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PLATAFORMA DIGITAL
CONTRATO DE TRABALHO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
INDÍCIOS
Sumário
1 – A ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, embora prosseguindo também interesses públicos, não envolve decisão sobre interesses imateriais, pelo que o valor da causa não é o que a lei processual civil define para tal tipo de ações. 2 – É legítimo, na ausência de outros elementos, o recurso ao critério constante do Art.º 186ºQ do CPT, muito embora esta disposição não seja diretamente aplicável à determinação do valor da causa. 3 – A declaração de existência de contrato de trabalho envolvendo uma plataforma digital não dispensa, caso não seja aplicável qualquer presunção de laboralidade, o recurso ao método indiciário ou tipológico para aferir da subordinação jurídica. 4 – A subordinação jurídica continua a ser a principal característica diferenciadora do contrato que envolva prestação de atividade a terceiro. 5 – Da atual noção de contrato de trabalho decorre a inserção do prestador numa certa organização com subordinação a regras que exprimam a autoridade dessa organização. 6 – Reconhecendo-se, embora, algum nível de integração do prestador de atividade na organização do beneficiário, sem que os autos revelem o exercício de poderes de autoridade por este, não se pode concluir pela existência de um contrato de trabalho entre ambos.
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., Ré nos autos acima referenciados, em que é Autor o Ministério Público, notificada da sentença que julgou a ação procedente e, consequentemente, reconheceu a existência de uma relação de trabalho entre a Ré e os prestadores de atividade visados, não se conformando com a sentença proferida, vem interpor Recurso de Apelação.
Pede:
a) Deverá ser atribuído a cada uma das ações o valor de €30.000,01;
b) Alterar-se a decisão sobre a matéria de facto, nos termos indicados;
c) Revogar-se a sentença recorrida, não sendo reconhecida a existência de qualquer contrato de trabalho entre a Recorrente e os prestadores de atividade visados, os Srs. AA e BB.
Apresentou, após convite ao aperfeiçoamento, as seguintes conclusões:
a) Valor da ação
1) Numa ação de reconhecimento do contrato de trabalho deve aplicar-se o artigo 303.º, n.º 1, do CPC e, consequentemente, deverá ser atribuída o valor de €30.000,01 (art.º 44 n.º 1 da Lei n.º 62/2013) a cada uma das ações, por estar em causa o interesse imaterial de segurança no emprego (art.º 53 da CRP).
b) Recurso da matéria de facto
2) Como se evidencia em virtude das presentes alegações, existem factos que foram erradamente dados como provados e factos relevantes para a decisão da causa que se provaram e que deveriam, por isso, ser dados como provados, não tendo a sentença recorrida feito um correto uso dos poderes conferidos ao juiz no âmbito da decisão da matéria de facto, previstos no artigo 607º, nos 4 e 5, do CPC .
3) Nesse sentido, deve alterar-se a decisão sobre a matéria de facto, em linha com o preconizado no Recurso da matéria de facto, que por economia processual aqui não se reproduz; em resumo:
4) O Ponto 6 dos Factos Provados deverá passar a ter o seguinte teor: “Para quem se deseje inscrever como “estafeta”, é necessária a sua submissão a um procedimento de registo na plataforma”.
5) O Ponto 18 dos Factos Provados deverá passar a ter o seguinte teor: “A plataforma apresenta a oferta de entrega ao “estafeta” melhor posicionado, com a indicação do valor final a pagar em função da distância a percorrer entre os pontos de recolha e de entrega”.
6) O Ponto 19 dos Factos Provados deverá passar a ter o seguinte teor: “O estafeta que recebe a oferta de entrega pode aceitá-la, ignorá-la ou recusá-la (sem necessidade de justificar a causa), sem que deixe de continuar a receber novas propostas enquanto se mantiver ligado à aplicação, podendo, ainda, até à recolha do produto, cancelar uma proposta previamente aceite”.
7) O ponto 23 dos Factos Provados deverá passar a ter o seguinte teor: “Este sistema GPS permite aos clientes acompanhar a sua encomenda a partir do momento em que o “estafeta” a recolhe, caso este o mantenha ligado durante toda a entrega”.
8) O ponto 28 dos Factos Provados deverá passar a ter o seguinte teor: “os estafetas concedem autorização no dispositivo que utilizam para a plataforma aceder à localização destes para verificação dos pontos de recolha e de entrega e para a receção das ofertas de entrega”.
9) O ponto 29 dos Factos Provados deverá passar a ter o seguinte teor: “Para o desempenho da atividade de estafeta o prestador de atividade necessita de utilizar uma mochila isotérmica, devendo esta cumprir com os padrões de higiene para transporte de alimentos, bem como possuir um telemóvel (smartphome), tendo ainda transferido e aprendido a usar a aplicação Uber Eats e sirva-se de veículo de transporte individual”.
10) O ponto 36 dos Factos Provados não se provou, pois simplesmente nenhuma testemunha (em particular, o prestador de atividade inquirido) prestou depoimento sobre a mesma, e por isso deverá este facto ser eliminado do acervo da matéria de facto provada.
11) Os pontos 41 e 58 dos Factos Provados deverão ser eliminados do acervo de factos dados como provados.
12) O ponto 49 dos Factos Provados não resultou provado, pois simplesmente nenhuma testemunha (em particular o senhor AA, a quem esta questão poderia ter sido diretamente colocada) prestou depoimento sobre a mesma, e por isso deverá este facto ser eliminado do acervo da matéria de facto provada.
13) O ponto 68 dos Factos Provados deverá ser alterado e passar a ter o seguinte teor:
“BB não utiliza a Plataforma desde 22 de julho de 2024, sendo que, já antes dessa data, entre 6 de julho de 2023 e 17 de julho de 2023, o senhor BB não utilizou uma única vez a Plataforma para prestar a sua atividade.”
14) O artigo 179.º da contestação deverá ser aditado à matéria de facto provada com o seguinte teor: “a Taxa Mínima por Quilómetro pode ser ajustada pelos prestadores de atividade a qualquer momento e a seu exclusivo critério de forma a receber propostas de entrega acima do seu valor mínimo (que podem ser sempre rejeitadas)”.
15) O facto constante do artigo 223.º da contestação deve ser aditado à matéria de facto com o seguinte teor: “Os Prestadores de Atividade não se encontram adstritos a qualquer obrigação de exclusividade, podendo prestar a sua atividade através de várias plataformas digitais, em simultâneo ou não, o que o prestador de atividade AA faz, designadamente através da plataforma Glovoapp, ou até diretamente aos comerciantes”.
16) O facto constante do artigo 273.º da contestação deve ser aditado à matéria de facto dada como provada com o seguinte teor: “O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si”.
17) O facto constante do artigo 321.º, al. e) da contestação (em particular no que se refere à forma de apresentação dos estafetas) foi confirmada pela testemunha arrolada pela Recorrente, pelo que deve ser aditado ao elenco de factos como provados.
18) O artigo 433.º da contestação deve ser aditado à matéria de facto dada como provada com o seguinte teor: “A Plataforma não faz qualquer escrutínio sobre a sua experiência, qualificações académicas, ou ausência delas, bem como sobre as características pessoais e técnicas dos prestadores de atividade, para validar o seu registo na Plataforma”.
19) O facto constante do artigo 457.º da contestação deve ser aditado à matéria de facto dada como provada, mas com uma alteração, devendo ficar com o seguinte teor: “Os prestadores de atividade são livres de se substituírem por outro estafeta registado na aplicação, sem aviso prévio à Ré e por quantas vezes e durante quanto tempo desejarem”.
c) Aplicação da lei no tempo – artigo 12.º do CT e ilisão
20) A Recorrente concorda com o Tribunal a quo quando este considera inaplicável o artigo 12.º-A do Código do Trabalho; no entanto, discorda da inaplicabilidade da presunção do artigo 12.º do mesmo Código, que foi descartada pelo Tribunal com base numa interpretação “atualista” da noção de trabalho e das presunções de laboralidade.
21) Percorrendo os factos provados, não se vislumbra que alguma das características previstas nas várias alíneas do indicado artigo 12.º esteja verificada, nomeadamente tendo em consideração os Factos Provados 15, 16, 26 e 46, 30, 31 e 72, 17, 48, 66, 10, 51. Em particular, o Sr. BB nunca sequer foi pago pela Recorrente (Factos Provados 8, 9, 13, 14, 59, 60 e 63).
22) Não se verifica, assim, a presunção da existência de contrato de trabalho, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada, julgando-se, consequentemente, os pedidos de reconhecimento de contrato de trabalho improcedentes.
23) Caso assim não se entenda, não pode deixa de se concluir que, in casu, resultaria ilidida qualquer presunção de laboralidade que eventualmente se verificasse.
24) O que se afirma resulta expressa e claramente da análise dos Factos Provados 8, 11, 43, 44, 17, 19, 50, 68, 34, 32, 67, 35, 15, 16, 26, 27, 30 e 72 e, ainda, dos pontos j. a o. da impugnação da matéria de facto.
25) Este conjunto de elementos apontam no sentido da efetiva autonomia dos prestadores de atividade e da inexistência de uma relação com carácter de subordinação jurídica, pelo que, nos termos do artigo 12.º-A, n.º 4, do Código do Trabalho e artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil, resulta ilidida qualquer presunção de laboralidade que eventualmente se verificasse.
d) Método indiciário
26) Após concluir pela inaplicabilidade da presunção do artigo 12.º-A do código do Trabalho, o Tribunal a quo seguiu essencialmente a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3 de outubro de 2024, recorrendo ao método indiciário para reconhecer a existência de subordinação jurídica e, consequentemente, de um contrato de trabalho.
27) O que se visa avaliar e sopesar no método indiciário é o grau de subordinação jurídica, tendo em conta a factualidade concretamente apurada, sendo que o ónus da prova cabe ao Autor (neste caso, o Ministério Público), não ao Tribunal.
28) Na argumentação do Tribunal a quo, são parcas as referências a factos concretos que permitam alicerçar a sua conclusão, limitando-se a esgrimir argumentação com o propósito de descredibilizar todos os factos provados relevantes que indiciam uma relação não subordinada.
29) Por razões de economia processual, dão-se por reproduzidas as conclusões tecidas quanto à não verificação da presunção de laboralidade, bem assim, sobre todas as circunstâncias que permitem dar como ilidida qualquer presunção de laboralidade que eventualmente se verificasse no caso concreto, acrescentando-se o seguinte relativamente ao método indiciário, com base na factualidade provada e na argumentação do Tribunal a quo:
30) Não se verifica a natureza “intuito personae” do contrato de trabalho, uma vez que não resulta dos factos provados que a Recorrente proceda a uma qualquer seleção dos estafetas de acordo com as suas competências para desenvolver a atividade, sendo que, pelo contrário, permite a substituição entre estafetas.
31) Relativamente ao direito de substituição, entendeu o Tribunal a quo que o facto de apenas o poder fazer por outro estafeta registado na plataforma significa que a mesma “terá pouco significado efetivo”.
32) Nos termos do artigo 3.º, n.º 5, do Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha (Regulamento P2B), como o da Recorrente, “Os prestadores de serviços de intermediação em linha garantem que a identidade do utilizador profissional que propõe os bens ou serviços no serviço de intermediação em linha seja claramente visível”.
33) Nessa medida, a Recorrente, em cumprimento da legislação aplicável, tem o dever de exibir, de forma transparente, a identidade do prestador de atividade, por forma a garantir a segurança a todos os utilizadores, para além de conduzir a uma melhor orientação do consumidor no mercado.
34) A substituição indiscriminada e sem qualquer critério seria suscetível de provocar efeitos bastante perversos, nomeadamente de colocar em risco a segurança de todos os utilizadores da aplicação, bem como, e sobretudo, de promover o trabalho e a imigração ilegais, o que constituiria um efeito bastante pernicioso, uma vez que é também isso que, pelo menos em parte, este tipo de ações visa acautelar.
35) Os prestadores de atividade não recebem quaisquer ordens da Recorrente, mas apenas propostas que podem aceitar, ignorar ou recusar livremente (Facto Provado 19).
36) Além disso, mesmo no envio dessas propostas, a Recorrente pode estar condicionada por decisões prévias dos estafetas, nomeadamente quanto ao valor mínimo por quilómetro a receber e à possível exclusão de certos comerciantes e/ou clientes (Factos Provados 32, 34, 67).
37) Aceitando uma determinada proposta, os prestadores de atividade podem executar o serviço da forma que entenderem e escolhem o itinerário que pretenderem, bem como o sistema GPS da sua preferência, tendo liberdade para não utilizar sequer nenhum sistema GPS – Factos Provados 26 e 27.
38) A argumentação do Tribunal a quo nesta matéria reside apenas em realçar a necessidade de efetuar um registo na plataforma e de aderir aos termos e condições aplicáveis.
39) Todavia, que o que está em causa aquando do registo é o acesso à prestação da atividade na plataforma e não a prestação de atividade propriamente dita, pelo que tal argumento não faz sentido na discussão em apreço.
40) O pagamento dos prestadores de atividade é efetuado por tarefa, pagamento esse que só é efetuado caso se produza o resultado de entrega, correndo pelo prestador de atividade o risco da não prestação da atividade, circunstância que está muito distante de ser típica de uma relação subordinada.
41) Existindo um Parceiro de Frota, os prestadores de atividade não são sequer pagos pela Recorrente, mas sim pelo respetivo Parceiro de Frota (Factos Provados 13, 14, 62, 63).
42) Independentemente da discussão acerca da fixação da retribuição, os estafetas têm autonomia para recusar serviços e ajustar a taxa mínima por quilómetro a seu exclusivo critério, o que demonstra que a aceitação da retribuição, mesmo que fixada pela Recorrente (o que não se concede), depende dos prestadores.
