do estafeta nesse sentido, caso contrário o estafeta deixa de ser responsável pelo mesmo, podendo dar-lhe o destino que entender.
VVVV. Os estafetas, em caso de dúvidas sobre o funcionamento deste mecanismo, naturalmente que podem contactar o suporte da Ré recorrida (para o qual pagam a referida taxa de 1,85€), que lhes poderá dizer que que podem, querendo, acionar o botão da contagem dos 10 minutos para o utilizador cliente recolher o pedido. Ou os estafetas, sem contactarem o suporte, acionam o botão imediatamente.
WWWW. Outras sugestões que possam ser dadas ao estafeta, não passam disso mesmo, de sugestões, na medida em que o mecanismo de desresponsabilização do estafeta (botão dos 10 minutos) já existe e está à disposição dos mesmos que o poderão utilizar ou não.
XXXX. Além de que, se os estafetas não cumprirem com uma sugestão da Ré Recorrida não tem qualquer consequência para os mesmos, da mesma forma que não tem qualquer consequência para os estafetas se não acionarem o mecanismo dos 10 minutos.
YYYY. Acionar esse botão ativa uma contagem na aplicação do cliente utilizador, tendo o cliente de recolher o produto dentro desse prazo.
ZZZZ. Ainda que o cliente não faça a recolha o produto fica obrigado a pagar o valor do produto ao estabelecimento comercial e o valor da entrega e o estafeta receberá o referido valor.
AAAAA. Além de que o estafeta tem a possibilidade de contactar diretamente os clientes utilizadores, seja através de contacto telefónico, seja por mensagem, informando que já chegaram ao local de entrega.
BBBBB. Esse contacto, ainda que através dos contactos disponibilizados pela aplicação da Ré Recorrida, é feito diretamente entre o estafeta e o utilizador.
CCCCC. Assim, o facto 16 dado como provados ser:
O estafeta pode acionar o mecanismo de 10 minutos previsto na aplicação da Ré. Esperando o referido período sem que o cliente recolha o produto, o estafeta receberá, do cliente, pelo serviço de entrega. Não aguardando o estafeta o período de 10 minutos, nem conseguindo efetuar a entrega, não será pago pelo serviço, por parte do cliente.
DDDDD. E o facto 17 ser dado como não provado.
Para análise do facto 29, atente-se na seguinte prova:
EEEEE. Resulta do facto provado n.º 8 que, para se inscrever na plataforma, o estafeta:
8) Para tanto tem que demonstrar:
- Ser maior de idade;
- Ter meio de transporte próprio, no caso concreto, bicicleta elétrica;
- Ter documento de identificação;
- Ter comprovativo da atividade aberta nas finanças;
- Aceitar os termos e condições de utilização da plataforma;
FFFFF. Em momento algum, o estafeta teve de remeter “copia do seu registo criminal”.
GGGGG. A Ré Recorrida limita-se a cumprir requisitos legais para o exercício de uma qualquer atividade em território português.
HHHHH. Nesta medida não pode ser dado como provado que a Ré requer que lhe seja “remetido copia do seu registo criminal”, devendo tal ser dado como não provado
Alínea c): A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
IIIII. Quanto a esta alínea c), embora o Autor Recorrido não pugne pela aplicação desta alínea, o Tribunal a quo entendeu estar a mesma verificada.
Jurisprudência
JJJJJ. Antes de mais é relevante chamar à colação, desde já, para o referido, nas várias ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalhão em que é Ré a aqui Ré Recorrida:
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 7, Processo: 12499/23.2T8LRS, de 30/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho do Barreiro - Juiz 2, Processo: 3025/23.4T8BRR, de 03/11/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo: 29209/23.7T8LSB, de 07/10/2024, já citada supra.
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora, Processo: 2231/23.6T8EVR, de 09/10/2024;
Da análise da Ré Recorrida - impugnação da matéria de facto
KKKKK. Saber se um serviço foi ou não concluído, não reflete a existência de subordinação jurídica, pois é um pressuposto de qualquer prestação de serviços.
LLLLL. O que releva é que a Ré desconhece e não impõe a forma e o itinerário como o estafeta deve executar esse serviço. Se quer executar por um caminho mais longo ou mais curto, a pé, de transportes públicos, bicicleta, carro, carrinha ou camião, é da exclusiva responsabilidade e autonomia do estafeta.
MMMMM. O que resulta provado com relevância para esta alínea são os factos 18, 19, 20, 22 e 52.
NNNNN. Resulta ainda como não provado Factos não provado “d) Que o serviço de geolocalização tenha que estar ativo durante todo o tempo em que o estafeta presta o serviço.”
OOOOO. Veja-se o Depoimento, já mencionado, da testemunha da Ré Recorrida, no dia 04/07/2024, já citado, cujo depoimento se transcreve, entre o minuto 27:05 a 31:17.
PPPPP. Relativamente aos pontos 19, 20, e 52, a geolocalização só releva para efeitos de apresentação de propostas e análise de distâncias para cálculo do valor do preço a propor. Não há, quanto a esta geolocalização qualquer supervisão ou controlo, porquanto o estafeta é que decide onde é que se posiciona.
QQQQQ. Após a aceitação do serviço, o estafeta pode desligar a geolocalização na execução do respetivo serviço, o que significa que absolutamente ninguém poderá “controlar” ou “supervisionar” se o estafeta está a seguir uma rota menos ou mais longa, se parou para executar outro serviço, para cumprimentar alguém, etc. … ou seja, o estafeta tem liberdade e autonomia para decidir que ninguém vai ter acesso à sua geolocalização durante a execução de um serviço.
RRRRR. A Ré não organiza a atividade dos estafetas, pois nem sequer sabe, de antemão, quem é que vai estar ou não disposto a realizar serviços.
SSSSS. Recorde-se conforme já alegado a Ré não sabe, nem tem como saber, quais ou quantos estafetas se vão colocar online, nem em que dias, pelo que não sabe, nem tem como saber se vai estar alguma estafeta online e disponível para fazer entregas, nem mesmo, se estando, online e disponível para fazer entregas se o mesmo vai aceitar os serviços propostos, ou se os vai recusar, nomeadamente por entender que o valor é baixo, ou porque, simplesmente não gosta da localização de recolha, ou de entrega, ou por quaisquer razões que lhe aprouver recusar.
TTTTT. Quanto à previsão do tempo de entrega, a Ré apenas faz uma previsão do tempo de entrega e a previsão é efetuada através do cálculo do percurso expectável. A Ré Recorrida não utiliza a Geolocalização, nem precisa que o GPS esteja ligado para efetuar o cálculo da previsão de entrega que, diga-se está, variadíssimas vezes, errada, precisamente porque se trata de uma mera previsão.
UUUUU. A Ré não promete uma entrega dentro de quaisquer previsões de tempo.
VVVVV. Mais, não resulta dos factos provados, nem nunca qualquer estafeta o disse, que a Ré imponha ou defina quaisquer “tempos de entrega”.
WWWWW. Quanto ao ponto 22 dos factos dados como provados, não corresponde à verdade que o estafeta não tem qualquer intervenção na escolha dos clientes finais. O estafeta ao receber a proposta de serviço obtém a informação do cliente utilizador e pode, com base nessa informação, recusar o serviço, sem qualquer justificação para tal. Assim o facto 22 deve ter-se por não provado.
XXXXX. Não querendo prestar um serviço para um determinado cliente, pode rejeitar esse serviço, tendo, assim, intervenção na escolha, por exclusão, de um cliente em específico.
YYYYY. O argumento utilizado na sentença de que o prestador de atividade, sabendo o preço e a distância estimada optará sempre pela rota mais curta é falso, na medida em que, primeiro, nem sempre a rota mais curta é a mais económica, uma vez que pode haver trânsito, ou até a própria morfologia do terreno ter impacto, como o prestador de atividade pode até aproveitar para fazer vários serviços em simultâneo, nomeadamente através de outras aplicações, assim rentabilizando como entende as suas rotas.
ZZZZZ. O facto de não ter intervenção na escolha dos pedidos, também não corresponde à verdade. Quem define os pedidos são os clientes utilizadores. Os mesmos é que definem que encomenda pretendem, de onde, e onde deve ser entregue. A plataforma gerida pela Ré Recorrida não tem qualquer intervenção, nem tão pouco pode ser o estafeta a decidir o que o cliente utilizador pretende encomendar.
AAAAAA. Os pedidos surgem na aplicação da Ré Recorrida consoante os clientes utilizadores os vão concretizando.
BBBBBB. Assim, os factos dados como provados 18 e 20 deverão passar a ter a seguinte redação:
18) O sistema de geolocalização, é indispensável apenas para oferta dos pedidos dos clientes finais, podendo ser desligado de imediato, até que o estafeta pretenda conectar-se novamente para receber novo pedido; Ou 18) A partir do momento em que o estafeta se coloca na aplicação em modo de disponibilidade, a plataforma pode saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização, sendo aquele indispensável apenas para oferta dos pedidos dos clientes finais, podendo ser desligado de imediato, até que o estafeta pretenda conectar-se para receber novo pedido.
20) Caso o estafeta mantenha, por sua vontade, a geolocalização ligada, a Ré não controla, nem o tempo de entrega dos pedidos, nem o percurso efetuado pelo estafeta.
CCCCCC. Devendo os factos 19 e 22 dar-se por não provados, conforme já referido.
DDDDDD. Quanto à putativa avaliação do estafeta, o referido “sistema de reputação”, o referido sistema de avaliação já deixou de existir há muito tempo.
EEEEEE. Quando existia, a avaliação era efetuada pelos clientes utilizadores, quer aos estafetas, quer aos estabelecimentos comerciais utilizadores. Tal é exatamente o que resulta dos termos e condições, conforme transcrito supra.
FFFFFF. Além de que não se provou que a Ré Recorrida utilizasse tal avaliação, nem que da mesma retirasse qualquer consequência para o estafeta.
GGGGGG. Para o que se remete ainda as várias ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalhão em que é Ré a aqui Ré Recorrida, nomeadamente:
▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1, Processo: 10/24.2T8MTS, de 11/07/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Sines, processo n.º 365/23.6T8SNS, de 29/09/2024
HHHHHH. Pelo exposto, não se pode considerar preenchida a característica prevista no artigo 12.º- A, n.º 1, alínea c) do Código do Trabalho, resultando provado que a aplicação gerida pela Ré não controla nem supervisiona a prestação de atividade do prestador de atividade.
Alínea e): A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta
IIIIII. O recorrente alega que esta alínea se encontra verificada.
Jurisprudência
JJJJJJ. A este propósito veja-se as seguintes decisões cujas passagens relevantes são citadas supra nas alegações:
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho do Barreiro - Juiz 2, Processo: 3025/23.4T8BRR, de 03/11/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho Santa Maria da Feira – Juiz 2, Processo 4119/23.1T8VFR, de 13/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Sines, processo n.º 365/23.6T8SNS, de 29/09/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora, Processo: 2231/23.6T8EVR, de 09/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1, Processo: 10/24.2T8MTS, de 11/07/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 7, Processo: 12499/23.2T8LRS, de 30/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo: 29209/23.7T8LSB, de 07/10/2024.
Parecer INESC-ID
KKKKKK. Também o Parecer junto aos autos, do INESC-ID – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento em Lisboa, em resultado da realização de uma auditoria à interação dos utilizadores-estafetas registados na plataforma da Ré, obtém as mesmas conclusões de que a Ré Recorrida não exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade.
Da análise da Ré Recorrida
LLLLLL. O recorrente alega que esta alínea se encontra verificada, todavia não invoca qual a matéria de facto em que sustenta esta conclusão, pois não foram dados como provados quaisquer factos que permitam concluir no sentido em que concluí o Recorrente.
MMMMMM. Não resulta da matéria de facto provada que a plataforma exerça qualquer poder disciplinar sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras atividades na plataforma através de suspensão ou desativação da conta.
O que resulta provado é a total liberdade do estafeta, conforme os factos 21, 23, 46, 47, 48, 49, 50, 51.
NNNNNN. A sentença a quo refere ainda que:
- “ficou demonstrado que, tendo conhecimento do valor sugerido para cada pedido, o estafeta tem, ainda, a liberdade de aceitar ou de recusar o pedido.”
