PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA POR INSUFICIÊNCIA DA MASSA
INSOLVENTE
INTERESSADO
OPOSIÇÃO AO ENCERRAMENTO
Sumário


A Devedora insolvente não detém a qualidade de “interessada” para efeitos do disposto no n.º 2, do art.º 232.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo que não lhe assiste o direito, conferido ao “interessado” no prosseguimento do processo de insolvência, de requerer ao tribunal o apuramento do montante razoavelmente entendido pelo juiz como necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.

Texto Integral


Acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

Herança de AA, com o número de identificação fiscal ...53..., apresentou-se à insolvência alegando, em síntese, que se encontra impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas.
Por sentença proferida em 24.09.2024, foi a requerente declarada insolvente, foi fixada a residência à cabeça de casal, foi nomeado administrador da insolvência, foi determinada a apreensão e imediata entrega ao administrador da insolvência dos elementos documentais a que alude o art.º 24.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[1], que não constem já dos autos, foi decretada a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do art.º 150.º, e foi fixado o prazo para a reclamação de créditos e para o administrador de insolvência juntar o relatório, nos termos do art.º 155.º.
Em 30.10.2024, a Sr.ª Administradora da Insolvência juntou aos autos o Relatório elaborado nos termos e para os efeitos do art.º 155.º, no qual informou que «as partes dos bens propriedade do autor da herança que compõem o ativo encontram-se na sua globalidade penhoradas desde há alguns anos, em consequência de ações executivas fiscais», e conclui que «o património da herança não é suscetível de responder pela totalidade das suas dívidas, encontrando-se, assim, impossibilitada de fazer face às suas obrigações, uma vez que, além do património diminuto, a herança não tem qualquer bem ou direito que possa gerar rendimentos que, de alguma forma, sejam capazes de assegurar o cumprimento das suas obrigações» e, por conseguinte, que a Herança se encontra em situação de insolvência, sugerindo, em conformidade, o encerramento do processo, nos termos do art.º 232.º, uma vez que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa.
Em 18.11.2024, a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de AA requereu, alternativamente, que, ouvida a Assembleia de Credores e os Credores, o Tribunal ordenasse o prosseguimento dos autos para liquidação, em face dos fundamentos que invoca, em concreto a forte probabilidade da massa insolvente gerar rendimento suficiente para pagar as custas judiciais e honorários da Sr.ª Administradora da Insolvência, e, caso assim não se considere, nos termos do art.º 232.º, n.º 2, que o Tribunal apurasse o valor razoável que será, no seu entender, necessário para garantir o pagamento das custas e restantes dividas da massa insolvente, de forma a permitir que algum interessado deposite essa quantia à ordem do Tribunal, prosseguindo a Sr.ª Administradora da Insolvência com a liquidação do ativo da herança.
Alega, para o efeito, e em síntese, que «a insolvente pronuncia-se no sentido de prosseguir o processo para liquidação ao invés de ser encerrado, e fá-lo pelas seguintes razões que enuncia.
Desde logo porque, como é sabido, não raras são as vezes que os Tribunais portugueses, optam por fazer seguir as liquidações mesmo que as mesmas tenham uma forte probabilidade de resultar numa quantia para a massa insolvente inferior a 5.000,00€, razões de poupança (é o Estado português quem suporta as custas judiciais e honorários do Sr. Administrador de Insolvência quando a massa não gera liquidez para suportar esses encargos) assim o têm ditado.
Para além disso, neste caso em concreto, considerando que o activo da herança é integralmente composto por quotas partes de bens que pertencem em compropriedade a alguns dos seus herdeiros (irmãos do falecido que adquiriram, por doação da mãe, os bens em causa) é óbvio que é do interesse daqueles fazer a aquisição por meio do processo de insolvência, aliás, em face das penhoras registadas nessas quotas partes, só a compra no âmbito do processo de insolvência é viável.»

Em 20.11.2024, foi proferido o seguinte despacho:
«Em face da posição vertida nos autos pela Devedora, notifiquem-se a AI e os credores tendo em vista pronunciar-se