43) Além disso, os prestadores de atividade podem receber o pagamento dos serviços executados quando quiserem, através da ferramenta "Flex Pay” (Factos Provados 10 e 51).
44) A ausência de exclusividade foi completamente desvalorizada pelo Tribunal a quo, que argumentou que “o estafeta não concorre com a Ré; pode concorrer para a concorrência de outra plataforma com a Ré”.
45) Qualquer trabalhador por conta de outrem está vinculado a um conjunto de deveres, entre os quais o dever de lealdade (artigo 128.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho), o qual constitui um valor absoluto, não suscetível de graduações, e se manifesta na obrigação de não concorrência.
46) A violação do dever de lealdade e a obrigação legal de não concorrência que impende sobre o trabalhador não dependem da verificação, em concreto, de um efetivo prejuízo para o empregador, nem sequer do efetivo desvio de clientela, sendo suficiente a potencialidade desse prejuízo.
47) A contratação de trabalhadores visa o sucesso da empresa, sendo inadmissível que exerçam atividades que desviem clientela e prejudiquem o negócio.
48) Numa relação laboral os trabalhadores não podem atuar simultaneamente para empresas concorrentes, ao contrário dos prestadores de serviços, que possuem autonomia para decidir como, quando e para quem trabalham, como sucede in casu.
49) Em face do exposto, não se aceita, porquanto errada, a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, sendo de realçar que é possível aos prestadores de atividade utilizar as duas plataformas concorrentes ao mesmo tempo (Facto Provado 35).
50) O poder disciplinar corresponde a um poder punitivo do empregador, que visa atuar sobre condutas do trabalhador consideradas censuráveis no contexto da relação laboral estabelecida.
51) Percorrido o elenco dos factos provados, não se encontra um único facto que evidencie que a Recorrente, de algum modo, exerce ou exerceu algum tipo de poder disciplinar sobre os prestadores de atividade, no sentido de ter a possibilidade de sancionar um comportamento do prestador que não respeitasse as suas obrigações/deveres ou os padrões de comportamento determinados pela mesma.
52) Sem prejuízo da ausência de factualidade concreta, sempre se refira que todos os contratos, sejam eles de que natureza forem, podem ser cessados e não é por isso que se qualificam como contratos de trabalho.
53) No caso concreto, trata-se, inclusivamente, de uma prerrogativa dos serviços de intermediação em linha, que se encontra prevista no artigo 4.º do Regulamento P2B.
54) O contrato de trabalho pressupõe que o trabalhador está disponível, de forma regular, para prestar trabalho, pois um empregador necessita de contar com a disponibilidade dos seus trabalhadores para poder organizar a sua atividade.
55) Ficou provado que os prestadores nunca tiveram obrigação de justificar ausências, atuam conforme sua disponibilidade, sem compromisso de regularidade, pontualidade ou assiduidade, podendo ficar longos períodos sem prestar atividade, como no caso do Sr. BB, inativo desde 22 de julho de 2024.
56) Por forma a tentar descredibilizar este forte indício de autonomia na prestação da atividade, o Tribunal a quo defende que o “próprio Código do Trabalho prevê a possibilidade de trabalho intermitente (artigos 157.º a 160.º), ou seja, se o estafeta deixar de prestar serviço por um ou mais dias não haverá a desconfigurarão do vínculo laboral”.
57) Olvidou o Tribunal a quo que no regime de contrato de trabalho intermitente há que, de acordo única e exclusivamente com as suas preferências pessoais, decide não trabalhar.
58) A sentença recorrida, baseando-se extensivamente na jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães, tratou o “modo de contratação” dos prestadores nas plataformas digitais como solução para a questão da subordinação jurídica e da existência de contrato de trabalho.
59) Todavia, partir deste pressuposto é errado, pois o que se visa avaliar na presente ação é como a relação contratual é executada, não como foi contratada.
60) A distinção deve estar na especificidade do contrato de trabalho, que, como já amplamente referido nas presentes conclusões, exige um elemento fundamental: a subordinação jurídica.
61) No caso concreto, se os prestadores de atividade aderiram à plataforma é porque concordaram com os Termos e Condições, que tiveram de ler e aceitar, sendo livres de optar por alternativas.
62) Não há qualquer recrutamento ou imposição unilateral, pelo que a autonomia contratual é preservada e não se pode concluir pela existência de subordinação jurídica nem controlo por parte da Recorrente em virtude do “modo de contratação”.
63) A profunda liberdade que os prestadores de atividade têm para definir que tarefas aceitam ou não prestar configura uma característica que se afigura de difícil compatibilização com a ordenação típica da relação laboral, o que, aliás, foi já apreciado e assim concluído, a título exemplificativo, pelo colendo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão de 9 de janeiro de 2019, no processo n.º 1376/16.3T8CSC.L1.S1.
64) Foi essa independência que fundou a decisão do Tribunal Justiça da União Europeia proferido no Caso B/Yodel Delivery Network.
65) Em sentido convergente, o Supremo Tribunal de Justiça do Reino Unido, em decisão de 21 de novembro de 2023, decidiu que os estafetas que prestam atividade, no caso, para a plataforma Deliveroo, não podem ser considerados trabalhadores subordinados, uma vez que são “livres de rejeitar ofertas de trabalho, de se tornarem indisponíveis e de realizarem trabalhos para concorrentes”, concluindo que “estas características são fundamentalmente inconsistentes com qualquer noção de relação de trabalho”(tradução nossa)23.
66) Cumpre igualmente chamar à colação os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de janeiro de 2019, no processo n.º 1376/16.3T8CSC.L1.S1, e de 15 de setembro de 2016, no processo n.º 329/08.0TTFAR.E1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
67) Em ambos os casos, era evidente que os prestadores de atividade não dispunham de estrutura organizativa própria, não eram empresários, nem detinham clientela própria.
68) O que se discute nos presentes autos é a existência, ou não, de um contrato de trabalho, contrato de trabalho esse definido pela lei e não por qualquer presunção ou método indiciário.
69) Enquanto nos contratos de trabalho, o trabalhador está obrigado a estar disponível para cumprir quaisquer tarefas que o empregador lhe atribua, nos contratos de prestação de serviço, o prestador da atividade apenas se compromete a alcançar um determinado resultado. É o que acontece no caso sub judice, como claramente resulta do elenco de factualidade dada como provada.
70) Os prestadores de atividade, ao registarem-se na plataforma e aceitarem os termos e condições, não assumem qualquer obrigação de prestar serviços para a Recorrente.
71) A Recorrente não controla onde ou quando os estafetas prestam atividade, nem impõe períodos mínimos de conexão ou sanções por recusas de entrega.
72) A inexistência de um vínculo laboral é reforçada pela liberdade dos prestadores na gestão da sua atividade e pela impossibilidade de a Recorrente organizar um serviço de entrega estruturado.
73) Mesmo que se admitisse uma integração dos estafetas na operação da Recorrente, a natureza da atividade não exige uma organização produtiva complexa.
74) Ainda que a doutrina ou a jurisprudência possam ser sensíveis à alegada precaridade e dependência económica de alguns prestadores de serviços (precariedade essa que, existindo, impõe a intervenção do legislador para os proteger), a verdade é que a solução não poderá passar por alterar aquela que é a definição de contrato de trabalho prevista na lei (definição essa que não é dada nem pelo art.º 12º-A, nem pelo art.º 12º nem pelo método indiciário, que preveem apenas factos índice da sua existência).
75) Tudo considerado, e salvo o devido respeito, não estamos perante uma situação de facto que permita qualificar as relações dos autos como constituindo um contrato de trabalho, uma vez que os prestadores de atividade desempenham a sua atividade de um modo e com características que são “fundamentalmente inconsistentes” com qualquer relação laboral de acordo com a legislação em vigor.
76) Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, não reconhecendo qualquer contrato de trabalho entre a Recorrente e os prestadores de atividade visados, os Srs. AA e BB.
O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu ao recurso sustentando que deve o mesmo ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, por o Mmo. Juiz de Direito ter feito uma correta valoração dos factos e uma correta análise crítica e conjugada da prova, bem como uma correta interpretação da lei, ao ter declarado a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Ré e o estafeta AA, desde outubro de 2022, e o estafeta BB, desde 02 de abril de 2023.
Foram juntos aos autos dois pareceres jurídicos.
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Exaramos, abaixo, um breve resumo dos autos:
O Ministério Público propôs a presente ação especial de reconhecimento de existência de contrato de trabalho contra a Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda., com os demais sinais dos autos, pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e o senhor AA desde Outubro de 2022.
Alegou, em síntese, que: o referido senhor foi inspecionado pela ACT no espaço comercial Continente Amadora, no dia 27 de Setembro de 2023, onde aguardava a preparação de um pedido para proceder à sua recolha e entrega ao destinatário tudo por recurso à plataforma informática em uso pela Ré; para tanto, em data não posterior a Outubro de 2022, aquele registou-se na plataforma para o exercício das funções de estafeta e aceitando as respetivas exigências; para poder exercer essa função, tem necessariamente de utilizar essa plataforma informática, sujeitando-se assim ao controlo da Ré, designadamente na fixação do preço ao cliente, no percurso a escolher, no concreto pedido que deve transportar, do equipamento que deve utilizar e na retribuição que lhe paga; o senhor presta a sua atividade em período temporal por si escolhido; o senhor escolheu a sua área geográfica de atuação, optando pela cidade de Lisboa e arredores, mas habitualmente pela cidade da Amadora; aufere uma retribuição semanal paga pela Ré, ascendendo mensalmente a cerca de 800 €; não pode fazer-se substituir por outrem de sua escolha; a Ré pode, ainda, restringir temporária ou definitivamente o acesso do referido senhor à sua plataforma conforme avaliação que faça do seu desempenho. Considera, assim, que, de acordo com o artigo 12.º-A do Código do Trabalho, estamos na presença de um contrato de trabalho.
A Ré defendeu-se, pugnando por:
- A sua absolvição da instância, pela procedência da exceção dilatória típica derivada da anulabilidade da participação efetuada pela ACT aos serviços do Ministério Público;
- Subsidiariamente, pela improcedência da ação, por não provada;
- Subsidiariamente, pela improcedência da ação, por ilisão da presunção de existência de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º-A do Código do Trabalho.
Foi concedida ao Ministério Público oportunidade para responder à exceção, o que fez.
Por despacho proferido nestes autos em 17 de Junho, ordenou-se a apensação do processo com o n.º 19895/23.3T8SNT..
O Ministério Público propôs essa ação especial de reconhecimento de existência de contrato de trabalho contra a Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda., com os demais sinais dos autos, pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e o senhor BB desde 2 de Abril de 2023.
Alegou, em síntese, que: o referido senhor foi inspecionado pela ACT no espaço comercial Modelo Continente de Mafra, no dia 27 de Setembro de 2023, onde aguardava a preparação de um pedido para proceder à sua recolha e entrega ao destinatário tudo por recurso à plataforma informática em uso pela Ré; para tanto, em 2 de Abril de 2023, aquele registou-se na plataforma para o exercício das funções de estafeta e aceitando as respetivas exigências; porém, diferentemente do caso anterior, fê-lo na modalidade de «Parceiro de Entrega do Parceiro de Frota»; para poder exercer essa função, tem necessariamente de utilizar essa plataforma informática, sujeitando-se assim ao controlo da Ré, designadamente na fixação do preço ao cliente, no percurso a escolher, no concreto pedido que deve transportar, do equipamento que deve utilizar e na retribuição que lhe paga; aquele senhor presta a sua atividade em período temporal por si escolhido; escolheu a sua área geográfica de atuação, optando pela área de Mafra, Malveira e Lourel; aufere uma retribuição semanal paga pela Ré de cerca de 200 €; não pode fazer-se substituir por outrem de sua escolha; a Ré pode, ainda, restringir temporária ou definitivamente o acesso do referido senhor à sua plataforma conforme avaliação que faça do seu desempenho. Considera, assim, que, de acordo com o artigo 12.º-A do Código do Trabalho, estamos na presença de um contrato de trabalho.
A Ré defendeu-se em termos essencialmente idênticos aos que utilizou na primeira ação, aditando o argumento que este alegado trabalhador exerce a função de estafeta através de um intermediário, a sociedade 3WAQUISECONDUZ, Unipessoal, Lda., pelo que nunca lhe pagou qualquer quantia.
Também aqui o Ministério Público respondeu às exceções invocadas em articulado próprio e com os mesmos argumentos que empregou na primeira ação, pugnando pela sua manifesta improcedência.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julga improcedentes as referidas exceções, e pela procedência das duas ações, declarando-se a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Ré, Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda., e os senhores AA, desde Outubro de 2022, e o senhor BB, desde 2 Abril de 2023.
e
Fixa-se a cada uma das ações o valor de 2.000 €, conforme artigo 186º-Q, nº 1 e 2, do Código de Processo do Trabalho. Nas ações não se formula o pedido de pagamento de quaisquer prestações. Ainda assim, o interesse em apreciação é suscetível de expressão pecuniária, o que afasta do caso o disposto no artigo 301.º do Código de Processo Civil.
***
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – Deve atribuir-se a cada ação o valor de 30.000,01€?
2ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
3ª – Não se verifica a presunção de existência de contrato de trabalho?
4ª – Caso assim não se entenda, qualquer presunção de laboralidade está ilidida?
5ª – Não estamos perante situação de facto que permita qualificar as relações dos autos como constituindo contrato de trabalho?
*** FUNDAMENTAÇÃO:
Razões de lógica processual impelem-nos a iniciar a discussão pela questão enunciada em 2º lugar – o erro de julgamento da matéria de facto.