- “Ficou provado que que é o estafeta que define o tempo em que se pretende manter ligado , o que influencia o número de pedidos que recebe – já que não obstante ser a ré a fazer as solicitações, só quando está ligado é que recebe pedidos da Ré - e é também o estafeta que escolhe o local em que se pretende ligar para receber pedidos de entrega.
- Ficou também demonstrado que o prestador de atividade/estafeta pode utilizar um multiplicador (que é um mecanismo disponibilizado pela Ré, para que este possa aumentar ou diminuir, uma vez de 24 em 24 horas, o valor base sugerido pela Ré.
- ficou demonstrado que, tendo conhecimento do valor sugerido para cada pedido, o estafeta tem, ainda, a liberdade de aceitar ou de recusar o pedido.
OOOOOO. Os termos e condições da ré mais não visam que os poderes de uma plataforma digital.
Os mesmo não podem confundir-se com os de um empregador, conforme melhor se explanará infra.
PPPPPP. A própria sentença a quo refere que a Ré Recorrida não exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta:
“Em suma, atendendo ao facto de o estafeta não estar sujeito a um dever de assiduidade e pontualidade (não tem que estar sempre disponível, liga-se e desliga-se da plataforma para ficar apto a que lhe sejam atribuídos pedidos pela Ré, quando quer e onde quer), não estar sujeito a um dever de exclusividade, ou sequer a um dever de não concorrência, o facto de poder aceitar e/ou recusar os pedidos quando entende, sem que por isso sofra qualquer consequência – pelo menos que se tenha apurado - permitem concluir que BB trabalha para a Ré com autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e disciplinar, pelo que se mostra ilidida a presunção.”
QQQQQQ. Além de que não se provou que a Ré Recorrida retirasse daí qualquer consequência ou aplicasse qualquer penalização aos estafetas
RRRRRR. Não se provando que a Ré exercesse as sanções que o estafeta mencionou, nem se provando outras, não se pode concluir que a plataforma digital exerça poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta, devendo concluir-se pela não verificação da alínea e) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho.
SSSSSS. No que à possibilidade de a Ré desativar uma conta concerne – de qualquer utilizador, seja ele cliente ou profissional - trata-se de uma prorrogativa dos serviços de intermediação em linha, como o da Ré, que se encontra prevista no artigo 4.º do Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha (Regulamento P2B).
TTTTTT. Um “homem médio” concebe que uma aplicação tenha o direito de desativar a respetiva conta se os termos e condições forem violados, por exemplo, na utilização de uma aplicação de um banco, de uma rede social, de um site de vendas em segunda mão, etc., e ninguém se lembraria de dizer que um utilizador é trabalhador dessas aplicações pelo facto de poder ver a sua conta suspensa ou bloqueada.
UUUUUU. Consta do ponto 4.1. dos Termos e Condições:
VVVVVV. “A GLOVO não dirigirá, controlará ou será considerada dirigir ou controlar as ações ou conduta da empresa no âmbito dos presentes Termos e Condições, nomeadamente no que diz respeito à prestação dos seus serviços a outros Utilizadores da Plataforma”.
WWWWWW. A Ré apenas procede à desativação da conta em casos que assumem gravidade, nomeadamente quando se verificam situações de violação de lei ou de fraude (entendida como violação dos Termos e Condições, do modo a garantir uma plataforma idónea e segura para todos os utilizadores, nomeadamente, se o utilizador Prestador de Atividade introduzir vírus ou trojans na aplicação da Ré, se facultar dados de identificação ou dados fiscais falsos, etc.).
XXXXXX. Não se trata, por isso, e como é bom de ver, de exercício de “poderes laborais”, nomeadamente “o poder disciplinar”.
YYYYYY. Trata-se de uma prorrogativa dos serviços de intermediação em linha, como o da Ré, que se encontra prevista no artigo 4.º do Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha (Regulamento P2B).
ZZZZZZ. A Ré não procede à desativação de contas por o Prestador de Atividade:
a. Ligar ou desligar a aplicação quando entender;
b. Recusar pedidos;
c. Escolher as rotas que pretende efetuar;
d. Ter ou não boas avaliações por parte dos utilizadores clientes, etc.
AAAAAAA. A Ré não tem qualquer tipo de controlo sobre a atividade do Prestador.
BBBBBBB. A Ré não avalia os Prestadores de Atividade e não utiliza a avaliação que os utilizadores clientes ou utilizadores estabelecimentos fazem dos Prestadores de Atividade.
CCCCCCC. Conclui-se, assim, que também este critério (artigo 12.º-A n.º 1 al. e) do Código do Trabalho) não se verifica, sendo que todos os factos dados como provados apenas permitem concluir em sentido oposto ao previsto nesta alínea.
Alínea f): Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação
DDDDDDD. O Recorrente alega o preenchimento desta alínea f) na medida em que a aplicação é um instrumento de trabalho.
Jurisprudência
EEEEEEE. Veja-se o referido nas doutas sentenças cujas passagens relevantes encontram-se citadas nas alegações supra:
▪ Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo nº 3842/23.5T8PTM.E1, de 12/09/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho do Barreiro - Juiz 2, Processo: 3025/23.4T8BRR, de 03/11/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo: 29209/23.7T8LSB, de 07/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho Santa Maria da Feira - Juiz 2, Processo 4119/23.1T8VFR, de 13/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2, processo n.º 5725/23.0T8MTS, de 26/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora, Processo n.º 2231/23.6T8EVR, de 09/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2, Processo n.º 4357/23.7T8AVR, de 09/07/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1, Processo n.º 10/24.2T8MTS, de 11/07/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo do Trabalho de Portimão - Juiz 1, Processo n.º 3842/23.5T8PTM e apensos;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real - Juiz 1, Processo n.º 2793/23.8T8VRL, de 02/06/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Águeda, processo nº 2746/23.6T8AGD, de 26/06/2024.
Da análise da Ré Recorrida
FFFFFFF. O Autor aceita e concorda que o veículo, a mochila e o telemóvel são pertença do estafeta.
GGGGGGG. Não resulta da matéria de facto provada que a aplicação informática seja um instrumento de trabalho.
HHHHHHH. A referida aplicação não é um instrumento, mas antes código informático que é utilizado pelo telemóvel.
IIIIIII. Ou seja, o telemóvel é que é apto a constituir um instrumento de trabalho.
JJJJJJJ. Seguindo a linha de raciocínio do Autor, os softwares de GPS poderiam ser instrumentos de trabalho e, portanto, os Prestadores da Atividade poderiam reclamar ser trabalhadores da Google, Waze ou da Apple, o que, naturalmente, não se concede.
KKKKKKK. Recorda-se que a aplicação da Ré Recorrida permite, inclusivamente, que os estabelecimentos comerciais e/ou os utilizadores clientes utilizem outras pessoas não registadas na aplicação da Ré para efetuarem os serviços de estafeta!
LLLLLLL. Se a Ré comunicasse ao prestador de atividade a existência de um serviço solicitado por um utilizador cliente através de email, o estafeta continuaria a precisar de um telemóvel / computador, de um veículo e de um recipiente para transportar os bens para executar o serviço, mas já não da aplicação da Ré, que não é indispensável, mas sim um canal de comunicação facilitador.
MMMMMMM. Em suma, a aplicação gerida pela Ré Recorrida não é um meio essencial nem imprescindível à realização da atividade de estafeta!
NNNNNNN. Os principais e essenciais equipamentos nesta atividade são o veículo e o telemóvel, ambos propriedade do prestador da atividade.
OOOOOOO. Os utilizadores estafetas pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma à Ré.
PPPPPPP. Assim, pelo exposto, não merece qualquer censura a sentença proferida pelo Tribunal a quo, sendo forçoso concluir que não está verificado este critério (artigo 12.º-A n.º 1 al. f) do Código do Trabalho).
DA ILISÃO DA PRESUNÇÃO E DA EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS NEGATIVOS
QQQQQQQ. Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do n.º 2, do artigo 350.º, do Código Civil.
Jurisprudência
RRRRRRR. Dúvidas não restam de que a presunção em causa é ilidível, vejamos, pois, se a mesma se considerar ilidida começando por aferir o concluído nas doutas sentenças cujas passagens relevantes encontram-se citadas nas alegações supra:
▪ Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo nº 3842/23.5T8PTM.E1, de 12/09/2024:
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo do Trabalho de Évora, Processo n.º 2231/23.6T8EVR, de 09/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1, Processo: 29923/23.7T8LSB, de 08/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2, processo n.º 5725/23.0T8MTS, de 26/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho Santa Maria da Feira – Juiz 2, Processo n.º 4119/23.1T8VFR, de 13/10/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Sines, processo n.º 365/23.6T8SNS, de 29/09/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2, Processo n.º 4357/23.7T8AVR, de 09/07/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 1, Processo n.º 4116/23.7T8VFR, de 13/05/2024;
▪ Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 7, processo n.º 29031/23.0T8LSB, de 15/07/2024.
Da Análise da Ré Recorrida
SSSSSSS. É necessário ter em conta (i) o elevado grau de autonomia, evidenciado, entre outros aspetos, pela possibilidade de se ligar ou desligar livremente ou pela possibilidade de rejeitar um serviço é um forte indício negativo de laboralidade, (ii) a possibilidade de prestar serviço para concorrentes e (iii) a possibilidade contratual de o prestador de serviços se fazer substituir por outra pessoa contratada para o efeito.
TTTTTTT. Além de que a prestação realizada pelo trabalhador é uma prestação infungível (até por força desse elemento fiduciário) o que explicaria a impossibilidade de o trabalhador se fazer substituir por outrem na execução da sua prestação”.
Em específico, nomeadamente, quanto à Subcontratação – Doutrina e Jurisprudência Europeia
UUUUUUU. Em específico quanto à possibilidade de subcontratação e ao facto de tal possibilidade contrariar a existência de um contrato de trabalho, veja-se a este propósito, nomeadamente, Júlio Gomes:
“…apenas subsistindo casos em que já pelo recurso ao método indiciário não se poderia afirmar a existência de um contrato de trabalho (por exemplo, quando o trabalhador puder escolher e contratar directamente trabalhadores subordinados que ele próprio remunera ou, pelo menos segundo a visão tradicional, puder fazer-se substituir na execução da prestação de trabalho”.
VVVVVVV. O estafeta pode, livremente e sem qualquer condição, subcontratar a utilização da sua conta num qualquer terceiro (ponto 57 dos Factos Provados da sentença).
WWWWWWW. Veja-se ainda a este propósito, o acórdão do TJUE, de 22 de abril de 2020, proferido no processo Yodel Delivery Network40, também indica a existência de critérios indiciários negativos para excluir uma relação equiparável à relação de trabalho:
- Recorrer a subcontratantes ou substitutos para a execução do serviço que se comprometeu a prestar;
– Aceitar ou não as diversas tarefas oferecidas pelo seu suposto empregador, ou fixar unilateralmente o número máximo dessas tarefas;
– Fornecer os seus serviços a terceiros, incluindo concorrentes diretos do suposto empregador, e
– Fixar o seu próprio horário de «trabalho» dentro de determinados parâmetros e adaptar o seu tempo à sua conveniência pessoal e não apenas aos interesses do suposto empregador».
Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça
XXXXXXX. Veja-se o referido nos doutos Acordãos cujas passagens relevantes encontram- se citadas nas alegações supra.
YYYYYYY. Em específico com a possibilidade de o prestador de atividade se poder fazer substituir no cumprimento dos ser serviços por um terceiro:
1) Acórdão STJ - processo n.º 3347/19.9T8BRR.L1.S1, de 12-10-2022 - Em específico, nomeadamente quanto à Subcontratação
ZZZZZZZ. Conclui-se neste acórdão que mesmo havendo subordinação económica, exercendo o prestador de serviços atividade nas instalações da Empresa, estando integrado na estrutura organizativa da empresa, tendo um horário pré-definido, sendo o pagamento efetuado com base num valor hora, as férias são sempre no mês de agosto devido ao fecho das instalações da empresa, e em caso de ausência há perda de retribuição, decidiu o STJ pela não existência de um contrato de trabalho, dando o digníssimo Tribunal relevância ao facto de o contrato de trabalho ser intuitu personae referindo que “não é típico do mesmo que o trabalhador se faça substituir indicando ele próprio o substituto”, conforme possível nos autos em questão e nos presentes.
