RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
DIRECTOR TÉCNICO DA OBRA
DANO DA MORTE
PERDA DA CAPACIDADE AQUISITIVA
CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
SEGURANÇA SOCIAL
SUB-ROGAÇÃO
Sumário


I. Parte das normas que regulam aspectos concretos da construção civil possuem natureza bifronte (tutelando interesses de ordem pública e colectiva, mas também interesses particulares); e, por isso, ainda que editadas para protecção de interesses alheios, poderão ser invocadas como fonte de responsabilidade civil pelos particulares afectados negativamente pela sua violação.

II. Na indemnização de danos não patrimoniais, deverá privilegiar-se a gravidade dos mesmos e o recurso à equidade, ponderando-se ainda o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso, sem esquecer os critérios jurisprudenciais vigentes, bem como a nossa inserção no espaço da União Europeia.

III. A equidade impõe que o julgador pondere criteriosamente as realidades da vida, tendo em conta as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida das coisas, por forma a atingir a flexível e humana justiça do caso concreto, independente de critérios normativos fixados na lei; mas este maior empirismo e intuição não se confundem com arbitrariedade ou puro subjectivismo do julgador, impondo-lhe igualmente a observância do princípio da igualdade (no caso, a procura de uma uniformização de critérios, face nomeadamente a prévias decisões jurisprudenciais).

IV. Na prévia determinação do montante da indemnização por dano morte ter-se-á que atender à equidade e às circunstâncias referidas no art.º 494º do CC; mas, uma vez fixado, será atribuído «em conjunto» ao restrito elenco de pessoas discriminadas no n.º 2 do art.º 496.º citado, isto é, por meio de uma repartição aritmética igualitária.

V. Na indemnização pela perda, ou diminuição, da capacidade laboral, a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no final do período provável de vida, sendo o mesmo calculado de acordo com a equidade (e em que as tabelas financeiras disponíveis para o efeito assumem carácter auxiliar ou indicativo); e ponderando-se ainda o facto de a indemnização ser paga de uma só vez (o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros), bem como, em regra, a esperança média de vida da vítima (e não a sua esperança média de vida activa), a natureza do trabalho, o salário auferido, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a expectativa de aumento salarial e de progressão na carreira (incluindo a evolução tecnológica), e a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação e dos impostos.

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas.

*
I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Travessa ..., em ..., ..., BB, residente na Travessa ..., em ..., ... (inicialmente representado pela 1.ª co-Autora, sua mãe, face à sua menoridade à data da entrada em juízo dos autos), e CC, residente na Travessa ..., em ..., ... (inicialmente representado pela 1.ª co-Autora, sua mãe, face à sua menoridade à data da entrada em juízo dos autos), propuseram a presente acção declarativa, então sob a forma de processo ordinário, contra EMP01..., Limitada, com sede na Estrada Nacional n.º ...21, ..., ... (posteriormente declarada insolvente, tendo por isso visto declarada extinta, por impossibilidade superveniente da lide, a instância quanto a si), EMP02..., Limitada, com sede na Rua ..., em ... (posteriormente declarada insolvente, tendo por isso visto declarada extinta, por impossibilidade superveniente da lide, a instância quanto a si), e DD, residente na Rua ..., em ... - e em que foram depois intervenientes principais provocados EE, residente na Quinta ..., casa ...09, em ..., e Município ..., com sede no ..., Rua ..., em ... -, pedindo que

· os Réus fossem solidariamente condenados a pagarem-lhes a quantia de € 905.000,00 a título de indemnização  pelos danos resultantes da morte de FF, cônjuge da Autora e pai dos Autores (sendo € 70.000,00 a título de indemnização pelo direito à vida, € 25.000,00 a titulo de indemnização pelo sofrimento da vítima no momento da sua morte, € 210.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por eles próprios, e € 600.000 a título de indemnização pela perda dos rendimentos da vítima), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegaram para o efeito, em síntese, ser FF trabalhador independente de construção civil, encontrando-se nessa qualidade no dia ../../2005 na obra de reconstrução/construção do X, propriedade da inicial 1.ª Autora (EMP01..., Limitada), respectiva dona de obra; e sendo a inicial 2.ª Autora (EMP02..., Limitada) respectiva empreiteira, o 3.º Réu (DD) técnico responsável da obra, e respectivo coordenador da segurança e saúde, EE o autor do seu projecto, e o Município ... a entidade licenciadora da sua realização.
Mais alegaram que, naquela ocasião, ocorreu o repentino colapso da estrutura e queda da abóboda da laje do tecto do ... II da obra em causa, por defeitos ou vícios de construção (que discriminaram), tendo provocado, necessária e directamente, a morte de FF, aos 33 anos de idade.
Alegaram ainda que, com a dita morte, viram-se privados dos € 1.500,00 mensais auferidos por ele, com que exclusivamente a família era sustentada, passando a sobreviver com dificuldade e apenas mercê do apoio de familiares; e que sofreram enorme sofrimento moral, que ainda hoje permanece.

1.1.2. Regularmente citados, os Réus contestaram.

1.1.2.1. A inicial 1.ª Ré (EMP01..., Limitada), na sua contestação, pediu para ser absolvida da instância, mercê das excepções de ilegitimidade activa e de falta de mandato forense, que arguiu; e, subsidiariamente, para ser absolvida do pedido, mercê da improcedência da acção.
Alegou para o efeito, em síntese, não terem os Autores (AA, BB e CC) comprovado, por meio de escritura de habilitação notarial, serem os herdeiros exclusivos de FF, sendo por isso partes ilegítimas; ter apenas a Autora constituído mandatária forense nos autos, existindo por isso falta de obrigatório patrocínio; e ser o Tribunal materialmente incompetente para julgar os presentes autos, por os mesmos caberem na competência do Tribunal de Trabalho.
A inicial 1.ª Ré (EMP01..., Limitada) defendeu ainda não ter qualquer responsabilidade no sinistro invocado nos autos, tendo contratado a execução da obra em causa de acordo com os respectivos projectos e especialidades, que jamais mandou alterar, impugnando todos os factos aduzidos em contrário pelos Autores (AA, BB e CC).
Defendeu ainda serem excessivos os montantes indemnizatórios peticionados pelos Autores.

1.1.2.2. A inicial 2.ª Ré (EMP02..., Limitada) e o 3.º Réu (DD) contestaram conjuntamente, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo eles próprios absolvidos do pedido.
Alegaram para o efeito, em síntese, serem partes ilegítimas, uma vez que FF seria trabalhador de EMP03..., Sociedade de Construção Civil Unipessoal, Limitada, com quem a primeira deles celebrara um contrato de subempreitada.
Mais alegaram ter sido o 3.º Réu (DD) o director técnico da obra em causa, mas não o respectivo coordenador de segurança e saúde, e sim GG.
Alegaram ainda que quaisquer defeitos ou vícios de construção, nomeadamente os que eventualmente justificassem o colapso da laje de betão, seriam da exclusiva responsabilidade daquela Sociedade subempreiteira, não tendo eles próprios determinado qualquer alteração dos projectos iniciais, ou das boas regras de construção.

1.1.3. Os Autores (AA, BB e CC) replicaram, pedindo que se julgassem improcedentes as excepções deduzidas, e que se condenassem a inicial 2.ª Ré (EMP02..., Limitada) e o 3.º Réu (DD) como litigantes de má-fé, em multa e indemnização.
Alegaram para o efeito, sempre em síntese: bastar-se a sua legitimidade com o interesse em demandar, efectivo, sem prejuízo de terem então demonstrado documentalmente a qualidade de herdeiros exclusivos de HH; representar a Autora, como mãe, os demais Autores, à data da interposição da acção seus filhos menores, nessa qualidade tendo também outorgado procuração forense a comum mandatária nos autos, mas juntando então outra mais explícita; basear-se a acção exclusivamente na responsabilidade civil extracontratual, e não laboral, por FF ser um trabalhador independente, assim se assegurando a competência do Tribunal demandado; e ser fundada em litigância de má-fé a excepção de ilegitimidade passiva da inicial 2.ª Ré (EMP02..., Limitada) e do 3.º Réu (DD), a este último cabendo a responsabilidade técnica pela execução e pela segurança da obra.
Os Autores (AA, BB e CC) impugnaram todos os factos aduzidos em contrário da sua pretensão, nas contestações juntas aos autos.

1.4. Requerida, contraditada (a ela se opondo todos os Réus), deferida a intervenção principal provocada e citados os Intervenientes Principais, vieram os mesmos contestar, individual e separadamente.

1.4.1.1. O 1º Interveniente Principal (EE), na sua contestação, pediu que a acção fosse julgada improcedente quanto a si, sendo absolvido do pedido.
Alegou para o efeito, em síntese, ter-se limitado a elaborar o projecto de arquitectura (cuja correcção não estaria em causa, nem teria determinado o colapso da laje de betão); e não ter assumido qualquer responsabilidade na elaboração dos projectos de especialidades (nomeadamente, de estruturas), ou na direcção técnica da obra (em qualquer aspecto que extravasasse o projecto de arquitectura).
Arguiu ainda a excepção de prescrição do direito dos Autores (AA, BB e CC), quanto a si, por já se mostrarem decorridos mais de três anos, desde a data do sinistro e o momento em que ocorreu a respectiva citação no âmbito dos presentes autos.
O 1.º Interveniente Principal (EE) impugnou a generalidade dos factos alegados pelos Autores (AA, BB e CC), ou por serem falsos, ou por os desconhecer.
 
1.4.1.2. O 2.º Interveniente Principal (Município ...), na sua contestação, pediu que a acção fosse julgada improcedente quanto a si, sendo ele próprio absolvido do pedido.
Alegou para o efeito, em síntese, ter-se limitado, de acordo com a lei, a licenciar a obra em causa, face ao parecer favorável emitido pelo IPPA - Instituto Português do Património Arquitectónico.
Mais alegou que, estando em causa uma obra particular, não lhe competia fiscalizar a sua execução.

 1.1.5. Os Autores (AA, BB e CC) replicaram, pedindo que fosse julgada improcedente a excepção de prescrição deduzida, e que se condenassem a inicial 1.ª Ré (EMP01..., Limitada) e o 1.º Interveniente Principal (EE) como litigantes de má-fé.
Alegaram para o efeito, em síntese, e quanto à contestação do 2.º Interveniente Principal (Município ...), não ter o IPPA - Instituto Português do Património Arquitectónico chegado a emitir parecer favorável à obra, mas sim condicionado à verificação prévia de determinadas condições, não comprovadas nos autos; e caber ao Contestante não apenas o prévio licenciamento da obra, mas igualmente o seu posterior acompanhamento.
Mais alegaram, quanto à contestação do 1.º Interveniente Principal (EE), não se mostrar decorrido o prazo de prescrição previsto para o exercício do seu direito, quando aquele foi citado nos autos, tanto mais que os factos em causa integrariam ainda ilícito criminal, cujo prazo de prescrição seria mais longo dos que os três anos do prazo civil.
Alegaram ainda ser falso que ao 1.º Interveniente Principal (EE) coubesse apenas a direcção técnica de arquitectura da obra em causa, conforme o que em contrário se dispôs no Livro de Obra, que por isso teria que prevalecer para este efeito; e sendo este do necessário conhecimento da inicial 1.ª Ré (EMP01..., Limitada), também ela litigaria de má-fé, quando impugnou, por alegado desconhecimento, os factos relativos às diversas responsabilidades imputadas.

1.1.6. O Instituto da Segurança Social (ISS) IP - Centro Nacional de Pensões, com sede no Campo ..., em Lisboa, pediu, ao abrigo do disposto no art. 2.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, que o réu civilmente responsável pelo acidente fosse condenado a pagar-lhe quantia de € 7.238,39, a título de reembolso do subsídio por morte e de prestações de sobrevivência pagos aos Autores (AA, BB e CC), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Alegou para o efeito, em síntese, ter pago, por morte de FF, à Autora, na qualidade de viúva, e aos Autores, na qualidade de filhos menores, a título de subsídio por morte e de pensões de sobrevivência, no período de Fevereiro de 2006 a Julho de 2008, a quantia de € 7.238,39; e estar obrigado a pagar mensalmente aos mesmos, a título de pensão de sobrevivência, a quantia de € 141,88 à viúva e de € 35,47 a cada um dos filhos.
Mais alegou ter direito ao reembolso de tais prestações, por parte de quem se venha a apurar ser responsável civil pela morte de FF.

1.1.7. Notificados os Réus e os Intervenientes Principais do pedido formulado pelo Instituto da Segurança Social (ISS) IP - Centro Nacional de Pensões, nenhum o contestou.

1.1.8. Em sede de audiência preliminar, foi proferido despacho: saneador, certificando a validade e a regularidade da instância (julgando, nomeadamente, improcedentes as excepções de incompetência material, ilegitimidade activa, de ilegitimidade passiva da inicial 2.ª Ré - EMP02..., Limitada - e do 3.º Réu - DD -, e da falta de patrocínio judiciário dos 2.º e 3.º co-Autores - BB e CC -, e foi relegado para a sentença o conhecimento da excepção de prescrição do direito dos Autores); e foram elencados os factos considerados já assentes e os ainda controvertidos (estes, insertos em base instrutória).

1.1.9. Apreciados os requerimentos probatórios das partes, foi deferida a realização de perícia colegial requerida pelos Autores (AA, BB e CC), e solicitado ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil a elaboração de parecer sobre o abatimento da laje do EMP04..., uma e outra diligências depois realizadas nos autos.

1.1.10. Iniciada a audiência de julgamento, foi declarada a impossibilidade superveniente da lide relativamente à inicial 1.ª Ré (EMP01..., Lda.), face à respectiva insolvência, tendo essa decisão, proferida em 24 de Junho de 2015, já transitado em julgado.

1.1.11. No decurso da audiência de julgamento, em 14 de Fevereiro de 2017, os Autores (AA, BB e CC) reduziram o pedido inicial para a quantia global de € 635.000,00, sendo € 330.000,00 a título de «compensação pelos danos resultantes da perda dos rendimentos do trabalho» de FF (fazendo então coincidir o termo final da perda de tais rendimentos, em relação aos respectivos filhos aqui Autores, com a idade em que estes concluiriam a sua formação académica superior normal, o que antes não tinham feito).

1.1.12. Concluída a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente.

1.1.13. Inconformados com esta sentença, os Autores (AA, BB e CC) interpuseram recurso de apelação, pedindo que fossem reconhecidas nulidades que arguiram à mesma (por alegadas ininteligibilidade, omissão de pronúncia e excesso de pronúncia), que se alterasse parcialmente a matéria de facto julgada como provada e como não provada, e que se proferisse decisão a julgar procedente a acção, e a condenar os Réus e o 1.º Interveniente Principal (EE) a indemnizá-los pelos danos causados pela morte de FF, em montante equitativo e de acordo com o julgado.

1.1.14. Foi proferido acórdão por esta Relação de Guimarães, julgando o recurso parcialmente improcedente (nomeadamente, desatendendo a arguição de nulidades feita à sentença recorrida, e desatendendo parte do recurso relativo à matéria de facto impugnada) e parcialmente procedente (nomeadamente, atendendo parte do recurso relativo à matéria de facto impugnada); e anulando o remanescente da sentença recorrida, por forma a que na mesma fosse ampliada a matéria de facto (tendo como objecto o efectivo exercício, por parte do 3.º Réu - DD -, da direcção técnica da obra em causa e da sua coordenação, nomeadamente em termos de segurança e saúde, bem como a sua qualidade de empregado da inicial 2.ª Ré - EMP02..., Lda.).  

1.1.15. Devolvidos os autos à 1.ª instância, e reaberta a audiência de julgamento, no final da mesma foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:

«(…)
V. Decisão
Face ao exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a presente ação e, em consequência:
» Absolver os réus e os intervenientes de todos os pedidos contra si deduzidos nos autos pelos autores e pelo Instituto de Segurança Social, IP.
» Absolver o interveniente EE do pedido de condenação como litigante de má fé.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformados com esta decisão, os Autores (AA, BB e CC) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fossem reconhecidas as nulidades que arguiram à sentença recorrida, e substituída esta por decisão a julgar procedente a acção, e a condenar os Réus e o 1.º Interveniente Principal (EE) no pedido contra eles deduzido.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1. O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre alegada extinção da 2.ª ré, EMP02..., Lda., como tal, ignorou questão que se lhe impunha conhecer para a determinação de imediata substituição desta sociedade pelo conjunto dos sócios representados pelos seus liquidatários, conforme dispõe o artigo 162.° do C.S. Comerciais.