Em causa a resposta a diversos pontos de facto, reclamando-se, ora uma resposta modificativa da respetiva redação, ora uma resposta de não provado, ora a respetiva eliminação do acervo fático e ainda uma resposta a pontos concretos sobre os quais o Tribunal não terá feito incidir o seu juízo.
Antes de entrarmos no âmago da questão, explicita-se que o Art.º 640º do CPC permite a impugnação da decisão que contém a matéria de facto, sujeitando, contudo, o impugnante à observância de um conjunto de ónus, a saber, a indicação precisa dos pontos de facto impugnados, a das provas a reapreciar e a da indicação da decisão a proferir. Para além disso, pretendendo-se a reapreciação de provas gravadas, é imperioso que se indiquem as concretas passagens da gravação a fim de situar os depoimentos.
A indicação dos concretos pontos de facto a reapreciar deve efetuar-se nas conclusões, a fim de definir cabalmente o objeto do recurso. E efetua-se, seja por remissão para os articulados onde os factos foram alegados, seja por remissão para os vários pontos de facto enunciados na sentença.
Do ponto de vista do cumprimento dos ónus, e sem prejuízo de passo a passo, a verificarmos, consideramos, em regra, cumpridos os ónus enunciados.
Cumpre ainda alertar para duas questões.
Por um lado, a vinculação ao princípio do dispositivo enunciado no Art.º 5º do CPC e aqui aplicável ex vi Art.º 1º/2-a) do CPT. Emerge daqui a inviabilidade de introduzir nos autos matéria não alegada que possa enformar a causa de pedir ou de defesa. Este princípio sofre a mitigação decorrente do disposto no Art.º 72º do CPT relativamente ao qual se exige o cumprimento de um procedimento específico em 1ª instância. Cumprido ele, a parte é livre de impugnar a matéria de facto assim adquirida. Porém, se não cumprido, não é por via da impugnação da decisão de facto que, na Relação, se poderão vir a introduzir novos factos no acervo.
De outro ponto de vista, importa ter presente o princípio da utilidade dos atos, consignado no Art.º 130º do CPC, do qual decorre que a atividade judicial de reapreciação da prova deve ter presente a utilidade que daí emerge para a decisão final.
Será, pois, dentro destes parâmetros, que nos deteremos sobre a questão em apreciação.
Vejamos passo a passo.
Propõe a Apelante uma distinta redação para o ponto 6 do acervo provado.
Consta do mesmo que:
6. Para quem se deseje inscrever como «estafeta», a Ré exige a sua submissão a um procedimento específico de registo na plataforma.
Pretende a Apelante o mesmo passe a ter o seguinte teor: “Para quem se deseje inscrever como “estafeta”, é necessária a sua submissão a um procedimento de registo na plataforma”.
Da pretendida modificação não decorre qualquer apport para a decisão final, revelando-se a modificação completamente irrelevante. Assim, por força do mencionado princípio da utilidade dos atos processuais, não conheceremos dela.
Reclama a Recrte. por que se modifique o ponto 18, cuja redação é a seguinte:
18. A plataforma apresenta a oferta de entrega ao «estafeta» melhor posicionado, e com a indicação do valor final a pagar, segundo fórmula de cálculo pré-definida na aplicação em função da distância a percorrer entre os pontos de recolha e de entrega.
Pretende introduzir a seguinte modificação: o Ponto 18 dos Factos Provados deverá passar a ter o seguinte teor: “A plataforma apresenta a oferta de entrega ao “estafeta” melhor posicionado, com a indicação do valor final a pagar em função da distância a percorrer entre os pontos de recolha e de entrega”.
Pretende, pois, a eliminação da expressão “segundo fórmula de cálculo previamente estabelecida” por a mesma não ter qualquer sustentação, estando inclusivamente em oposição com o facto provado 9 que refere que o estafeta é pago em função da distância a percorrer entre o ponto de recolha e ponto de entrega.
Em contradição não nos parece que esteja, não obstante aqui não se refira a fórmula de cálculo.
Indica como fundamento da sua pretensão as declarações do próprio prestador de atividade AA que explicou que recebe em função dos quilómetros percorridos. O que confirmámos.
O Recrdº contrapõe que todas as testemunhas (não referenciando, embora, as concretas passagens) foram unânimes em afirmar que o valor final a pagar tem em consideração a distância a percorrer entre os pontos de recolha e de entrega, pelo que, necessariamente, para “transformar” os Kms de distância num valor monetário tem de existir uma fórmula de cálculo pré-definida na plataforma.
A questão é de mero pormenor, mas, efetivamente, tal como contraposto, sendo os prestadores pagos em função da distância, parece óbvio que haja alguma fórmula de cálculo. Se ela está pré-definida ou não é outra questão.
Concede-se, pois, na propugnada modificação.
A impugnação prossegue, agora com referência ao ponto 19, cuja redação é a seguinte:
19. O «estafeta» que recebe a oferta de entrega pode aceitá-la, ignorá-la ou recusá-la (sem necessidade de justificar a causa), sem que deixe de continuar a receber novas propostas enquanto se mantiver ligado à aplicação.
Pretende a Apelante que ali passe a constar: “O estafeta que recebe a oferta de entrega pode aceitá-la, ignorá-la ou recusá-la (sem necessidade de justificar a causa), sem que deixe de continuar a receber novas propostas enquanto se mantiver ligado à aplicação, podendo, ainda, até à recolha do produto, cancelar uma proposta previamente aceite”.
A matéria cuja inclusão pretende não foi alegada, defendendo a Apelante que sobre tal facto incidiu discussão, pelo que nos termos previstos pelo artigo 72.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo do Trabalho, o meritíssimo juiz a quo não só podia, como devia tomá-lo em consideração na sentença proferida.
Remetemos para o que acima dissemos a este propósito, assim improcedendo a questão nesta parte.
Segue-se a insurgência sobre o ponto 23, que apresenta a seguinte redação:
23. Este sistema GPS permite aos clientes acompanhar a sua encomenda a partir do momento em que o «estafeta» a recolhe.
Pretende a Recrte. que ali passe a constar: “Este sistema GPS permite aos clientes acompanhar a sua encomenda a partir do momento em que o “estafeta” a recolhe, caso este o mantenha ligado durante toda a entrega”.
Alega que a factualidade contida naquele ponto de facto apenas será possível se o estafeta, no âmbito da autonomia de que dispõe, decidir não desligar o sistema de GPS após a recolha, o que deve ser aditado ao facto em causa, porquanto relevante. E que tal autonomia decorre de quanto se explana nos pontos 26 e 27.
Também aqui não só não vemos necessidade do aditamento, como a matéria não foi alegada.
Improcede, pois, o pedido.
Na continuação, a Apelante pretende que se modifique o ponto 28 cuja redação é a seguinte:
28. Porém, os «estafetas» têm de conceder autorização no dispositivo que utilizam para a plataforma aceder sempre à localização deste enquanto permanecerem ligados à mesma, designadamente para verificação dos pontos de recolha e de entrega e para a receção das ofertas de entrega.
Reclama o seguinte teor: “os estafetas concedem autorização no dispositivo que utilizam para a plataforma aceder à localização destes para verificação dos pontos de recolha e de entrega e para a receção das ofertas de entrega”.
Alega que o mesmo está, no mínimo, erradamente formulado, porquanto nenhuma testemunha, em particular o prestador de atividade inquirido, referiu qualquer necessidade de conceder autorização no dispositivo que utilizam para a plataforma aceder sempre à “localização deste enquanto permanecerem ligados à mesma”, o que está inclusivamente em oposição com o Facto Provado 27.
No ponto 27 consta: Também podem escolher não utilizar qualquer sistema de navegação GPS durante o transporte.
Não vemos que esta matéria contradiga aquela e não vemos que da modificação pretendida decorra alguma utilidade para a decisão final.
Termos em que improcede a questão em apreciação.
A impugnação da decisão de facto continua, agora com referência ao ponto 29, que apresenta a seguinte redação:
29. A Ré exige que o «estafeta» utilize uma mochila térmica, devendo esta cumprir com os padrões de dimensões por aquela definidos (44cm largura x 35cm profundidade x 40cm altura) e de higiene para transporte de alimentos, possua um telemóvel (smartphone), tendo ainda transferido e aprendido a usar a aplicação Uber Eats e sirva-se de veículo de transporte individual.
Propõe: “Para o desempenho da atividade de estafeta o prestador de atividade necessita de utilizar uma mochila isotérmica, devendo esta cumprir com os padrões de higiene para transporte de alimentos, bem como possuir um telemóvel (smartphome), tendo ainda transferido e aprendido a usar a aplicação Uber Eats e sirva-se de veículo de transporte individual”.
Afirma para tanto que a utilização de uma mochila isotérmica prende-se com exigências de segurança alimentar, que não são ditadas ou exigidas pela Recorrente. À parte de ter de ser isotérmica, não é exigido que a mochila tenha quaisquer outras caraterísticas, podendo exibir a marca e as cores de uma plataforma concorrente, o que aliás foi dado como provado – Ponto 31 dos Factos Provados. No mais, a alegação de que a Recorrente “exige aos prestadores de atividade que estes possuam um telemóvel (smartphome), tendo ainda transferido e aprendido a usar a aplicação Uber Eats e sirva-se de veículo de transporte individual” não passa de uma alegação genérica e conclusiva, porquanto o que está em causa são necessidades para o desempenho da concreta atividade e não exigências por parte da Recorrente, o que não resultou provado.
A impugnação não faz qualquer sentido. Não vemos onde residam as características imputadas à matéria e revela-se infundada a afirmação segundo a qual as exigências são ditadas por terceiros. Se é a própria testemunha CC, responsável de políticas públicas da Recorrente, que explicou, de forma muito clara, que as mochilas térmicas são um standard de todas as plataformas de entrega alimentar, constituindo uma obrigação legal, parece óbvio que o cumprimento de tal obrigação é uma exigência da própria entidade contratante.
Improcede, assim, a questão em apreciação.
Também sobre o ponto 36 incide manifestação de desapreço. O mesmo apresenta a seguinte redação:
36. Os «estafetas» podem aceitar o máximo de 3 pedidos em simultâneo.
Defende a Recrte. que esta matéria não se provou, pois simplesmente nenhuma testemunha (em particular, o prestador de atividade inquirido) prestou depoimento sobre a mesma, e por isso deverá este facto ser eliminado do acervo da matéria de facto provada.
Já o Ministério Público sustenta que a prova deste facto resulta do depoimento de AA, pelo que deve o mesmo ser mantido na íntegra.
O Recrdº não dá, porém, cumprimento ao disposto no Art.º 640º/2-b) do CPC.
Consta da sentença recorrida que “Os factos provados em 2 a 37 resultaram da leitura da já referida certidão permanente, do «contrato de parceiro de entregas independente», do «contrato de parceiro de frota», «contrato de parceiro de entregas do parceiro de frota», do «código de boas práticas», do certificado emitido pela senhora notária, conjugada com a posição assumida pelas partes nos articulados e com os depoimentos de um dos alegados trabalhadores, o senhor AA, e do responsável pelas políticas públicas da Ré em Portugal, o senhor CC, de onde se concluiu sem dúvida conforme provado.”
Reapreciado o depoimento do prestador não surpreendemos nele qualquer referência a esta matéria, pelo que, sendo indicado tal depoimento sem especificação por parte do Apelado da passagem da gravação, o ponto de facto não pode manter-se.
Procede, assim, a impugnação.
Prosseguimos, agora com a pretendida eliminação dos pontos 41 e 58 cuja redação é a seguinte:
41. Conforme imposto pela Ré, o senhor AA comprometeu-se a manter essa conta atualizada e ativa, declarando reunir as obrigações ali estabelecidas e previstas nesse «contrato», tendo, designadamente, que preencher os requisitos previstos no ponto 5. («As suas obrigações») que se transcreve:
…
58. Conforme imposto pela Ré, o senhor BB comprometeu-se a manter essa conta atualizada e ativa, declarando reunir as obrigações estabelecidas e previstas nesse «contrato», tendo, designadamente, que preencher os requisitos previstos no ponto 5. («As suas obrigações») que se transcrevem:
…
Alega a Apelante que se trata de matéria genérica e conclusiva na medida em que transmite a ideia de que a Recorrente obriga os estafetas a manterem a sua conta atualizada e ativa, o que não é verdade e não resultou provado.
Não vemos como é que a transcrição do clausulado nos contratos traduz matéria genérica e conclusiva.
Por outro lado, da circunstância de, conforme alega a Recrte., os prestadores de atividade se ligarem e desligarem da plataforma de acordo com as suas preferências e, querendo, poderem passar dias, semanas ou até meses sem se ligar, não resulta qualquer incompatibilidade com a imposição de que a conta se mantenha atualizada e ativa. O certo é que, embora mantendo aquela liberdade, a prestação de atividade requer uma conta atualizada e ativa.
Não vemos, pois, razão para eliminar esta factualidade do acervo provado.
Prosseguimos com referência ao ponto 49 cuja redação é a seguinte:
49. O senhor AA, de um modo geral, presta atividade todos os dias da semana.
Defende a Apelante que esta matéria não resultou provada, pois nenhuma testemunha (em particular o senhor AA, a quem esta questão poderia ter sido diretamente colocada) prestou depoimento sobre a mesma, e por isso deverá este facto ser eliminado.
Contrapõe o Ministério Público, mais uma vez sem qualquer referência à localização do depoimento na gravação, que a prova deste facto resulta do depoimento de AA, pelo que deve o mesmo ser mantido na íntegra.