AAAAAAAA. O que se dirá dos presentes autos em que não existe subordinação económica, o prestador de serviços não está integrado na estrutura organizativa da empresa, não existe qualquer horário pré-definido e o pagamento não é efetuado com base num valor hora, não tem de tirar férias num período pré-determinado (e conforme já referido o estafeta também pode fazer substituir-se/subcontratar).
BBBBBBBB. Tal tem sido o entendimento do STJ ao longo dos vários anos.
2) Acórdão STJ - processo n.º 14910/17.2T8SNT.L1.S1, de 27-11-2018 - Em específico, nomeadamente quanto à Subcontratação
3) Acórdão STJ - processo n.º 1376/13.3T8CSC.L1.S1, de 09-01-2019 - Em específico, nomeadamente quanto à Subcontratação
4) Acórdão STJ - processo n.º 1333/14.4TTLSB.L2.S2, de 12-10-2017 - Em específico, nomeadamente quanto à Subcontratação
5) Acórdão STJ - processo n.º 81/14.0T8CVL.C1.S1, de 18-05-2017 - Em específico, nomeadamente quanto à Subcontratação
CCCCCCCC. Através da análise destes acórdãos é possível concluir que o facto de se poder fazer substituir no desempenho das suas tarefas, nas situações de impedimento, por outro trabalhador, conduz à não qualificação da relação existente entre ambos com um contrato de trabalho.
6) Acórdão STJ - processo n.º 2609/19.0T8OAZ.P1.S1, de 11-11-2020
DDDDDDDD. Neste caso a empresa fixava as horas de início e termo da prestação do serviço da enfermeira; bem como a remuneração horária; tendo efetuado uma entrevista para aferir das capacidades e qualidades para a prestação do serviço; sendo o local também ele fixado pela empresa havendo regras de apresentação (dístico identificativo).
EEEEEEEE. Ora os estafetas, conforme resulta da factualidade provada e não provada, não estão sujeitos a nenhuma regra que sequer se assemelhe a tais obrigações.
FFFFFFFF. Ora, se estes factos permitem concluir pela ilisão da presunção, o que se dirá dos factos dados como provados nos presentes autos e que demonstram tão maior liberdade por parte destes estafetas?!
7) Acórdão STJ - processo n.º 21116/18.1T8LSB.L1.S1, de 01-06-2022;
8) Acórdão STJ - processo n.º 457/14.2TTLSB.L2.S1, de 27/11/2019;
9) Acórdão STJ - processo n.º4220/15.5T8VFX.L1. S1, de 08/07/2020:
Uma vez mais, demonstrado o entendimento claro do STJ quanto à questão da ilisão, ao longo de vários anos, concluiu este acórdão que verificada “a ausência de horário de trabalho ou período de trabalho diário ou semanal, a ausência de um controlo de assiduidade, e do registo de faltas e da necessidade da sua justificação, a ausência de obrigação de exclusividade, o não pagamento de subsídios de férias ou de Natal, bem como de quaisquer outros benefícios pagos aos trabalhadores, como subsídio de refeição, subsídio infantil e outros, o pagamento da remuneração contra a entrega de recibos de trabalho independente”, dever-se-á entender que o Autor não logrou demonstrar nos autos, como lhe competia.
GGGGGGGG. Ora o estafeta em questão também não dispõe de um horário de trabalho ou período de trabalho diário ou semanal, existe igualmente ausência de um controlo de assiduidade, ou sequer qualquer do registo de faltas ou necessidade de justificação, existindo igualmente ausência de obrigação de exclusividade, o não pagamento de subsídios de férias ou de Natal, bem como de quaisquer outros benefícios, como subsídio de refeição, subsídio infantil e outros, o pagamento da remuneração contra a entrega de recibos de trabalho independente.
HHHHHHHH. Desta feita, deve concluir-se pela não existência de contrato de Trabalho.
IIIIIIII. Novamente na senda de que o entendimento do STJ quanto à questão da ilisão da presunção se tem vindo a manter ao longo de vários anos, tendo a presente decisão sido proferia mais recentemente, no ano de 2015:
JJJJJJJJ. Provando-se que: os instrumentos utilizados pelo Autor eram propriedade deste e não do empregador; o Autor utilizava a sua própria viatura nas deslocações de serviço, suportando as respectivas despesas; não estava sujeito a qualquer horário de trabalho; a remuneração auferida era variável e à percentagem, e não fixa em função do tempo despendido na realização da sua actividade ou número de locais visitados, e à qual o Autor dava quitação através da emissão dos respectivos ”recibos verdes”, nunca tendo auferido, durante a execução do contrato, retribuição nas férias, subsídios de férias e de Natal, afastada está a referida presunção, pelo que, não se pode considerar como provado o contrato de trabalho.
KKKKKKKK. Assim, a Ré ilidiu a presunção da existência de contrato de trabalho, porquanto resultou provado que um estafeta que se registe na aplicação tecnológica gerida pela Ré tem liberdade para:
a. Definir onde, quando e por quanto tempo, pretende ligar-se à aplicação tecnológica da Ré, não tendo qualquer compromisso, mínimo que fosse, de regularidade, pontualidade ou assiduidade na prestação de atividade, podendo não se ligar à Plataforma durante semanas ou meses, sem que daí resulte qualquer represália ou penalização;
b. Quando decidir estar ligado, decide se aceita ou se rejeita pedidos de entrega solicitados por utilizadores clientes registados na plataforma da Ré, sendo que pode rejeitar todos os pedidos que lhe sejam oferecidos, mesmo após ter aceite os mesmos, sem que daí resulte qualquer represália ou penalização;
c. Escolher a área e a localidade em que presta serviços de estafeta podendo mudar de áreas e de localidade quando entender;
d. Escolher o itinerário para a realização do serviço e de desligar a geolocalização do telemóvel, após aceitar o serviço na aplicação;
e. Escolher os instrumentos utilizados na sua atividade, que são da sua propriedade, mantidos e escolhidos por si;
f. Definir o preço e os rendimentos que pretende auferir pelos serviços a prestar, não apenas pelo multiplicador que escolhe, mas também pelo facto de poder rejeitar ou aceitar os serviços que não pretende ou pretende realizar;
g. Subcontratar terceiros para utilizar a sua conta registada na Ré;
h. Prestar atividade de estafeta, nomeadamente para outras plataformas, ou qualquer outra atividade para terceiros.
LLLLLLLL. O estafeta recebe por serviço executado e não por disponibilidade de tempo ou meios, inexistindo quaisquer limites mínimos e máximos para a faturação dos serviços, inexistindo qualquer remuneração periódica.
MMMMMMMM. O ora exposto é suficiente para se concluir que inexiste aquilo que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho: inexiste a subordinação jurídica dos estafetas à Ré.
OUTRAS DECISÕES NOS QUAIS É RÉ A AQUI RÉ RECORRIDA E COM INTERESSE PARA OS PRESENTES AUTOS
Da alusão ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12 de setembro de 2024, Processo n.º 3842/23.5T8PTM.E1, que absolveu a Ré Recorrida, abrangendo a 27 estafetas e à nótula sobre o João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira
NNNNNNNN. O Autor faz referência ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, nem como à nótula efetuada sobre o mesmo, sob o título “As plataformas digitais, a presunção de laboralidade e a respetiva ilisão: nótula sobre o Acórdão da Relação de Évora, de 12/09/2024”, pelos professores João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira, tendo em vista contrariar as conclusões obtidas no douto Acórdão que absolveu a Ré, relativamente à pretensão de reconhecimento de 27 contratos de prestação de serviços.
OOOOOOOO. Todavia, alega o Autor Recorrente, essencialmente, que existe subordinação jurídica sem, no entanto, alegar um único facto, dos factos dados como provados que, perante a interpretação constante do texto citado, permitiria concluir de forma distinta da obtida na douta sentença recorrida.
PPPPPPPP. No que à nótula dos Senhores Professores João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira concerne, não podemos deixar de criticar a falta de rigor académico da mesma e do enviesamento de análise, porquanto verte teorizações e profere conclusões e pré-juízos, ignorando que o Venerando Tribunal da Relação de Évora, analisou e sopesou, cuidadosamente, a matéria de facto constante da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
QQQQQQQQ. Ao contrário do que é sugerido pelos supra referidos Professores Doutores, analisou profundamente a questão, sopesando todos os factos e a melhor doutrina e jurisprudência. Note-se que o Tribunal da Relação de Évora, tinha, no âmbito de plataformas digitais já proferido um outro acórdão em que reconhecia a existência de contrato de trabalho, porque a factualidade era efetivamente diferente, pelo que não é suspeito na análise jurídica que fez aos factos provados pelo Juízo do Trabalho de Portimão.
RRRRRRRR. O que resulta do Acórdão quanto à subordinação jurídica é que:
“De acordo com a factualidade que assente ficou:
- o estafeta pode aceitar, não responder, ou rejeitar o serviço proposto (n.º 22);
- essa rejeição pode verificar-se mesmo após o estafeta já ter aceitado o serviço proposto, sem que tal afete o estatuto da sua conta na aplicação, a apresentação de futuros serviços e o preço de tais futuros serviços (n.ºs 24, 33 e 34);
- após a aceitação do serviço, os estafetas podem permitir ou não que a plataforma tenha acesso à sua localização, sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou leve a alguma penalização (n.º 30);
- são eles que, após a aceitação do serviço, escolhem o meio de transporte utlizado, definem o percurso a seguir, podendo desligar a geolocalização do telemóvel (n.º 31);
- os estafetas, uma vez por dia, podem alterar um multiplicar que permite aumentar o valor total recebido por cada serviço (n.º 36);
- os estafetas escolhem os dias e horas que pretendem ligar-se à aplicação da ré (n.º 45);
- e podem subcontratar outro prestador de serviços de entrega (n.º 46).
Segundo se entende, esta factualidade é impressiva para afastar a existência de qualquer subordinação jurídica do estafeta em relação ré.” [negrito nosso].
SSSSSSSS. Ora, tais factos são idênticos aos factos dados como provados na Sentença aqui recorrida e que levaram à conclusão da não verificação de subordinação jurídica.
TTTTTTTT. Assim, também na Sentença aqui recorrida não se verifica a existência de qualquer subordinação jurídica, falhando, portanto, o elemento essencial à verificação de contrato de trabalho, razão pela qual, também deverá o presente recurso improceder, sem mais, o que se requer.
Das decisões Relação de Guimarães que seguem posição contrária à tomada no Acórdão da Relação de Évora e às decisões de outras jurisdições, que não a portuguesa, citadas pelas decisões do Tribunal da Relação de Guimarães
UUUUUUUU. Importa fazer menção às decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Guimarães (que têm como Ré a aqui Ré Recorrida, e que são ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho), referindo a Ré Recorrida que não ignora que o Tribunal da Relação de Guimarães, de forma muito peculiar, assente em considerações e conclusões não suportadas em factos, mas em teorizações não verificadas nos respetivos Tribunais de primeira instância, e ao arrepio da lei, decidiu de forma diferente, laborando num erro grave de julgamento.
VVVVVVVV. Mais, o Tribunal da Relação de Guimarães, para sustentar o seu entendimento de que existe entre a Ré e os estafetas um contrato de trabalho, no que não se concede, socorre-se de jurisprudência estrangeira que não tem qualquer aplicação no ordenamento jurídico português, sendo que muitas dessas decisões dizem respeito a plataformas que não a Glovo.
WWWWWWWW. Por seu turno, o Tribunal da Relação de Guimarães ignora o Acórdão do TJUE “Yodel”, paradigmático, assim como outros relevantes e que decidiram não reconhecer contratos de trabalho com prestadores de atividade, e que conduziria, inevitavelmente, à confirmação que, atenta a factualidade provada naqueles processos, nomeadamente relativas à autonomia dos prestadores de atividade na execução da atividade, à possibilidade de subcontratação de terceiros para a execução da atividade, etc..