Por requerimento de 29.11.2024, a Sr.ª Administradora da Insolvência considerou que «“o ativo da Herança será somente composto por 1/20 indivisos de sete prédios rústicos, cujo valor comercial ajustado à proporção da propriedade da herança se afigura diminuto, além de que a AI desconhece qual a situação de registo dos referidos prédios, não sendo exequível a apreensão e venda daqueles imóveis, visto que o eventual valor seria diminuto e abaixo dos 5.000,00 €”.
(…) desconhece qual a situação de registo dos referidos prédios, o que poderá implicar delongas e encargos em eventuais regularizações dos prédios se for decidida a sua venda, além de que, existindo mais cinco comproprietários, os eventuais procedimentos de venda poderiam acarretar igualmente delongas e custos, designadamente, com notificações.
(…) perfilha do entendimento expresso pelo Insolvente, de que em determinados casos, ainda que o valor dos bens seja, desde logo, de valor presumivelmente inferior aos 5.000,00 €, o AI possa proceder à sua liquidação, assegurando uma receita que possa acautelar as dívidas da massa insolvente, como as custas processuais.
Contudo, entende a AI que essa opção somente se afigura viável em casos cujos bens/direitos possam apresentar uma referência adequada de valor, facilidade e/ou celeridade nos procedimentos de liquidação, e que seja expetável que os procedimentos de liquidação não possam contribuir com novos encargos para a massa insolvente, como pode ser o caso destes autos», e, nessa conformidade, reiterou a posição já expressa no relatório que elaborou ao abrigo do art.º 155.º.

Em 16.12.2024, foi proferida a seguinte decisão:
«Nos termos do disposto no art.º 232.º n.º 2 do CIRE, tendo o AI dado conhecimento da insuficiência da massa insolvente ao Tribunal e ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, é declarado encerrado o processo, salvo se ocorrer a circunstância prevista na parte final desta norma, ou seja, se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado como necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
No caso em apreço, tal circunstância não se verifica, havendo elementos nos autos que, efectivamente, permitem constatar que a massa insolvente é insuficiente para satisfazer as custas do processo e as demais dívidas da massa insolvente.
Pelo exposto, nos termos conjugados dos art.ºs 230.º, n.º1, al. d), 232.º, n.º 2, e 233.º, n.º 1, todos do CIRE, declara-se encerrado o processo.
Registe, notifique e publicite [art.º 230.º, n.º 2 do CIRE]
Em 03.01.2025, a Devedora insolvente, considerando que «Não só o Tribunal deixou de se pronunciar sobre o pedido já formulado em 18.11.24 o que contempla uma situação de omissão de pronúncia de um pedido legitimamente requerido nos Autos como não cumpriu a parte final do nº 2 do artº 232 do CIRE, ou seja, já conhecendo que há um interessado em depositar à ordem do Tribunal o valor necessário para garantir o pagamento das custas e restantes dividas da massa, não indicou que quantia é essa e como se procederá efectuar tal depósito», requereu que o Tribunal desse cumprimento ao disposto na parte final da mencionada norma, conferindo o direito a algum interessado, num prazo razoável para esse efeito, de depositar o valor que satisfaça o propósito indicado, devendo para esse efeito indicar a forma e qual quantia a depositar.

Em 06.01.2025, foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimento de 03.10.2025 [...82]:
Uma vez que se encontra esgotado o poder jurisdicional quanto à decisão em sujeito [cfr. art.º 613.º do CPC], nada a determinar nesta sede.
Notifique
Não se conformando com o assim decidido, a Devedora insolvente interpôs recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
«A) Recorre-se da decisão que declarou encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, decisão com a qual não se pode concordar e cuja revogação se pretende com a procedência destas alegações.
B) Entende a Apelante que o Tribunal a quo não cumpriu a lei em concreto não cumpriu a parte final do artº 232 nº 2, ou seja, não deu a possibilidade de um eventual interessado exercer o direito que aí é reconhecido: o de depositar o valor indicado pelo Tribunal que garanta as custas do processo e dividas da massa com vista a prosseguir o processo para liquidação evitando assim o seu encerramento.
C) Acresce que a própria insolvente havia informado o Tribunal que há interessados em depositar esse valor, informação essa que foi prestada ao processo por via de requerimento, que foi notificado aos credores e Administradora de Insolvência e em relação ao qual o Tribunal não só não se pronunciou como não atendeu.           
D) Em face desse erro, caberá ao Tribunal superior declarar revogada a decisão em crise (sentença de encerramento) e ordenar ao Tribunal a quo que, no bom cumprimento da lei, aplique a parte final do nº 2 do artº 232 do C.I.R.E, ou seja, em concreto determine o que entende ser razoavelmente necessário para garantir as custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente dando a possibilidade de eventual interessado exercer esse direito e só no caso de não o fazer, se considera encerrado o processo.
E) Como manda a lei..