Exarou-se na sentença recorrida, a fundamentar esta matéria: “Em especial, a data de início da interação com a plataforma resultou do depoimento do senhor AA, que explicou como procedeu ao seu registo e como diariamente prestou e presta a sua atividade de «estafeta» para a plataforma e em termos de grande latitude, a ponto de trabalhar também para outra plataforma concorrente (a Glovo) e de serem suas as ferramentas que utiliza, com natural exceção da plataforma.”
Reapreciado o depoimento em referência não conseguimos detetar nele a referência a uma prestação diária.
Procede, pois, a impugnação.
Pretende a Apelante que se altere o ponto 68, que apresenta a seguinte redação:
68. Entre 6 de Julho de 2023 e 17 de Julho de 2023, o senhor BB não utilizou uma única vez a Plataforma para prestar a sua atividade.
Reclama a seguinte alteração: “BB não utiliza a Plataforma desde 22 de julho de 2024, sendo que, já antes dessa data, entre 6 de julho de 2023 e 17 de julho de 2023, o senhor BB não utilizou uma única vez a Plataforma para prestar a sua atividade.”
Firma-se no depoimento de CC sem que, contudo, explicite a alegação da matéria na ação, invocando o disposto no Art.º 72º do CPT.
Ora, sem dependência de alegação, não poderemos responder positivamente ao pretendido aditamento conforme supra explicado.
Sustenta também a Recrte. a adição da matéria que integra o Art.º 179º da contestação, a saber, “a Taxa Mínima por Quilómetro pode ser ajustada pelos prestadores de atividade a qualquer momento e a seu exclusivo critério de forma a receber propostas de entrega acima do seu valor mínimo (que podem ser sempre rejeitadas)”.
Indica o depoimento de CC que explicou que não existe qualquer limitação na definição da taxa mínima por quilómetro.
Afigura-se-nos que a matéria já consta suficientemente decidida no ponto 32 do acervo fático, pelo que nada mais há a aditar.
Pretende ainda a Recrte. que se adite a matéria que integra o Art.º 223.º da contestação: “Os Prestadores de Atividade não se encontram adstritos a qualquer obrigação de exclusividade, podendo prestar a sua atividade através de várias plataformas digitais, em simultâneo ou não, o que o prestador de atividade AA faz, designadamente através da plataforma Glovoapp, ou até diretamente aos comerciantes”.
Compulsada a contestação verificamos que o Art.º 223º não apresenta a redação propugnada para o facto a aditar. Dele consta apenas que Os Prestadores de Atividade não se encontram adstritos a qualquer obrigação de exclusividade, podendo prestar a sua atividade através de várias plataformas digitais, em simultâneo ou não, ou até diretamente aos comerciantes”.
Ora, a matéria atinente à exclusividade já se contém no ponto de facto 35, pelo que nada mais há a acrescentar a esse propósito. No tocante ao prestador AA já decorre dos pontos 44 e 45 a prestação para entidade terceira, o que dispensa quaisquer outros considerandos.
Improcede, assim, a pretensão em análise.
Pretende também a Apelante a inclusão da matéria alegada no Art.º 273º da contestação, a saber, “O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si”.
Indica os depoimentos de AA e de CC.
O Apelado afirma que tal facto não foi dado como provado, na medida em que não se coligiu prova que, com a necessária segurança, o corroborasse, sobretudo no que à ausência de consequências respeita.
Vejamos os depoimentos!
Resulta do depoimento do primeiro que presta atividade quando quer, podendo estar sem prestar atividade durante um ou dois meses “sem qualquer problema”. Este depoimento foi corroborado pela testemunha CC, que, como já referido, informou inclusivamente que o prestador de atividade BB não presta qualquer atividade desde 22 de julho de 2024, mantendo conta ativa.
Temos, pois, como provado o facto em causa.
A Apelante continua, agora reclamando a adição da matéria constante do Art.º 321º/e) da contestação, muito concretamente, os prestadores de atividade] são livres na forma como se apresentam, nomeadamente a roupa e o equipamento que querem usar (incluindo utilizar a marca de concorrentes) e o veículo (mota ou bicicleta) que utilizam para efetuar as entregas”.
Indica o depoimento de CC.
Na sua resposta, o Recrdº remete para a similitude com os pontos 29 a 31 do acervo provado.
Porém, a matéria é distinta, pelo que reapreciaremos a prova.
O depoimento indicado confirma a matéria.
Procede, pois, o pedido.
Reclama ainda a Apelante a adição da matéria alegada no Art.º 433.º da contestação: “A Plataforma não faz qualquer escrutínio sobre a sua experiência, qualificações académicas, ou ausência delas, bem como sobre as características pessoais e técnicas dos prestadores de atividade, para validar o seu registo na Plataforma”.
Responde a contraparte que tal facto não foi dado como provado, na medida em que não se coligiu prova que, com a necessária segurança, o corroborasse, nem mesmo o depoimento da testemunha referida pela Recorrente.
Vejamos!
A testemunha CC, inquirido diretamente a este respeito, confirmou que a Recorrente não faz qualquer escrutínio sobre a experiência, qualificações académicas, ou sobre as características pessoais e técnicas dos prestadores de atividade que desejem registar-se na aplicação.
Dar-se-á, pois, tal matéria como provada.
Por fim, pretende ainda a adição de quanto consta do artigo 457.º da contestação: “Os prestadores de atividade são livres de se substituírem por outro estafeta registado na aplicação, sem aviso prévio à Ré e por quantas vezes e durante quanto tempo desejarem”.
O Recrdº defende que tal facto não foi dado como provado, na medida em que não se coligiu prova que, com a necessária segurança, o corroborasse, sobretudo no que à ausência de aviso prévio respeita.
Esta matéria foi confirmada pela testemunha CC, que foi explícito acerca da possibilidade de substituição por estafeta registado na plataforma.
Daremos, assim, como provado que os prestadores de atividade são livres de se substituírem por outro estafeta registado na aplicação.
Em resumo:
- Consideramos não provada a matéria dos pontos 36 e 49;
- Consideramos provada a matéria que integra os Art.º 273º, 321º/e, 433º e 457º (em parte) da contestação;
- Alteramos a redação do ponto 18.
*** OS FACTOS:
1. A Ré tem como objeto social: «prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos; atividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração; consultoria, conceção e produção de publicidade e marketing; aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais».
2. No desenvolvimento da sua atividade, a Ré gere uma plataforma ou aplicação informática em Portugal, mediante a utilização da Internet, designada Uber Eats.
3. A Uber Portier, B.V., com sede nos Países Baixos, é a única sócia da Ré e é a entidade que fornece o acesso à aplicação e ao software, websites e aos vários serviços de suporte da plataforma.
4. A plataforma faz a ligação entre comerciantes, que desejam vender os seus produtos, clientes, que desejam adquirir bens e que os mesmos lhes sejam entregues ou optem por eles próprios fazer a sua recolha, e «estafetas» que desejam fazer entregas aos «clientes», fazendo a cobrança do valor do serviço ao utilizador final.
5. É a Ré que fixa unilateralmente o valor dos preços cobrados aos clientes da plataforma pelo serviço de transporte prestado.
6. Para quem se deseje inscrever como «estafeta», a Ré exige a sua submissão a um procedimento específico de registo na plataforma.
7. O seu «perfil da conta» deve estar atualizado com a sua foto de perfil, podendo a Ré pedir a apresentação de prova da sua identidade mediante reconhecimento facial efetuado através do telemóvel, o que por vezes acontece nos casos em que um cliente reporte que o mesmo não corresponde à fotografia de perfil ou para detetar situações de partilha de contas que a plataforma não permite.
8. O exercício do «estafeta» pode ser realizado individualmente, o que é designado na plataforma por «Parceiro de Entrega Independente».
9. Neste caso, o «estafeta» é pago pela Ré (no que a plataforma designa por «taxa de entrega») de acordo com as entregas que completa, em função da distância a percorrer por aquele entre o ponto de recolha e o ponto de entrega.
10. Os «estafetas» designados por «parceiros de entregas independentes» podem receber diariamente o correspondente ao seu saldo pelas «taxas de entrega», através da ferramenta «Flex Pay»; no seu silêncio, são pagos semanalmente.
11. O exercício do «estafeta» pode, em alternativa, ser realizado através de um intermediário, sendo designados na plataforma por «Parceiro de Entrega do Parceiro de Frota» e «Parceiro de Frota», respetivamente.
12. Na página 1 do «contrato de parceiro de entregas do parceiro de frota», na parte designada de «Princípios Fundamentais», resulta afirmando pela Ré: «Você trabalha e/ou presta serviços para uma empresa (não para a Uber Eats) para prestar Serviços de Entrega. A Uber Eats não está envolvida no acordo celebrado entre si e a empresa “(“Empresa de Parceiro de Frota”). O presente contrato do Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota rege o uso da APP para a prestação dos serviços de Entrega.” (…) O Parceiro de Entregas é um trabalhador independente no negócio de Serviços de Entregas, que mantém atualmente uma relação contratual ou laboral com um Parceiro de Frota para prestar Serviços de Entrega».
13. Neste caso, o exercício do «estafeta» é pago diretamente pelo intermediário e segundo o que estes eventualmente combinarem entre si, constando do texto do «contrato de parceiro de frota» que: «quaisquer pagamentos associados à prestação de Serviços de Entrega serão efetuados pela sua Empresa de Parceiro de Frota» e «o Parceiro de Entregas reconhece e aceita que nós não temos qualquer intervenção nos pagamentos que lhe sejam efetuados pela sua Empresa de Parceiro de Frota, que são efetuados com base na relação contratual ou laboral existente entre si e a sua Empresa de Parceiro de Frota».
14. Neste caso, a Ré é apenas faturada pelo «parceiro de frota».
15. Dentro da área geográfica em que a Ré opera e por esta previamente comunicada, os «estafetas» decidem livremente o local onde prestam a sua atividade.
16. Por isso, a plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos «estafetas» sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas.
17. O «estafeta» é que decide se trabalha num dia concreto e desenvolve a sua atividade em horário que o próprio define, bastando para o efeito colocar-se online na plataforma nos períodos respetivos.
18. A plataforma apresenta a oferta de entrega ao «estafeta» melhor posicionado, e com a indicação do valor final a pagar, em função da distância a percorrer entre os pontos de recolha e de entrega.
19. O «estafeta» que recebe a oferta de entrega pode aceitá-la, ignorá-la ou recusá-la (sem necessidade de justificar a causa), sem que deixe de continuar a receber novas propostas enquanto se mantiver ligado à aplicação.
20. Aceitando-a, o «estafeta» dirige-se ao estabelecimento comercial de restauração ou outro, aguarda a preparação do pedido, recolhe-o e transporta-o até ao cliente final.
21. Quando conclui a entrega, o «estafeta» regista que completou a mesma.
22. A aplicação dispõe de um sistema de GPS.
23. Este sistema GPS permite aos clientes acompanhar a sua encomenda a partir do momento em que o «estafeta» a recolhe;
24. Serve ainda para apresentar propostas de entrega aos «estafetas» que estão melhor posicionados para recolher a encomenda;
25. E para ajudar os «estafetas» a encontrar a rota mais eficiente até ao ponto de entrega.
26. Os «estafetas» são livres de seguir a concreta rota que desejarem, bem como de se servir de outros sistemas de navegação GPS.
27. Também podem escolher não utilizar qualquer sistema de navegação GPS durante o transporte.
28. Porém, os «estafetas» têm de conceder autorização no dispositivo que utilizam para a plataforma aceder sempre à localização deste enquanto permanecerem ligados à mesma, designadamente para verificação dos pontos de recolha e de entrega e para a receção das ofertas de entrega.
29. A Ré exige que o «estafeta» utilize uma mochila térmica, devendo esta cumprir com os padrões de dimensões por aquela definidos (44cm largura x 35cm profundidade x 40cm altura) e de higiene para transporte de alimentos, possua um telemóvel (smartphone), tendo ainda transferido e aprendido a usar a aplicação Uber Eats e sirva-se de veículo de transporte individual.
30. Estes equipamentos não pertencem à Ré.
31. Estes equipamentos não têm de ostentar a marca Uber Eats.
32. Os «estafetas» podem indicar na plataforma a «taxa de entrega» mínima que desejam receber por cada entrega; nesse caso, a plataforma apenas lhes apresenta propostas em que a «taxa de entrega» seja igual ao superior ao valor determinado por aqueles.
33. Na plataforma, os «estafetas» dispõem de uma ferramenta que lhes permite visualizar outras ofertas de entrega disponíveis na sua área e que são pagas abaixo da sua «Taxa Mínima por Quilómetro», sem necessidade de alterarem a Taxa Mínima por Quilómetro que anteriormente escolheram, e selecioná-las para entrega, se assim o desejarem, através da ferramenta «Radar de Viagens».
34. A plataforma permite aos «estafetas» bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não desejam contactar.
35. O «estafeta» pode estar simultaneamente ligado a outra plataforma digital concorrente e, portanto, a realizar outras entregas ao mesmo tempo que realiza entregas através da plataforma Uber Eats.
36. (Não provado)
37. A Ré celebrou com a Companhia de Seguros Allianz um contrato de seguro para «proteção de parceiros de entrega da Uber» a favor dos «estafetas».
38. Para iniciar a prestação de atividade de «estafeta» na plataforma digital Uber Eats, o senhor AA, em data não posterior a Outubro de 2022, procedeu à criação de conta própria na mencionada plataforma gerida pela Ré.
39. Para esse efeito, conforme imposto pela Ré, o senhor AA teve de designadamente demonstrar: a) ter atividade iniciada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira; b) ter veículo próprio (moto, trotinete ou bicicleta); c) ter documento de identificação válido; d) possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens; e) não ter antecedentes criminais.