XXXXXXXX. No entendimento do Tribunal da Relação de Guimarães, basta a uma pessoa registar-se e fazer o download da aplicação gerida pela Ré e já deve ter reconhecido um contrato de trabalho, independentemente de ter ou não prestado atividade, porque a mera existência de regras relativas ao registo na aplicação é, no entender daquele Tribunal, a existência de subordinação jurídica, o que não se concede.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 12.º-A DO CÓDIGO DO TRABALHO POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE (ART.º 13.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA)
YYYYYYYY. Sem conceder, caso se venha a considerar verificada a presunção constante do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, o que não se aceita e teoriza para efeitos de patrocínio, a aplicação do disposto no artigo 12.º-A do Código do Trabalho à situação nos presentes autos seria ilegal, porquanto o teor daquele artigo é manifestamente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º n.º 2 e 3 e 61.º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que:
O presente recurso deve ser considerado improcedente por manifestamente infundado e mantida a douta sentença recorrida.”
Foi proferido despacho que admitiu o recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
No presente recurso foram submetidas à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
1.ª-Se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto (ampliação do âmbito do recurso).
2.ª- Se deve ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho, por tempo indeterminado, entre AA e a Ré, com início em 1 de Junho de 2023 (atenta a redução do pedido efectuada no recurso).
3.ª-Procedendo a questão anterior, se o artigo 12.º-A do Código do Trabalho é inconstitucional.
Fundamentação de facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
1) A ré Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda.”, é uma sociedade que tem como objeto social, “desenvolvimento e exploração de uma plataforma tecnológica, comércio a retalho por via eletrónica, comércio não especializado de produtos alimentares e não alimentares, bebidas e tabaco e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica, produtos de dermocosmética, prestação e desenvolvimento de todos os tipos de serviços complementares das atividades constantes do seu objeto social. Realização de atividades de formação, consultoria, assistência técnica, especialização e de pesquisa de mercado relacionadas com o objeto social. Qualquer outra atividade que esteja direta ou indiretamente relacionada com as atividades acima identificadas”.
2) A ré tem como única sócia a sociedade “Glovoapp23, S.L. (com sede em: Barcelona, Espanha).
3) A ré explora uma plataforma tecnológica designada “glovoapp” através da qual estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos que podem ser solicitados por qualquer interessado que à mesma aceda através da internet.
4) Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma, para esse efeito;
5) As funções desempenhadas pelos estafetas consistem na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes e no seu transporte até ao cliente final.
6) Para proteção dos mesmos em caso de lesão ou óbito, durante os serviços de recolha e entrega, a Ré tem um contrato de seguro com a Chubb European Group SE, Sucursal Em Espanha, apólice n.º ESBMN232412;
7) Para lhe serem distribuídas tarefas/pedidos na plataforma da Ré, o estafeta tem que criar uma conta na plataforma, efetuando o respetivo registo na modalidade de utilizador/estafeta.
8) Para tanto tem que demonstrar:
- Ser maior de idade;
- Ter meio de transporte próprio, no caso concreto, bicicleta elétrica;
- Ter documento de identificação;
- Ter comprovativo da atividade aberta nas finanças;
- Aceitar os termos e condições de utilização da plataforma;
9) Mais tem que comprovar perante a Ré a posse de uma mochila térmica, com os requisitos específicos que exige.
10) Ativada a conta, o estafeta descarrega então no seu telemóvel a aplicação Glovo Courriers, através da qual recebe da Ré a indicação do pedido, do estabelecimento onde tem que levantar a encomenda, o valor do serviço, o cliente final e a morada de entrega.
11) A atribuição do pedido é determinada essencialmente em função do critério de distância entre aquele, o estabelecimento e o consumidor.
12) Ao aceitar o pedido de entrega da Ré, o estafeta concorda em realizar a entrega em troca do pagamento do valor proposto na aplicação, designado de “taxa de entrega”.
13) O estafeta recebe da ré, como contrapartida da sua atividade, um valor por cada pedido/entrega que efetua.
14) Valor esse que a Ré fixa tendo em conta os critérios que elegeu, que são os seguintes: - a distância (número de quilómetros do ponto de recolha até ao ponto de entrega);
- O tempo de espera (tempo de espera do estafeta na recolha do pedido).
- O horário (sendo os de maior afluxo mais bem pagos);
- E outras variáveis (no caso de condições meteorológicas adversas, feriados, períodos de alta procura, etc…)
15) A ré exige que o estafeta faça uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos e que cumpra com os padrões de higiene para transporte de alimentos;
16) Mais exigindo que chegado ao cliente final e se este não estiver na morada tenha que esperar 10 minutos e dar nota disso ao suporte técnico da Ré, sendo esses dez minutos contabilizados através de um temporizador que existe na aplicação, e que conta os dez minutos desde o momento em que chegou ao local da entrega, ao que a Ré tem acesso através do GPS que o estafeta liga.
17) A Ré entra em contacto com o cliente final que toma a decisão final quanto à ação a tomar pelo estafeta relativamente àquela entrega.
18) A partir do momento em que o estafeta se coloca na aplicação em modo de disponibilidade a plataforma fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização, sendo este indispensável ao exercício da atividade para a atribuição dos pedidos dos clientes da Ré e para cálculo do valor do serviço.
19) Pois a partir dessa via a Ré sabe onde o estafeta se encontra à espera de algum pedido.
20) Se o estafeta mantiver a geolocalização ligada, é possível à Ré controlar o tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pelo estafeta.
21) A Ré pode avaliar a qualidade da atividade prestada através de um sistema denominado “sistema de reputação”, no qual os clientes finais avaliam os serviços, através de meios eletrónicos inseridos na aplicação, conforme resulta do ponto 9.5 dos “TERMOS E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA GLOVO PARA ESTAFETAS.”.
22) Sendo que o estafeta não tem qualquer intervenção na escolha dos clientes finais, que são clientes da Ré, e dos respetivos pedidos que surgem na aplicação móvel.
23) Podendo a Ré, temporariamente, restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta ao vincular-se aos termos gerais de utilização da aplicação, designadamente, se permitir a utilização de conta por terceiros, sem prévia comunicação, ou for efetuada queixa contra o mesmo relacionada.
24) No dia 27-09-2023, pelas 20:10 horas, AA aguardava no Centro Comercial Spacio, em Lisboa, que a Ré efetuasse alguma encomenda a partir dos estabelecimentos comerciais sitos no Centro Comercial em causa, Spacio, a fim de a entregar no cliente final.
25) Para o efeito, tinha uma bicicleta elétrica com o que faria a entrega, uma mala térmica, onde transportaria a encomenda, o telemóvel acima referenciado, com a aplicação da Ré ativada.
26) Como ocorreu no caso, em que através do telemóvel e da conta criada para o efeito recebeu o pedido que se prestava a levantar.
27) O que lhe iria ser pago por transferência bancária e quinzenalmente.
28) Tendo em vista a prestação dessa atividade, tal como acima referenciado, que aqui se dá por totalmente reproduzido, AA registou-se na plataforma da Ré, escolhendo como área de trabalho a zona da grande Lisboa- Lisboa, Amadora, Oeiras, Cascais e Loures. (redacção já corrigida conforme decisão infra).
29) Para o que, como acima se expôs, criou a conta exigida pela Ré na sua aplicação Glovo Couriers, o que fez através do nome de utilizador por si escolhido, bem como do respetivo código de segurança, após ter demonstrado cumprir os requisitos exigidos pela Ré, tal como em supramencionado e remetido cópia de uma fotografia, do seu IBAN, do comprovativo do início da atividade nas Finanças. (redacção já alterada conforme decisão infra).
30) No processo de registo na plataforma, AA aceitou os Termos e Condições de utilização da plataforma GLOVO para estafetas, documento disponível no site Https://glovoapp.com/docs/pt/legal/terms-couriers/ e que foi junto aos autos com a participação e que aqui se dá por reproduzido.
31) Cada encomenda tem um preço base de € 0, 9 a € 1,10, acrescido do montante de € 0, 24 por quilómetro percorrido até à entrega.
32) A Ré pagava a AA quinzenalmente, por transferência bancária.
33) Para iniciar a sua rotina de trabalho, o AA pegava na mochila, ia de bicicleta para o local onde pretendia fazer a recolha, ligava a plataforma e aguarda que a Ré lhe enviasse os pedidos de entrega.
34) O que, em regra, faz diariamente.
35) Recebido o pedido, AA dirigia-se para o local indicado para levantar a encomenda, recebia-a e dirigia-se ao local de entrega.
36) O que fazia numa bicicleta que é sua pertença.
37) E com uma mochila térmica que podia ou não ter o nome e o logotipo da Ré, que igualmente é sua pertença.
38) Tal como lhe pertence o telemóvel onde tem a aplicação instalada.
39) AA sustentou-se, pelo menos entre junho de 2023 e até janeiro de 2024, data em que por sua iniciativa deixou de prestar serviços para a ré e passou a trabalhar num armazém, na Azambuja, com os valores que lhe foram pagos pela Ré.
40) Pois que o trabalho que realizava para a Ré era a sua única fonte de rendimento.
41) AA registou-se na plataforma a 23 de fevereiro de 2023 e rejeitou pedidos da Ré desde 28 de fevereiro de 2023.
42) AA procedeu a entregas a pedido da Ré, pelo menos, a partir de Junho de 2023.
43) O valor da retribuição de cada entrega depende dos critérios determinados pela Ré: distância, características do pedido e de outros fatores;
44) Tanto a distância como o tempo necessário para a realização do serviço dependem diretamente do ponto de recolha e do ponto de entrega que o cliente selecionar ao efetuar uma encomenda na plataforma.
45) Entre junho e setembro de 2023 AA recebeu da Ré os seguintes valores:
- Em 07-06-2023 AA recebeu da Ré o valor de €340,53
- Em 21-06--2023 AA recebeu da Ré o valor de €423,59
- Em 05-07-2023 AA recebeu da Ré o valor de €667,18.
- Em 24-07-2023 AA recebeu da Ré o valor de €698,75
- Em 4-08-2023 AA recebeu da Ré o valor de €452,25
- Em 16-08-2023 AA recebeu da Ré o valor de €278,68
- Em 31-08-2023 AA recebeu da Ré o valor de €261,12.
- Em 13-09-2023 AA recebeu da Ré o valor de €491,45
- Em 28-09-2023 AA recebeu da Ré o valor de €195,96
46) AA utilizava o multiplicador disponibilizado pela Ré para dentro dos limites fixados diminuir e/ou aumentar o valor base do serviço.
47) Os prestadores de atividade recebem gratificações do cliente.
48) AA pode conectar-se e desconectar-se da aplicação sempre que assim o entender.
49) Não tendo de cumprir qualquer horário predefinido nem de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade.
50) É o estafeta que decide quando quer estar disponível para prestar serviços;
51) Entre fevereiro de 2023 e novembro de 2023 AA recusou mais de 2000 serviços solicitados pela Ré. (doc. Apresentado com req. 20-05-2024)
52) O ponto 9.3 dos termos e condições emitidos pela Ré tem o seguinte teor:
“Geolocalização
Ao utilizar a aplicação fornecida pela GLOVO para a execução da relação e, portanto, para exercer a atividade, a GLOVO pode receber os dados de geolocalização do Estafeta caso o mesmo tenha ativado esta função diretamente no seu telemóvel.
A GLOVO usará os Dados obtidos para prestar os Serviços ao Estafeta e partilhá-los com o Utilizador Cliente e o Estabelecimento Comercial cujo pedido o Estafeta aceitou executar, para que o Utilizador Cliente e o Estabelecimento Comercial possam contactar o Estafeta no caso de algum incidente.
É expressamente indicado que o Estafeta tem total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos para a oferta e especificação dos seus serviços e em nenhum caso a Glovo utilizará esses dados para fins de controlo.”
53. AA pagava uma taxa à Ré pela utilização da plataforma.(aditado conforme decisão infra).
*
Com relevância para a decisão da causa, a sentença considerou que não se provou que:
a) Em média, mensalmente, AA recebesse € 500,00 da Ré
b) AA exercesse a atividade de estafeta para a Ré desde 6 de setembro de 2022.
c) Que AA pagasse uma taxa à ré pela utilização da plataforma. (eliminado conforme decisão infra)
d) Que o serviço de geolocalização tenha que estar ativo durante todo o tempo em que o estafeta presta o serviço.
e) Que a Ré não permitisse que as encomendas que encaminhava ao estafeta fossem entregues por outros estafetas.