2. Destarte o Tribunal omitiu um acto cuja prática se lhe impunha e esta irregularidade influi no exame e na decisão da causa, estando por isso a sentença ferida da nulidade a que se refere o n.º 1 do artigo 195.º, do C.P. Civil.

3. Por via desta omissão de pronúncia relativa a questão que tinha de ser apreciada também se verifica nulidade da sentença, nos termos do preceituado no artigo 615º, nº 1, alínea d), do C.P.Civil.
*
4. Na sequência de ter sido dada oportunidade às partes de requererem produção de mais prova quanto à matéria de facto determinada pelo acórdão proferido no processo n.º 227/07...., da 1.ª Secção Cível dessa Veneranda Relação, concretamente, sobre o exercício por parte do réu DD de direcção técnica da obra em causa e sobre coordenação na mesma em termos de segurança e saúde, bem como quanto a qualidade deste réu de empregado da ré “EMP02..., Lda.”;

5. Os autores apresentaram os requerimentos que transcrevem em B) de I supra, que aqui dão por reproduzidos para este efeito, os quais foram deferidos e nessa sequência o Instituto da Segurança Social apresentou nos autos “extracto das remunerações e ou equivalências registadas” no “Sistema de Solidariedade da Segurança Social, no período de 2003/01 a 2005/05”, em nome do réu DD enquanto trabalhador por conta da 2ª ré EMP02... LDA;

6. E, o Centro Local do ... da ACT apresentou o ofício/resposta/informação quanto ao exercício de funções do réu DD de direcção técnica da obra e sobre a sua “qualidade de empregado da 2ª Ré (EMP02..., Lda.)”, bem como sobre a falta em obra de “coordenação, nomeadamente em termos de segurança e saúde“.

7. Contudo, resulta do ponto 48 e da valoração e análise da prova relativamente aos factos provados na fundamentação de facto da sentença e do enunciado quanto àquele concreto ponto, que o Tribunal ignorou e ou desprezou os supra invocados meios de prova.

8. Desse modo, não conhecendo da existência daquela produção de prova documental o Tribunal omitiu acto obrigatório e tal irregularidade influi no exame e na decisão da causa, porquanto na decisão a ampliação da factualidade ficou aquém da matéria efectivamente provada, o que determina a nulidade da sentença conforme prevê o n.º 1, do artigo 195.º, do C.P. Civil.

9. Por outro lado, desprezando aquela prova documental cuja produção requerida pelos autores deferiu, a Mmª Juiz a quo não resolveu questão que lhe foi submetida a qual não estava prejudicada por solução dada a outras, pelo que omitiu pronúncia relativa ao que tinha de apreciar e dessa omissão decorre a nulidade da sentença, nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), também, do C.P.Civil.
***
10. Na sentença recorrida existe erro de julgamento quanto à matéria de facto, uma vez que nos autos está produzida a prova documental contida:
- No “extracto das remunerações e ou equivalências registadas” no “Sistema de Solidariedade da Segurança Social, no período de 2003/01 a 2005/05”, em nome do réu DD enquanto trabalhador por conta da 2ª ré EMP02... LDA, apresentado pelo Instituto da Segurança Social - cfr. documentos de 15.12.2020, ref.ª ...70;
Bem como na resposta do Centro Local do ... da ACT - com posterior apresentação de correcção do erro na escrita da data da comunicação prévia que é de 03/12/2003 – que consigna:
- “Em resposta ao ofício em referência informamos que de acordo com o que consta no processo, DD, à data do acidente era trabalhador da empresa EMP02..., Lda (entidade executante), com funções de diretor técnico.
A obra não tinha coordenador de segurança em obra nomeado, pese embora na comunicação prévia de 03/12/2013, venha indicado como coordenador de segurança em obra, o Eng. DD, não havendo nenhum documento de suporte esta nomeação, designadamente a declaração escrita, obrigatória face o disposto no n.º 3 do art.º 9 do DL n.º 273/2003, de 29 de outubro. No entanto tal nomeação não é admissível, uma vez que de acordo com o disposto no n.º 6 do mesmo artigo, o coordenador de segurança em obra não pode intervir na execução da obra como entidade executante” – cfr. referência ...54 e ainda referência ...33 à correcção de lapso de escrita quanto a data, de 30.12.2020.

11. Estes elementos documentais impõem decisão de facto diversa da recorrida, em cumprimento do artigo 341º do Código Civil o qual dispõe que as provas “têm por função a demonstração da realidade dos factos”, porquanto afirmam a realidade dos factos que encerram relativamente à matéria do PONTO 48 dos factos provados, pelo que, estes mesmos meios probatórios demandam que seja proferida decisão que altere o conteúdo daquele concreto ponto julgando-o PROVADO nos termos seguintes:

A) O Réu DD exercia funções de director técnico da obra do X;

B) Naquela obra o mesmo Réu era trabalhador por conta da Ré EMP02... LDA;

C) A obra do X não tinha coordenador de segurança e saúde em obra nomeado, ainda que na comunicação prévia de 03.12.2003 venha indicado o Réu DD, por inadmissibilidade em relação a este naquela obra do exercício das funções de coordenador de segurança em obra.

12. Porquanto, o direito à prova é um “direito estruturante da relação jurídica processual” e nos termos da previsão daquele artigo 341º e do artigo 362º do C. Civil, sobre estes meios probatórios em concreto aos autores está garantido o “princípio da tutela jurisdicional efetiva e com condições de acesso ao direito e à justiça, tutelados no artigo 20.º da Constituição” –cfr. VII do sumário do Acórdão do TCA Sul de 19.10.2017 (Exª Relatora Ana Celeste Carvalho).
***
Do erro de julgamento quanto ao DIREITO:

13. Esta acção corresponde ao pedido de indemnização civil em separado - ao abrigo do preceituado no nº 1, als. a) e i) do art. 72º, do Código de Processo Penal - quanto ao processo nº 63/05.2GAMGD-Inquérito, dos Serviços do Ministério Público, na altura, junto do Tribunal Judicial de Mogadouro, este Inquérito foi arquivado, todavia, requerida e realizada a Instrução foi pronunciado (também) o aqui réu, DD que veio a ser julgado e condenado, por acórdão transitado em julgado desde (pelo menos) o ano de 2020, nos autos do processo nº 63/05.2GAMGD - Comum Colectivo do Juízo Central Cível e Criminal de Bragança - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança.

14. A presente acção funda-se no preceituado do artigo 483º do Código Civil, consagrando esta disposição legal o princípio geral da responsabilidade civil.

15. No caso sub judice estão em questão condutas ilícitas, levadas a efeito pela ré empreiteira “EMP02..., Lda.” e pelo réu Engº DD (empregado daquela ré) bem como pelo interveniente Arqtº EE, as quais, adequadamente, causaram a derrocada da estrutura da obra do “X” que provocou ferimentos no trabalhador independente FF (marido e pai dos autores) directamente causadores da sua morte no local.

16. Foi recentemente colocada nestes autos questão sobre a extinção da ré “EMP02..., Ldª” a qual não foi conhecida pelo Tribunal a quo (conforme está concluído de 1 a 3 supra), porém, se a mesma sociedade se encontrar realmente extinta deve considerar-se imediatamente substituída pelo conjunto dos sócios representados pelos liquidatários conforme a previsão do artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais.

17. À data do colapso da laje da obra do “X” que provocou a morte de FF, a ré “EMP02... Ldª” era a empreiteira executante dessa obra e entidade empregadora do réu DD, quem também exercia funções de direcção técnica, pelo que, não podia ser coordenador de segurança da obra, nos termos do preceituado no artigo 9º nº 6 do DL 273/2003, de 29.10, ainda assim, quanto à ré não há efectiva fundamentação da decisão na sentença recorrida.

18. Esta ré responde civilmente pelos danos que por efeito da derrocada foram causados àquela vítima, consequentemente aos autores, pela actuação do réu DD, seu trabalhador na execução daquela obra a exercer funções de direcção técnica porque sobre este também impende tal responsabilidade, nos termos do artigo 500.º em conjugação com o artigo 483.º n.º 2, ambos do Código Civil.

19. A fiscalização da conformidade do projecto com a sua execução em obra, bem como de todas as situações que pusessem em causa ou diminuíssem as condições de segurança dos trabalhadores naquela obra do “X” competia, essencialmente, ao coordenador de segurança - cfr. artigo 19º do citado DL 273/2003 de 29.10 – e, legalmente, não era permitido à ré EMP02... Ld.ª executar ou avançar na execução daquela obra, como o fez, sem coordenador de segurança saúde na mesma - cfr. artigos 13º e de 19º a 22º do citado DL 273/2003 de 29.10.

20. Deste modo, a ré EMP02... Ld.ª ilicitamente infringiu as supra referidas normas legais (e por via disso, ainda que não tenha sido julgada desrespeitou a norma do artigo 277º do Código Penal), destinadas a proteger interesses alheios, no caso sub judice a segurança (da integridade física e da vida) de quem ali trabalhava; com tal conduta criou um perigo concreto e desse perigo resultou a morte do trabalhador FF marido e pais dos autores (além de ainda causar outra morte e ferimentos noutro trabalhador), por isso, também ficou obrigada, nos termos do artigo 483º nº 1 do Código Civil, a indemnizar os lesados pelos danos resultantes daquela violação.
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21. Nos autos do processo nº 63/05.2GAMGD - Comum Colectivo do Juízo Central Cível e Criminal de Bragança – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, o arguido aqui réu, Engª DD (ali também demandado civil pelos demais lesados por efeito da mesma derrocada) foi julgado e condenado penal e civilmente por decisão transitada em julgado - após acórdão proferido nos autos de recurso penal no Processo nº 63/05.2GAMGD.G1 dessa Veneranda Relação, de 9.12.2019, pela prática de um crime de infracção das regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços da previsão dos artigos 14º, nº 3, 26º, 277º, nº 1, al. a) e 285º do Código Penal.

22. O enunciado dos factos julgados provados e a fundamentação da sentença recorrida são compatíveis com a descrição dos factos julgados provados naquela acção, a qual deve ser do conhecimento do Tribunal recorrido conforme atrás está alegado.

23. Quanto a este réu a sentença recorrida mostra ter-se estribado na violação ilícita pelo mesmo das regras da construção do artigo 97º do DL nº 555/99 de 16 de Dezembro (e na falta de “legis artis” por inobservância dos artigos 86º nº5 e 87º nº 2 do Decreto-lei nº 119/92, de 30 de Junho - Estatuto da Ordem dos Engenheiros), mas, desconsidera o que foi trazido aos autos pela ACT, ou seja, que sobre a coordenação de segurança na obra e o “Eng. DD, não havendo nenhum documento de suporte esta nomeação, designadamente a declaração escrita, obrigatória face o disposto no n.º3 do art.º 9 do DL n.º 273/2003, de 29 de outubro.
No entanto tal nomeação não é admissível, uma vez que de acordo com o disposto no n.º 6 do mesmo artigo, o coordenador de segurança em obra não pode intervir na execução da obra como entidade executante”.

24. E não atende a que este profissional da engenharia de modo ilícito infringiu normas do direito da construção e, concomitantemente, violou ilicitamente as supra indicadas normas de direito penal, mormente, as previstas nos artigos 277.º n.º 1 al. a) e 285.º do Código Penal, como foi, entretanto, condenado no supra identificado processo.

25. Ilicitamente infringiu aquelas disposições legais e com isso criou uma situação de perigo concreto e desse perigo resultou a morte do trabalhador FF marido e pai dos autores (além de outra morte e ferimentos noutro trabalhador), por isso se constituiu o réu, DD, na obrigação de indemnizar os autores lesados pelos danos resultantes daquela violação, nos termos do artigo 483º nº 1 do Código Civil.
*
26. Por sua vez o interveniente Arq.to EE assinou termo de responsabilidade de direcção técnica da obra em causa, como consta dos autos. Assim, ainda que se possa considerar que a sua direcção técnica era para a área da arquitectura, eventualmente não lhe sendo exigíveis conhecimentos específicos da área das estruturas e ou relativamente ao projecto estrutural da obra que ruiu, como profissional também responsável pela observância da legalidade naquela obra (tal como o réu Engº DD), era-lhe exigível verificar o “Livro de Obra” e saber que o mesmo não continha nenhum registo relativo à execução da obra, por isso também colaborou na infração à norma da construção prevista no artigo 97º do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro.

27. Além disso, tinha o dever de saber (tal como o réu Engº DD), que a obra estava a ser executada sem coordenador de segurança e que isso, sendo proibido por lei potenciava perigo naquela construção, conformou-se assim com a violação das regras da construção sobre a segurança naquela obra constantes do Decreto-lei nº 273/2003, de 29.10.

28. Pelo que, também o Arq.to EE infringiu ilicitamente as supra referidas regras da construção, concomitantemente, desprezou a norma jurídica prevista no artigo 277.º n.º 1 al. a) do Código Penal (independentemente de não ter sido julgado no referido processo penal), destinadas a proteger direitos e interesses alheios, no caso concreto a segurança de quem trabalhava naquela obra, com isso contribuiu para a criação de perigo para a vida e para a integridade física de outrem e desse perigo resultou a morte do trabalhador FF marido e pai dos autores (além de outra morte e ferimentos noutro trabalhador), por isso ficou obrigado a indemnizar os autores lesados pelos danos resultantes daquela violação, nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil.
***
29. Absolvendo os réus e o interveniente do pedido de indemnização contra eles deduzido pelos autores, a sentença recorrida interpreta as disposições dos artigos 86.º n.º 5 e 87.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 119/92, de 30 de Junho; do artigo 9.º n.º 6 do DL n.º 273/2003 de 29 de Outubro e do artigo 97.º DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, no sentido de permitirem no âmbito da construção, a criação de perigo para a vida e para a integridade física de outrem; implicitamente, desconsidera que no caso sub judice do concreto perigo criado resultou a morte do trabalhador FF (além da morte de outro trabalhador); assim desconsiderando a existência das disposições dos artigos 277º e 285º do Código Penal.

30. O Tribunal a quo ignorou que a presente acção foi proposta ao abrigo do preceituado no artigo 72.º n.º 1 alíneas a) e i), do C.P. Penal e violou o preceituado no artigo 483.º do Código Civil.

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO NORMATIVA:

31. Na sentença recorrida foi desprezado o princípio de justiça e de tutela jurisdicional efectiva consagrado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

32. Por outro lado, foram interpretadas as disposições dos artigos 86.º n.º 5 e 87.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 119/92 de 30 de Junho; do artigo 9.º n.º 6 do Decreto-Lei n.º 273/2003 de 29 de Outubro e do artigo 97.º Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, no sentido de permitirem no âmbito da construção a criação de perigo para a vida e para a integridade física de outrem; implicitamente, o Tribunal recorrido desconsidera que no caso sub judice do concreto perigo criado resultou a morte do trabalhador FF (além da morte de outro trabalhador); assim, também desconsiderando a existência da previsão dos artigos 277.º e 285.º do Código Penal.

33. Na sentença recorrida foi concluído que: “Em síntese, temos que mesmo alcançando na atuação de DD uma omissão das funções que exercia, não conseguimos concluir que se encontram reunidos os pressupostos da culpa e da ilicitude quanto a este réu, e, consequentemente que estão reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual”;

34. Nesta conformidade o sentido normativo expresso na decisão recorrida é inconstitucional, quanto à norma do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, porquanto na mesma foi extraído o seguinte alcance:
- Ainda que se verifique infracções das regras da construção contidas no artigo 97.º do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro - com desrespeito pela legis artis por inobservância do disposto nos artigos 86.º n.º 5 e 87.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 119/92, de 30 de Junho - Estatuto da Ordem dos Engenheiros - e infracção ao disposto no artigo 9.º n.º 6 do Decreto-Lei n.º 273/2003 de 29 de Outubro, determinantes da violação das normas dos art.ºs 277.º n.º 1 alínea a) e 285.º do Código Penal, não se verifica a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação por não estarem reunidos os pressupostos de aplicabilidade do princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos.