40. Teve, ainda, de aceitar os Termos e Condições de utilização dessa aplicação pré-definidos pela Ré, conforme «contrato de parceiro de entregas independente» cujo conteúdo, pela sua manifesta extensão, se dá aqui por reproduzido.
41. Conforme imposto pela Ré, o senhor AA comprometeu-se a manter essa conta atualizada e ativa, declarando reunir as obrigações ali estabelecidas e previstas nesse «contrato», tendo, designadamente, que preencher os requisitos previstos no ponto 5. («As suas obrigações») que se transcreve:
«a. Por forma a manter o acesso à App, deve (i) manter todas as licenças, permissões, autorizações alvarás ou outros títulos habilitantes, necessários para a prestação de Serviços de Entrega, e (ii) cumprir com todos os requisitos legais.
b. Concorda em completar todos os passos do processo de registo (incluindo a prestação de toda a documentação exigida e verificações de idoneidade, quando exigível) para poder aceder à App.
c. Está obrigado a cumprir este Contrato e se não o fizer, aceita e reconhece que a Uber Eats reserva o direito, a qualquer momento, fazer cessar este Contrato e, ao fazê-lo, restringir o Seu acesso à App. Se a Uber Eats restringir por qualquer forma o acesso ou utilização da App pelos referidos motivos, Cláusulas 11, 16 e 17 deste Contrato serão aplicáveis.
d. Deve ter todos os equipamentos, ferramentas e outros materiais necessários (a expensas próprias) para executar os Serviços de Entrega.
e. Irá prestar os Serviços de Entrega com a devida competência, cuidado e diligência e compromete-se a cumprir com todas as leis aplicáveis, regulamentos, costumes locais e boas práticas, incluindo as relativas a segurança dos Clientes, segurança rodoviária e higiene, segurança alimentar e regulamentos sobre entrega de bebidas alcoólicas.
f. Quando opte por usar a App, fá-lo-á de boa-fé, fará uma boa utilização e abster-se-á de tentar defraudar a Uber Eats, os Comerciantes, outros Parceiros de Entregas Independentes e os Clientes.
g. Não lhe é exigida a utilização de roupa ou sacos com a marca da Uber Eats para prestar Serviços de Entrega. É livre para escolher o equipamento necessário para o Seu negócio, incluindo o uso de equipamentos de marcas concorrentes da Uber Eats, quando apropriado.
h. Para prestar Serviços de Entrega deverá apenas utilizar o Meio de transporte identificado na sua conta connosco. O Meio de Transporte identificado deve ser adequado para utilização no âmbito da App (tal como determinado a cada momento). Quando aplicável, o Meio de Transporte deverá cumprir com a legislação aplicável no Território.
i. Deverá entregar-nos toda a informação por nós exigida (incluindo renovações) que demonstre a observância do exposto acima, antes e durante o período de utilização da App.
j. Quaisquer taxas e impostos suportados em resultado da prestação de serviços de Entrega serão da sua responsabilidade.
k. A Uber Eats compromete-se a reembolsar Portagens suportadas no decurso da prestação de Serviços de Entrega.
l. Deverá manter em vigor durante todo o período de utilização da App todas as apólices de seguro obrigatório aplicáveis ao Meio de Transporte que utiliza durante o período de vigência deste Contrato, com o nível de cobertura exigido por lei.
m. Se aceitar uma proposta de Serviço de Entrega, ser-lhe-ão facultadas Informações do Utilizador e instruções dadas pelos Utilizadores e Informações do Comerciante e instruções dadas pelos Comerciantes à Uber Eats através da App. Devido à legislação em matéria de proteção de dados, o Parceiro compromete-se a não contactar qualquer Utilizador, ou por qualquer forma usar a informação relativa a qualquer Utilizador, para qualquer fim que não seja a prestação de Serviços de Entrega ou a devolução de um artigo perdido.
n. Vai receber uma identificação de Parceiro de Entregas Independente que permite o acesso e o uso da App de acordo com este Contrato. Deve manter essa identificação de Parceiro de Entregas Independente confidencial e não a partilhar com terceiros não autorizados. Deve notificar a Uber Eats de qualquer violação, divulgação ou uso indevido da sua identificação de Parceiro de Entregas Independente ou da App.
o. O Parceiro de Entregas Independente é livre para substituir a sua atividade, o que significa que pode decidir livremente e chegar a acordo com outro Parceiro de Entrega Independente com uma conta ativa na App para que este último realize serviços de entrega no Seu interesse e sob o Seu controlo e responsabilidade.
p. Ao usar a App, deve cumprir este Contrato e todas as leis aplicáveis”.
42. A Ré tem o direito de impedir o acesso à plataforma pelo senhor AA, descativando a respetiva conta, nas seguintes situações conforme «contrato» que se transcrevem:
«b. No caso de uma alegada violação das obrigações do Parceiro de Entregas Independente (Cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas, ou sempre que necessário para a proteção de terceiros, ou cumprimento da legislação aplicável, ou decorrente de ordem judicial ou administrativa, temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. Se o fizermos, será notificado por escrito das razões para tal restrição. Podem existir circunstâncias em que não lhe poderemos facultar informação sobre denúncias no decurso de uma investigação (quer seja uma investigação nossa ou de terceiros, como as autoridades policiais»;
«b. Podemos resolver o presente Contrato, a qualquer momento, mediante notificação prévia, por escrito, com 30 (trinta) dias de antecedência, salvo nas seguintes situações, nas quais, este período de aviso prévio não se aplica: (i) se estivermos sujeitos a uma obrigação legal ou regulamentar que nos obrigue a terminar a sua utilização da App ou dos nossos serviços em prazo inferior a 30 (trinta) dias; (ii) se o Parceiro de Entregas Independente tiver infringido o presente Contrato; ou (iii) mediante denúncia de que o Parceiro de Entregas Independente tenha agido de forma não segura ou violou este Contrato ou legislação em conexão com a prestação de serviços de entrega; (iv) teve um comportamento fraudulento (atividade fraudulenta pode incluir, mas não está limitada às seguintes ações: partilhar sua conta com terceiros não autorizados; aceitar propostas sem intenção de as entregar; induzir utilizadores a cancelar os Seus pedidos; criar contas falsas para fins fraudulentos; solicitar reembolso de taxas não geradas; solicitar, executar ou confirmar intencionalmente a disponibilidade de propostas fraudulentas; interromper o funcionamento das aplicações e do GPS da Uber, como alterar as configurações do telefone; fazer uso indevido de promoções ou para fins diferentes dos pretendidos; contestar cobranças por motivos fraudulentos ou ilegítimos; criar contas duplicadas; fornecer informações falsas ou documentos falsificados); ou (iv) se estivermos a exercer um direito de resolução por um motivo imperativo nos termos da lei aplicável, que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas Independente já não se qualifique, nos termos deste Contrato, da lei e regulamentos aplicáveis ou das normas e políticas da Uber Eats e das suas Afiliadas, para prestar Serviços de Entrega ou para operar o Seu Meio de Transporte».
43. Exerce a atividade de «estafeta» na modalidade de «utilizador estafeta», nos termos anteriormente definidos.
44. Porém, por período não concretamente apurado, mas necessariamente posterior a Outubro de 2022 e anterior a 27 de Fevereiro de 2023, o senhor AA prestou a atividade de «estafeta» através de uma outra sociedade comercial.
45. Nesse período, os seus pagamentos foram efetuados por essa empresa.
46. O senhor AA indicou como área geográfica preferencial para prestação da sua atividade a cidade de Lisboa e arredores, atuando habitualmente na Amadora.
47. Sempre que o senhor AA pretende iniciar o exercício da atividade de «estafeta», tem de iniciar sessão na mencionada plataforma, tendo que aceder à sua conta na aplicação da Ré, através do nome de utilizador por si escolhido bem como do respetivo código de segurança e acionando o botão «disponibilidade».
48. O senhor AA decide se trabalha num dia concreto e desenvolve a sua atividade em horário que o próprio define, bastando para o efeito colocar-se online na plataforma nos períodos respetivos.
49. (Não provado)
50. Porém, entre 6 de Fevereiro de 2023 e 20 de Fevereiro de 2023, não utilizou uma única vez a plataforma para prestar a sua atividade de «estafeta».
51. O senhor AA pode decidir quando é que é pago, via Flex Pay, ocorrendo este por defeito semanalmente.
52. No dia 27 de Setembro de 2023, pelas 12h10, o senhor AA encontrava-se, no exercício da descrita atividade de «estafeta», no estabelecimento comercial denominado Continente na Amadora, a aguardar a preparação do pedido efetuado pelo cliente, para proceder à recolha desse pedido e posterior entrega na morada indicada por aquele, quando foi identificado por inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho.
53. No momento da abordagem pelos elementos da ACT, o senhor AA encontrava-se a fazer uso de uma mochila térmica necessária para o transporte de refeições, tinha veículo próprio para transportar as encomendas e tinha a aplicação da plataforma Uber Eats instalada e ativa no seu smartphone.
54. Este equipamento pertence ao senhor AA.
55. Para iniciar a prestação de atividade de «estafeta» na plataforma digital Uber Eats, o senhor BB, desde pelo menos 2 Abril de 2023, procedeu à criação de conta própria na mencionada plataforma da Ré.
56. Para esse efeito, conforme imposto pela Ré, o senhor BB teve designadamente de demonstrar: a) ter atividade iniciada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira; b) ter veículo próprio (moto, trotinete ou bicicleta); c) ter documento de identificação válido; d) possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens; e) não ter antecedentes criminais.
57. Teve, ainda, de aceitar os Termos e Condições de utilização dessa aplicação pré-definidos pela Ré, conforme «contrato de parceiro de entregas do parceiro de frota» cujo conteúdo, pela sua manifesta extensão, se dá aqui por reproduzido.
58. Conforme imposto pela Ré, o senhor BB comprometeu-se a manter essa conta atualizada e ativa, declarando reunir as obrigações estabelecidas e previstas nesse «contrato», tendo, designadamente, que preencher os requisitos previstos no ponto 5. («As suas obrigações») que se transcrevem:
«a. Por forma a manter o acesso à App, deve (i) manter todas as licenças, permissões, autorizações alvarás ou outros títulos habilitantes, necessários para a prestação de Serviços de Entrega, e (ii) cumprir com todos os requisitos legais.
b. Adicionalmente a qualquer obrigação exigível à sua empresa de parceiro de frota, você concorda em completar todos os passos do processo de registo (incluindo a prestação de toda a documentação exigida e verificações de idoneidade, quando exigível) para poder aceder à App.
c. Deve cumprir e atingir os requisitos dos presentes Termos. Se deixar de cumprir ou atingir os requisitos destes termos, a Uber Eats reserva o direito, a qualquer momento, restringir por qualquer forma o seu acesso à App se não cumprir os deveres constantes deste Contrato. Se a Uber Eats restringir o seu acesso à App, serão aplicadas as cláusulas 9 e 14 do presente contrato.
d. Deve ter todos os equipamentos, ferramentas e outros materiais necessários (por conta própria ou por conta da empresa de parceiro de frota).
e. Ao utilizar a App para prestar serviços de entrega, compromete-se a cumprir com todas as leis e regulamentos aplicáveis, assim como os costumes locais e boas práticas, incluindo as relativas a segurança rodoviária e higiene, segurança alimentar e regulamentos sobre entrega de bebidas alcoólicas.
f. Quando opte por usar a App, fá-lo-á de boa-fé, fará uma boa utilização e abster-se-á de tentar defraudar a Uber Eats, os Comerciantes, outros Parceiros de Entregas Independentes e os Clientes.
g. Não lhe é exigida a utilização de roupa ou sacos com a marca da Uber Eats para prestar Serviços de Entrega. É livre para escolher o equipamento necessário para o Seu negócio, incluindo o uso de equipamentos de marcas concorrentes da Uber Eats, quando apropriado.
h. Deve apenas usar o Meio de Transporte identificado na sua conta. O Meio de Transporte identificado deve ser adequado para utilização no âmbito da App (tal como determinado a cada momento). Quando aplicável, o Meio de Transporte deverá cumprir com a legislação aplicável no Território.
i. Deverá entregar-nos toda a informação por nós exigida (incluindo renovações) que demonstre a observância do exposto acima, antes e durante o período de utilização da App, de forma a permitir-nos rever qualquer um desses documentos a qualquer momento e de forma contínua.
j. Quaisquer taxas, impostos e contribuições à segurança social suportados em resultado da prestação de serviços de entrega serão da sua responsabilidade.
k. A Uber Eats compromete-se a reembolsar a sua empresa de parceiro de frota de portagens suportadas no decurso da prestação de Serviços de Entrega.
l. Deverá ter em vigor durante todo o período de utilização da App todas as apólices de seguro obrigatório aplicáveis ao Meio de Transporte que usa durante o período de vigência deste Contrato, com o nível de cobertura exigido por lei.
m. Se aceitar uma proposta de Serviço de Entrega, ser-lhe-ão facultadas Informações do Utilizador e instruções dadas pelos Utilizadores e Informações do Comerciante ou instruções dadas pelos Comerciantes à Uber Eats através da App. Devido aos regulamentos em matéria de proteção de dados, compromete- se a não contactar qualquer Utilizador, ou por qualquer forma usar a informação relativa a qualquer Utilizador, para qualquer fim que não seja a prestação de Serviços de Entrega.
n. Vai receber uma identificação de Parceiro de Entregas que permite o acesso e o uso da App de acordo com este Contrato. Deve manter essa identificação de Parceiro de Entregas confidencial e não a partilhar com terceiros não autorizados. Deve notificar a Uber Eats de qualquer violação, divulgação ou uso indevido da sua identificação de Parceiro de Entregas ou da App.
o. O Parceiro de Entregas é livre para substituir a sua atividade, o que significa que pode decidir livremente e chegar a acordo com outro Parceiro de Entrega Independente com uma conta ativa na App para que este último realize serviços de entrega no Seu interesse e sob o Seu controlo e responsabilidade.
p. O parceiro de entregas cumprirá a lei aplicável em relação à sua situação fiscal e junto da segurança social. O parceiro de entregas é responsável por preencher e atualizar as suas informações fiscais.
q. O parceiro de entregas é responsável pelos seus próprios impostos, inclusive em sua própria declaração de imposto sobre rendimentos.
r. Ao usar a App, deve cumprir este contrato e todas as leis aplicáveis».