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, o que não foi alvo de modificação por este Tribunal ad quem.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil – sendo que o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de apreciar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. 
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, cumpre apreciar a questão de saber se o Tribunal a quo incumpriu o disposto na parte final do art.º 232.º, n.º 2, ao não ter dado a possibilidade de um eventual interessado exercer o direito de depositar o valor indicado pelo tribunal que garanta as custas do processo e dívidas da massa insolvente com vista ao prosseguimento do processo para liquidação evitando assim o seu encerramento.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

A matéria relevante consta do relatório supra.
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IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Nas suas alegações recursórias, a apelante sustenta que o Tribunal a quo não cumpriu a lei, em concreto, a parte final do art.º 232.º, n.º 2, ou seja, não deu a possibilidade de um eventual interessado exercer o direito que aí é reconhecido: o de depositar o valor indicado pelo tribunal que garanta as custas do processo e dividas da massa insolvente com vista a prosseguir o processo para liquidação evitando assim o seu encerramento.
Pretende, por isso, que este Tribunal superior declare revogada a decisão recorrida e ordene ao Tribunal a quo que aplique a parte final do n.º 2 do art.º 232.º, ou seja, que determine o que entende ser razoavelmente necessário para garantir as custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente, dando a possibilidade de eventual interessado exercer esse direito e, só no caso de não o fazer, considerar encerrado o processo.
Coloca-se, assim, a questão de saber se o Tribunal a quo incumpriu o disposto na parte final do art.º 232.º, n.º 2, ao não ter dado a possibilidade de um eventual interessado exercer o direito de depositar o valor indicado pelo Tribunal que garanta as custas do processo e dívidas da massa insolvente com vista ao prosseguimento do processo para liquidação evitando assim o seu encerramento.

Sob a epígrafe “Encerramento por insuficiência da massa insolvente” preceitua o art.º 232.º, n.º 1, o seguinte:
1 - Verificando que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o administrador da insolvência dá conhecimento do facto ao juiz, podendo este conhecer oficiosamente do mesmo.
2 - Ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
Tal como resulta do preceito, a verificação da insuficiência da massa insolvente para pagar as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente compete, desde logo, ao administrador da insolvência, o qual deve dar conhecimento dessa insuficiência ao juiz, para o efeito de enceramento do processo.
A insuficiência da massa insolvente determina, em regra, o encerramento do processo, pese embora não ser este um efeito necessário da insuficiência da massa insolvente, na medida em que o juiz, antes de declarar o processo encerrado, deve ouvir o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, sobre a comunicação do administrador da insolvência quanto à insuficiência da massa insolvente, e pode algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente, o que determina o seguimento do processo.
Interessado será, desde logo, todo aquele que mostre ter um interesse processual (no prosseguimento da ação).