35. Suscitam assim a inconstitucionalidade da interpretação normativa, porquanto o sentido dado àquela norma do artigo 483º nº 1, do Código Civil, é violador do princípio da legalidade, consagrado no artigo 3º nº 3, da Constituição da República Portuguesa.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas contra-alegações, isto é, todos os Réus (EMP01..., Limitada, EMP02..., Limitada e DD) e o 1.º Interveniente Principal (EE) - únicos cuja condenação foi pedida no recurso em apreciação - não o fizeram.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo como «de apelação, com subida nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo», o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.
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O Tribunal a quo pronunciou-se tabelarmente sobre a arguição de nulidades da sentença recorrida, considerando-se não se verificarem.
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Tendo já sido dada notícia nos autos da declaração de insolvência, por sentença de 21 de Abril de 2015, da inicial 2.ª Ré (EMP02..., Limitada), foi depois certificado o encerramento do respectivo processo de insolvência, por despacho de 15 de Junho de 2020, sem que os seus sócios tivessem recebido quaisquer bens da mesma.

Proferiu-se, por isso, já neste Tribunal da Relação de Guimarães, decisão singular pela Relatora, julgando «extinta, por impossibilidade e inutilidade superveniente da lide, a instância (nomeadamente, recursória) quanto à 2.ª Ré (EMP02..., Limitada)»; e a mesma, não tendo sido objecto de reclamação para a conferência, transitou em julgado.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [1], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Questões incluídas no objecto útil do recurso
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelos Autores (AA, BB e CC) da sentença proferida pelo Tribunal a quo, 3 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

1.ª - É a sentença recorrida nula, nomeadamente por o juiz ter deixado de se pronunciar sobre questão que deveria apreciar (subsumindo-se, desse modo, ao disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC) ?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque impunha que se desse uma outra redacção ao facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 48 («O 3.º Réu - DD - trabalhava para a inicial 2.ª Ré - EMP02..., Limitada -, dava ordens aos trabalhadores, exercia as funções de director da obra e era o coordenador da obra do X») ?

3.ª - Deverá ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), por forma a que se julgue a acção procedente (condenando-se o 3.º Réu - DD - e o 1.º Interveniente Principal - EE - nos pedidos formulados) ?
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2.2.2. Questões excluídas do objecto útil do recurso
2.2.2.1. Outra nulidade da sentença
Vieram os Autores (AA, BB e CC), no recurso de apelação por si interposto, arguir a nulidade da sentença recorrida por o Tribunal a quo não se ter pronunciado «sobre alegada extinção da 2ª ré, EMP02..., Lda.» e determinado a «imediata substituição desta sociedade pelo conjunto dos sócios representados pelos seus liquidatários»; e, desse modo, teria incorrido em «omissão de pronúncia», o que cominaria, com este preciso fundamento, a sentença de nula, «nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.Civil».

Contudo, independentemente da razão que lhes pudesse assistir e conforme resulta do relatório que antecede, a questão relativa à extinção da inicial 2.ª Ré (EMP02..., Limitada) e à insusceptibilidade da mesma ser substituída nos autos pelo conjunto dos seus sócios já foi apreciada e decidida neste Tribunal da Relação da Guimarães, por despacho da Relatora, transitado em julgado.
Logo, mostra-se prejudicado o conhecimento deste concreto fundamento do recurso em apreciação, o que aqui se declara, nos termos do art.º 608.º, n.º 2, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC. 
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2.2.2.2. Pedido de condenação da inicial 1.ª Ré (EMP01..., Limitada) e da inicial 2.ª Ré (EMP02..., Limitada)
Vieram ainda os Autores (AA, BB e CC), no mesmo recurso de apelação, pedir a revogação da «sentença recorrida» e a condenação «[d]os Réus e [d]o Interveniente no pedido contra eles deduzido nesta acção».

Contudo, e conforme resulta do relatório que antecede, a instância já foi declarada extinta, por impossibilidade e por inutilidade superveniente da lide, quer quanto à inicial 1.ª Ré (EMP01..., Limitada), quer quanto à inicial 2.ª Ré (EMP02..., Limitada); e qualquer uma dessas decisões já transitou em julgado.
Logo, mostra-se, não só prejudicado o conhecimento dos fundamentos aduzidos no sentido da sua condenação, como impossível a prolação de qualquer decisão condenatória que as abrangesse (uma vez que, supervenientemente, deixaram de ser partes na acção), o que aqui se declara, nos termos do art.º 608.º, n.º 2, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC. 
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2.2.3. Ordem de conhecimento (das questões incluídas no objecto útil do recurso)
Lê-se no art.º 663.º, n.º 2, do CPC que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art.º 608.º, n.º 2 do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Ora, tendo sido invocada pelos Autores (AA, BB e CC) recorrentes a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto da sua sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais [2].
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Nulidades da sentença

3.1. Vícios da sentença - Nulidades versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por ter-se errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º do CPC [3].  

Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo).
            Contudo, e não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133).
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3.2. Nulidade da sentença
3.2.1. Omissão de pronúncia
Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC, que «é nula a sentença quando» o «juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art.º 608.º, n.º 2, do CPC que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, 1984, pág.143, com bold apócrifo).
Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado [4].  
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).
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3.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, dir-se-á desde já ser inexistente a nulidade por omissão de pronúncia da sentença recorrida invocada pelos Autores (AA, BB e CC) recorrentes, reportando-se antes o vício por eles alegado exclusivamente à decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo.

Com efeito, a sentença conheceu de todas as questões enunciadas (nomeadamente, dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual em que os Autores alicerçaram a sua pretensão), não prejudicadas pela decisão dada a prévias (v.g. face à falência da reunião daqueles pressupostos).
Compreende-se, por isso, que os Autores (AA, BB e CC), tenham fundamentado e justificado a omissão de pronúncia de que acusam a sentença recorrida afirmando (nas conclusões do seu recurso) que  «o Tribunal ignorou e ou desprezou os supra invocado meios de prova», «não conhecendo da existência daquela produção de prova documental» e «desprezando aquela prova documental cuja produção requerida pelos autores deferiu», isto é, se reportem exclusivamente a provas documentais insertas nos autos e que, na sua opinião, justificariam um outro julgamento da matéria de facto (concretamente, uma nova redacção do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 48); e não identifiquem quaisquer questões, no sentido próprio já explicitado, que o Tribunal a quo tivesse ignorado.
Logo, a denunciada nulidade com que os Autores (AA, BB e CC) recorrentes acusam a sentença recorrida radica na forma, para si inaceitável, como, face à mesma e única prova produzida, o Tribunal a quo deu como demonstrada a concreta factualidade vertida no facto provado nela enunciado sob o número 48 (propondo, eles próprios, para ele uma diferente redacção).
Contudo, e como reiteradamente afirmado, essa discordância qualifica-se como um diferente julgamento (a apreciar seguidamente), e não como uma nulidade do julgamento realizado.

Improcede, assim, a arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, que alegadamente afectaria a sentença recorrida.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância
4.1.1. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - de forma lógica e cronológica, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem [5] -, sem quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas - próprias apenas dos articulados [6] -, completados nos termos do art.º 607.º, n.º 4, II parte, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC [7], e reidentificados):

1 - EMP01..., Lda. (aqui inicial 1.ª Ré) foi dona do prédio urbano denominado X ou Y, ou ainda Z, sito na Estrada Nacional n.º ...21, lugar e freguesia ..., concelho ..., inscrito em seu nome na Conservatória do Registo Predial pela inscrição ... do n.º...03 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...33, com o valor patrimonial de € 33.498,69.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 1)

2 - Em 06 de Março de 1996, o Y foi classificado como imóvel de interesse público.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 4)

3 - A inicial 1.ª Ré (EMP01..., Lda.) promoveu uma obra de construção e ampliação do X, composta por três edifícios denominados “...”, estando em reconstrução o X (designado por “... I”), e em construção os chamados “... II” e “... III”.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 7)

4 - Os edifícios designados por “... II” e “... III” eram construções novas.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 46)

5 - O projecto de especialidade da estrutura foi tratado na sequência de contactos estabelecidos directamente entre o dono da obra e um gabinete de engenharia.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 44)

6 - A direcção técnica foi assumida por EE (aqui 1.º Interveniente Principal) e entregue na Câmara Municipal ... nos termos constantes de folhas 261 dos autos; e restringiu-se à arquitectura.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 45)

7 - Mediante comunicação datada de 10 de Dezembro de 2001, dirigida a «IPPA / Ao cuidado / Arqtª. II / Dr.º JJ/... / Rua da Igreja ... / ... ...», o Município ... (aqui 2.º Interveniente Principal), antes de emitir alvará de licença de construção, pediu parecer sobre o projecto ao IPPA - Instituto Português do Património Arquitectónico, em relação ao processo de construção e ampliação do X, conforme «Pedido de Parecer» cuja cópia é fls. 237 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e onde nomeadamente se lê:
“(…)
Em relação ao assunto em epígrafe, envia-se a V.ª Ex.ª em anexo o processo de Reconstrução e ampliação de edifício para Unidade Hoteleira, sito na freguesia ..., concelho ... do requerente a seguir indicado:
Proce.n.146/ON/001 - Empreendimento Turístico X.
(…)»
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 12)

8 - IPPA - Instituto Português do Património Arquitectónico respondeu ao 2.º Interveniente Principal (Município ...) por ofício datado de 20 de Dezembro de 2001, que aqui se dá por integralmente reproduzido, solicitando o envio dos seguintes elementos:
«(…)
Informação dos Serviços Técnicos Camarários
Informação do GTL ou da equipa responsável por plano de elaboração.
Termo de Responsabilidade Técnica, de acordo com o disposto no Dec-Lei nº205/88 de 16 de junho.
Memória descritiva e justificativa com caracterização da solução a adoptar e respectivos sistemas construtivos.
Documentação fotográfica, a cores, do estado actual do imóvel classificado. (≥ Esc1:1000).
Planta de implantação, com indicação da área de implantação e de logradouro. (≤Esc.1:200).
Perfis de inserção volumétrica (≤Esc.1:200)
Plantas de todos os pisos (incluindo cobertura), cortes longitudinais e transversais e alçados de todas as frentes.
Levantamento.
Alçado da fachada (com representação dos alçados dos edifícios confinantes)
(…)»
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 41)

9 - O 2.º Interveniente Principal (Município ...) mandou para IPPA - Instituto Português do Património Arquitectónico um ofício, datado de 10 de Janeiro de 2002, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual referia que:
«(…)
Em relação ao assunto em epigrafe enviamos ao Exmº IPPAR, documentação fotográfica, a cores, do estado actual do imóvel classificado “X” e edifícios anexos e da envolvente.
(…)»
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 42)

10 - IPPA - Instituto Português do Património Arquitectónico emitiu em 27 de Março de 2002 um ofício, dirigido ao «Exmº Senhor / Presidente da / Câmara Municipal ... / 5200 ...», cuja cópia é fls. 240 e 241 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde nomeadamente se lê:
«(…)
ASSUNTO: Recuperação e adaptação do “X” para unidade
hoteleira (…). Projecto de licenciamento

Comunico a V.ª Ex.ª que por despacho de 2002.03.26 o processo acima referenciado mereceu APROVAÇÃO CONDICIONADA, nos termos do parecer que a seguir se transcreve: (…).
Em conformidade com o exposto, concordando-se genericamente com o programa apresentado, considera-se que o projecto carece de reformulação de acordo com os aspectos anteriormente focados
(…)»
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 43)

11 - O Município ... (aqui 2.º Interveniente Principal) concedeu o alvará de licença de construção à inicial 1.ª Ré (EMP01..., Lda.).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 11)

12 - A construção/reconstrução do X encontrava-se sujeita a autorização e acompanhamento da Administração Pública.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 20)

13 - Teria que ser elaborado e remetido à Administração Pública do Património Cultural um relatório sobre a natureza, técnicas e metodologias, materiais e tratamentos aplicados na obra construção/reconstrução do X, com a respectiva documentação gráfica e fotográfica.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 21)

14 - O relatório mencionado no facto provado anterior não foi remetido pelo 2.º Interveniente Principal (Município ...) à Administração Pública do Património Cultural.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 22)

15 - Entre a inicial 1.ª Ré (EMP01..., Lda.) e EMP02..., Lda. (aqui inicial 2.ª Ré) foi contratada e aditada a empreitada designada reconstrução/construção, outorgando a primeira na qualidade de dona da obra designada por X, e a segunda como empreiteira de obras públicas e particulares, na qualidade de executante dessa obra.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 2)

16 - A reconstrução do X foi comunicada à Delegação do IDICT pela inicial 1.ª Ré (EMP01..., Lda.), com data de 01 de Outubro de 2003, aí sendo indicado como autor do projecto o Arquitecto EE (aqui 1.º Interveniente Principal), tendo ainda indicado as datas de 01.08.2003 para o início dos trabalhos e de 31.07.2005 para o fim dos mesmos.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 3)

17 - Na comunicação referida no facto provado anterior foi indicado como técnico responsável da obra e coordenador da segurança e saúde, durante a elaboração do projecto da obra, DD (aqui 3.º Réu).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 19)

18 - O 3.º Réu (DD) trabalhava para a inicial 2.ª Ré (EMP02..., Limitada), dava ordens aos trabalhadores, exercia as funções de director de obra e era o coordenador da obra do X.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 48)

19 - Na obra designada por X laborava EMP03..., Sociedade de Construção Civil Unipessoal, Lda., com quem a inicial 2.ª Ré (EMP02..., Lda.) havia celebrado um contrato de subempreitada do qual consta:
«(…)
Cláusula 1ª
A primeira contraente é adjudicatária da empreitada de Construção X cujo dono da obra é Emp. Turístico X Lda. Pelo presente contrato a Primeira Contraente adjudica à Segunda Contraente a subempreitada de Execução de lajes maciças.
Cláusula 2ª
A Segunda Contraente obriga-se a cumprir o presente contrato em conformidade com os elementos indicados na cláusula 11ª e de acordo com as prioridades aí definidas, dos quais declaram ter conhecimento e perfeito entendimento, que, depois de rubricados se dão aqui, para todos os efeitos, como reproduzidos e integrados, e ainda de acordo com as instruções que eventualmente, lhe venham a ser dados pela Primeira Contraente.
Cláusula 3ª
1 - O preço estimado da subempreitada, objecto deste contrato de acordo com a lista de quantidades e preços unitários em anexo é de 30.000,00€ (trinta mil euros) será incluído IVA à taxa legal aplicável.
2 - Os trabalhos serão executados à medição, em regime de série de preços.
3 - A medição dos trabalhos será efectuada a partir da geometria das superfícies definidas no projecto.
4 - O preço estipulado no nº1 desta cláusula, bem como os valores unitários constantes da proposta da Segunda Contraente são fixos (não revisíveis) renunciando desde já a Segunda Contraente a qualquer tipo de revisão ou actualização de preços nos prazos definidos para a execução da obra.
5 - Os preços unitários não estão sujeitos a acréscimos decorrentes de eventuais erros ou omissões.
6 - Em qualquer altura a Primeira Contraente poderá prescindir de trabalhos ainda não realizados e mandar não executar trabalhos previstos inicialmente. Sendo estes trabalhos integralmente descontados no preço contratado.
7 - Se forem solicitados à Segunda Contraente trabalhos a mais, alterações, modificações ou substituições, é indispensável, tanto para a sua execução, como para o ajuste do seu custo, que previamente a Primeira Contraente aprove as quantidades e os preços.
8 - É vedado à Segunda Contraente reclamar qualquer pagamento com base nas condições que a Primeira Contraente e o dono da obra acordem, ainda que elas se possam referir a unidades executadas pela Segunda Contraente.
Cláusula 4ª
 1 - Os trabalhos efectivamente realizados serão medidos entre os dias 20 e 25 de cada mês, devendo as facturas correspondentes darem entrada nas instalações da Primeira Contraente até ao dia 30 de cada mês.
2 - A liquidação das facturas será efectuada a 30 dias ou de acordo com o pagamento do respectivo auto pelo dono de obra.
3 - Serão descontados 5% do valor das facturas, a título de reforço da garantia.
4 - A Primeira Contraente poderá deduzir nos pagamentos parciais todas as importâncias necessárias à liquidação dos resultados que venha a aplicar à Segunda Contraente, bem como todas as importâncias debitáveis à Segunda Contraente no âmbito deste contrato.