59. Depois da validação do seu registo, o «estafeta» foi convidado pelo «parceiro de frota» para se associar a si, através da plataforma, e aceitou.
60. Esse «parceiro de entregas» é uma outra sociedade comercial, não concretamente apurada, constituída em data não concretamente apurada.
61. A Ré tem o direito de impedir o acesso à plataforma pelo senhor BB descativando a respetiva conta, nas seguintes situações conforme «contrato» que se transcrevem:
«b. No caso de uma alegada violação das obrigações do Parceiro de Entregas (Cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas, ou sempre que necessário para a proteção de terceiros, ou cumprimento da legislação aplicável, ou decorrente de ordem judicial ou administrativa, temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. Se o fizermos, será notificado por escrito das razões para tal restrição. Podem existir circunstâncias em que não lhe poderemos facultar informação sobre denúncias no decurso de uma investigação (quer seja uma investigação nossa ou de terceiros, como as autoridades policiais»;
«b. Podemos resolver o presente Contrato, a qualquer momento, mediante notificação prévia, por escrito, com 30 (trinta) dias de antecedência, salvo nas seguintes situações, nas quais, este período de aviso prévio não se aplica: (i) se estivermos sujeitos a uma obrigação legal ou regulamentar que nos obrigue a terminar a sua utilização da App ou dos nossos serviços em prazo inferior a 30 (trinta) dias; (ii) se o Parceiro de Entregas tiver infringido o presente Contrato; ou (iii) mediante denúncia de que o Parceiro de Entregas tenha agido de forma não segura ou violou este Contrato ou legislação em conexão com a prestação de serviços de entrega; (iv) o seu comportamento equivale a fraude (atividade fraudulenta pode incluir, mas não está limitada, às seguintes ações: partilhar sua conta com terceiros não autorizados; aceitar propostas sem intenção de as entregar; induzir utilizadores a cancelar os Seus pedidos; criar contas falsas para fins fraudulentos; solicitar reembolso de taxas não geradas; solicitar, executar ou confirmar intencionalmente a disponibilidade de propostas fraudulentas; interromper o funcionamento das aplicações e do GPS da Uber, como alterar as configurações do telefone; fazer uso indevido de promoções ou para fins diferentes dos pretendidos; contestar cobranças por motivos fraudulentos ou ilegítimos; criar contas duplicadas; fornecer informações falsas ou documentos falsificados); ou (iv) se estivermos a exercer um direito de resolução por um motivo imperativo nos termos da lei aplicável, que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas Independente já não se qualifique, nos termos deste Contrato, da lei e regulamentos aplicáveis ou das normas e políticas da Uber Eats e das suas Afiliadas, para prestar Serviços de Entrega ou para operar o Seu Meio de Transporte».
62. Sempre exerceu a atividade de «estafeta» na modalidade de «parceiro de entregas», nos termos anteriormente definidos.
63. A Ré nunca pagou diretamente ao referido senhor qualquer quantia pelo serviço de «estafeta».
64. O senhor BB indicou como área geográfica preferencial para prestação da sua atividade Mafra, Malveira e Lourel.
65. Sempre que o senhor BB pretende iniciar o exercício da atividade de «estafeta», tem de iniciar sessão na mencionada plataforma, tendo que aceder à sua conta na aplicação da Ré, através do nome de utilizador por si escolhido bem como do respetivo código de segurança e acionando o botão «disponibilidade».
66. O senhor BB decide se trabalha num dia concreto e desenvolve a sua atividade em horário que o próprio define, bastando para o efeito colocar-se online na plataforma nos períodos respetivos.
67. O senhor BB já ajustou a sua «Taxa Mínima por Quilómetro» de 0,10 € (taxa mínima por defeito) para valores superiores, desde os 0,6 € aos 4 €.
68. Entre 6 de Julho de 2023 e 17 de Julho de 2023, o senhor BB não utilizou uma única vez a Plataforma para prestar a sua atividade.
69. Porém, a sua conta continuou ativa.
70. No dia 27 de Setembro de 2023, pelas 19h40, o senhor BB encontrava-se, no exercício da descrita atividade de «estafeta», no estabelecimento comercial denominado Modelo Continente de Mafra, sito na Rua da Escola, EN 116, 2640-577 Mafra, aguardar a preparação do pedido efetuado pelo cliente, para proceder à recolha desse pedido e posterior entrega na morada indicada por aquele, quando foi identificado por inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho.
71. No momento da abordagem pelos elementos da ACT, o senhor BB encontrava-se a fazer uso de uma mochila térmica necessária para o transporte de refeições, tinha veículo próprio para transportar as encomendas e tinha a aplicação da plataforma Uber Eats instalada e ativa no seu smartphone.
72. Este equipamento não pertence à Ré.
73. Em apenas 4 dias, a Ré foi surpreendida com a notificação de mais de 200 autos de inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade no âmbito de plataforma digital para, no prazo de 10 dias: a) regularizar a situação; ou b) pronunciar-se dizendo o que tiver por conveniente.
74. Sendo que, ao longo dos meses de Novembro e de Dezembro de 2023, continuou a ser diariamente notificada de um número de autos de inadequação de vínculo que titula a prestação de atividade no âmbito de plataforma digital, todos com o mesmo prazo de resposta, ascendendo à data a um total de 466 autos.
75. Nesse sentido, a Ré, dirigiu, em 9 e 10 de Novembro, à Senhora Inspetora-geral do Trabalho um requerimento cujo conteúdo se dá por reproduzido e onde expressa:
«A Uber Eats Portugal, Unipessoal, Lda., … tem conhecimento de que se encontra em curso uma ação inspetiva a nível nacional à atividade das plataformas eletrónicas, e que deverá ficar concluída ate ao final do ano. Desde o início dessa ação inspetiva que a Uber Eats tem envidado os melhores esforços para ativamente cooperar e cumprir atempadamente com os pedidos e notificações da ACT, sempre na melhor medida possível. No entanto, e se nos é permitido, a Uber Eats gostaria de trazer a atenção de V. Exa. os desafios com os quais se tem confrontado para cumprir os mais altos padrões de cooperação e cumprimento com a ação inspetiva em curso para, nessa sequencia, lhe formalmente dirigir um requerimento. Desde Agosto de 2023, a Uber Eats recebeu mais de 25 notificações de 18 centros e unidades locais da ACT para apresentação de documentos, abrangendo mais de 600 prestadores de atividade… Atento o exposto, a Uber Eats vem requerer a V. melhor atenção e intervenção para que sejam adotadas as medidas necessárias a uma ação inspetiva justa, eficiente e objetiva, com prazos razoáveis…concedendo-lhe um prazo não inferior a 30 dias o efeito».
76. Obteve a seguinte resposta:
«Na sequência do requerimento entregue na ACT em 09 de Novembro de 2023 e por forma a assegurar célere resposta, foi realizada reunião onde tivemos oportunidade de clarificar os aspetos principais de atuação da ACT na ação inspetiva com âmbito de intervenção nas plataformas digitais, detalhando que os mesmos não diferem dos procedimentos normais da atuação dos inspetores do trabalho nas demais ações inspetivas que se realizam no exercício das suas competências legalmente atribuídas. Conforme também falado na reunião de dia 16 do corrente mês, e entendimento da ACT que, pese embora o procedimento previsto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, esteja inserto no regime processual aplicável as contraordenações laborais e da segurança social, trata-se de um procedimento inspetivo. Não sendo um ato processual, não se lhe aplica por isso o artigo 6.º da Lei n.º 107/2009. Os 10 dias a que alude a citada disposição legal são assim contados em dias úteis nos termos do artigo 87.º do CPA. Já quanto ao pedido de renovação do mesmo prazo de 10 dias ou concessão de novo prazo, sendo aquele um prazo tipificado na lei sem previsão de prorrogação, não se encontra na disponibilidade do inspetor do trabalho. Há ainda que atender ao facto de a intervenção da ACT, previa a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, constituir um procedimento célere para a regularização de casos de inadequação do vínculo que titula a prestação da atividade. Por outro lado, todos os procedimentos inspetivos, pressupondo a liberdade de adesão dos seus destinatários as suas indicações, são atos preparatórios de uma decisão final. Na situação concreta, a decisão final será a que resultar da decisão judicial a proferir em ação de reconhecimento intentada pelo Ministério publico. Isto porque, caso o empregador, no prazo legal, não regularize a situação do trabalhador, a ACT remete, nos cinco dias seguintes, a participação dos factos e todos os elementos de prova apurados ao Ministério Publico do Tribunal da área da prestação da atividade para fins de instauração da ARECT e levanta auto de notícia pela verificação da contraordenação prevista no artigo 12.º-A, n.º 10, do Código do Trabalho. No entanto, o procedimento contraordenacional que tem origem neste auto de notícia elaborado, suspende-se no momento do recebimento da participação do auto, previsto no referido artigo 15.º-A, ao Ministério Publico. Havendo ainda que atender ao juízo de oportunidade na seleção dos instrumentos inspetivos a aplicar a cada situação, que contemplem: (i) a gravidade da infração, (ii) o prejuízo para a segurança e saúde dos trabalhadores, (iii) o juízo de prognose sabre a mudança do comportamento do infrator em tempo útil. Sendo esse juízo de prognose desfavorável, manda o princípio da legalidade que seja adotado de imediato o procedimento coercivo mais adequado».
77. O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si.
78. Os prestadores de atividade são livres na forma como se apresentam, nomeadamente a roupa e o equipamento que querem usar (incluindo utilizar a marca de concorrentes) e o veículo (mota ou bicicleta) que utilizam para efetuar as entregas.
79. A Plataforma não faz qualquer escrutínio sobre a sua experiência, qualificações académicas, ou ausência delas, bem como sobre as características pessoais e técnicas dos prestadores de atividade, para validar o seu registo na Plataforma.
80. Os prestadores de atividade são livres de se substituírem por outro estafeta registado na aplicação.
*** O DIREITO:
Comecemos pelo valor da causa!
Defende a Recrte. que estamos perante uma ação de interesse público, de defesa da legalidade e do combate aos “falsos” contratos de prestação de serviços e recibos verdes, não estando, portanto, em causa os interesses do pretenso trabalhador. Está em causa um processo especial de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços, dado que essa utilização indevida, para além de poder afetar o pretenso trabalhador subordinado, prejudica igualmente interesses do Estado, de natureza fiscal e de segurança social. Assim, além de interesses dos prestadores, relacionados com valores pecuniários está em causa o interesse imaterial de segurança no emprego (art.º 53 da CRP), uma vez que o Ministério Público age aqui em representação do Estado e em defesa do interesse público, o interesse em combater o fenómeno dos “falsos recibos verdes”, o que aliás por si só justifica que esta ação especial seja de simples apreciação. Ora, estando em causa o interesse público, estaremos perante interesses imateriais.
Contrapõe o Ministério Público que não estamos no âmbito de ações sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais ou difusos, pois o reconhecimento da existência de contrato de trabalho tem repercussões económicas para o trabalhador e para a entidade empregadora. Todavia, neste tipo de ação dificilmente se apuram os valores em concreto, na medida em que também não é essa a questão em discussão. Pelo que, ter-se-á sempre de recorrer à solução prevista no art.º 12.º, n.º 1, alínea e) do RCP e aplicar o valor de 2.000,00€.
Na sentença recorrida foi fixado à causa o valor de 2.000,00€ por referência ao disposto no Art.º 186º-Q/1 e 2 do CPT, tendo-se consignado que "Nas ações não se formula o pedido de pagamento de quaisquer prestações. Ainda assim, o interesse em apreciação é suscetível de expressão pecuniária, o que afasta do caso o disposto no artigo 301.º do Código de Processo Civil.”
Não nos merece censura o juízo assim efetuado.
Na verdade, subjazem a esta ação interesses vários – interesses de ordem pública decorrentes da circunstância de, na sua base, estar o combate a falsas situações de autonomia laboral, situações essas que se traduzem em prejuízo para o Estado, seja em matéria de fiscalidade, seja de regime contributivo para a segurança social, e interesses de natureza privada já que a decisão se repercute na pessoa do prestador e do beneficiário, definindo a sua situação laboral.
Da circunstância de estarem presentes também interesses de ordem pública não decorre, porém, a imaterialidade dos direitos em presença.
A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido (Art.º 296º/1 do CPC).
A lei estabelece, como é consabido, critérios gerais e específicos para a fixação do valor da causa.
Entre aqueles, o consignado no Art.º 297º/1 do CPC de acordo com o qual se, pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.
Pretende a Apelante que estão em causa interesses imateriais o que levaria à aplicação do disposto no Art.º 303º/1 do CPC – atribuição de valor equivalente ao da alçada da Relação e mais 0,01€.
Interesses imateriais são os destituídos de significado e valor económico, o que não é, manifestamente, o caso.