Como referem Antunes Varela, J. Migue Bezerra e Sampaio e Nora[2], «[o] interesse em agir consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação.
(…)
Exige-se, (…) uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção».
Como se enuncia no acórdão desta Relação de 04.06.2020[3], «para efeitos de oposição ao encerramento do processo de insolvência perante a insuficiência da massa, nos termos do disposto no art. 232º (…), entende-se por “interessado” aquele que é titular de um qualquer direito, ainda que se encontre a ser discutido em juízo, (…)  que seja suscetível de ser afetado pelo imediato encerramento do processo por via da insuficiência da massa».
No caso que nos ocupa, veio a Sr.ª Administradora da Insolvência juntar aos autos, em 30.10.2024, o Relatório elaborado nos termos e para os efeitos do art.º 155.º, no qual sugere o encerramento do processo, nos termos do art.º 232.º, uma vez verificado que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente.
A devedora insolvente  Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de AA veio requerer, alternativamente, que, ouvida a Assembleia de Credores e os Credores, o Tribunal ordenasse o prosseguimento dos autos para liquidação, em face dos fundamentos que invoca, em concreto a forte probabilidade da massa insolvente gerar rendimento suficiente para pagar as custas judiciais e honorários da Sr.ª Administradora da insolvência, e, caso assim não se considere, nos termos do art.º 232.º, n.º 2, que o Tribunal apurasse o valor razoável que será, no seu entender, necessário para garantir o pagamento das custas e restantes dividas da massa insolvente, de forma a permitir que algum interessado deposite essa quantia à ordem do tribunal, prosseguindo a Sr.ª Administradora da Insolvência com a liquidação do ativo da herança.
Alegou, como fundamento para o pedido alternativo que formulou, que «o activo da herança é integralmente composto por quotas partes de bens que pertencem em compropriedade a alguns dos seus herdeiros (irmãos do falecido que adquiriram, por doação da mãe, os bens em causa)» e que «é do interesse daqueles fazer a aquisição por meio do processo de insolvência, aliás, em face das penhoras registadas nessas quotas partes, só a compra no âmbito do processo de insolvência é viável
Ouvidos a Sr.ª Administradora da Insolvência e os Credores, pronunciou-se a primeira, reiterando a posição já expressa no Relatório.
Na sequência, o Tribunal a quo, proferiu decisão, em 16.12.2024, na qual considerou que «[n]os termos do disposto no art.º 232.º n.º 2 do CIRE, tendo o AI dado conhecimento da insuficiência da massa insolvente ao Tribunal e ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, é declarado encerrado o processo, salvo se ocorrer a circunstância prevista na parte final desta norma, ou seja, se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado como necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente», e que «No caso em apreço, tal circunstância não se verifica», pelo que declarou encerrado o processo, nos termos conjugados dos artigos 230.º, n.º1, al. d), 232.º, n.º 2, e 233.º, n.º 1.
De facto, não se verificou a circunstância prevista na parte final do n.º 2, do art.º 232.º, dado que nenhum interessado no seguimento do processo se dispôs a depositar, à ordem do tribunal, o montante adequado para cobrir as custas e outras dívidas da massa insolvente.
A Devedora insolvente não goza da qualidade de “interessada” para efeitos do disposto no n.º 2, do art.º 232.º, porquanto não é titular de um qualquer direito que seja suscetível de ser afetado pelo imediato encerramento do processo por via da insuficiência da massa insolvente. Nem, de resto, se arroga como tal. O que a Devedora insolvente pretende, é que o tribunal apure o valor razoável que será, no seu entender, necessário para garantir o pagamento das custas e restantes dívidas da massa insolvente, de forma a permitir que algum interessado deposite essa quantia à ordem do tribunal, prosseguindo a Sr.ª Administradora da Insolvência com a liquidação do ativo da Herança.
Todavia, não detendo a Devedora insolvente a qualidade de “interessada” para efeitos da referida disposição legal, não lhe assiste o direito, conferido ao “interessado” no prosseguimento do processo de insolvência (por dispor de um direito suscetível de ser violado com o imediato encerramento do processo), de depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente, e, por conseguinte,  também não lhe assiste o direito de requerer ao tribunal o apuramento do valor razoável que será, no seu entender, necessário para o referido efeito.
Alega a Devedora insolvente que a própria «havia informado o Tribunal que há interessados em depositar esse valor, informação essa que foi prestada ao processo por via de requerimento, que foi notificado aos credores e Administradora de Insolvência e em relação ao qual o Tribunal não só não se pronunciou como não atendeu
No seu requerimento de 18.11.2024, alega a Devedora insolvente que «neste caso em concreto, considerando que o activo da herança é integralmente composto por quotas partes de bens que pertencem em compropriedade a alguns dos seus herdeiros (irmãos do falecido que adquiriram, por doação da mãe, os bens em causa) é óbvio que é do interesse daqueles fazer a aquisição por meio do processo de insolvência, aliás, em face das penhoras registadas nessas quotas partes, só a compra no âmbito do processo de insolvência é viável
Ora, para que se verifique a exceção ao encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente prevista no n.º 2, 2.ª parte, do art.º 232.º, é necessário, desde logo, que um interessado se oponha ao encerramento do processo, no prazo fixado pelo juiz para o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente se oporem a esse encerramento.
Os herdeiros, irmãos do falecido, são titulares de um direito de preferência legal na aquisição das quotas de qualquer dos seus consortes, nos termos do art.º 1409.º, n.º 1, do Código Civil.
Não existem nos autos quaisquer elementos que permitam concluir que só a compra no processo de insolvência é viável, visto que na venda dos direitos indivisos que se encontram penhorados em sede de execução fiscal, é obrigatória a notificação dos preferentes para, querendo, exercerem o seu direito (cf. art.º 249.º, n.º 7, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo DL. n.º 433/99, de 26 de outubro), pelo que dispõem os herdeiros de outro meio para exercer o seu direito.
Como tal, nada nos permite concluir que o direito dos herdeiros, irmãos do falecido, seja suscetível de ser afetado com o imediato encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente.
O mero interesse em adquirir no âmbito do processo de insolvência, os bens que integram o ativo da herança, só por si, não substancia uma necessidade justificada no prosseguimento da ação, pelo que não é suficiente para qualificar os herdeiros, irmãos do falecido, como interessados para efeitos do disposto no n.º 2, 2.ª parte, do art.º 232.º.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo, que o Tribunal a quo não incumpriu o disposto na parte final do art.º 232.º, n.º 2, dado que nenhum interessado se opôs ao encerramento do processo de insolvência perante a constatação da insuficiência da massa insolvente, manifestando nos autos a intenção de exercer o direito de depositar o valor indicado pelo tribunal que garanta as custas do processo e dívidas da massa insolvente com vista ao prosseguimento do processo para liquidação, impondo-se concluir pela improcedência da presente apelação e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas a cargo da recorrente (cf. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Guimarães, 2 de abril de 2025

Susana Raquel Sousa Pereira – Relatora   
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 1º Adjunto
Gonçalo Oliveira Magalhães – 2º Adjunto


[1] Diploma legal a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, p. 179 e ss.
[3] Processo n.º 7329/18.0T8VNF.G1 (Relator José Alberto Moreira Dias).