Cláusula 5ª
1 - O prazo de execução dos trabalhos é de 180 dias com início em 28/10/2003, devendo os trabalhos desenvolverem-se de acordo com instruções da Primeira Contraente.
2 - A Segunda Contraente não poderá retirar pessoal da obra sem obter previamente a concordância da Primeira Contraente.
3 - A Segunda Contraente obriga-se a adoptar todas as medidas convenientes, nomeadamente a de manter na obra os meios técnicos e humanos em qualidade e quantidade suficientes e praticar o horário de trabalho necessário, disponibilizando-se, desde já, para a realização de trabalho extraordinário, nomeadamente ao Sábado, para em nenhum caso, comprometer o ritmo da laboração desejado pela Primeira Contraente.
4 - No caso de impossibilidade parcial do cumprimento do estabelecido no número anterior, a Primeira Contraente reserva-se o direito de suprir, parcial ou totalmente, por si ou por terceiros, essa impossibilidade, mas sempre a expensas da Segunda Contraente.
Cláusula 6ª
1 - Os trabalhos deverão ter qualidade e execução perfeitas, ficando à aprovação da Primeira Contraente.
2 - Todos os trabalhos serão executados de acordo com o projecto, boas regras e técnicas de arte e instruções da Primeira Contraente.
3 - O pessoal da Segunda Contraente deverá ter competência e experiência reconhecida, podendo a Primeira Contraente recusar toda a mão-de-obra que verifique não ter qualidade.
4 - No caso de se verificar má execução dos trabalhos e rejeição por parte da Primeira Contraente será da responsabilidade da Segunda Contraente corrigir essas situações, suportando todos os custos e prejuízos daí resultantes.
5 - O prazo de garantia de todos os trabalhos que constituem a subempreitada é de cinco anos a contar da data em que o dono da obra recepcione provisoriamente a obra.
6 - Durante o período de garantia a Segunda Contraente compromete-se a corrigir à sua custa todos os defeitos existentes que sejam imputáveis a deficiência de execução da Segunda Contraente, nos termos e prazos que a Primeira Contraente venha a indicar.
7 - A Segunda Contraente suportará, ainda os custos do fornecimento de serviços ou tarefas complementares e necessárias à correcção dos ditos defeitos que a Primeira Contraente execute.
8 - Se a Segunda Contraente não cumprir o previsto nos números 3 e 4 desta Cláusula, a Primeira Contraente pode recorrer de imediato, a Subempreiteiro externo para proceder ou concluir as reparações, descontando o respectivo valor em pagamentos que não tenham sido ainda feitos (relativamente a trabalhos já executados), ou debitando o respectivo custo à Segunda Contraente.
Cláusula 7ª
No caso da Segunda Contraente não cumprir o prazo previsto ser-lhe-á aplicada, por cada dia de atraso uma multa de montante igual a 4% do valor global do contrato.
Cláusula 8ª
1 - Se o contrato de empreitada geral celebrado entre a Primeira Contraente e o dono da obra, por estes resolvido ou revogado, o presente contrato caducar, tendo a Segunda Contraente direito a reclamar e a receber apenas os trabalhos já executados e não pagos.
2 - A Segunda Contraente, no caso de incumprir qualquer das obrigações que para si emergem deste contrato, fica constituída na obrigação de indemnizar a Primeira Contraente por todas e quaisquer quantias que esta tiver de pagar ao dono da obra que sejam decorrentes desse incumprimento.
Cláusula 9ª
1 - A Segunda Contraente obriga-se a nomear e a ter em obra, durante a execução dos trabalhos, um representante legal com as habilitações adequadas.
2 - A Segunda Contraente obriga-se a entregar e manter sempre actualizada junto da Primeira Contraente a lista do pessoal efectivamente em obra. Com indicação da sua categoria profissional.
3 - A Segunda Contraente obriga-se a garantir o bom comportamento e disciplina do seu pessoal, bem como o fornecimento e usos de meios individuais de higiene, segurança e protecção, nomeadamente capacetes, cintos, botas e fatos, de acordo com as normas de segurança em vigor.
4 - A Segunda Contraente obriga-se a cumprir o horário de trabalho aprovado para a obra pelo Primeiro Contraente, responsabilizando-se por quaisquer multas motivadas por infrações desse horário.
5 - A falta de comparência do(s) representantes da Segunda Contraente a qualquer reunião marcada pela Primeira Contraente será penalizada com a aplicação de uma multa de €250 a descontar no valor dos trabalhos realizados.
6 - A Segunda Contraente é responsável por todos os danos e prejuízos causados à obra, ao dono da obra, à Primeira Contraente e a terceiros, em virtude da execução dos seus trabalhos.
Deste modo deverá ser subscritora de um seguro de responsabilidade civil contra terceiros de montante suficiente para cobertura de riscos inerentes à execução dos seus trabalhos.
7 - A Segunda Contraente autoriza a Primeira Contraente a que no caso de incumprimento de obrigações descritas no ponto anterior, destine parte da facturação a satisfazer os mesmos, recebendo daquela respectivos comprovativos.
8 - A Segunda Contraente é inteiramente responsável pela boa execução, quantidade e segurança dos trabalhos subempreitados. 9 - A Segunda Contraente não poderá subcontratar nenhum parte dos trabalhos objecto deste contrato sem o prévio conhecimento e autorização da Primeira Contraente.
10 - A Segunda Contraente fica obrigatoriamente comprometida a não estabelecer qualquer tipo de contrato directamente com o dono da obra.
11 - A Segunda Contraente é responsável pela segurança e boa utilização dos materiais entregues e dos equipamentos que a Primeira Contraente venha a colocar à sua disposição para execução dos trabalhos desta subempreitada, podendo a Primeira Contraente debitar-lhe os custos provenientes de indemnização pelos prejuízos sofridos pelos mesmos, ou causados à Primeira Contraente ou a terceiros, e reparações ou substituições devidas ao uso negligente dos mesmos pela Segunda Contraente.
12 - A Segunda Contraente efectuará também os seguintes trabalhos, cujos custos se encontram incluídos nos preços unitários contratados.
- A limpeza da obra, com remoção dos materiais sobrantes para os locais apropriados dentro do perímetro da obra;
- As cargas, descargas, arrumação dos materiais e a sua movimentação nos pisos;
- As cargas, descargas, arrumação;
- O fornecimento das ferramentas usuais, necessários à perfeita execução dos trabalhos.
Cláusula 10ª
A Primeira Contraente obriga-se:
1- Fornecer equipamentos colectivos.
2- Ceder os meios de elevação existentes em obra.
Cláusula 11ª
Fazem parte deste contrato de subempreitada os seguintes elementos:
1- Contrato;
2- Lista de quantidades, preços unitários, equipamentos e ferramentas;
3- Projecto.
(…)»
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 10)

20 - Da lista que foi remetida à inicial 2.ª Ré (EMP02..., Lda.) nos termos do contrato de subempreitada não consta o nome de FF.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 9)

21 - FF encontrava-se a trabalhar na obra do X por ter celebrado um contrato de subempreitada com KK, Sociedade de Construção Civil Unipessoal, Limitada.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 23)

22 - Foram efectuadas alterações no projecto inicial da obra do X que se traduziram em diminuição da área em pilares, ultrapassando os 50% no caso do pilar P33, que no projecto tinha uma área de aço de 4Ø20+2 Ø12 (As=16.59 cm2) e foi executado com 4Ø16 (As=8.04 cm2).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 28)

23 - Foram efectuadas alterações no projecto inicial da obra do X que se traduziram em aumento da secção de betão de uma área de betão projectada de 900cm2 e executada de 1600cm2 para a mesma área na ordem dos 78%.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 29)

24 - Foram efectuadas alterações no projecto inicial da obra do X que se traduziram em manutenção das vigas das armaduras longitudinais e diminuição das áreas de aço dos estribos em todas as vigas de Ø8//0.20 para Ø6//0.20.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 30)

25 - Foram efectuadas alterações no projecto inicial da obra do X que se traduziram em utilização de betão com tensões características da tensão de rotura para as vigas de 17MP a que corresponderá um betão C15/20 (fck=16) e nos pilares de 13MPa, quando o recomendado para este tipo de obra é 16.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 31)

26 - Em 14 de Abril de 2005 foi efectuada uma operação de betonagem da estrutura ou laje do tecto designado “... II” da obra do X.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 26)

27 - Os trabalhos de amarração, posicionamento da armadura, execução das juntas de betonagem, colocação da área de aço em pilares e aumento da secção em betão, colocação das cintas dos pilares estavam a ser executados pelos trabalhadores de KK, Sociedade de Construção Civil Unipessoal, Limitada.
 (facto enunciado na sentença recorrida sob o número 40)

28 - O período de secagem de betonagem é de 28 dias.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 39)

29 - Sobre a operação de betonagem da estrutura ou laje do tecto designado “... II” tinham passado 21 dias.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 6)

30 - Em ../../2005, cerca das 07.40 horas, na obra no X, encontrava-se FF, então marido de AA (aqui Autora) e pai dos filhos desta, CC e BB (aqui co-Autores).
 (facto enunciado na sentença recorrida sob o número 5)

31 - No dia e hora indicados no facto provado anterior aconteceu um colapso da estrutura e queda da abóbada ou laje do tecto designado por “... II”, quando FF estava a trabalhar e se encontrava (juntamente com mais dois trabalhadores) no pavimento desse edifício.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 24)

            32 - O colapso da estrutura ou laje sobre FF causou-lhe esmagamento, o qual - de forma necessária, directa e adequada - provocou as lesões corporais que lhe determinaram a morte.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 25)

33 - O relatório interno da inicial 2.ª Ré (EMP02..., Lda.) consigna ter sido verificado na zona do acidente:
- Comprimentos de amarração muito inferiores aos regulamentares;
- Posicionamento incorrecto da armadura em pilares;
- Juntas de betonagem mal executadas;
- Vibração insuficiente nas vigas e laje de cobertura.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 27)

34 - O vertido nos factos provados enunciados sob os números 22, 23, 24 e 25 provocou o colapso da estrutura - “... II”.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 49)

35 - A inicial 1.ª Ré (EMP01..., Lda.) desconhecia que à data do colapso na obra do X trabalhassem outras empresas ou trabalhadores que não operários da inicial 2.ª Ré (EMP02..., Lda.).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 8)

36 - Quando faleceu, FF tinha 33 anos de idade e encontrava-se casado com AA (conforme assento de óbito respectivo, que é fls. 36 do processo físico e aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 47)

37 - FF era uma pessoa saudável.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 34)

38 - FF projectava construir para a sua família uma casa, para a qual haviam adquirido o terreno.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 35)

39 - Era apenas com o produto do seu trabalho que FF sustentava a sua família.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 33)

40 - FF trabalhava em média 13 horas por dia, de segunda a sábado.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 51)

41 - A remuneração média mensal de FF, pelo trabalho que realizava na construção civil, era superior a € 900,00 (novecentos euros e zero cêntimos) [8].
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 52)

42 - FF, para além da actividade que realizava na construção civil, dedicava-se ainda à actividade de tanoaria numa pequena oficina que possuía em casa, auferindo rendimento de valor não apurado.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 32)

43 - CC nasceu em ../../1994, sendo registado como filho de FF e de AA (conforme assento de nascimento respectivo, que é fls. 56 do processo físico e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 17)

44 - BB nasceu em ../../2001, sendo registado como filho de FF e de AA (conforme assento de nascimento respectivo, que é fls. 57 do processo físico e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 18)

45 - Após a morte de FF, e pelo menos enquanto ambos os filhos foram menores, a Autora (AA) não teve como se sustentar a si e aos seus filhos (CC e BB) a não ser com a ajuda de familiares.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 50)

46 - A morte de FF causou nos Autores (AA, CC e BB) uma profunda dor e sofrimento.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 36)

47 - Com a morte de FF os Autores (CC e BB) passaram a ser crianças tristes.
 (facto enunciado na sentença recorrida sob o número 37)

48 - FF era beneficiário da Segurança Social n.º ...36.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 13)

49 - Com base no falecimento de FF foram requeridas no Instituto de Segurança Social/Centro Nacional de Pensões, pela Autora (AA), por si, e na qualidade de legal representante dos filhos então menores (CC e BB), as respectivas prestações por morte, as quais foram deferidas.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 14)

50 - A partir de Fevereiro de 2006, a Autora (AA) passou a receber rendimento mensal proveniente da Segurança Social no valor de € 229,00 (duzentos e vinte e nove euros e zero cêntimos).
 (facto enunciado na sentença recorrida sob o número 38)

51 - Em consequência, o Centro Nacional de Pensões pagou à viúva e aos filhos menores do casal, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, no período de Fevereiro de 2006 a Fevereiro de 2008, o montante global de € 7.238,39 (sete mil, duzentos e trinta e oito euros e trinta e nove cêntimos).
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 15)

52 - O valor mensal da pensão de sobrevivência de FF é de € 141,88 (cento e quarenta e um euros e oitenta e oito cêntimos) para a viúva, e de € 35,47 (trinta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos) para cada um dos filhos.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 16)
*
4.1.2. Factos não provados
Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância deu como não provados os seguintes factos:

i) Era o 2.º Interveniente Principal (Município ...) quem tinha que elaborar e remeter à Administração Pública do Património Cultural o relatório mencionado no facto provado enunciado sob o número 13.

ii) As alterações ao projecto da obra do X mencionadas no facto provado enunciado sob o número 22 foram levadas a cabo por indicação da inicial 1.ª Ré (EMP01..., Lda.).

iii) Foi o 3.º Réu (DD) quem efectuou as alterações descritas nos factos provados enunciados sob os números 22, 23, 24 e 25.

iv) O aumento da secção de betão mencionado no facto provado enunciado sob o número 23 foi de 48%.

v) O vertido no facto provado enunciado sob o número 24 provoca uma acentuação do esforço de corte nas vigas em causa.

vi) Uma das alterações mencionadas no facto provado enunciado sob o número 22 consistiu no afastamento das cintas de todos os pilares passou de 15 cm para 20 cm.

vii) As condições do acidente foram adequadas a provocar nos momentos em que precederam a morte o padecimento intenso de FF.

viii) Os Autores (AA, CC e BB) continuam inconformados até aos dias de hoje com a morte de FF.

ix) Com a morte do marido, a Autora (AA) perdeu a alegria de viver.

x) FF, na sua actividade de tanoaria, ainda realizava como média mensal o valor de € 500,00 (quinhentos euros e zero cêntimos).

xi) FF, com o rendimento do seu trabalho e até perfazer a idade de reforma, iria usufruir a quantia líquida de, pelo menos, € 600.000,00 (seiscentos mil euros e zero cêntimos).

xii) As condições em que foi contratualizada e acordada a direcção técnica da obra do X, nos termos mencionados no facto provado enunciado sob o número 6 foram condição essencial para que o 1.º Interveniente Principal (EE) acedesse ao projecto.

xiii) As escoras deveriam ser retiradas somente ao fim de 28 dias.
*
4.2. Modificabilidade da decisão de facto - Erro de julgamento
4.2.1. Objecto da sindicância
Vieram os Recorrentes (Autores) defender uma nova redacção para o facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 48, onde se verteu a factualidade que precisamente justificou a anulação parcial da primeira sentença proferida nos autos, por relevante para a decisão da causa e naquela omissa.
Pretendia-se, como expressamente consta do primeiro acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Guimarães, que se fosse «ampliada a matéria de facto, tendo como objecto o efectivo exercício, por pare do 3.º Réu (DD), da direcção técnica da obra em causa e da sua coordenação, nomeadamente em termos de segurança e saúde, bem como a sua qualidade de empregado da 2.ª Ré (EMP02..., Lda.)».

Lê-se no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 48: «O 3.º Réu (DD) trabalhava para a inicial 2.ª Ré (EMP02..., Limitada), dava ordens aos trabalhadores, exercia as funções de director de obra e era o coordenador da obra do X».
Pretendem os Autores (AA, CC e BB)  recorrentes que se precise no mesmo: que o 3.º Réu (DD) exercia as funções de director técnico da obra do X; que naquela obra era trabalhador por conta da inicial 2.ª Ré (EMP02..., Lda.); e que a obra em causa não tinha coordenador de segurança e saúde, uma vez que, não obstante o 3.º Réu (DD) tenha sido nomeado como tal na comunicação prévia de 03 de Dezembro de 2003, não podia exercer tais funções por já intervir na mesma como entidade executante.
 Invocaram para o efeito: o documento junto pela Autoridade Para as Condições do Trabalho, Centro Local do ..., que é fls. 3.376 do processo físico; e o documento junto pelo Instituto de Segurança Social, que é fls. 3.387 e 3.388 do processo físico.
*
4.2.2. Juízo do Tribunal ad quem
Dir-se-á que, no juízo de prova vertido na sentença recorrida, relativo ao facto provado nela enunciado sob o número 48, inexiste qualquer referência aos documentos invocados pelos Autores (AA, CC e BB), juntos aos autos precisamente mercê da prova adicional que neles teria que ser produzida para demonstração da matéria de facto ordenada ampliar por este Tribunal da Relação de Guimarães.
Com efeito, o Tribunal a quo justificou a prova dessa factualidade exclusivamente mercê «da conjugação da prova testemunhal, nomeadamente dos depoimentos LL, MM, KK, NN e OO. Acresce que, dos elementos documentais extrai-se igual conclusão: relatório interno da sociedade que o indicou como diretor de obra, e elaborado pelo próprio, junto a fls.574 a 581».