*
Da impugnação da matéria de facto.
Como é sabido, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (art.607.º n.º 5 do CPC). Ou seja, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; (…)”.
Assim, independentemente dos princípios da oralidade, da concentração e da imediação, que privilegiam a posição do julgador a quo perante a produção da prova, o princípio da livre apreciação da prova também se aplica ao Tribunal da Relação quando este é chamado a apreciar o recurso da matéria de facto.
E como se sabe, o n.º 1 do artigo 662.º do CPC impõe ao Tribunal da Relação o dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Debruçando-se sobre esta temática, escreve o Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, na obra “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pags. 221 e 222, “Fica seguro que a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”.
E nas páginas 235 e 236 da mesma obra lemos: “É verdade que a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art.º 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.
Mas se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão.”
E como afirma o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.03.2023, proferido no Processo n.º2755/20.7T8FAR.E1.S1, consultável em www.dgs.pt, “(…) I- A 2.ª instância assume-se como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto, com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo.
(…).”
Assim, se a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou constantes do processo impuserem um juízo diverso do formulado pelo Tribunal de 1.ª instância, é dever da Relação modificar a decisão da matéria de facto.
Sucede, porém, que sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto recaem ónus que devem ser observados, sob pena de imediata rejeição do recurso, os quais estão enunciados no artigo 640º do CPC (anterior artigo 685º-B do CPC, embora com algumas alterações).
Sobre esses ónus escreve-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2016, Proc. n.º 3316/10.4TBLRA.C1.S1, consulta em www.dgsi.pt, cujo entendimento temos perfilhado, “1) A impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe ao recorrente que, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil especifique os pontos concretos que considera incorrectamente julgados (a); os concretos meios probatórios constantes do processo, ou de registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida (b); a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (c).
(…).”
Também sobre a mesma norma sublinha o Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, na pág. 128 da obra citada:
“Importa observar que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
Importa, por último, salientar que, relativamente ao ónus a que alude a al. c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 14 de Novembro, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I, de 2023-11-14 uniformizou a jurisprudência no sentido de que “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Apreciemos, então, a pretensão da Recorrida. Entende esta que:
1- Há contradição entre os factos provados sob os números 28 e 41:
Os factos 28 e 41 têm, respectivamente a seguinte redacção:
“28) Tendo em vista a prestação dessa atividade, tal como acima referenciado, que aqui se dá por totalmente reproduzido, a 6 de setembro de 2022, o AA registou-se na plataforma da Ré, escolhendo como área de trabalho a zona da grande Lisboa- Lisboa, Amadora, Oeiras, Cascais e Loures.”
41) AA registou-se na plataforma a 23 de fevereiro de 2023 e rejeitou pedidos da Ré desde 28 de fevereiro de 2023.”
Tem razão a Recorrida. Os factos provados sob 28) e 41) contradizem-se pois, no primeiro, refere-se que AA registou-se na plataforma da Ré em 6 de Setembro de 2022 e, no segundo, afirma-se que o registo na plataforma da Ré ocorreu em 23 de Fevereiro de 2023.
Acresce que o facto provado sob 28) também está em contradição com o facto não provado sob a alínea c) onde se consignou não se ter provado “Que AA exercesse a atividade de estafeta para a Ré desde 6 de setembro de 2022.”
O Tribunal a quo motivou a matéria de facto quanto à data de início da actividade do prestador da actividade nos seguintes termos: “Quanto à data do início da atividade, AA referiu à ACT ter iniciado atividade para a Ré, em abril de 2023, ao tribunal, em sede de audiência, referiu Julho de 2023, o Ministério Público alega a data de 6 de setembro de 2022 e a Ré datou a atividade através da plataforma em 28 de fevereiro de 2023.
Com a participação foi junta uma lista dos estafetas de Lisboa, onde se refere que AA registou-se a 23 de fevereiro de 2023 e teve a primeira ordem no dia 28 de fevereiro de 2023.
A Ré juntou aos autos a lista de recusas de serviços por parte de AA e as primeiras referem-se ao mês de fevereiro de 2023.
Mas no que se refere ao multiplicador só há registo desde Junho de 2023.
Pelo exposto e considerando que os recibos juntos dizem respeito aos meses de junho, julho, agosto e de setembro de 2023, o Tribunal considerou que AA prestou atividade para a Ré desde junho de 2023 a janeiro de 2024 (quanto a esta última data, foi AA que a referiu e não houve qualquer prova em sentido diferente).”
E na fundamentação de direito refere: “De facto, resultou demonstrado que o prestador de atividade se registou na plataforma da ré ainda em fevereiro de 2023.”
Assim, da análise da fundamentação de facto e de direito expendida na sentença recorrida, conclui-se, sem dúvidas, que a data de 6 de Setembro de 2022 a que alude o facto 28) se deve a manifesto lapso, pelo que deverá ser suprimida, eliminando-se, assim, a contradição que encerra com o facto provado 41) e com a al.c) dos factos não provados.
Em consequência, mantém-se o facto provado 41) nos seus precisos termos e altera-se a redacção do facto provado 28) nos seguintes termos:
“28) Tendo em vista a prestação dessa atividade, tal como acima referenciado, que aqui se dá por totalmente reproduzido, AA registou-se na plataforma da Ré, escolhendo como área de trabalho a zona da grande Lisboa- Lisboa, Amadora, Oeiras, Cascais e Loures.”
2- Os factos provados 13) e 45) devem ser alterados e passar a ter a seguinte redacção:
13) O estafeta recebe da ré, como contrapartida da sua atividade, o valor pago pelos clientes utilizadores por cada pedido/entrega que efetua.
45) Entre junho e setembro de 2023, por serviços de entregas propostos através da aplicação da Ré, AA recebeu os seguintes valores:
[…]”
Como meios de prova indicou o depoimento da testemunha da Ré CC e o teor do ponto 5.3.1 dos Termos e Condições de Utilização da Plataforma Glovo para Estafetas.
Vejamos:
Os factos 13) e 45) têm a seguinte redacção:
13) O estafeta recebe da ré, como contrapartida da sua atividade, um valor por cada pedido/entrega que efetua.
45) Entre junho e setembro de 2023 AA recebeu da Ré os seguintes valores: […]
As alterações que a Recorrida pretende que sejam introduzidas aos mencionados factos, com excepção da expressão “o valor pago pelos clientes utilizadores” já resultam da conjugação dos factos provados sob 4), 7),10) e 12), pelo que não se impõe a sua alteração.
Do facto provado 12 resulta que o prestador de actividade, pela realização da entrega, recebe o valor proposto na aplicação designado de “taxa de entrega”.
A testemunha ouvida referiu que a Ré é um plataforma digital que faz a intermediação entre 3 diferentes utilizadores (utilizador cliente, utilizador estafeta e utilizador parceiro), que se o prestador de actividade receber em dinheiro do cliente deposita na conta da Glovo, que o cliente pode pagar por transferência para a Glovo e, nesse caso, a Glovo actua como intermediária. sendo parte do valor para o estabelecimento e parte para o estafeta.
Consequentemente, ficámos sem saber se o valor pago ao prestador de actividade provém apenas do utilizador cliente, como diz a Recorrida, ou se, também, do utilizador parceiro.
Do ponto 5.3.1 dos Termos e Condições de Utilização da Plataforma Glovo para Estafetas (Facturação e Pagamentos) resulta que a Glovo, através de um processador de pagamento, conectar-se-á e actuará como um intermediário nos pagamentos entre utilizadores clientes e Estafetas. Contudo, deste ponto não resulta que o prestador recebe todo o valor pago pelo utilizador cliente que é o que pressupõe a alteração pretendida pela Recorrida.
Assim, não se impõe a alteração da matéria dos factos provados 13 e 45.
3- Os factos provados 14) e 31) estão em contradição com os factos provados 43) e 44).
Invoca ainda que deve dar-se como provado que a Ré Recorrida não fixa o preço, nem montante mínimo ou máximo para tal, dependendo o valor recebido pelo estafeta das características dos pedidos que decide aceitar realizar, sendo as características dos mesmos definidas pelos clientes utilizadores.
Indicou como meios de prova, o depoimento da testemunha da Ré CC.
Os factos provados 14) e 31) têm a seguinte redacção:
“14) Valor esse que a Ré fixa tendo em conta os critérios que elegeu, que são os seguintes:
- a distância (número de quilómetros do ponto de recolha até ao ponto de entrega);
- O tempo de espera (tempo de espera do estafeta na recolha do pedido).
- O horário (sendo os de maior afluxo mais bem pagos);
- E outras variáveis (no caso de condições meteorológicas adversas, feriados, períodos de alta procura, etc…)
31) Cada encomenda tem um preço base de € 0, 9 a € 1,10, acrescido do montante de € 0, 24 por quilómetro percorrido até à entrega.”
Por seu turno, os factos provados 43) e 44) têm a seguinte redacção:
43) O valor da retribuição de cada entrega depende dos critérios determinados pela Ré: distância, características do pedido e de outros fatores;
44) Tanto a distância como o tempo necessário para a realização do serviço dependem diretamente do ponto de recolha e do ponto de entrega que o cliente selecionar ao efetuar uma encomenda na plataforma.”
Salvo o devido respeito, os factos em causa não se contradizem, sendo que se repetem em parte e se completam uns aos outros.
Por fim, a Recorrida não indicou a decisão alternativa para cada um dos pontos da matéria de facto que impugnou, o que apenas faz de modo genérico. Incumpriu, pois, o disposto no artigo 640.º n.º 2 al. c) do CPC, o que determina a rejeição do recurso nesta parte nos termos do artigo 640.º n.º 1 in fine.
4- No facto provado sob 8 se dá como provado que o estafeta tinha como meio de transporte uma bicicleta elétrica e nos factos 25 e 33 já se dá como provado que o estafeta tinha um motociclo.
Nos factos provados sob 8) e 25) consignou-se que AA tinha uma bicicleta eléctrica e no facto provado 33) refere-se que “33) Para iniciar a sua rotina de trabalho, o AA pegava na mochila, ia de bicicleta para o local onde pretendia fazer a recolha, ligava a plataforma e aguarda que a Ré lhe enviasse os pedidos de entrega.”
Consequentemente, nada há a alterar quanto a estes factos.
5- O facto não provado na al. c) deve ser dado como provado.
Como meios de prova indicou o depoimento da testemunha da Ré CC e os pontos 3., 3.1. e 5.3.2 dos Termos e Condições de Utilização da Plataforma Glovo para Estafetas.
O facto não provado da al. c) tem a seguinte redacção:
“c) Que AA pagasse uma taxa à ré pela utilização da plataforma.
Foi motivado pelo Tribunal a quo da seguinte forma:
“O facto referido em c) foi dado como não provado por não ter sido feita qualquer prova sobre o pagamento da taxa e AA ter negado qualquer pagamento à Ré.
Também não foi junto qualquer recibo da Ré em como recebesse qualquer valor pela utilização da plataforma. Aliás, dos recibos também não consta que alguma vez tivesse sido realizada essa cobrança ou existisse algum acerto de contas.”
Ouviu-se o depoimento da testemunha indicada e foi peremptória ao confirmar que todos os utilizadores da plataforma da Ré pagam taxa de utilização, esclarecendo que a taxa paga pelo prestador de actividade é uma taxa pela utilização da plataforma e ainda pelo seguro de danos pessoais.
De acordo com os Termos e Condições de Utilização da Plataforma Glovo para Estafetas:
“3.ªA Plataforma Digital da GLOVO Digital (os «Serviços de Tecnologia»)
3.1 Opções de Serviço
[…]
Serviços incluídos na Taxa de Utilização da Plataforma: - Acesso à plataforma que lhe permitirá oferecer voluntária e livremente os seus serviços de entrega, podendo conectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolher livremente os pedidos que pretende realizar. Esse acesso inclui a possibilidade de prestar os seus serviços a qualquer um dos Utilizadores da Plataforma (Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, etc.), independentemente da empesa do Grupo Glovo (GLOVO e/ou as suas filiais e/ou empresas coligadas) que gere a Plataforma à qual se conectou e sempre de acordo com a disponibilidade do país no qual se conecta. - Acesso a cobertura de seguro durante o período de conexão à Plataforma. - Acesso a apoio e serviço de assistência para qualquer inconveniente técnico que possa ocorrer. - Gestão e intermediação no serviço de recolha e pagamentos. - Aquisição e / ou uso de materiais que podem ser solicitados por você.