Conforme decorre da lição de Salvador da Costa, “versam especificamente sobre interesses imateriais as ações cujo objeto não tem valor pecuniário e que visam realizar um interesse não patrimonial, ou seja, cuja vantagem é insuscetível de se expressar em uma quantia monetária”, o que não é, por exemplo, o caso das “ações em que esteja em causa a apreciação da nulidade do ato de despedimento de trabalhadores ou a sua reintegração na empresa, nem aquelas em que seja pedida a declaração de que um trabalhador tem direito a exercer determinada atividade profissional”1. E, assim, por maioria de razão, muito menos a presente ação se pode ter como clamando pelo reconhecimento de algum interesse imaterial2.
A jurisprudência, chamada a pronunciar-se sobre a matéria em sede a ARECT, afirmou já que (i) na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, está apenas em causa apreciar se os factos provados conduzem a esse reconhecimento e desde que data, não sendo permitida legalmente a pronúncia sobre outras questões, mesmo que resultem dos factos provados. (ii) na determinação do valor da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não tem lugar a aplicação do art.º 300.º n.º 2 do Código de Processo Civil, pois não se formula um pedido de pagamento de prestações vencidas e vincendas. (iii) igualmente não tem lugar a aplicação do critério da imaterialidade dos interesses do art.º 303.º n.º 1 do Código de Processo Civil, pois o interesse em apreciação é suscetível de expressão pecuniária. (iv) o art.º 186.º-Q n.º 1 do Código de Processo do Trabalho consagra um critério especial de fixação do valor da causa, sempre que não for possível determinar outro valor da utilidade económica do pedido, garantindo, de todo o modo, a admissibilidade de recurso de apelação para a Relação – art.º 186.º-P3.
Não vemos razão para nos afastarmos deste entendimento.
Não oferecendo os autos, muito concretamente a partir do pedido formulado, algum critério que permita enquadrar o caso em norma específica, estamos certos que o critério contraposto pela Apelante não merece acolhimento por não traduzir a ação a apreciação de algum interesse imaterial. E, assim, bem andou a sentença ao ancorar-se num critério retirado do Art.º 186ºQ do CPT que, sendo, é certo, diretamente aplicável em matéria de custas, nada impede que sirva como aferidor neste conspecto.
Improcede, deste modo, a questão em apreciação.
*
Passamos à 3ª questão – Não se verifica a presunção de existência de contrato de trabalho?
A sentença afirmou não ser aplicável a presunção de laboralidade estabelecida no Art.º 12ºA do CT, dada a data de constituição de ambos os vínculos.
A Apelante sufraga este juízo.
Não nos deteremos, pois, sobre esta questão que consideramos ter transitado em julgado.
Por outro lado, a sentença considerou também não ser aplicável a esta realidade a presunção que integra o Art.º 12º porquanto a mesma “foi pensada para uma realidade que não é necessariamente a de hoje. «Esta presunção, apesar de ser positiva, foi perspetivada para as relações de trabalho típicas, para as relações de trabalho da era pré-digital. Para as novas formas de prestar trabalho, para o trabalho nas plataformas digitais, para o trabalho na era digital, novos desafios surgiram e para os quais, porventura, a presunção deste artigo não consegue dar resposta satisfatória. Por isso, o legislador reconheceu, e bem na nossa opinião, a inadequação da presunção de laboralidade, nos moldes estabelecidos no Código do Trabalho, para enfrentar os problemas emergentes das novas formas de trabalhar através de plataformas digitais. Fatores como, inter alia, a propriedade dos equipamentos e instrumentos de trabalho, a existência de um horário de trabalho determinado pelo beneficiário da atividade e o pagamento de uma retribuição certa, são indícios clássicos de subordinação jurídica, mas são indícios escassamente operacionais para enfrentar os novos tipos de dependência resultantes da prestação de serviços para uma determinada empresa, via plataforma»: Coelho Moreira, Teresa; Carvalho Gonçalves, Marco: Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital: alguns aspetos materiais e processuais - https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/88219.”
A Recorrente alega que não pode acompanhar o entendimento do Tribunal a quo no que concerne à inaplicabilidade da presunção consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, a qual foi pura e simplesmente descartada pelo Tribunal a quo, escudando-se este num entendimento “atualista” da noção de trabalho (e de trabalhador) e da própria forma de olhar para as presunções de laboralidade, tal como defendido por alguma doutrina.
Temos alguma dificuldade em elaborar sobre a temática considerando o ponto de vista da Apelante, pois, se o Tribunal recorrido não tira consequências da presunção constante do Art.º 12º do CT não vemos que isso redunde num prejuízo para si.
Ora, sendo os recursos os meios próprios para impugnar decisões judiciais, também é certo que o recorrente tem de ter um interesse legítimo na impugnação, interesse que, quanto a esta matéria não descortinamos.
Quererá a Recrte. defender que se perspetivam alguns dos factos índice da presunção ali estabelecida?
Não parece, pois detém-se em várias páginas a demonstrar o contrário.
É certo que a sentença afirmou que se impõe “atualizar a forma como aferimos a subordinação, procedendo a uma leitura atualista do artigo 12º”.
Porém, como resulta do que a seguir expõe, esta afirmação serviu para introduzir a temática atinente ao conceito de subordinação na era digital, passando, após, a apreciar o caso à luz deste conceito, ou seja, aferindo a existência de contrato de trabalho segundo o método indiciário. Questão comportada pela insurgência decorrente da temática que enforma a 5ª das enunciadas questões colocadas na apelação. Isto mesmo se retira do texto que extratamos:
“Nesta perspetiva, respeitosamente se afirma a nossa concordância com o essencial da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães em 3 de Outubro de 2024 em caso semelhante ao destes autos (processo 2838/23.1T8VRL.G1): «mais não se trata do que caracterizar o vínculo em causa com recurso ao bem conhecido e antigo método indiciário, criado ao longo do tempo pela jurisprudência, que consiste no confronto dos factos apurados com uma grelha de tópicos ou indícios de qualificação».”
Considerando que o Tribunal não afirmou a existência de contrato de trabalho por força da presunção do Art.º 12º, não vemos a utilidade da apreciação.
Termos em que, por falta de interesse legítimo da Recrte. nesta matéria, não conhecemos desta parte do recurso.
*
Fica, assim, prejudicada, a questão enunciada em 4º lugar – a ilisão da presunção.
*
Passamos à 5ª questão – Não estamos perante situação de facto que permita qualificar as relações dos autos como constituindo contrato de trabalho?
Na análise que efetuou a sentença deteve-se sobre as seguintes questões:
- A relação de trabalho deve ser intuitus personae? - A relação de trabalho assume a característica da permanência, ainda que seja por um breve período?
- Os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencem ao beneficiário?
- A ausência do dever de não concorrência?
- O poder de direção e de conformação do modo como é prestada a atividade?
- O poder sancionatório?
- A retribuição?
- O modo de contratação?
Após discorrer sobre cada um destes itens concluiu que ambas as ações procedem.
A sustentar a questão que enunciámos a partir das conclusões, alega a Apelante que como amplamente explanado pela mais autorizada jurisprudência, o método indiciário consiste em procurar, na situação concreta e na impossibilidade de aplicar qualquer presunção de laboralidade, os factos normalmente associados à existência ou inexistência da subordinação jurídica, de acordo com o modelo prático em que aquele conceito se traduz, passando cada um desses factos a constituir um indício que militará a favor, ou contra, a existência da dita subordinação. O que se visa avaliar e sopesar é o grau de subordinação jurídica, tendo em conta a factualidade concretamente apurada. O ónus da prova cabe ao Autor.
Subscrevemos a alegação nesta parte.
A Recrte. detém-se, após, sobre os tradicionais indícios vindo a concluir que, globalmente considerados os factos provados, não se vislumbra, que os mesmos permitam concluir pela subordinação jurídica na relação estabelecida entre os prestadores de atividade visados e a Recorrente, não se descortinando, nomeadamente, qualquer factualidade de onde se possa concluir a sujeição dos dois prestadores de atividade ao controlo, poder de direção e poder disciplinar da Recorrente, pelo que não é possível concluir pela existência de subordinação jurídica e, por consequência, de qualquer contrato de trabalho.
Afirma, após a natureza intuitus personae do contrato de trabalho, a ausência de poder de direção, a remuneração do trabalho à tarefa, a ausência de exclusividade, a ausência de poder disciplinar, a da obrigação de assiduidade, o modo de contratação.
Na sua resposta o Apelado contrapõe a estas questões.
Vejamos como decidir!
O contrato de trabalho é definido no Código do Trabalho de 2009 como aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas (Art.º 11º).
As dificuldades de demonstração de existência de um contrato de trabalho são conhecidas dada a presença neste e em contratos de prestação de serviços de elementos coincidentes, mas, não obstante, também de outros distintivos, elegendo-se como elemento diferenciador a subordinação jurídica enquanto característica própria do contrato de trabalho.
Ocorre, porém, que esta, também não é, bastas vezes, facilmente apreensível, muito especialmente quando se perspetive o exercício de profissões com elevado grau de autonomia. E, como no caso, quando o modelo contratual, desenvolvido através de uma plataforma digital, apresenta características distintivas designadamente porque o trabalho se apresenta como radicalmente distinto na forma como é organizado e realizado. Um modelo de trabalho em que, em regra, os algoritmos “desempenham um papel crucial no processamento e rastreio de grandes quantidades de dados, o que é fundamental para as plataformas, que dependem de uma correlação eficiente entre a oferta e a procura”4.
Mas isto não nos dispensa da aferição, em concreto, daquela característica, aferição que deve partir da factualidade apurada a propósito de cada caso.
O contrato de trabalho caracteriza-se essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direção do empregador que lhe dá ordens, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da atividade.
A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.
Daí que desde sempre se venha entendendo que para que se conclua por uma situação de subordinação jurídica, o empregador deve ter efetivo poder determinativo da função, poder conformativo da prestação e poder na elaboração de horário de trabalho5.
É sabida a dificuldade existente na concretização desta figura. Daí que, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência venham apelando ao recurso a indícios reveladores da existência de subordinação jurídica, que é o elemento por excelência caracterizador do contrato de trabalho. Significa isto que a subordinação se há-de determinar “por um conjunto de características que podem surgir combinadas, nos casos concretos, de muitas maneiras”6. Fala-se, pois, de um método tipológico ao qual os tribunais devem recorrer para decidir os casos concretos, método que parte da avaliação de indícios vários. Indícios que, admitimos, merecem distinta leitura à luz da realidade emergente da denominada era digital.
Tais indícios prendem-se (tradicionalmente) com a existência de horário de trabalho, a prestação da atividade em local previamente definido pelo empregador, a existência de controlo no exercício da atividade, a utilização de bens do beneficiário da atividade, a sujeição a poder disciplinar, a modalidade de retribuição, a atribuição de categoria profissional, o não recurso, pelo executante, a colaboradores externos, a repartição do risco, ou mesmo a observância de um ou outro regime fiscal e de segurança social, enfim, impõe-se que recorramos a elementos próprios de uma organização laboral. Há, ainda, indícios externos ao próprio contrato que podem elucidar, como por exemplo, a prestação da mesma atividade para outrem.
Não é, contudo, imperativo que todos os indícios se verifiquem em cada caso, assumindo cada um deles valor relativo, devendo fazer-se um juízo de globalidade em relação à situação concreta evidenciada no acervo fático. Imperativo é, porém, que dos indícios presentes se possa, sem dúvidas razoáveis, concluir pela existência de contrato de trabalho por estar presente a característica que o define, a saber, a subordinação jurídica.
Ora, como bem nota Pedro Romano Martinez, “os tradicionais indícios desatualizaram-se com a evolução tecnológica, com diferentes modos de organização do trabalho”7.
Não despicienda é também a reflexão de Maria do Rosário Palma Ramalho que ensina que “o reconhecimento tradicional do poder diretivo como critério qualificativo por excelência do contrato de trabalho, enquanto reverso da subordinação do trabalhador merece ser reponderado, porque corresponde a uma visão excessivamente estreita da própria subordinação e porque o poder de direção é pouco saliente como marca distintiva do contrato de trabalho”8. Propõe, por isso, uma visão integrada dos dois poderes laborais como critério decisivo para a qualificação do contrato: o poder diretivo e o poder disciplinar, porquanto o vigor daquele é assegurado pela existência deste.
O poder disciplinar, contudo, estando pressuposto sempre que exista contrato de trabalho, nem sempre é visível, palpável, pressupondo apenas a hipótese de ver sancionada uma determinada conduta.
A tudo acresce a especificidade do trabalho em plataforma digital.
Na verdade, “hoje, através da gestão algorítmica de uma multidão de prestadores de atividade disponíveis para trabalhar (daí o termo crowdwork), estas empresas conseguem desenvolver o seu negócio e usufruir da respetiva mão-de-obra sem necessidade de recorrer a esses institutos tradicionais do Direito do Trabalho, provindos da era industrial9”. Sinalizando-se que, em conformidade com o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, “a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital”.
Cumprirá, então, definir o que é subordinação jurídica neste contexto.
Já há muito que os autores vêm afirmando que “a subordinação jurídica é uma noção de geometria variável, comportando uma extensa escala gradativa10”. Desse modo, o peso dos tradicionais indícios não será agora o mesmo, o que se admite dadas as novas possibilidades de execução de contrato de trabalho, nomeadamente em teletrabalho ou mediante isenção de horário. O CT terá mesmo evoluído no sentido da valorização da inserção numa organização em detrimento da precedente noção acoplada ao poder diretivo. É assim que no Art.º 11º se define contrato de trabalho como aquele em que uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra no âmbito de organização e sob autoridade desta. E assim será a inserção numa organização alheia, com submissão à respetiva autoridade, o elemento distintivo11. Ou seja, o “elemento chave de identificação do trabalho subordinado há-de, pois, encontrar-se no facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria, antes se integrar numa organização de trabalho alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios…, o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empregador”12.