Ora, se é certo que já consta da actual redacção do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 48 que o 3.º Réu (DD) trabalhava para a inicial 2.ª Ré (EMP02..., Lda.), e que na obra em causa exercia as funções de director de obra, dele não consta que essa direcção era técnica, conforme se atesta no documento emitido pelo Centro Local do ... na Autoridade Para as Condições de Trabalho [9].
Importa, pois, proceder a esse aditamento na redacção actual do facto sindicado.
*
Dir-se-á, ainda, que do mesmo facto consta que o 3.º Réu (DD) era o coordenador da mesma obra, pressupondo-se nessa coordenação a segurança e saúde respectivas, o que importa excluir por não poder exercer tal cargo atentas as funções executivas que nela já exercia, conforme igualmente se atesta no documento emitido pelo Centro Local do ... na Autoridade Para as Condições de Trabalho [10].
Importa, pois, proceder a essa exclusão na redacção actual do facto sindicado.
*
Precisa-se, por fim e ainda a propósito, que o objecto exclusivo da ampliação da matéria de facto determinada no primeiro acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Guimarães era o conhecimento do efectivo exercício (ou falta dele), por parte do 3.º Réu (DD), da direcção técnica da obra em causa e da sua coordenação, nomeadamente em termos de segurança e saúde.
Logo, extravasa manifestamente esse objecto, bem como a alegação das partes (incluindo, a dos Autores), não ter a obra do X coordenador de segurança e saúde, como agora pretendem os recorrentes no recurso em apreciação.
Dir-se-á que isto mesmo já foi, inclusivamente, objecto de decisão no primeiro acórdão proferido nos autos (reitera-se, transitado em julgado), quando nele se afirmou (a propósito de idêntica pretensão dos Autores, no recurso que interpuseram da primeira sentença proferida):
«De outro modo, porém, se terá de entender, relativamente à demais pretensão de aditamento de factos, apresentada pelos Autores recorrentes (AA, CC e BB), nomeadamente quanto a ser aditado ao elenco dos factos provados que: «A ré “EMP02..., Ldª”, executante da obra do X, não desenvolveu o Plano de Segurança e Saúde para a execução da mesma obra, que, iniciou e desenvolveu até ao momento do colapso da laje sem esse plano e sem Coordenador de Segurança».
Com efeito, sendo tal matéria relevante (à semelhança daquela outra) certo é que não foi oportunamente (em sede de articulados, normais ou supervenientes) alegada nos autos, nem pelos Autores, nem por qualquer outra das partes, iniciais ou subsequentes (ao contrário daquela outra); e, só por isso, estará qualquer Tribunal (a quo, e ad quem) impedido de a considerar (nos termos dos arts. 5.º, 607.º, n.º 3 e n.º 4, 611.º e 615º, n.º 1, al. d), II parte, todos do CPC)».
*
Deverá assim, decidir-se em conformidade, pela parcial improcedência, e pela parcial procedência, do recurso interposto sobre a matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo, isto é, quanto ao facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 48, que passará a constar dos autos com a seguinte e definitiva redacção:

18 - O 3.º Réu (DD) trabalhava para a inicial 2.ª Ré (EMP02..., Limitada), dava ordens aos trabalhadores e exercia as funções de director técnico da obra do X.
(facto enunciado na sentença recorrida sob o número 48)
*
V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Pressupostos da obrigação de indemnizar - Actuação do 3.º Réu
Vieram os Autores (AA, CC e BB) estruturar a presente acção como sendo fundada em responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente resultante da violação de normas jurídicas aplicáveis a obra de construção civil, de onde resultou o colapso de uma laje em betão, causador da morte do respectivo marido e pai.
Mostra-se neste momento limitado ao 3.º Réu (DD e ao 1.º Interveniente Principal (EE) o pedido de condenação que formularam, sendo que demandaram: o primeiro, porque tendo a direcção técnica efectiva da obra, teria permitido aquela violação, da qual precisamente resultaram os danos cuja reparação aqui pedem; e o segundo, por ser o co-autor do projecto de estruturas e o director técnico da obra. 
           
Ora, e se relativamente ao 3.º Réu (DD, engenheiro, se mantém intactos os pressupostos fácticos em que alicerçaram o seu pedido, já relativamente ao 1.º Interveniente Principal (EE), arquitecto, ficou definitivamente assente nos autos (desde a primeira sentença neles proferida, o recurso que dela interpuseram e o acórdão que o conheceu) que a sua intervenção se limitou à elaboração do projecto de arquitectura e ao que exclusivamente tivesse a ver com o mesmo (nomeadamente, em termos de respectiva direcção técnica, administração e fiscalização, repete-se, apenas e só no que à arquitectura dissesse respeito) [11].
Compreende-se, por isso, o actual e definitivo elenco de factos provados, onde expressamente consta que o «projecto de especialidade da estrutura foi tratado na sequência de contactos estabelecidos directamente entre o dono da obra e um gabinete de engenharia» (facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 44) e a «direcção técnica que o 1.º Interveniente Principal (EE) assumiu foi entregue na Câmara Municipal ... nos termos constantes de fls. 261, e restringiu-se à aquitectura» (facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 45).
Logo, estando igualmente assente nos autos (mercê do decidido no primeiro acórdão neles proferido) que foram as alterações ao projecto inicial de estrutura da obra (nomeadamente, a diminuição da área em pilares, o aumento da área de betão, a diminuição das áreas de aço dos estribos em todas as vigas e a utilização de betão com características de tensão inferiores às recomendadas) que provocaram o colapso da estrutura - “... II”, isto é, da laje de betão, resultam indemonstrados os pressupostos em que os Autores (AA, CC e BB) assentaram a responsabilização do 1.º Interveniente Principal (EE), cuja actuação, reitera-se, nada teve a ver com a estrutura da obra.

Limitar-se-á, por isso (e em conformidade com a matéria de facto já definitivamente assente), a análise a que se procederá de seguida, quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual invocada pelos Autores (AA, CC e BB), à conduta que imputaram ao 3.º Réu (DD).
*
5.1.1.1. Em geral - Artigo 483.º do CC
Lê-se no art.º 483.º, n.º 1, do CC, que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer outra disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
São, pois, pressupostos desta obrigação de indemnizar:

i) um facto voluntário do lesante -  uma conduta dependente da vontade humana, embora não necessariamente intencional, isto é, um comportamento cujo resultado se haja de antemão representado e desejado (excluindo-se os factos naturais danosos, isto é, independentes da vontade humana e por ela objectivamente incontroláveis).
Contudo, este facto voluntário do agente pode revestir duas formas: a acção (art.º 483.º do CC) e a omissão, aqui «quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido». (art.º 486.º do CC) [12].

ii) a ilicitude (do facto humano voluntário) - a infracção de um dever jurídico, quer se consubstancie na violação de um direito de outrem, quer na violação de um preceito da lei tendente à protecção de interesses alheios.

iii) o nexo de imputação do facto ao agente - a ligação do facto a uma certa pessoa, quer em termos de dolo, quer em termos de mera culpa (ligação psicológica do agente com a produção do evento, e respectivo grau de censurabilidade que a conduta merece) [13], ou, excepcionalmente, em termos de risco.
Diz-se, assim, que «agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do devedor ser pessoalmente censurável ou reprovável. E o juízo de censura ou de reprovação baseia-se no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo.
(…) A regra é que o devedor não responde, quando não possa ser censurado ou reprovado pela falta de cumprimento» (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume I, 7.ª edição, Livraria Almedina, 1991, págs. 92 e 93).

iv) os danos - neles se incluindo quer os danos emergentes (isto é, a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado), quer os lucros cessantes (isto é, os benefícios que este deixou de obter em consequência da lesão, o acréscimo patrimonial frustrado), uns e outros de carácter patrimonial; e ainda os danos não patrimoniais (isto é, os insusceptíveis de avaliação ou medida monetária, porque atingem direitos de personalidade);

v) e o nexo de causalidade entre aquele facto (ilícito e culposo) e estes danos - exige-se que aquele seja causa destes, defendendo-se tradicionalmente que o seja em termos de causalidade adequada (art.º 563.º do CC), isto é, torna-se necessário que o facto tenha actuado como condição do dano e que, em abstracto, aquele (facto) seja causa adequada (segundo o curso normal das coisas) deste (dano) [14].
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5.1.1.2. Em particular - Direcção Técnica de Obra
Resulta da CRP que uma «das tarefas fundamentais do Estado» é a de «assegurar um correcto ordenamento do território» (art.º 9.º, al. e)), tarefa que se projecta nos direitos sociais de habitação e urbanismo (art.º 65.º) e no direito do ambiente (art.º 66.º, n.º 2, als. b) e e)).
Defende-se, por isso, que no plano constitucional se entrecruzam «interesses públicos e de carácter colectivo com interesses particulares dos interessados, beneficiados ou afectados pelas operações de ordenamento do território» (Ac. da RC, de 26.01.2010, Carlos Gil, Processo n.º 1801/08.7TBCBR.C1).
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Esta mesma natureza bifronte de normas (tutelando interesses de ordem pública e colectiva, mas também interesses particulares) reafirma-se no direito ordinário da construção (isto é, no segmento normativo do direito da edificação).
Com efeito, se é certo que, indiscutivelmente, contém «prescrições de direito público relativas à criação de novas edificações e das suas vicissitudes, segundo critérios de segurança, durabilidade estética, qualidade, salubridade, conforto, reserva da intimidade privada, funcionalidade e economia de recursos energéticos» (André Folque, Curso de Direito da Urbanização e da Edificação, Coimbra Editora 2007, página 11), certo é igualmente que parte das normas que regulam aspectos concretos da construção civil (e ainda que editadas para protecção de interesses alheios) poderão ser invocadas, quando violadas, como fonte de responsabilidade civil pelos particulares afectados negativamente por essa violação [15].
Compreende-se, assim, que se leia no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação [16] (sempre na redacção vigente à data da prática dos factos aqui em causa, nos termos do art.º 12.º, n.º 1, do CC, como qualquer outro dos diplomas que se venham a citar), nos seus: art.º 10.º, n.º 1, que o «requerimento ou comunicação é sempre instruído com declaração dos autores dos projectos, da qual conste que foram observadas na elaboração dos mesmos as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as normas técnicas de construção em vigor, e do coordenador dos projectos, que ateste a compatibilidade entre os mesmos»; art.º 76.º, «o interessado deve, no prazo de um ano a contar da data da notificação do acto de licenciamento ou autorização, requerer a emissão do respectivo alvará, apresentando para o efeito os elementos previstos em portaria aprovada pelo Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território»; art.º 97.º, n.º 1, que todos «os factos relevantes relativos à execução de obras licenciadas ou autorizadas devem ser registados pelo respectivo director técnico no livro de obra, a conservar no local da sua realização para consulta pelos funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras»; e art.º 93.º, n.º 2, que a fiscalização administrativa se destina «a assegurar a conformidade daquelas operações com as disposições legais e regulamentares aplicáveis e a prevenir os perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança das pessoas».
Lê-se ainda, no art.º 3.º, n.º 1, al. c), da Portaria n.º 1105/2001, de 18 de Setembro (que regulamenta o pedido de emissão de alvará de licenciamento), que o «pedido de emissão de alvará de licenciamento ou de autorização de obras de edificação deve ser instruído» com o termo «de responsabilidade assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra», o qual obedece às especificações definidas no anexo à citada portaria (conforme art.º 8.º, respectivo).       
Logo, e sem que os diplomas em causa nos forneçam uma definição do que seja o «director técnico de obra» [17], resulta desde já das disposições citadas que a sua intervenção «visa garantir que a execução da obra obedece aos projectos apresentados e às exigências impostas pela administração», sendo que de entre «os diversos projectos que instruem o processo de licenciamento das obras de edificação deve destacar-se pela sua pertinência com o caso dos autos o projecto de estabilidade» (Ac. da RC, de 26.01.2010, Carlos Gil, Processo n.º 1801/08.7TBCBR.C1).

Com efeito, o projecto de estabilidade é o primeiro a ser enumerado no art.º 11.º, n.º 5, al. a), da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro (diploma que determina quais os elementos que devem instruir os pedidos de informação prévia, de licenciamento e de autorização referentes a todos os tipos de operações urbanísticas), como um dos projectos das especialidades exigíveis para obras de edificação.
Precisando, dir-se-á que, e ao «contrário do que acontece com o projecto de arquitectura o qual define o aspecto da obra (forma, volumes e dimensões) e que acaba por ser transportada para uma realização corpórea (o edifício) possuindo assim uma maior afinidade com o objecto típico da empreitada, um projecto de especialidades, mais propriamente o projecto de estabilidade, é elaborado com base em cálculos e formulas matemáticas complexas que define os esforços estruturais a considerar que têm de ser tidos em conta, bem como as características da estrutura resistente dos edifícios, com a eleição dos materiais, seu dimensionamento e disposição, por forma a ser assegurada e garantida a sua estabilidade e integridade ao longo do tempo». Logo, e embora «este projecto seja depois transposto para uma obra corpórea, as suas manifestações radicando em fórmulas, cálculos e modelos matemáticos intrincados e complexos que são incomensuravelmente menos detetáveis e cognoscíveis, não saltam à vista de um cidadão médio, ao contrário da generalidade dos defeitos exibidos pelas coisas corpóreas.
Dir-se-á, ainda, que dada «a relevância deste projeto para um edifício os coeficientes de segurança dos projetos de estabilidade são dimensionados por excesso, tendo em conta a elevada duração que é suposto conferir a edificações e à exposição e ocorrência de fenómenos que provocam cargas e esforços adicionais».
Compreende-se, por isso, que se defenda que, sendo um «projeto de estabilidade (…) elaborado para ser indefinidamente duradouro», a exigência «da sua conformidade com as regras técnicas e as normas legais obedece a razões de segurança de longo termo das edificações, relacionadas com a salvaguarda da integridade física e vida dos utilizadores da obra a que não são estranhas razões de interesse público» (Ac. da RG, de 29.10.2015, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 492/10.0TBPTL.G1).
Compreende-se, ainda, que a posterior (face à sua elaboração) «fiscalização exercida pelo director técnico da obra, no que respeita o projecto de estabilidade, visa não só garantir a conformidade da obra executada com o projecto, mas também, necessariamente, garantir condições de segurança para os que trabalham na obra, para os que poderão vir a ocupar a obra, nomeadamente o seu dono e para todos aqueles que possam vir a achar-se em contacto com o edifício construído. O cumprimento do projecto de estabilidade dá garantias de que a construção não virá pôr em perigo todos aqueles que podem vir a ter contacto com a obra ou a estar nas suas proximidades» (Ac. da RC, de 26.01.2010, Carlos Gil, Processo n.º 1801/08.7TBCBR.C1).

Prosseguindo, lê-se no Regime Jurídico do Licenciamento de Obras Particulares [18], nos seus: art.º 6.º, que o «pedido de licenciamento é sempre instruído com declaração dos autores dos projectos em como se observaram as normas técnicas gerais e específicas da construção, bem como as disposições legais e regulamentares aplicáveis a cada um dos projectos apresentados, nos termos do disposto no nº 2 do art. 15º» (n.º1), sendo que as «declarações de responsabilidade do autor do projecto de arquitectura e dos projectos de especialidades constituem garantias bastantes do estrito cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis» (n.º 2); art.º 25.º, que o  «titular da licença de construção é obrigado a conservar o livro de obra no respectivo local, para consulta, escrituração do acto de fiscalização e das anomalias detectadas pelo técnicos das entidades fiscalizadoras» (n.º 1), sendo que o «técnico responsável pela direcção técnica da obra deve registar no livro de obra o seu estado de execução, exarando as observações que considere convenientes sobre o desenvolvimento dos trabalhos» (n.º 2), e os «autores dos projectos devem prestar os esclarecimentos necessários para a correcta interpretação dos respectivos projectos, dar assistência ao titular da licença de construção na verificação da qualidade dos materiais e ainda assegurar, por si ou por seu mandatário, o acompanhamento da obra, registando no respectivo livro o andamento dos trabalhos e a qualidade da execução, bem como qualquer facto contrário ao projecto» (n.º 3), impondo-se ainda que os «registos mencionados nos nºs 2 e 3 são efectuados, pelo menos, com periodicidade mensal, salvo em caso de força maior que se mostre devidamente justificado» (n.º 6).
Logo, resulta «do exposto que pelo termo de responsabilidade, exigido pelo art. 6º do DL 445/91, se atesta a conformidade entre a construção a que se refere e as normas legais e regulamentares aplicáveis, o que, para não ser apenas uma declaração vazia de significado, exige uma actuação atenta e constante de quem assumiu tal responsabilidade relativamente ao andamento dos trabalhos da obra em causa. Neste sentido ainda o que claramente resulta do nº 3 do art. 25º supra referido ao impor aos autores dos projectos a obrigação de acompanharem a obra, registando no respectivo livro o andamento dos trabalhos e a qualidade da execução» (Ac. da RC, de 09.03.2004, Ferreira Lopes, Processo n.º 3365/03).