[…]
5.3.2 Pagamento e Taxas da GLOVO
Aceita que a sua utilização dos Serviços GLOVO tem um custo associado para os serviços ou produtos que recebe («Encargos»). A GLOVO pode cobrar a seu exclusivo critério uma taxa padrão, uma taxa adicional ou um ajustamento aplicável pela utilização da Plataforma e os custos de ativar o Perfil da sua Conta.
A taxa que tem de pagar corresponderá à utilização dos serviços contratados por si através da Plataforma, ou aos eventuais produtos/bens que pode adquirir através da mesma. Para que conste a utilização dos serviços e os produtos podem ser momentaneamente ou definitivamente suspensos ou desativados na Plataforma, dependendo do país a partir do qual se conecta.
A GLOVO reserva-se o direito de adotar as medidas judiciais e extrajudiciais que considere apropriadas para obter o pagamento dos montantes em dívida.
(…).”
Em consequência, elimina-se dos factos não provados o facto da alínea c) que transita para os factos provados com a seguinte redacção:
“53. AA pagava uma taxa à ré pela utilização da plataforma.”
6- O facto provado 4) deve passar a ter a seguinte redacção:
4) Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes a Ré propõe ao estafeta, que se encontra registado na sua plataforma, o serviço;
Como meios de prova indicou o depoimento da testemunha CC.
O facto provado 4) tem a seguinte redacção:
4) Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma, para esse efeito;
A alteração que a Ré pretende já decorre do facto provado 10 do qual decorre que a Ré indica o pedido e não que impõe ao prestador de actividade a obrigação de aceitar o pedido.
Aliás, como decorre dos factos provados 41 e 51, o prestador de actividade podia e recusava pedidos, donde, não tinha qualquer obrigação de os aceitar.
Não se impõe a alteração do facto provado 4).
7- Os factos provados 9) e 15) não têm correspondência com a realidade.
Da alegação consegue-se retirar que a Recorrida pretende que sejam considerados não provados.
Os factos provados 9) e 15) têm a seguinte redacção:
“9) Mais tem que comprovar perante a Ré a posse de uma mochila térmica, com os requisitos específicos que exige.
15) A ré exige que o estafeta faça uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos e que cumpra com os padrões de higiene para transporte de alimentos.
Indicou o depoimento da mesma testemunha e o teor do ponto 5.1.1., al. n (14) dos Termos e Condições de Utilização da Plataforma Glovo para Estafetas.
Ouvida a testemunha indicada, apenas confirmou que o prestador da actividade usa uma mochila térmica que é pertença do mesmo.
No ponto 5.1.1. (14) dos Termos e Condições consta:
“Para utilizar os Serviços de Tecnologia da GLOVO é necessário registar e criar uma Conta completa, atualizada e ativa. Tal inclui, consoante apropriado, mas sem caráter exaustivo, as seguintes obrigações:
n. No caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta compromete-se a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos.”
A testemunha confirmou que os prestadores de actividade usam mochila térmica.
No ponto 8 dos factos provados consta, além do mais, que o prestador da actividade tem de aceitar os termos e condições de utilização da plataforma. E uma dessas condições é transportar os alimentos em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos. Por isso, seja numa mochila térmica, seja outro recipiente adequado, a exigência de meio de transporte adequado é da Ré, veiculada através dos Termos e Condições de utilização da sua plataforma. Consequentemente, não há que considerar os factos 9) e 15) como não provados.
Consequentemente, não se impõe, a alteração pretendida.
8- O facto provado 17) deve ser considerado não provado e o facto provado 16) deve passar a ter a seguinte redacção:
“O estafeta pode acionar o temporizador de 10 minutos existente na aplicação da Ré para o utilizador cliente recolher o pedido. Esperando o referido período sem que o cliente recolha o pedido, o cliente pagará o serviço de entrega ao estafeta, que receberá a correspondente taxa.”
Como meios de prova indicou o depoimento da testemunha CC e o teor do ponto 5.1.5 e 5.1.7 dos Termos e Condições:
Os factos 16) e 17) têm a seguinte redacção
“16) Mais exigindo que chegado ao cliente final e se este não estiver na morada tenha que esperar 10 minutos e dar nota disso ao suporte técnico da Ré, sendo esses dez minutos contabilizados através de um temporizador que existe na aplicação, e que conta os dez minutos desde o momento em que chegou ao local da entrega, ao que a Ré tem acesso através do GPS que o estafeta liga.
17) A Ré entra em contacto com o cliente final que toma a decisão final quanto à ação a tomar pelo estafeta relativamente àquela entrega.”
Conforme referiu a testemunha a espera dos dez minutos consta dos Termos e Condições de Utilização da Plataforma da Glovo para Estafetas.
Com efeito, no ponto 5.1.5 dos Termos e Condições consta: “Por força dos acordos alcançados com os Utilizadores Cliente, e para efeitos de evitar fraude, no momento da entrega, os Estafetas e Utilizadores Clientes aguardarão dez minutos antes de cancelar um pedido.
Mais referiu a testemunha que não há um procedimento que seja indicado pela plataforma, acrescentando que o prestador de actividade, decorridos que estejam os 10 minutos, pode, se assim o entender, entrar em contacto com o cliente ou com a Ré e esta entra em contacto com o cliente, aparecendo um temporizador com 10 minutos a informar que o prestador está à espera do cliente.
O ponto 5.1.7 dos Termos e Condições refere que “5.1.7 O Estafeta reconhece que na sua capacidade de prestador de serviços é o único responsável pelo resultado desses serviços, que poderá resultar em custos adicionais associados a: cancelamentos, violações de serviço, impossibilidade de prosseguir ou concluir um pedido, compensação a outros Utilizadores pelo risco decorrente da sua atividade, etc., que serão sempre suportados a suas expensas.”
Sucede que a Recorrida não pôs em causa a prova que sustentou a convicção do Tribunal a quo quanto a este facto.
Sopesando a prova, conclui-se que não se impõe a alteração daqueles factos.
10- Do facto provado 29 deve ser dado como não provado que a Ré requer que lhe seja “remetido copia do seu registo criminal”.
Invoca para tanto que, em momento algum, o estafeta teve de remeter “copia do seu registo criminal” nem tal é exigido pela Ré Recorrida, nem tal exigência consta dos referidos Termos e Condições ou de qualquer outro documento.
O facto provado 29 tem a seguinte redacção:
29) Para o que, como acima se expôs, criou a conta exigida pela Ré na sua aplicação Glovo Couriers, o que fez através do nome de utilizador por si escolhido, bem como do respetivo código de segurança, após ter demonstrado cumprir os requisitos exigidos pela Ré, tal como em supramencionado e remetido copia do seu registo criminal, de uma fotografia , do seu IBAN, do comprovativo do início da atividade nas Finanças.”
Relativamente a este facto baseou-se a Recorrida no teor do facto provado n.º 8.
Do facto provado n.º 8 consta:
8) Para tanto tem que demonstrar:
- Ser maior de idade;
- Ter meio de transporte próprio, no caso concreto, bicicleta elétrica;
- Ter documento de identificação;
- Ter comprovativo da atividade aberta nas finanças;
- Aceitar os termos e condições de utilização da plataforma;”
A matéria do facto provado 8 não impede que AA tenha remetido cópia do seu registo criminal à Ré e a solicitação desta.
Contudo, na motivação de facto nada consta sobre esta matéria.
Assim, considerando os requisitos necessários para registo na plataforma da Ré e que estão elencados no facto provado 8.º, altera-se o facto provado 29 que passa a ter a seguinte redacção:
“29) Para o que, como acima se expôs, criou a conta exigida pela Ré na sua aplicação Glovo Couriers, o que fez através do nome de utilizador por si escolhido, bem como do respetivo código de segurança, após ter demonstrado cumprir os requisitos exigidos pela Ré, tal como em supramencionado e remetido copia de uma fotografia, do seu IBAN, do comprovativo do início da atividade nas Finanças.”
11- Os factos provados 18) e 20) devem ter a seguinte redacção:
“18) O sistema de geolocalização, é indispensável apenas para oferta dos pedidos dos clientes finais, podendo ser desligado de imediato, até que o estafeta pretenda conectar-se novamente para receber novo pedido; Ou 18) A partir do momento em que o estafeta se coloca na aplicação em modo de disponibilidade, a plataforma pode saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização, sendo aquele indispensável apenas para oferta dos pedidos dos clientes finais, podendo ser desligado de imediato, até que o estafeta pretenda conectar-se para receber novo pedido.
20) Caso o estafeta mantenha, por sua vontade, a geolocalização ligada, a Ré não controla, nem o tempo de entrega dos pedidos, nem o percurso efetuado pelo estafeta.
Indicou o depoimento da mesma testemunha.
Os factos provados 18 e 20 têm a seguinte redacção:
18) A partir do momento em que o estafeta se coloca na aplicação em modo de disponibilidade a plataforma fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização, sendo este indispensável ao exercício da atividade para a atribuição dos pedidos dos clientes da Ré e para cálculo do valor do serviço.”
20) Se o estafeta mantiver a geolocalização ligada, é possível à Ré controlar o tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pelo estafeta.”
Dos factos provados 18 e 20 não decorre, de modo nenhum, que o prestador da actividade é obrigado a ter a geolocalização ligada.
E foi considerado como não provado “Que o serviço de geolocalização tenha que estar ativo durante todo o tempo em que o estafeta presta o serviço.”
Acresce que o depoimento da testemunha não pôs em causa que o prestador de actividade só consegue aceder aos pedidos de entrega se estiver ligado à aplicação e que, no caso de estar ligado, a plataforma ficará a saber qual é a sua localização, sendo que o número de quilómetros do ponto de recolha ao ponto de entrega também terá influência na fixação do valor do serviço (cfr. facto provado 14), o que pode ser aferido caso o prestador de actividade opte por manter a geolocalização ligada.
Não se impõe, pois, a alteração dos factos em causa.
12- Os factos 19 e 22 devem ser considerados não provados.
Indicou o depoimento da testemunha CC.
Os factos 19 e 22 têm a seguinte redacção:
“19) Pois a partir dessa via a Ré sabe onde o estafeta se encontra à espera de algum pedido.
20) Se o estafeta mantiver a geolocalização ligada, é possível à Ré controlar o tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pelo estafeta.
O depoimento da testemunha não põe em causa esta matéria.
Aliás, sobre esta matéria, a questão fundamental que se poderia colocar é a de saber se o prestador de actividade é obrigado a manter o sistema de geolocalização sempre ligado ao longo da execução do serviço, o que nem resulta da factualidade provada.
Improcede a pretendida alteração.
Em consequência, apenas parcialmente procede a impugnação da matéria de facto.
Fundamentação de direito
Analisemos, agora, se deve ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho, por tempo indeterminado, entre AA e a Ré, com início em 1 de Junho de 2023 (atenta a redução do pedido efectuada no recurso).
Sobre a questão, depois de considerar que a norma do artigo 12.º-A do Código do Trabalho não é inconstitucional e ser aplicável ao caso o mencionado artigo, concluiu a sentença recorrida que “o Ministério Público logrou demonstrar a ocorrência de mais do que duas característica que fazem presumir a existência de contrato de trabalho nos termos do art.º 12º-A do Código do Trabalho, correspondentes às previstas nas suas alíneas a), b), c), e) e f) entre a Ré e AA, entre junho de 2023 e janeiro de 2024.”
Contudo, considerou a sentença que a Ré ilidiu a presunção de laboralidade o que fundamentou nos seguintes termos:
“3.3. Da ilisão da presunção:
Conforme resulta expressamente do n.º 4 do art.º 12.º A do Código do trabalho esta presunção de laboralidade é ilidível, ou seja, a Ré pode demonstrar que não obstante as referidas características, que fazem presumir a existência de um contrato de trabalho, AA prestava a atividade de estafeta para a Ré com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar da Ré.