Recentemente o STJ afirmou que a inserção estável e duradoura na organização da contraparte contratual, a exclusividade, a utilização de meios de produção disponibilizados pela contraparte, as instruções concretas para o exercício das funções são indícios que, avaliados no seu conjunto, levam à conclusão da existência de uma relação de trabalho subordinado13.
E a RG proclamou que no que respeita à relação entre estafeta e plataforma, o conceito de “subordinação” deve ser visto à luz da nova realidade, sendo de relevar a inserção do estafeta na estrutura económica da ré, na organização produtiva encarnada pela plataforma, e a inexistência de uma estrutura organizada por parte do estafeta e a sua dependência dessa organização, quer quanto ao trabalho, quer económica14. O que, verdadeiramente, reduz a subordinação jurídica à inserção num certo modelo organizacional, situação da qual discordamos, pois, para além da inserção organizacional, continua a exigir-se um certo grau de submissão capaz de traduzir os poderes associados à posição de empregador – submissão a regras que exprimam o poder de organização15.
Tendo por base estes novos parâmetros, revelarão os autos fortes indícios de subordinação jurídica?
A resposta é negativa.
Cumpre, todavia, analisar separadamente ambos os casos trazidos a juízo. De um lado, o prestador AA; de outro, o prestador BB. De comum, o exercício de atividade através de uma plataforma digital que é uma especificidade da atividade em equação. O acesso a tal plataforma pressupõe o cumprimento de um conjunto de regras próprias, o que não difere do exercício de atividade no âmbito de qualquer outra empresa, seja em regime de contrato de trabalho, seja em regime de contrato de prestação de serviços.
A. A situação de AA:
É patente a inserção numa certa organização. Desde logo a vinculação mediante um procedimento específico de registo prévio numa certa plataforma digital (ponto 6, 7), acedendo o prestador a uma prestação de serviço intermediada por essa mesma plataforma (ponto 18), com adesão aos termos do contrato de parceiro de entregas (ponto 40, 41) e mediante preços definidos por aquela (ponto 5, 9) e usando um sistema de geolocalização que é o da plataforma (ponto 22, 23, 24, 25, 28). Ao mesmo tempo que a R. celebrou um contrato de seguro para proteção de parceiros de entrega a favor do próprio (ponto 37).
Como dissemos, não basta a inserção organizacional. É necessário que dele decorra a sujeição à respetiva autoridade, sendo aqui que, do nosso ponto de vista, o conceito de subordinação não resulta preenchido. Senão vejamos!
A factualidade apurada revela o exercício de uma atividade remunerada que pressupõe o uso de instrumentos próprios do prestador (ponto 29, 30), prestador que livremente decide o local e o melhor percurso (ponto 15, 16, 26, , 46), o horário onde presta atividade (ponto 17, 48, 50, 77) e a quem presta (ponto 19,34), bem como o momento do cumprimento da obrigação retributiva (ponto 51). Esta obrigação está conexa com o resultado e não com a atividade (ponto 9, 18), não sendo impostos sinais exteriores de pertença a alguma organização (ponto 31). Acresce a possibilidade de contratar com terceiros, incluindo concorrentes, e inerente não sujeição a exclusividade relacional (ponto 35, 44, 45) e, bem assim, a inexistência de controle acerca do desempenho (ponto 19). A tudo acresce ainda a possibilidade de definição de limites da própria remuneração (ponto 32, 33) e a liberdade de substituição (ponto 80).
B. A situação de BB:
Façamos agora a mesma operação relativamente a este prestador.
Também quanto a ele se constata a inserção numa certa organização. Desde logo a vinculação mediante um procedimento específico de registo prévio numa certa plataforma digital (ponto 6, 7), acedendo o prestador a uma prestação de serviço intermediada por essa mesma plataforma (ponto 18), com adesão aos termos do contrato de parceiro de entregas (ponto 57, 58) e mediante preços definidos por aquela (ponto 5, 9) e usando um sistema de geolocalização que é o da plataforma (ponto 22, 23, 24, 25, 28). Ao mesmo tempo que a R. celebrou um contrato de seguro para proteção de parceiros de entrega a favor do próprio (ponto 37).
No concernente a sujeição à autoridade organizacional, encontramos uma situação em tudo idêntica à do primeiro prestador.
A factualidade apurada revela o exercício de uma atividade remunerada que pressupõe o uso de instrumentos próprios do prestador (ponto 29, 30), prestador que livremente decide o local e o melhor percurso (ponto 15, 16, 26, 64), o horário onde presta atividade (ponto 17, 66, 68, 69, 77) e a quem presta (ponto 19, 34). A obrigação retributiva está conexa com o resultado e não com a atividade (ponto 9, 18), não sendo impostos sinais exteriores de pertença a alguma organização (ponto 31). Acresce a possibilidade de contratar com terceiros, incluindo concorrentes, e inerente não sujeição a exclusividade relacional (ponto 35) e, bem assim, a inexistência de controle acerca do desempenho (ponto 19). A tudo acresce a possibilidade de definição de limites da própria remuneração (ponto 32, 33, 67) e a liberdade de substituição (ponto 80).
Ao conjunto de factos acima assinalados, acresce ainda, quanto a ambos os prestadores, a circunstância de serem livres na forma como se apresentam, nomeadamente a roupa e o equipamento que querem usar (incluindo utilizar a marca de concorrentes) e o veículo (mota ou bicicleta) que utilizam para efetuar as entregas (ponto 78). E bem assim, a ausência de escrutínio sobre a sua experiência, qualificações académicas, ou ausência delas, bem como sobre as características pessoais e técnicas dos prestadores de atividade, para validar o seu registo na Plataforma (ponto 79).
Não fundamenta qualquer quebra de autonomia no exercício da atividade a circunstância de haver regras instituídas para manutenção da conta (ponto 41, 58). Isso apenas significa que cabe ao proprietário da plataforma a sua gestão. E nem mesmo impressiona a circunstância de a substituição do prestador por terceiros dever ser feita por outrem registado na plataforma (ponto 80).
A plataforma fixa, unilateralmente, o valor dos preços cobrados aos clientes pelo serviço de transporte (ponto 5) e apresenta ao que estiver melhor posicionado a indicação do valor final a pagar (ponto 18), podendo, no entanto, o estafeta decidir aceitar ou ignorar, sem justificação, e sem que deixe de continuar a receber novas propostas (ponto 19). Para além disso, o estafeta pode indicar uma taxa mínima a receber por cada entrega (ponto 32).
A fixação de uma retribuição do trabalho constitui fator relevante, sendo de ponderar, que a fixação de preços por parte do prestador não é negociada. Por outro lado, na relação que se estabelece com os parceiros de negócio o estafeta não tem qualquer intervenção, tendo cada serviço o seu valor definido, valor que este pode ou não aceitar. Circunstâncias das quais emerge a falta de autonomia negocial do prestador, mas que, de algum modo é atenuada pelo facto de na Plataforma, os prestadores de atividade disporem de uma ferramenta que lhes permite visualizar outras ofertas de entrega disponíveis na sua área e que são pagas abaixo da sua Taxa Mínima por Quilómetro, sem necessidade de alterarem a Taxa Mínima por Quilómetro que anteriormente escolheram, e selecioná-las para entrega, se assim o desejarem, através da ferramenta “Radar de Viagens”. E também pela possibilidade de bloqueio de comerciantes e/ou clientes.
Relativamente ao modo de cumprimento da retribuição, provou-se que os prestadores de atividade escolhem quando são pagos – diária ou semanalmente (ponto 10).
A plataforma exige que a prestação da atividade do estafeta seja efetuada fazendo uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos, a qual deve cumprir requisitos mínimos quanto às dimensões, assim como quanto ao estado de conservação e limpeza. Porém, sem necessidade de ostentação da marca UBER (pontos 29, 30).
Os factos revelam ainda o recurso a uma ferramenta de geolocalização que se destina a permitir o acompanhamento dos pedidos pelos clientes, à apresentação de propostas de entrega a quem estiver melhor posicionado para o efeito e a encontrar a rota mais eficiente (pontos 22 a 25). Trata-se, pois, de algo inerente à especificidade do modo de exercício da atividade laboral, permitindo também aos clientes acompanhar a sua encomenda a partir do momento em que o estafeta a recolhe, daqui não emergindo nada que abale a autonomia do trabalhador.
Isto posto, voltemos às características que enformam o contrato de trabalho. Um contrato intuitus personae no qual relevam as características pessoais do trabalhador, algo não presente no caso concreto, pois, como se provou, a Recorrente não procede a qualquer seleção dos estafetas de acordo com as suas competências para desenvolver a atividade, sendo que permite a substituição entre estafetas. Claro que tal substituição pressupõe o registo na plataforma. Porém, essa é uma questão de segurança dos utilizadores e de garantia do cumprimento dos requisitos para o exercício da atividade. Do nosso ponto de vista, esta possibilidade de substituição revela que à ré não interessa a atividade daquele concreto prestador; antes o seu interesse reside no resultado.
Também os poderes associados ao contrato de trabalho estão ausentes ou muito mitigados. Do poder de direção, que se manifesta pela transmissão de ordens ou instruções no exercício da atividade, não vemos rasto. O mesmo se dizendo do poder disciplinar, sendo uma evidência que os prestadores podem até recusar trabalho sem que daí emerjam consequências. Não releva para efeito de aferição de potencial poder disciplinar o clausulado transcrito no acervo fático, que não se prende com a imposição de alguma sanção disciplinar. Antes traduz a regulamentação inerente ao exercício da atividade. Tal como salienta a Apelante, a desativação de contas, enquanto forma de reação a uma situação de incumprimento dos termos e condições da plataforma, pode ser um mecanismo de autotutela convencional.
Relativamente à retribuição, característica fundamental no contrato em referência, encontramos um sistema de pagamento á peça/quilómetro percorrido, sem que os autos revelem sequer os valores recebidos regularmente durante os meses pelos quais perdurou a prestação. Como é sabido, a retribuição para efeitos de laboralidade pressupõe a remuneração do tempo de trabalho16.
Também estão ausentes obrigações de assiduidade ou de cumprimento da atividade contratada ou de disponibilidade da força de trabalho.
A sentença valorou ainda o modo de contratação salientando que “o «estafeta» não tem a possibilidade de negociar os termos do contrato; apenas é livre de não aceitar contratar… Como diz o já bastamente mencionado acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, «trata-se de contratação não negocial, com supremacia de uma das partes, o que não é próprio do trabalho autónomo que, por princípio, obedece a uma negociação paritária entre as partes”. É verdade, mas não é o contrato de trabalho, as mais das vezes, também de adesão?
Com o devido respeito não podemos retirar dessa circunstância alguma conclusão acerca da natureza do contrato. Esta afere-se pela prática inerente à subsequente contratação.
Enfim, tudo ponderado não vemos no conjunto de factos cuja prova se obteve indícios de contrato de trabalho, não obstante se admitir a inserção numa certa organização, porém sem que os autos evidenciem o exercício de poderes de autoridade conformes à disciplina laboral (Art.º 11º do CT).
Procede a apelação.
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Dada a isenção do Apelado (Art.º 4º/1-a) do RCP), não são devidas custas.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em modificar o acervo fático conforme sobredito e julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterar a sentença, absolvendo a Apelada dos pedidos.
Notifique.
Lisboa, 9/04/2025
MANUELA FIALHO
ALVES DUARTE
FRANCISCA MENDES
(Concordo com a decisão, mas entendo que da conjugação do art.º 72º do CPT com o art.º 662º, nº 2 c) do CPC resulta que na jurisdição laboral pode ser ampliada a decisão referente à matéria de facto, com vista ao apuramento de factos relevantes que resultem da produção da prova, mesmo que tais factos não tenham sido articulados. No caso concreto considero que o uso de tal faculdade não se justifica.)
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1. Os Incidentes da Instância, Almedina, 45
2. Neste sentido os Ac. desta RLx. de 12/03/2013, Proc.º 82/12.2YHLSB-A e da RE de 11/04/2019, Proc.º 678/18.9T8STC.
3. Ac. da RE de 11/04/2019, Proc.º 678/18.9T8STC.
4. João Leal Amado e Teresa Coelho Moreira, PLATAFORMAS DIGITAIS, QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO E SUBSTITUIÇÃO DE ESTAFETAS: A “BALA DE PRATA”?, RIDT, Ano IV, Junho 2024, Nº 6, 137
5. Neste sentido o Parecer publicado na R.D.E.S. – Ano XXIX, n.º 1 – Jan./Mar. de 1987, págs. 57 a 8, da autoria de Fernando Ribeiro Lopes
6. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 22ª Ed., Almedina, 147
7. Direito do Trabalho, Almedina, 5ª Ed., 336
8. Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6ª Ed., Almedina,56
9. João Leal Amado, Teresa Coelho Moreira, As plataformas digitais, a presunção de laboralidade e a respetiva ilisão: nótula sobre o Acórdão da Relação de Évora, de 12/09/2024 https://observatorio.almedina.net/index.php/2024/10/08/as-plataformas-digitais-a-presuncao/
10. João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 69
11. Neste sentido, António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18.ª ed., Almedina, 133-134
12. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 22ª Ed., Almedina, 140
13. Ac. de 25/09/2024, Proc.º 12510/19.1T8SNT
14. Ac. de 17/10/2024, Proc.º 2793/23.8T8VRL.G1
15. Neste sentido parece ir também o parecer junto aos autos, subscrito por Pedro Madeira de Brito (conclusões 6ª e 12ª)
16. Ac. do STJ de 9/09/ 2015, Proc.º. 3292/13.1TTLSB
17. Da autoria da Relatora