Prosseguindo uma vez mais, lê-se no Estatuto da Ordem dos Engenheiros [19], no seu Capítulo III, relativo aos «deveres decorrentes do exercício da actividade profissional», mais precisamente nos seus: art.º 86.º, n.º 5, que o «engenheiro deve procurar as melhores soluções técnicas, ponderando a economia e a qualidade da produção ou das obras que projectar, dirigir ou organizar»; e 87.º, n.º 2, que o «engenheiro deve prestar os seus serviços com diligência e pontualidade, de modo a não prejudicar o cliente nem terceiros, nunca abandonando, sem justificação, os trabalhos que lhe forem confiados ou os cargos que desempenhar».
Dir-se-á que também «as normas citadas do Estatuto dos Engenheiros são claras na afirmação de que a imposição dos deveres de diligência e que visam a tutela não só do cliente mas também de terceiros»; e, confirmando-se «a violação de[stes] deveres profissionais», «o terceiro prejudicado poderá com tal fundamento normativo intentar a responsabilização do engenheiro incumpridor» (Ac. da RC, de 26.01.2010, Carlos Gil, Processo n.º 1801/08.7TBCBR.C1).
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5.1.2. Caso concreto (subsunção ao direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, sendo o 3.º Réu (DD) engenheiro, e tendo assumido a direcção técnica da obra do X, cabia-lhe, nomeadamente, fiscalizar o cumprimento dos respectivos projectos de especialidades, incluindo o projecto de estruturas, não só mercê da legislação então vigente, como ainda pelo que particularmente se encontrava assumido pela sua entidade patronal, a inicial 2.ª Ré (EMP02..., Lda.), e por ele com ela.
Com efeito, lê-se nas «CONDIÇÕES DA DIRECÇÃO TÉCNICA PARTILHADA», de 27 de Agosto de 2003 (fls. 271 do processo físico), que a «direcção técnica da Obra de recuperação e ampliação do “X” (…) será partilhada», cabendo «ao projectista de arquitectura, arq.tº EE, a direcção técnica, a administração e a fiscalização da arquitectura de acordo com o projecto aprovado», e cabendo «ao eng. DD, a direcção técnica, a administração e a fiscalização dos trabalhos relativos a estabilidade, a infraestruturas gerais, em conformidade com os respectivos projectos de especialidades aprovados e em cumprimento das condições regulamentares de segurança e saúde em obra, bem como a elaboração das actas do Livro de Obra».
 
Mais se verifica que, no decurso da obra, e sem que fosse apurada a respectiva iniciativa e autoria, foram introduzidas diversas alterações ao projecto de estabilidade, nomeadamente na construção do “... II”, alterações que se traduziram: na diminuição da área em pilares, ultrapassando os 50% no caso do pilar P33, que no projecto tinha uma área de aço de 4Ø20+2 Ø12 (As=16.59 cm2) e foi executado com 4Ø16 (As=8.04 cm2); no aumento da secção de betão de uma área de betão projectada de 900cm2 e executada de 1600cm2 para a mesma área na ordem dos 78%; na manutenção das vigas das armaduras longitudinais e na diminuição das áreas de aço dos estribos em todas as vigas de Ø8//0.20 para Ø6//0.20; e na utilização de betão com tensões características da tensão de rotura para as vigas de 17MP a que corresponderá um betão C15/20 (fck=16) e nos pilares de 13MPa, quando o recomendado para este tipo de obra é 16.

Verifica-se ainda que estas alterações, ou não foram detectadas pelo 3.º Réu (DD), ou foram por ele desconsideradas; mas, em qualquer um dos casos, com grave violação dos deveres profissionais e contratuais que lhe estavam cometidos, e sem que fosse apresentada para o efeito qualquer causa de justificação.
Com efeito, e ao contrário do ajuizado pelo Tribunal a quo, pese embora a utilização de betão com características de tensão distintas das devidas não seja percepcionável a olho nu, o 3.º Réu (DD) não era um indiferenciado cidadão, estando tecnicamente habilitado a conhecer de antemão essa insusceptibilidade (e muitas outras idênticas), bem como a forma de a ela obviar (v.g. controlando a fonte de fornecimento do dito betão, pedindo aleatórias e periódicas análises ao mesmo).

Por fim, verifica-se ainda que as ditas alterações determinaram o posterior colapso da laje de cobertura, causando a morte de FF (marido e pai dos aqui Autores), que se encontrava a trabalhar sob a mesma.

Logo, estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil imputada pelos Autores (AA, CC e BB) ao 3.º Réu (DD), uma vez que: estando obrigado a fiscalizar o cumprimento do projecto de estabilidade da obra do X, não o fez, nessa omissão radicando o seu facto voluntário; o mesmo é ilícito (por violação das regras legais referidas) e culposo (já que podia e devia ter agido de outro modo, uma vez que nenhuma causa de exculpação foi invocada); dele resultaram danos para os Autores (AA, CC e BB); e os mesmos tiveram naquela violação do direito aplicável à construção civil a sua causa adequada.
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5.2. Danos não patrimoniais - Montante da indemnização
5.2.1.1. Danos não patrimoniais (em geral)
Os danos não patrimoniais são os não susceptíveis de avaliação pecuniária (numa definição negativa), porque se reportam a valores ou interesses da personalidade física, moral, espiritual ou ideal. Afectam, assim, bens da personalidade, «insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente» (Ac. do STJ de 25.11.2009, Raúl Borges, Processo n.º 397/03.0GEBNV.S1, reiterado depois no Ac. da RC, de 03.02.2010, Brízida Martins, Processo n.º 276/03.1GBOBR.C1) [20].
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Lê-se no art.º 496.º, n.º 1, do CC, que, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», aqui se incluindo aqueles que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.
Compreende-se esta exigência de «gravidade», já que a reparação aqui em causa pretende «dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que, sendo esta uma ofensa moral, não é susceptível de equivalente» (Vaz Serra, BMJ, n.º 83, pág. 83).
Contudo, essa exigível gravidade do dano não patrimonial indemnizável deverá ser aferida por um padrão objectivo (embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto), e não por um padrão subjectivo, derivado de uma sensibilidade especialmente requintada ou exacerbada ou, pelo contrário, particularmente embotada (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume I, 7.ª edição, Livraria Almedina, pág. 576).

Lê-se ainda, no n.º 4, do art.º 496.º citado, que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º», isto é, o «grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso» (mormente, o tipo de lesões registadas e o sofrimento daí resultante), sem esquecer os padrões adoptados pela jurisprudência e a flutuação da moeda.
Logo, o critério fundamental de fixação desta indemnização por danos não patrimoniais é a equidade, cujo julgamento «é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição» (António Menezes Cordeiro, O Direito, 122.º, pág. 272 [21]). Opera, por isso, como um mecanismo de adaptação da lei geral às circunstâncias do caso concreto (só o juiz - e não a lei abstracta - o podendo fazer).
Por outras palavras, ao «fixar o valor em dívida com base na equidade, o Tribunal deixa de aplicar as normas jurídicas em sentido estrito, para lançar mão de um critério casuístico que aquela situação demanda, em termos de ponderação das particularidades do caso, tendo em conta a decisão justa e adequada à hipótese em julgamento, pelo que o critério é consentidamente deixado ao prudente arbítrio do julgador, com a carga de subjectividade que isso implica, mas sempre com o limite da solução mais justa, equitativa e objectiva».
Reconhece-se, assim, que o «recurso à equidade constitui um critério residual», por envolver «uma atenuação do rigor da norma legal, por virtude da apreciação subjectiva do julgador, subtraindo este aos critérios puros e rigorosos de carácter normativo fixados na lei» (Ac. do STJ, de 13.04.2010, Fonseca Ramos, Processo n.º 109/2002.C1.S1).

Quanto à situação económica do autor do facto lesivo e da vítima, terão que ser ponderados «no contexto da situação económica do cidadão médio e do significado do bem jurídico afectado para a vida em sociedade» (Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Volume II, Indemnização dos Danos Reflexos em Geral, 2.ª edição, Almedina, pág. 24).

Relativamente às demais circunstâncias do caso, atende-se aqui nomeadamente às lesões registadas e aos sofrimentos que provocaram, tendo necessariamente em conta a idade do lesado.

Por fim, ter-se-ão ainda «em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art.º 8.º, n.º 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito» (Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704, com bold apócrifo).

Dir-se-á, por tudo, que não se trata aqui de uma verdadeira indemnização, mas sim da atribuição de certa soma pecuniária, que se julga adequada a compensar e a minorar dores e sofrimentos, mercê das alegrias e satisfações que a mesma pode proporcionar.
Por outras palavras, os «interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portando, de atribuir ao lesado “um preço de dor” ou “um preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1991, pág. 115).
Tal reparação reveste mesmo uma natureza mista, visando, por um lado, compensar (mais até do que indemnizar) os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado; e, por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios adequados do direito civil, a conduta do agente (assim também se compreendendo o apelo, feito no art. 496.º, n.º 4 do CC, ao «grau de culpabilidade do agente»).

Reconhece-se, porém, que: da «conjugação do art. 496.º com o 494.º para que remete, verifica-se que a indemnização deve antes de mais ser ajustada à gravidade da ofensa (dentro do critério geral da restauração, quanto possível, da situação que existiria se não fosse a ofensa) e ao grau de culpa do agente», e «só depois a situação económica e outras circunstâncias do caso» (Ac. da RC, de 16.01.2008, Belmiro Andrade, Processo n.º 555/04.0GTAVR.C1); todos estes elementos de ponderação implicam uma certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer uma indemnização rigorosa e precisa (Ac. do STJ, de 16.04.1991, Cura Mariano, BMJ, n.º 406, pág. 618).
No entanto, há muito que se defende que deve ter um alcance real e não meramente simbólico, por forma a que se atinja um justo grau de “compensação”, sendo «mais que tempo, conforme jurisprudência que, hoje, vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue ! Mas - et pour cause - a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico. Aliás, é nesta linha que se encontra, como é do conhecimento geral, o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais e dos respectivos prémios» (Ac. do STJ, de 16.12.1993, Cardona Ferreira, CJ, 1993, Tomo III, pág. 182, com bold apócrifo) [22].
Este juízo sai reforçado se, conforme o «considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012», destacarmos «a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar» (Ac. do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1) [23].
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5.2.1.2. Danos morte (em particular)
A perda do direito à vida, por parte da vítima da lesão, constitui um dano não patrimonial autónomo, susceptível de reparação pecuniária, cujo direito à reparação é reconhecido, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos e outros descendentes, ou, na falta destes, aos pais e outros ascendentes, independentemente da controvérsia sobre a esfera em que tal direito nasça e dos seus titulares activos (n.º 2 do art.º 496.º do CC).
Precisa-se que, quando se diz que esta indemnização é «directa e conjuntamente atribuída» pretende-se com isso significar que se trata de uma atribuição própria, de um direito atribuído ex-novo às pessoas indicadas no n.º 2 do art.º 496.º do CC, que afasta o regime normal das transmissões sucessórias a favor dos herdeiros [24].
Precisa-se, ainda, que, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais, atribuído directa e conjuntamente às pessoas referidas, compreende não apenas os danos não patrimoniais sofridos por aquela, como os sofridos pessoalmente por estes (n.º 2 e n.º 3 do art.º 496º citado).

No caso particular do dano morte, reconhece-se que assume particular dificuldade quantificar a perda do direito à vida, por estar em causa a supressão de um bem único e irrepetível, que é a vida humana, o que explica as disparidades na determinação do respectivo quantum indemnizatório.
São, porém, visíveis os esforços que a jurisprudência vem fazendo no sentido determinar tais disparidades, havendo mesmo quem na doutrina defenda que «a forma mais justa, e obviamente a única dotada de certeza, para avaliar o dano moral da morte seria padronizá-lo» (Álvaro Dias, Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Colecção Teses, Almedina, pág. 359-360).
A este respeito importa ponderar que a vida é o bem supremo de cada indivíduo, não devendo a sua perda ser indemnizada em termos miserabilistas, por isso se cedo se afirmando jurisprudencialmente que nunca abaixo do preço normal de um veículo automóvel de gama média alta [25].
Assim, a indemnização pela perda da vida vem sendo fixada entre € 50.000,00 e € 120.000,00  [26].
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5.2.2. Caso concreto (subsunção ao direito aplicável)
5.2.2.1. Danos não patrimoniais (em geral)
Concretizando, verifica-se que, quando FF contava 33 anos de idade, sendo marido da Autora (AA) e pai dos Autores (CC e BB), então com 10 e 4 anos de idade, veio o mesmo a falecer, esmagado pela queda de uma laje de betão sob a qual trabalhava.
Mais se verifica que a sua morte causou uma profunda dor e sofrimento aos Autores (AA, CC e BB), passando os filhos a serem crianças tristes
Dir-se-á: serem de indesmentível gravidade os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores (AA, CC e BB); ser elevado o grau de culpabilidade do 3.º Réu (DD), que de forma (pelo menos) grosseiramente negligente incumpriu os deveres legais e contratuais que lhe estavam cometidos como director técnico da obra do X; desconhecer-se a sua situação económica, acreditando-se, porém que, sendo engenheiro, sempre será mais robusta do que a dos Autores (AA, CC e BB), que para sobreviverem necessitaram da ajuda de familiares;  e as demais circunstâncias impõem a consideração da definitiva perda de um projecto familiar, onde se incluía não só a construção de uma casa em terreno que havia sido adquirido para o efeito, como sobretudo a criação de duas crianças com o apoio recíproco de dois adultos, numa complementaridade mútua e permanente, em prol do desenvolvimento total, não só dos filhos, como deles próprios.

Considerando agora o pendor das prévias decisões jurisprudenciais, dir-se-á que o «montante pecuniário compensatório, a arbitrar genericamente a título de danos de carácter não patrimonial, não tem que obedecer a qualquer critério (obrigatório) de proporcionalidade relativamente ao específico dano morte (compensação pela perda do direito à vida)», «face à natureza, autonomia e especificidade inerentes às duas espécies de danosidade em equação» (Ac. do STJ, de 14.09.2010, Ferreira de Almeida, Processo n.º 797/05.1TBSTS.P1).
Reitera-se que cada caso tem as suas particularidades; e se assiste a uma cada vez maior valorização do sofrimento psicológico e do aumento da dificuldade das famílias monoparentais proporcionarem aos seus membros as condições necessários ao respectivo desenvolvimento físico e psicológico (face às crescentes exigências de um mundo em permanente e acelerada mudança e competição).

Considerando tudo o que antes se deixou já dito, crê-se ajustada à indemnização dos danos não patrimoniais sofridos: pela Autora (AA), a quantia por ela pedida de € 45.000,00, uma vez que, como adulta, teria mais recursos para se recuperar psicológica e emocionalmente, face aos seus filhos então menores; e por cada um dos Autores (CC e BB), a quantia por eles pedida de € 70.000,00, já que, precocemente, deixaram de poder contar com o apoio insubstituível de um pai, aqui modelo tutelar de desenvolvimento do seu próprio género.
*
Não se tendo reflectido nas indemnizações arbitradas a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos directamente pelos Autores (AA, CC e BB) qualquer actualização permitida pelo decurso do tempo (nomeadamente, pela evolução dos critérios jurisprudenciais), vencerão juros de mora a contar da citação, tal como foi por eles peticionado (conforme acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, do STJ, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27 de Junho de 2002 [27]).
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5.2.2.2. Dano morte (em particular)
Concretizando, verifica-se que, sendo FF uma pessoa saudável, casado, com dois filhos, de 4 e de 10 anos de idade, e o único sustento da respectiva família, veio a falecer com 33 anos de idade.
           