De facto, a autonomia contrapõe-se à subordinação típica de um contrato de trabalho, por seu turno, o controlo, o poder de direção e o poder disciplinar são manifestações do que está subjacente ao contrato de trabalho: porque o que releva é a atividade em si, em contraponto ao contrato de prestação de serviço em que o objeto do contrato é o resultado da atividade, tudo aliás conforme resulta do disposto nos artigos 11.º do Código do Trabalho e do art.º 1152.º do Código Civil que definem respetivamente o que é o contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços.
Olhando aos factos dados como provados e não provados temos que concluir que, não obstante todos referidos indícios AA exerce a sua atividade de estafeta com verdadeira autonomia pois ligava-se e desligava-se da plataforma da Ré quando queria, para assim aceitar os pedidos da Ré e quando estava ligado, aceitava ou recusava os serviços quando entendia e desejava, sem que tivesse de dar qualquer justificação ou fosse penalizado, por isso.
No caso concreto, AA recusou entre fevereiro e novembro de 2023 mais de 2000 serviços solicitados pela Ré.
Acresce que não tinha qualquer dever de exclusividade e pode
Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Évora já citado, numa situação idêntica à destes autos “Esta factualidade é impressiva para afastar a existência de qualquer subordinação jurídica do estafeta em relação à Ré”.
Não se olvida que a Ré determina a forma como a atividade é prestada já que ao aceitar realizar uma entrega o estafeta tem que cumprir as regras específicas e padronizadas para o efeito, sendo que o facto de poder optar por uma rota , no caso, é manifestamente irrelevante pois estando o preço já fixado pela Ré o estafeta racionalmente vai optar pela rota mais rápida e/ou que implique menos custos – sendo que com as aplicações informáticas existentes hoje em dia a rota mais rápida já se encontra definida, não exigindo, por isso, do estafeta qualquer aptidão especial. Ainda assim, as regras são fixadas sobre a atividade na medida do necessário para atingir o objetivo, qual seja a entrega da encomenda, e não sobre o próprio trabalhador.
Aliás, é completamente indiferente para a Ré que seja um ou outro estafeta a realizar a entrega, tanto que o estafeta pode subcontratar, pois o que a ré pretende é que essa entrega – que acordou com o seu cliente - seja o mais eficiente possível, motivo pelo qual organiza o seu próprio serviço.
Acresce que foi DD quem escolheu a zona geográfica onde pretendeu prestar a atividade, no caso, na área da grande Lisboa e através do meio de transporte que já tinha: uma bicicleta. Por outro lado, todos os instrumentos à exceção da plataforma – que, na verdade, é essencial ao serviço do modo como a Ré pretende prestar este serviço aos seus clientes, pertencem-lhe.
No que à avaliação diz respeito, demonstrou-se que os clientes podem fazer a avaliação e não restam dúvidas de que a própria ré tem acesso a essa avaliação e que de acordo com os algoritmos que utiliza pode fazer uso dessa avaliação, mas na verdade não se fez qualquer prova essa avaliação tivesse alguma influência na relação existente entre o estafeta e a Ré.
Finalmente e no que se refere ao indício da existência de poder disciplinar, porquanto se demonstrou a possibilidade de a ré desativar temporariamente ou permanentemente a conta do estafeta, não passa mesmo de um indício pois qualquer utilizador de qualquer plataforma informática está sujeito a essa situação. Ou seja, é uma manifestação necessária de um poder não de um empregador mas de um proprietário de uma plataforma digital.
Em suma, atendendo ao facto de o estafeta não estar sujeito a um dever de assiduidade e pontualidade (não tem que estar sempre disponível, liga-se e desliga-se da plataforma para ficar apto a que lhe sejam atribuídos pedidos pela Ré, quando quer), não estar sujeito a um dever de exclusividade, ou sequer a um dever de não concorrência, o facto de poder aceitar e/ou recusar os pedidos quando quer, sem que por isso sofra qualquer consequência – pelo menos que se tenha apurado - permitem concluir que AA trabalhou para a Ré com autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e disciplinar, pelo que se mostra ilidida a presunção.
Importa apenas referir que no caso concreto, mostrou-se existir dependência económica do estafeta à Ré enquanto prestou a sua atividade para esta, pois, não obstante poder trabalhar para outras empresas, não o fazia, vivendo assim durante o tempo que prestou atividade para a Ré, economicamente dependente desta. Porém, a dependência económica não conduz inexoravelmente à conclusão de que estamos perante uma relação de trabalho subordinado. Com efeito, o art.º 10.º do Código do Trabalho prevê precisamente que as normas legais de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situação em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário
Em conclusão, a Ré logrou ilidir a presunção demonstrando que AA prestou a sua atividade com autonomia pelo que improcede a pretensão deduzida pelo Ministério Público de ver reconhecida a existência de um vínculo laboral entre aquele e a Ré desde 1 de Junho de 2023.
Fica, assim, prejudicada a necessidade do reenvio prejudicial a que se alude na contestação.”
Invoca o Recorrente, em suma, que: os estafetas, onde se integra AA prestam para a Glovoapp a actividade acima descrita, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, pois a Glovoapp paga, quinzenalmente, através de transferência bancária, diretamente ao estafeta, o que tudo integra a presunção estabelecida no artigo 41, al a); É a Glovoapp que determina as regras específicas quanto à prestação da actividade por parte do estafeta: os termos e condições de utilização da plataforma para os estafetas foram e estão predefinidos pela Glovoapp; a plataforma digital controla e supervisiona a prestação da actividade do estafeta incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da actividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica, a actuação do estafeta é controlada em tempo real através de GPS, ou seja, a localização exata do prestador de actividade é conhecida pela plataforma da Glovoapp através do sistema de geolocalização, o que integra a presunção estabelecida no artigo 41, al b); a plataforma digital exerce o poder disciplinar sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras actividades na plataforma através de suspensão ou desativação da conta, o que agora integra a presunção estabelecida no artigo 41 al e); a aplicação informática (App) da Glovoapp é um instrumento de trabalho essencial ao seu negócio e é utilizado pelos diferentes utilizadores da plataforma; toda a actividade do estafeta é realizada com base nessa aplicação que o estafeta tem que instalar no seu telemóvel, aplicação essa que é propriedade da Glovoapp que é por si desenvolvida, suportada e mantida, o que, por último, integra a presunção estabelecida no artigo 41 al f). Mais alegou que a Glovoapp não ilidiu as referidas presunções, pois tem como fim a prestação de um serviço de recolha e entregas, fixa o preço e as condições do pagamento do serviço, assim como as condições essenciais para a prestação do referido serviço, os estafetas não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma, prestando os seus serviços enxertados na organização de trabalho da Glovoapp, submetidos à sua direcção e organização, como demonstra o modo como estabelece os preços dos serviços de entrega, a prestação de trabalho do estafeta está sujeita a uma organização do trabalho determinada pela Glovoapp que estabeleceu meios de controle do processo produtivo em tempo real que operam sobre a actividade e não apenas sobre o resultado final, mediante a gestão algorítmica do serviço e a possibilidade de conhecer constantemente a geolocalização dos estafetas, o que evidencia a ocorrência do requisito da dependência e subordinação jurídica própria da relação laboral. E concluiu que a actividade levada a cabo pelo estafeta AA, através da plataforma da Ré, reveste aquelas características previstas no supra citado artigo 12.º-A do Código do Trabalho, o que implica que se presuma a existência de um contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.
Comecemos por determinar qual a lei aplicável ao caso.
Nas contra-alegações, vem a Recorrida sustentar que a data em que o interveniente acidental se registou na plataforma da Ré, aceitando os respectivos termos e condições, é anterior à data da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023, de 03.04, pelo que, à luz da doutrina do Supremo Tribunal de Justiça e atento o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil e na Diretiva (UE) 2024/2831 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2024, publicada no dia 11.11.2024, não é de aplicar o disposto no artigo 12º-A do Código do Trabalho, pelo que, o recurso intentado pelo Autor/ Recorrente, deve improceder.
Vejamos:
O artigo 12.º-A do Código do Trabalho foi aditado pela Lei n.º 13/2023, de 03/04 (cfr. artigo 13.º) que procede, além do mais, à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019, relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia, que altera o Código do Trabalho e legislação conexa, no âmbito da agenda do Trabalho Digno e que entrou em vigor no dia 1 de Maio de 2023 (cfr. artigo 37.º n.º 1).
Na petição inicial, o Ministério Público peticionou que fosse reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre AA e a Ré com início a 6 de Setembro de 2022.
Posteriormente, no recurso que interpôs, o Ministério Público reduziu o pedido pedindo que esse reconhecimento se reportasse a Junho de 2023.
Como dispõe o artigo 265.º n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido…”
Sobre esta norma escrevem os Professores José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pag.514: “Livre é a redução do pedido, pelo autor (ou pelo réu reconvinte), em qualquer altura (na 1.ª instância ou em recurso), o que equivale a uma desistência parcial do pedido (art.283-1).
Ora, a acção foi intentada pelo Ministério Público ao abrigo do disposto nos artigos 15º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro (aprova o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social) e nos artigos 186º-K e segs. do CPT.
Trata-se de uma acção de simples apreciação de reconhecido “cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º 186.º-O do Código de Processo do Trabalho.”- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.2018, Proc. n.º17240/17.6T8LSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
Não obstante a natureza pública desta acção e não ser permitida a desistência de direitos indisponíveis (artigo 289.º n.º 1 do CPC), tendo a relação estabelecida entre AA e a Ré cessado em Janeiro de 2024 e o recurso sido interposto em 25.10.2024, isto é, depois de cessada a relação contratual, entendemos que tal limitação não é de aplicar.
Assim, está em causa apurar se deve ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre AA e a Ré a partir de Junho de 2023 como já definido no objecto do recurso.
Contudo, essencial para a qualificação da relação jurídica que vinculou as partes é o regime jurídico existente no momento da sua constituição, salvo se, como tem sido entendimento consolidado do Supremo Tribunal de Justiça, da factualidade provada resultar ter ocorrido uma alteração na configuração dessa relação (cfr. entre outros, o Acórdão de 4.7.2018, proferido no Proc. nº 1272/16.4T8SNT.L1.S1, que vem citado pela Recorrida e consultável em www.dgsi.pt).
Com efeito, como se escreve no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.01.2025, proc. 31164/23.4T8LSB.L1-4, pesquisa em www.dgsi.pt:
“I. Distinto do pedido de reconhecimento da existência do contrato de trabalho e âmbito temporal a partir do qual se peticiona a produção dos respectivos efeitos, é o regime jurídico que deve ser eleito para o seu enquadramento, sendo este definido em função do momento em que se constituiu a relação jurídica.
II. Constituindo-se a relação jurídica entre a plataforma digital e o prestador de actividade em data anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Trabalho pela Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril, não é convocável, no seu enquadramento, a nova presunção estabelecida no art.º 12.º-A, daquele compêndio substantivo.
No mesmo sentido sumariou-se no Acórdão do Tribunal desta Relação de 15.01.2025, Proc. n.º 29383/23.2T8LSB.L1, igual pesquisa: “1 – A presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável apenas às relações estabelecidas após a entrada em vigor da lei que a introduziu no ordenamento jurídico nacional.
(…).”
No presente caso, ficou provado que AA registou-se na plataforma da Ré a 23 de Fevereiro de 2023 e rejeitou pedidos da Ré desde 28 de Fevereiro de 2023 (facto provado 41), que AA procedeu a entregas a pedido da Ré, pelo menos, a partir de Junho de 2023 (facto provado 42) e que, entre Junho e Setembro de 2023 AA recebeu da Ré os seguintes valores: em 07-06-2023 AA recebeu da Ré o valor de €340,53; em 21-06--2023 AA recebeu da Ré o valor de €423,59; em 05-07-2023 AA recebeu da Ré o valor de €667,18; em 24-07-2023 AA recebeu da Ré o valor de €698,75; em 4-08-2023 AA recebeu da Ré o valor de €452,25; em 16-08-2023 AA recebeu da Ré o valor de €278,68; em 31-08-2023 AA recebeu da Ré o valor de €261,12; em 13-09-2023 AA recebeu da Ré o valor de €491,45; e em 28-09-2023 AA recebeu da Ré o valor de €195,96 (facto provado 45).