Tendo os Autores (AA, CC e BB) pedido a quantia de € 70.000,00 para ressarcir a perda do seu direito à vida, considera-se a mesma plenamente justificada tendo em conta a data em que a morte lhe sobreveio (../../2005).
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Não se tendo reflectido na indemnização arbitrada a título de dano morte qualquer actualização permitida pelo decurso do tempo (nomeadamente, pela evolução dos critérios jurisprudenciais), vencerá a mesma juros de mora a contar da citação, tal como foi peticionado pelos Autores (conforme acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, do STJ, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27 de Junho de 2002 [28]).
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5.3. Danos patrimoniais -  Montante da indemnização
5.3.1. Perda da capacidade de ganho
Os danos patrimoniais são os susceptíveis de avaliação pecuniária, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectindo-se no património do lesado.
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Lê-se no 562.º do CC que «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação». Logo, haverá que indemnizar o lesado dos danos experimentados e advindos do evento que obriga à reparação, de forma a reconstituir-lhe a situação que existiria se não houvesse ocorrido o facto lesivo.
Mais se lê, no art.º 566.º do CC, que a indemnização será «fixada em dinheiro» «sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor» (n.º 1); e terá então «como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos» (n.º 2).
Lê-se ainda, no art.º 564.º do CC, que o «dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão» (n.º 1), sendo que na «fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis» (n.º 2). Logo, nos danos patrimoniais a lei contempla quer os danos emergentes (isto é, a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado), quer os lucros cessantes (isto é, os benefícios que este deixou de obter em consequência da lesão, o acréscimo patrimonial frustrado).
*
Em sede de reparação do dano patrimonial, a forma de cálculo pertinente ao dano patrimonial futuro tem sido feita sobretudo em relação à perda, ou diminuição, de capacidade de ganho.
Com efeito, um dos «casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado perde ou vê diminuída, em consequência do facto lesivo, a sua capacidade laboral». Entende-se, então, que «a indemnização a pagar ao lesado deve, neste caso, representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganhos» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 580, com bold apócrifo).
Contudo, defende-se ainda que se torna necessário proceder ao cálculo de redução do benefício que normalmente advém do facto de se receber de uma só vez o capital correspondente a prestações mensais que se iria recebendo, proteladas no tempo, sabida a remuneração paga hoje por aquele capital (o que se traduziria num enriquecimento injustificado) [29]; e, para esse efeito e a acrescer às condicionantes da vida activa - ou da esperança de vida à nascença - da vítima e da maioridade dos filhos (quanto os mesmos reclamem alimentos), haveria ainda que considerar a taxa de juro líquida e inalterável.
Podendo recorrer-se para o efeito a tabelas financeiras disponíveis para a quantificação da indemnização por danos futuros (em sede de indemnizações a pagar extrajudicialmente por seguradoras, ou de cálculo de indenizações em sede de direito laboral), desde cedo se defendeu que nenhuma delas (nomeadamente a contida na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio) é vinculativa para os tribunais, devendo ser vistas como meros meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, supondo sempre a intervenção temperadora da equidade [30]; e, sobretudo, rejeitando que se visse nelas a imposição aos tribunais de limites máximos, o que «traduziria um insustentável retrocesso na protecção devida aos lesados, voltando-se a um “miserabilismo” indemnizatório há muito justificadamente derrogado pelos critérios jurisprudenciais dominantes, de modo a afastar decididamente o arbitramento de montantes indemnizatórios irrisórios, desproporcionadamente exíguos perante a gravidade das lesões sofridas» (Ac. do STJ, de 01.07.2010, CJ, Tomo II, pág. 139) [31].

Compreende-se, assim, que a Jurisprudência tenha vindo a estabelecer de forma autónoma «critérios de apreciação e de cálculo do dano biológico (quer ele se reconduza, no concreto, a um dano patrimonial - quando há perda/diminuição dos rendimentos profissionais -, ou a um dano não patrimonial - quando não ocorra essa perda/diminuição) com o objectivo de reduzir o mais possível a margem de arbítrio e de subjectivismo dos julgadores e por forma a que haja uma maior uniformidade na sua quantificação» (Ac. da RP, de 20.03.2012, M. Pinto dos Santos, Processo n.º 571/10.3TBLSD.P1, com bold apócrifo).
Os ditos critérios são os seguintes: «(i) a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; (ii) no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; (iii) os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade; (iv) deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo próprio ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que, contudo, vale unicamente para os casos de morte do lesado; (v) deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, pelo que há que considerar esses proveitos introduzindo um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infractor ou da sua seguradora; (vi) deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma» (Ac. do STJ, de 05.07.2007, Nuno Cameira, Processo n.º 07A1734).
Com efeito, defende-se que o «número de anos que importa ter em conta não é o número de anos que falta atingir para a idade da reforma, mas sim para a idade correspondente à esperança média de vida da vítima» (Ac. da RP, de 03.02.2014, Carlos Gil, Processo n.º 2138/10.7TBPRD.P1, com bold apócrifo) [32]. Admite-se, porém, que outro possa ser o entendimento, nomeadamente perante profissões de intenso desgaste físico, em que será preferível considerar então a idade legal de reforma, fixada nesse momento em 66 anos e 07 meses.

Por fim, tem-se ainda presente que sempre será «tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório deste dano, já que, tirando a idade das vítimas e a incapacidade que as afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito é inapreensível, agora, qual vai a ser a evolução do mercado laboral, o nível remuneratório do emprego, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem no nível remuneratório, como por exemplo, os impostos [33]. Daí que, nos termos do n° 3 do art. 566° do Código Civil, a equidade deverá funcionar “com maior peso” ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos» (Ac. da RC, de 28.05.2013, José Avelino Gonçalves, Processo nº 1721/08.5TBAVR.C1, com bold apócrifo) [34].
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5.3.2. Caso concreto (subsunção ao direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, sendo FF o único suporte económico da respectiva família, constituída por ele próprio, pela Autora (AA) e pelos Autores (CC e PP), então com 10 e 4 anos de idade, o mesmo: trabalhava em média 13 horas por dia, de segunda a sábado; e fazia-o na construção civil, onde auferia um rendimento superior a € 900,00 por mês, e em casa, numa pequena oficina de tanoaria, onde auferia valor não apurado.
Crê-se, porém, razoável fixar o dito rendimento não apurado, por equidade, no valor de € 300,00, já que a maior parte do seu dia de trabalho teria que estar afecto à actividade de construção civil, face aos valores que dela auferia.
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Ora, deste valor global de € 1.200,00 mensais, será razoável supor que FF gastasse com a sua própria sobrevivência um quarto, ficando assim com € 900,00 por mês para beneficiar a mulher e os dois filhos.
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Exercendo profissão e actividade de intenso desgaste físico, será razoável presumir que o faria até à idade legal de reforma, actualmente fixada nos 66 anos.
Tendo falecido em ../../2005, com 33 anos de idade, trabalharia ainda outros 33 anos (isto é, 396 meses), reformando-se previsivelmente em 2038.
Ora, multiplicando o seu rendimento mensal afecto à família (de € 900,00) por 396 meses, obtém-se o valor de € 356.400,00, que, singelamente e sem outras ponderações, corresponderá grosso modo ao que a mesma deixou de beneficiar com a sua morte.
Contudo, e atenta a redução do pedido feita pelos Autores (AA, CC e PP) já no decurso da audiência de julgamento, os mesmos limitaram a indemnização que pediram a este título a € 330.000,00.
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Prosseguindo, e afectando-se a cada um dos Autores (AA, CC e PP) € 300,00 por mês (do total de € 900,00 que FF afectaria ao conjunto dos mesmos), cada um dos dois filhos teria direito a essa quantia até à idade em que previsivelmente completasse os seus estudos superiores, isto é, aos 25 anos (conforme art.ºs 1880.º e 1905.º, ambos do CC).

Ora, o autor CC, nascido em ../../1994, completou 25 anos em ../../2019; e tendo direito a receber os ditos € 300,00 desde Maio de 2005 (data da morte do pai) até Julho de 2019 (data em que completou 25 anos), o que perfaz 170 meses, a indemnização que lhe é devida a este título perfaz € 51.000,00.
Já o autor BB, nascido a ../../2001, completará 25 anos em ../../2026; e tendo direito a receber os já referidos € 300,00 desde Maio de 2005 (data da morte do pai) a ../../2026 (data em que completará 25 anos), o que perfaz 251 meses, a indemnização que lhe é devida a este título perfaz € 75.300,00.

Precisa-se que não só não se justifica quanto às mesmas indemnizações qualquer redução (porque num caso é certo que não é recebida com qualquer antecipação e no outro é previsível que igualmente assim suceda), como, pelas razões já expostas supra, deverão vencer juros desde a data da citação do responsável pelo seu pagamento.

Importará, porém, descontar em cada uma delas as quantias que cada um dos Autores (CC e PP) haja recebido do Instituto da Segurança Social, precisamente mercê da morte do pai, e cuja quantificação terá que ser feita em momento posterior (ou extrajudicialmente, ou em incidente de liquidação respectiva), por dos autos não constarem todos os elementos necessários para o efeito.
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Considerando agora a indemnização a arbitrar a este título à Autora (AA), reitera-se que o marido trabalharia previsivelmente até 2038; e tendo a mesma direito a receber € 300,00 desde Maio de 2005 (data da morte daquele) até Maio de 2038 (data da sua reforma), o que perfaz 396 meses, a indemnização que lhe seria devida a este título, num cálculo sem qualquer correcção, perfaria € 111.800,00.
Contudo, importa não esquecer que, deixando progressivamente FF de afectar os dois terços do seu rendimento disponível para sustento da sua família aos respectivos filhos, esse acréscimo de disponibilidades redundaria naturalmente em benefício dele próprio e da Autora (AA).
Considera-se, por isso, razoável que esta viesse a beneficiar de metade dos remanescentes € 91.900,00 do cálculo antes efectuado [isto é, € 330.000,00 pedidos - (€ 51.000,00 + € 75.300,00 + € 111.800,00 = € 238.100,00) = € 91.900,00], ficando FF beneficiado com a outra metade. Logo, em benefício da Autora (AA), acresceriam € 45.950,00, que se somariam aos singelos € 111.800,00 antes apurados, perfazendo assim a indemnização global, a este título, de € 157.750,00.
Fixa-se, assim, equitativamente a sua indemnização por perda da capacidade de ganho do marido em € 157.750,00 (€ 111.800,00 + € 45.950,00).

Tendo em conta que a Autora (AA) apenas vê antecipado o recebimento a sua indemnização em 13 anos (por já terem decorrido 20 desde a morte do marido), considera-se equitativo que a mesma não sofra qualquer redução; mas, mercê desta ponderação actualizadora em função do tempo, vencerá juros apenas desde a data desta decisão.

Por fim, também aqui ter-se-á que descontar à indemnização arbitrada à Autora (AA) as quantias que haja já recebido e ainda venha a receber do Instituto da Segurança Social, precisamente mercê da morte do marido, e cuja quantificação terá que ser feita em momento posterior (ou extrajudicialmente, ou em incidente de liquidação respectiva), por dos autos não constarem todos os elementos necessários para o efeito.
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5.4. Pedido de indemnização do Instituto da Segurança Social
5.4.1. Reembolso do pagamento de prestações por morte
Lê-se no art.º 71.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro que, no «caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder».
Mais se lê, no  art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, que em «todas as acções cíveis em que seja formulado pedido de indemnização de perdas e danos por acidente de trabalho ou acto de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da actividade profissional, ou morte, o autor deve identificar na petição a sua qualidade de beneficiário da Segurança Social ou a do ofendido e a instituição ou instituições pelas quais se encontra abrangido» (n.º 1);  e as «instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para, no prazo da contestação, deduzirem pedido de reembolso de montantes que tenham pago em consequência dos eventos referidos no número anterior» (n.º 2).
Logo, o direito de reembolso só tem lugar no caso de concorrência, pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros (sendo que esta última é a que resulta do funcionamento do princípio geral da responsabilidade civil extracontratual).
Mais se lê, no art.º 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, que «os devedores da indemnização são solidariamente responsáveis, até ao limite do valor daquela, pelo reembolso dos montantes que tenham sido pagos pelas instituições».

Logo, ao proceder a esse pagamento, a Segurança Social exerce uma sub-rogação legal (isto é, que se produz directamente por força da lei, independentemente de qualquer declaração do credor ou do devedor); e esta sub-rogação pressupõe o pagamento (o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento, pelo que, enquanto não o faz, não é sub-rogado, não podendo exercer o direito do credor).
Uma vez ocorrida a sub-rogação, «o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam», sendo que, «no caso de satisfação parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos do credor ou do seu cessionário, quando outra coisa não for estipulada» (art.º 593º, n.º 1 e n.º 2, do CC).
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5.4.2. Caso concreto (subsunção ao direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que o Instituto da Segurança Social pagou aos Autores (AA, CC e PP), de Fevereiro de 2006 a Fevereiro de 2008, a título de subsídio por morte e de pensões de sobrevivência devidos por morte de FF, a quantia global de € 7.238,39.
Logo, tem direito a obter aqui o seu pagamento, por força da sub-rogação legal referida supra.

Mais tem direito ao pagamento de juros de mora, contados sobre aquela quantia, desde a citação do 3.º Réu (DD) até integral pagamento, calculados às sucessivas taxas supletivas legais.
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VI - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente, e parcialmente improcedente, o recurso de apelação interposto pelos Autores (AA, CC e PP), e, em consequência, em

A. Condenar o 3.º Réu (DD) a pagar

i. à Autora (AA), a título de indemnização de danos não patrimoniais próprios, a quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros e zero cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde citação do 3.º Réu (DD) até integral pagamento;

ii. a cada um dos Autores (CC e PP), a título de indemnização de danos patrimoniais próprios, a quantia de € 70.000,00 (setenta mil euros e zero cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde citação do 3.º Réu (DD) até integral pagamento;

iii. aos Autores (AA, CC e PP), conjuntamente, a titulo de indemnização pelo dano morte de FF, a quantia de € 70.000,00 (setenta mil euros e zero cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde citação do 3.º Réu (DD) até integral pagamento;

iv. à Autora (AA), a título de perda da capacidade de ganho do marido, a quantia de € 157.750,00 (sento e cinquenta e sete mil, setecentos e cinquenta euros e zero cêntimos), subtraída do que haja já recebido e ainda venha a receber do Instituto da Segurança Social (precisamente mercê da morte do marido), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a data de prolação da presente decisão e até integral pagamento;

v. ao autor CC, a título de perda da capacidade de ganho do pai, a quantia de € 51.000,00 (cinquenta e um mil euros e zero cêntimos), subtraída do que haja recebido do Instituto da Segurança Social (precisamente mercê da morte do pai), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a data de citação do 3.º Réu (DD) até integral pagamento;

vi. ao autor BB, a título de perda da capacidade de ganho do pai, a quantia de € 75.300,00 (setenta e três mil, trezentos euros e zero cêntimos), subtraída do que haja recebido do Instituto da Segurança Social (precisamente mercê da morte do pai), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a data de citação do 3.º Réu (DD) até integral pagamento;

vii. ao Instituto da Segurança Social, a quantia de € 7.238,39 (sete mil, duzentos e trinta e oito euros e trinta e nove cêntimos), a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência pagas por ele aos Autores (mercê da morte de FF), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a data de citação do 3.º Réu até integral pagamento.

B. Confirmar o remanescente da sentença recorrida.
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Custas da apelação pelos Autores e pelo 3.º Réu, na proporção de um quinto para aqueles e de quatro quintos para este (art.º 527º, nº 1 e nº 2 do CPC).
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Guimarães, 02 de Abril de 2025.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas.



[1] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1 (in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem), onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[2]  Neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
[3] Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14.
[4] Neste sentido: Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ, n.º 439, pág. 526; Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 161; Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, pág. 105; ou Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira.
[5] Neste sentido, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica (e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina:
. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta de retalhos».
. Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver».
. António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos».
. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7.
[6] Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 20 e 21 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença,  os «enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica».
Ora, tendendo as partes «a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo», caberá «ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística».
[7] Recorda-se que se lê no art.º 607.º - cuja epígrafe é «Sentença» -, n.º 4, II, do CPC que «o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida»; e se lê no art.º 663.º - cuja epígrafe é «Elaboração do acórdão» - n.º 2, in fine, do CPC, «observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
[8] Rectifica-se o manifesto lapso cometido pelo Tribunal a quo, quando, no facto provado enunciado na sentença agora recorrida (segunda por ele proferida) sob o número 52, afirmou: «A remuneração média mensal pelo trabalho que realizava na construção civil era de cerca de € 1200».
Ao fazê-lo, repetiu ipsis verbis a redacção do facto não provado enunciado na primeira sentença proferida nos autos como xiii (limitando-se a transferi-lo, por força do decidido no primeiro acórdão proferido nos autos, do elenco dos factos não provados para o elenco dos factos provados).
Contudo, tendo o mesmo sido objecto de recurso por parte dos Autores, foi nesta parte parcialmente provido, isto é, não se ordenou o seu mero aditamento ao elenco dos factos provados (e retirado do elenco dos factos não provados), alterando-se igualmente a sua redação, nos exactos termos reproduzidos supra, no facto provado enunciado sob o número 41.
Ora, esta decisão (repete-se, exarada no primeiro acórdão proferido nos autos), nomeadamente a concreta redacção dada ao facto em causa, transitou em julgado; e, por isso, se impõe de forma definitiva nos autos.
[9] Lê-se, nomeadamente, no mesmo «que de acordo com o que consta no processo, DD, à data do acidente era trabalhador da empresa EMP02..., Lda (entidade executante), com funções de diretor técnico». 
[10] Lê-se, nomeadamente, no mesmo a «obra não tinha coordenador de segurança em obra nomeado, pese embora na comunicação prévia, que deu entada neste serviço em 03/12/2003, venha indicado como coordenador de segurança em obra, o Eng. DD, não havendo nenhum documento de suporte desta nomeação, designadamente a declaração escrita, obrigatória face o disposto no n.º 3 do art.º 9 do DL n.º 273/2003, de 29 de outubro. No entanto tal nomeação não é admissível, uma vez que de acordo com o disposto no n.º 6 do mesmo artigo, o coordenador de segurança em obra não pode intervir na execução da obra como entidade executante». 
[11] Lê-se, a propósito, no primeiro acórdão proferido nos autos: 
«Ora, e face ao facto provado enunciado sob o número 44 («O projecto de especialidade da estrutura foi tratado na sequencia de contactos estabelecidos directamente entre o dono da obra e um gabinete de engenharia») - não sindicado e, por isso, definitivamente assente -, é já certo que o projecto de estruturas não foi elaborado pelo 1.º Interveniente Principal (EE); e a testemunha QQ (engenheiro civil), ouvida em audiência de julgamento, confirmou a sua autoria, ao serviço de EMP05..., Lda., em conformidade com o «TERMO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR DO PRJECTO DE ESTRUTURAS», datado de Maio de 2003 (que é fls. 2786 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Importa ainda, para este efeito, atender às «CONDIÇÕES DA DIRECÇÃO TÉCNICA PARTILHADA», de 27 de Agosto de 2003, onde se afirma que a «direcção técnica da Obra de recuperação e ampliação do “X” (…) será partilhada», cabendo «ao projectista de arquitectura, arq.tº EE, a direcção técnica, a administração e a fiscalização da arquitectura de acordo com o projecto aprovado», e cabendo «ao eng. DD, a direcção técnica, a administração e a fiscalização dos trabalhos relativos a estabilidade, a infraestruturas gerais, em conformidade com os respectivos projectos de especialidades aprovados e em cumprimento das condições regulamentares de segurança e saúde em obra, bem como a elaboração das actas do Livro de Obra» (conforme fls. 261).
Este esclarecimento, escrito e contemporâneo do início de execução da obra em causa, foi ainda confirmado em audiência de julgamento pela testemunha - tida como isente e credível - RR (engenheiro civil), sem a produção de qualquer outra prova pessoal que o infirmasse.
O juízo de prova referido mostra-se igualmente conforme com as regras da experiência, nomeadamente de falta, a arquitectos, de conhecimentos técnicos que lhes permitam a elaboração dos projectos de especialidade (já que, tal como a própria designação indicia, estes convocam e pressupõem saberes especiais, nomeadamente de diversas engenharias); ou para a sua direcção, acompanhamento e fiscalização em obra».
[12] Compreende-se, por isso, que se afirme que, «tratando-se de uma acção, a imputação da conduta ao agente apresenta-se como simples. Já no caso da omissão essa imputação ao agente exige algo mais: a sua oneração com um dever específico de praticar o acto omitido. Efectivamente, se existe um dever genérico de não lesar os direitos alheios (neminem laedere), já não existe um correspondente dever genérico de evitar a ocorrência de danos para outrem, uma vez que a sua instituição multiplicaria exponencialmente as ingerências na esfera jurídica alheia, tornando a vida em sociedade impossível. Daí que para alguém ser responsável por omissão pelos danos sofridos por outrem se exija, para além dos outros pressupostos da responsabilidade delitual, um dever específico, que torne um particular sujeito garante da não ocorrência desses danos.
Conforme resulta do art. 486º, esse dever específico de garante pode ser criado por contrato (v.g. alguém se obriga a vigiar um doente mental por forma a evitar que este se suicide) ou pode mesmo ser imposto por lei, como acontece nalgumas disposições do nosso Código (arts. 491º, 492º e 493º)» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 6.ª edição, Almedina, págs. 288 e 289, com bold apócrifo).
[13] Precisando, na mera culpa está-se perante um simples desleixo, imprudência ou inaptidão, sendo o resultado devido apenas à falta de cuidado, imprevidência ou imperícia (actuando o agente com negligência consciente quando previu como possível o resultado ilícito, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria acreditou na sua não verificação; e actuando com negligência inconsciente quando, por imprevidência, imperícia ou ineptidão, não teve sequer consciência que do acto poderia decorrer o resultado ilícito, embora objectivamente este fosse previsível se o agente usasse da diligência devida).
Já nas hipóteses de dolo, o agente representa o resultado, sendo o acto praticado com a intenção de o produzir (dolo directo - art.º 14.º, n.º 1, do CP), ou apenas aceitando-o reflexamente, mas como consequência necessária da sua conduta (dolo necessário - art.º 14.º, n.º 2, do CP), ou tão só correndo-se o risco de que ele se venha a produzir, prevendo-o como um efeito apenas possível ou eventual (dolo eventual - art.º 14.º, n.º 3, do CP).
[14] Precisa-se que, na formulação positiva da teoria da causalidade, adequada o facto será causa adequada do dano quando este seja uma consequência normal ou típica daquele (isto é, sempre que, ocorrido o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação).
Já na sua formulação negativa a adequação do facto (acção ou omissão) ao resultado danoso (como causa adequada a produzi-lo) estará verificada desde que o facto seja condição sine qua non do dano e não se mostre, pela sua natureza, de todo indiferente, inadequado, para a sua verificação do dano, só o tendo produzido por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se verificaram.
Sendo esta última a formulação prevalente (quer na doutrina, quer na jurisprudência), compreende-se que se aceite que o nexo causal entre a acção ou omissão, por um lado, e o dano, por outro, não tenha que ser imediato ou directo, bastando que a acção ou omissão, embora não haja ela mesmo provocado o dano, desencadeie outra ou outras condições que directamente o produzam (desde que estas condições tenham sido especialmente favorecidas por aquela acção ou omissão, ou tão-só tornadas prováveis segundo o curso normal dos acontecimentos).
Com inexcedível interesse para a compreensão do exigível nexo de causalidade, AUJ do STJ n.º 6/2024, de 17.04.2024, Júlio Gomes, publicado no DR n.º 92/204, I Série, de 13.05.2024.
[15] Neste sentido, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 6.ª edição, Almedina 1989, págs. 503 a 508.
Contudo, em sentido contrário, Ac. da RG, de 04.04.2019, António José Saúde Barroca Penha, Processo n.º 200/14.6TCGMR.G2.
Com efeito, no mesmo reconhece-se que as «normas relativas ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (D.L. n.º 555/99, de 16.12) e aos deveres impostos ao diretor técnico da obra (D.L. n.º 119/92, de 30.06), não visam tutelar somente interesses de ordem pública e coletiva, mas também interesses particulares (e daí a sua chamada natureza bifronte), cuja violação implica ilicitude civil».
Contudo, defende-se depois que «os interesses particulares que tais normas visam acautelar respeitam apenas ao dono da obra, pois que só este é que diretamente está interligado com a construção e execução da mesma e com os danos que eventualmente lhe sobrevenham a falta de cumprimento daquelas normas de caráter público; e não já outro terceiro, que só reflexamente viu os seus interesses afetados por via da violação das apontadas normas de ordem coletiva».
[16] O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - doravante RJUE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 55/99, de 16 de Dezembro.
[17] Só posteriormente à data da prática dos factos aqui em causa seria publicada a Lei n.º 31/2009, de 03 de Julho, que estabeleceu a qualificação profissional dos responsáveis por projectos e pela fiscalização e direcção de obra.
Consagra-se, nomeadamente, no seu art.º 14.º, n.º 1, al. c), o dever de o director técnico adotar os métodos de produção adequados, de forma a assegurar o cumprimento dos deveres legais a que está obrigado, a qualidade da obra executada, a segurança e a eficiência do processo de construção.
[18] O Regime Jurídico do Licenciamento de Obras Particulares foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91 de 20.11.
[19] O Estatuto da Ordem dos Engenheiros foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/92, de 30 de Junho.
[20] Definindo os vários modos de expressão do dano não patrimonial, veja-se o Ac. da RC, de 26.01.2016, Carlos Moreira, Processo n.º 309/11.8TBVZL.C1. 
[21] No mesmo sentido, Almeida Costa, «Reflexões Sobre a Obrigação de Indemnização», RLJ, 134º, pág. 299; e Vaz Serra, RLJ, 114.º, pág. 310.
[22] No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704, com extensa indicação de outros arrestos.
[23] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 30.05.2019, Margarida Sousa, Processo n.º 1760/16.2T8VCT.G1, onde expressamente se lê que, numa «interpretação atualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações». 
[24] Neste sentido: João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume I, 7.ª edição, Livraria Almedina, págs. 607 e 608; e Delfim Maya de Lucena, Danos Não Patrimoniais. O Dano Morte, Livraria Almedina, 1985, pág. 69 e seguintes, obra em que se referem os demais autores que perfilham esta tese, e os que defendem a transmissão por via sucessória deste direito de indemnização.
Na jurisprudência: Ac. do STJ, de 18.09.2012, Azevedo Ramos, Processo n.º 973/09.8TBVIS.C1.S1; ou Ac. do STJ, de 30.04.2015, Salazar Casanova, Processo nº 1380/13.3T2AVR.C1.S1.
[25] Neste sentido, Ac. da RL, de 17.03.1992, CJ, Tomo 1, pág. 170; e Ac. da RL, de 07.07.1992, CJ, Tomo 4, pág. 198.
[26] Documentando a evolução de valores indemnizatórios por dano morte: Ac. do STJ, de 10.07.2008, Fonseca Ramos, Processo n.º 08P1853; Ac. do STJ, de 13.09.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 1026/07.9TBVFX.L1.S1; Ac. do STJ, de 31.01.2012, Nuno Cameira, Processo n.º 875/05.7TBILH.C1.S1; Ac. do STJ, de 30.04.2015, Salazar Casanova, Processo n.º 1380/13.3T2AVR.C1.S1; Ac. do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo nº 2567/09.9TBABF.E1.S1; e, mais recentemente, Ac. do STJ, de 08.06.2021, Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 2261/17.7T8PNF.P1.S1.
Particularizando as indemnização por dano morte mais elevadas e actuais: de € 80.000,00, ATCAS, de 24.09.2020, Ana Celeste Carvalho, Processo n.º 38/10.0BEBJA; de € 85.000,00, Ac. da RP, de 17.06.2021, Filipe Caroço, Processo n.º 137/19.2T8VFR.P1 e Ac. da RP, de 24.02.2022, Judite Pires, Processo n.º 2374/20.8T8PNF.P1; de € 90.000,00, Ac. da RE, de, 24.09.2020, Albertina Pedroso, Processo n.º 3710/18.2T8FAR.E1 e Ac. da RP, de 27.04.2021, Rodrigues Pires, Processo n.º 1123/19.8T8PVZ.P1; de € 100.000,00, Ac. do STJ, de 21.03.2019, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1 e Ac. do STJ, de 11.02.2021, Abrantes Geraldes, Processo n.º 625/18.8T8AGH.L1.S1; e de € 120.000,00, Ac. do STJ, de 22.02.2018, Manuel Braz, Processo n.º 33/12.4GTSTB.E1.S1 e Ac. da RL, de 16.11.2021, Agostinho Torres, Processo n.º 48/18.9PHSXL.L1-5.
[27] Lê-se no AUJ n4/2002 que «sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
[28] Lê-se no AUJ n4/2002 que «sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
[29] No mesmo sentido: Ac. da RP, de 06.11.1990, CJ, Tomo V, págs. 185 e 186; Ac. do STJ, de 02.02.1993, CJSTJ, Ano I, Tomo I, pág. 130; ou Ac. do STJ, de 10.05.1994, CJSTJ, Ano II, Tomo II, pág. 86.
[30] No mesmo sentido: Ac. do STJ, de 25.02.2009, Raul Borges, Processo n.º 3459/08; Ac. do STJ, de 07.07.2009, Pires da Graça, Processo n.º 205/07.3GTLRA.C1; Ac. do STJ, de 18.03.2010, Santos Carvalho, Processo n.º 1786/02.3SILSB.L1.S1; Ac. do STJ, de 14.09.2010, Ferreira de Almeida, Processo n.º 797/05.1TBSTS.P1; Ac. do STJ, de 17.05.2012, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 48/2002.I.2.S2; Ac. do STJ, de 07.02.2013, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 3557/07.1TVLSB.L1.S1; Ac. da RP, de 20.03.2012, Manuel Pinto dos Santos, Processo n.º 571/10.3TBLSD.P1; Ac. da RP, de 15.01.2013, Vieira e Cunha, Processo n.º 1949/06.2TVPRT.P1; e Ac. da RG, de 12.01.2012, Manuel Bargado, Processo nº 282/09.2TCGMR-A.G1.
[31] No mesmo sentido: Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704; Ac. da RC, de 03.12.2008, Fernando Ventura, Processo n.º 33/07.6PTCBR.C1; ou Ac. da RP, de 15.01.2013, Vieira e Cunha, Processo n.º 1949/06.2TVPRT.P1.
[32] No mesmo sentido, considerando a esperança média de vida e não a esperança de vida activa: Ac. do STJ, de 31.03.2004, Ferreira Girão, Processo n.º 04B497; Ac. do STJ, de 02.12.2008, Salazar Casanova, Processo n.º 07A2237; ou Ac. do STJ, de 07.02.2013, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 3557/07.1TVLSB.L1.S1.

[33] No mesmo sentido, de ponderação de múltiplos e nem sempre previsíveis factores, Ac. do STJ, de 23.10.2003, Salvador da Costa, Processo n.º 03B3071, onde se lê que, na «envolvência de juízos de equidade e de lógica de probabilidade, no cálculo do referido capital, por referência à vítima, devem considerar-se, se for caso disso, inter alia, a natureza do trabalho, o salário auferido, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, as condições de saúde ao tempo do decesso, o tempo provável de trabalho realizável e a expectativa de aumento salarial e de progressão na carreira».
[34] No mesmo sentido, mas para o particular caso da redução do valor da indemnização em função do benefício resultante do recebimento antecipado, e de forma global, do que se receberia ao longo de um período de tempo, e de forma fraccionada (exigindo a consideração do quadro económico actual e das circunstâncias do caso concreto, que inclusivamente poderão justificar a sua eliminação, ou uma singela taxa de desconto de 1,5%):
. Ac. do STJ, de 25.05.2017, Lopes do Rego, Processo n.º 868/10.2TBALR.E1.S1 - onde se lê que a «regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade».
Assim, o «dito benefício nunca poderia actualmente corresponder – perante o quadro económico actual e face às perspectivas razoáveis de rentabilização do montante indemnizatório recebido – aos pretendidos 20% - sendo, quando muito, equitativa e ajustada a redução ao montante do capital a atribuir à autora a título de indemnização pela perda de rendimentos do correspondente a uma taxa na ordem de 1,5%». 
. Ac. do STJ, de 12.11.2019, Acácio das Neves, Processo nº468/15.0T8PDL.L1.S1 - onde se propôs uma redução de 10% na contabilização da indemnização por danos futuros de auxílio de uma terceira pessoa.