Perante a citada factualidade é certo dizer que a relação jurídica se estabeleceu em 23 de Fevereiro de 2023, data em que AA se registou na plataforma da Ré e, consequentemente, aceitou os Termos e Condições de Utilização da Plataforma Glovo para Estafetas. Porém, da mesma factualidade não se extrai que, entre 28 de Fevereiro de 2023 e o início de Junho de 2023, AA exerceu qualquer actividade para a Ré, sendo seguro afirmar que apenas o fez a partir de Junho de 2023. Assim, perante este cenário, desconhecendo-se que actividade exerceu AA entre 28 de Fevereiro de 2023 e Junho de 2023, entendemos que apenas esta última data releva para efeitos da qualificação da relação jurídica que se estabeleceu entre as partes.
E nesta sequência impõe-se concluir, como faz a sentença recorrida, que ao caso é aplicável a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º-A, aditado ao Código do Trabalho de 2009 pela Lei n.º 13/2023, de 03.04.
Regressando ao objecto do recurso.
De acordo com o artigo 1152º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
O artigo 11.º do Código do Trabalho define o contrato de trabalho como sendo “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade desta.”
Por seu turno, o contrato de prestação de serviços está definido no artigo 1154º do Código Civil, nos seguintes termos: “Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
Como vem sendo entendido, o que verdadeiramente diferencia o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a existência de subordinação jurídica que enforma aquele e não este.
Sobre a figura da subordinação jurídica, escreve António Monteiro Fernandes, em “Direito do Trabalho”, 16.ª Edição, Almedina, pág. 114: “A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das regras que o regem”.
Assim, a subordinação jurídica, traço característico e distintivo do contrato de trabalho de outras figuras contratuais, traduz-se na dependência e sujeição do prestador da actividade face às ordens, autoridade e instruções de quem contrata essa actividade. Ou seja, no contrato de trabalho o credor da prestação impõe dentro dos parâmetros e regras do contrato e sobre o prestador da actividade recai a obrigação de acatar em consonância com essa imposição.
Sucede, porém, que, na maioria das vezes, a realidade da vida não permite que, facilmente, se consiga apreender, nas relações contratuais, o elemento subordinação jurídica, daí que, para fazer face a essa dificuldade, acrescida com a permanente evolução social, a jurisprudência e a doutrina se tenham socorrido, ao longo dos anos, do denominado método indiciário para aferir da existência de um contrato de trabalho.
E para facilitar essa demanda, o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2002 de 27 de Agosto, veio introduzir no seu artigo 12.º a denominada presunção de laboralidade, determinando presumir-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente, se verificassem as cinco circunstâncias que enumerava.
A mencionada norma foi alterada pela Lei n.º 9/2006 de 20 de Março, mas a alteração introduzida pouco adiantou posto que, a verificarem-se os requisitos a que aludia estaríamos já perante um contrato de trabalho e não perante uma presunção de laboralidade.
O Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, manteve a presunção de laboralidade dispondo o seu artigo 12.º o seguinte:
“1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
(…).”
Perante o vocábulo “algumas”, temos entendido que, para que opere a presunção de laboralidade basta que se verifiquem, pelo menos, duas das circunstâncias que a norma enuncia.
Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 08.10.2015, Proc. n.º 292/13.5TTCLD.C1.S1, in www.dgsi.pt, “ (…). II – A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art.º 12º, do Código de Trabalho de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art.º 350º, do Código Civil.
III – Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do nº 2, do art.º 350º, do Código Civil. Prova a cargo do empregador, se pretender ilidir a presunção. Caso em que lhe caberá provar que a situação em causa não constitui um contrato de trabalho, antes reveste as características de um contrato de prestação de serviço, dada a autonomia com que é exercida.”
Visando acompanhar a evolução tecnológica e social e as formas, cada vez mais complexas, de prestar trabalho que daquelas resultam, o artigo 12.º-A do Código do Trabalho veio estatuir a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital
Estatui o artigo 12.º-A do Código do Trabalho:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.
2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.
3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.”
Ora, antes de mais, importa relembrar que a sentença recorrida considerou provados as características referidas nas alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho (certamente por lapso, refere o Ministério Público o artigo 41.º) e concluiu que se presumia a existência de contrato de trabalho entre AA e a Ré. Porém, mais considerou que a Ré ilidiu essa presunção e, em conformidade com esse entendimento, absolveu a Ré do pedido.
Não tendo a Ré requerido a ampliação do âmbito do recurso quanto aos mencionados fundamentos da presunção de laboralidade, limitando-se a impugnar a decisão que recaiu sobre a matéria de facto, entendemos que resta apenas apurar se a Ré ilidiu a presunção de laboralidade resultante da verificação daquelas circunstâncias.
Nos termos do n.º 4 do artigo 12.º-A do CT, “A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.”
Nos termos do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil, “As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.”
Invoca o Recorrente que a Ré paga quinzenalmente, mediante transferência bancária, directamente ao estafeta, o que efectivamente resulta dos factos provados.
Sucede, porém, que dos factos provados também se retira que o prestador de actividade aceitava os serviços de entrega que bem entendesse, que recebia, em contrapartida da sua actividade, um valor por cada pedido, isto é, recebia “à peça” e que a remuneração que auferia quinzenalmente dependia do número de serviços que entendesse realizar para a Ré, além de que podia alterar o valor proposto pela Ré mediante a aplicação de um multiplicador. Ou seja, não obstante a definição de critérios por parte da Ré para determinar o valor de cada entrega, no fim de contas, era o prestador da actividade que determinava o valor que a Ré lhe iria pagar quinzenalmente, aceitando realizar mais ou menos entregas (cfr. factos provados 12, 13, 45, 47 a 51). Donde, o facto índice da alínea a) esbateu-se face aos mencionados factos negativos de laboralidade provados pela Ré.
Mais invoca o Recorrente que é a Ré quem determina as regras específicas quanto à prestação da actividade por parte do estafeta e que os termos e condições de utilização da plataforma para os estafetas foram e estão predefinidos pela Glovoapp.
É certo que para exercer a actividade para a Ré, AA teve de aderir aos Termos e Condições de Utilização da Paltaforma Glovo para Estafetas. Mas, salvo o devido respeito, tal conclusão é insuficiente para se concluir pela existência de um contrato de trabalho, pois o exercício de qualquer actividade exige um mínimo de regulação. E também os utilizadores clientes e utilizadores parceiros aderem a condições definidas pela Ré, o que não determina que com ela tenham estabelecido um contrato de trabalho.
Alega ainda o Recorrente que a plataforma digital controla e supervisiona a prestação da actividade do estafeta incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da actividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica, que a actuação do estafeta é controlada em tempo real através de GPS e que a localização exacta do prestador de actividade é conhecida pela plataforma da Glovoapp através do sistema de geolocalização.
Porém, dos factos provados 18), 19), 20,) 48), 50) e 52), resulta que o prestador de actividade não é obrigado a ter o sistema de geolocalização ligado, conecta-se e desconecta-se quando bem entende, pelo que, a afirmação do Recorrente vale apenas no caso de o prestador de actividade optar por manter aquele sistema de geolocalização ligado. É certo que se pode argumentar no sentido de que se o prestador de actividade não estiver ligado à plataforma não pode receber pedidos. Mas não é menos certo que, durante a execução da actividade, não está obrigado a estar ligado à plataforma, o que evidencia autonomia na execução da actividade.
Quanto à possibilidade de avaliação, por parte da Ré, do prestador de actividade, nada se provou quanto aos fins da mesma, o que torna tal índice inócuo para a qualificação do contrato.
No que concerne à invocação de que a plataforma digital exerce o poder disciplinar mediante a suspensão ou desactivação da conta, há que atentar no que estipula o ponto 5.4.2. dos “Termos e Condições de Utilização da Plataforma GLOVO para Estafetas”: “A GLOVO pode, mas não é obrigada, a monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A GLOVO reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições”.
Como referimos no Acórdão proferido em 26 de Fevereiro de 2025 no Proc. n.º 30191/23.6T8LSB.L1, em que figura como Ré a ora Ré, relatado pela ora relatora e em que interveio como Adjunto o Exmo. Desembargador ora 1.º Adjunto, a cláusula em causa revela a possibilidade de a Ré resolver o contrato e desactivar a conta quer de utilizadores clientes, quer de utilizadores prestadores, pelo que esta paridade não nos permite concluir pela existência de um poder disciplinar, mas sim de um poder de resolver o contrato no caso de violação das cláusula contratuais, como é permitido a qualquer contratante.
Dos factos provados ainda resulta que AA escolheu como área de trabalho a zona da grande Lisboa-Lisboa Amadora, Cascais e Loures (facto provado 28). Ou seja, o prestador de actividade definiu, unilateralmente, o seu local de trabalho, o que não é próprio de uma relação laboral.
E se, como refere a sentença recorrida, a plataforma é um instrumento de trabalho essencial ao exercício da actividade, também o são o telemóvel e a mochila que pertencem ao prestador de actividade.
Por outro lado, face ao facto provado 48) podemos afirmar que é o prestador de actividade quem define a sua disponibilidade para exercer a actividade, pois é ele que decide quando conectar-se e desconectar-se da aplicação, sem que se tenha provado qualquer consequência que dai advenha.
Mais, AA não tinha que cumprir um horário (facto provado 49), não estando, pois, sujeito aos deveres de assiduidade e de pontualidade, próprios do contrato de trabalho. E não vemos que, pelo facto de uma das partes no contrato ser uma plataforma digital esses deveres se esvaziem. Acresce que também se provou que o prestador de actividade não tem de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade (facto provado 49), o que significa que trabalha quando quer, o tempo que quer e nas horas que melhor lhe dão jeito, o que não se compadece com uma relação laboral.
E provou-se que é o prestador de actividade quem decide quando quer estar disponível para prestar serviços (facto provado 50), o que vem confirmar a conclusão anterior.
Outro elementos negativo de laboralidade que resultou provado é o que se refere à circunstância de entre Fevereiro de 2023 e Novembro de 2023, AA ter recusado mais de 2000 serviços solicitados, o que significa que o prestador de actividade é livre de não aceitar serviços para determinados utilizadores clientes da Ré, recusa que não se enquadra numa relação laboral.
Por fim, ficou provado que, para aceder à aplicação da Ré e serem-lhe propostos serviços, AA pagava a denominada taxa de utilização (facto provado 53), o que é inconcebível numa relação laboral; nenhum trabalhador paga para trabalhar.
Assim, face à factualidade que enunciámos, é de concluir, como concluiu a sentença recorrida, que a Ré provou que AA desenvolveu a sua actividade com efectiva autonomia, ilidindo, assim, a presunção de laboralidade.
Prejudicado fica o conhecimento da segunda questão suscitada no recurso.
Em suma, improcede o recurso devendo a sentença ser confirmada.
Decisão
Face ao exposto, acorda-se em:
1- Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto nos termos supra mencionados.
2- Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Sem custas por delas estar isento o Recorrente (artigo 4.º n.º 1 al. a) do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique e registe.

Lisboa, 9 de Abril de 2025
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Leopoldo Soares
Manuela Bento Fialho que vota vencida nos seguintes termos:
“O tema principal do acórdão é a ilisão da presunção de laboralidade consignada no Art.º 12ºA do CT.
Consideraram-se preenchidos (sem discussão) os factos base constantes das alíneas a), b), c), e) e f) do Art.º 12ºA.
Não está, pois, em questão aquilatar da existência de subordinação jurídica. Essa está presumida e, com ela, a existência de um contrato de trabalho.
Cumpre, assim, à Apelada R. carrear para os autos factos que permitam concluir pela efetiva autonomia do prestador, ou seja, que o mesmo não está sujeito a controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata (Art.º 12ºA/4).
Considero que a matéria cuja prova se obteve não é suficiente para o efeito, nomeadamente não afastando a existência de poderes de controlo e direção, do que resulta não ser efetivamente autónomo o prestador, pelo que reconheceria a existência de um contrato de trabalho.”