ACIDENTE DE VIAÇÃO
TRABALHO DOMÉSTICO
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário


1- O dano biológico enquanto incapacidade genérica permanente da pessoa lesada, afetando prioritariamente a saúde e a plena integridade física desta, deve ser exclusivamente compensado a título de dano não patrimonial nos casos em que essa incapacidade não seja suscetível de ter qualquer repercussão negativa na esfera jurídico-patrimonial da pessoa lesada, por já não se encontrar, à data do acidente, em idade ativa e não realizar quaisquer lides domésticas (v.g., lesado já reformado e institucionalizado em lar de idosos).
2- Nos casos em que a pessoa lesada ainda não atingiu a idade ativa à data do acidente, esteja em plena idade de vida ativa, ou já a tenha terminado, mas que, à data do acidente, continua a exercer tarefas com valor económico, como é o caso de lides domésticas em prol da própria e do seu agregado familiar, o dano biológico, enquanto relevante limitação ou défice funcional sofrido pela pessoa lesada, perspetivada como verdadeira capitis diminutio, terá de ser indemnizado na vertente de dano patrimonial, enquanto lucro cessante previsível, ainda que essa incapacidade genérica permanente não se repercuta imediatamente nos rendimentos salariais ou na carreira profissional da pessoa lesada, pois que essa incapacidade genérica, ao limitar as capacidade físicas, psíquicas e/ou intelectuais da pessoa lesada condiciona as possibilidades desta progredir na carreira, de mudança ou de reconversão profissional e o leque de oportunidades profissionais que tem à sua disposição. E também tem de ser compensado, enquanto dano não patrimonial, na medida em que aquela incapacidade genérica afeta a saúde, bem-estar, vitalidade, capacidade de comunicar, de conviver, etc. da pessoa lesada, violando os seus direitos de personalidade nas restantes dimensões da sua vida, que não a capacidade de trabalhar e produzir rendimentos.
3- O trabalho doméstico prestado pela pessoa lesada em prol da sua pessoa e do seu agregado familiar tem indiscutível valor económico, pelo que, o valor desse trabalho doméstico tem de ser considerado no cálculo da indemnização a prestar à pessoa lesada por dano biológico, na vertente patrimonial.
4- A indemnização por dano biológico, na vertente patrimonial, é fixada por recurso à equidade e deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a pessoa lesada ficou privada e que se extinguirá no período provável da sua vida, tendo como base: o montante da quantia salarial média anual por ela recebida à data do acidente, acrescido do valor económico anual do trabalho doméstico por ela prestado naquela data (quando preste trabalho doméstico em benefício próprio e do seu agregado familiar); a idade daquela à data do acidente; os anos de vida que ainda tinha previsivelmente pela frente, tomando em consideração a esperança média de vida para as pessoas do seu sexo e do seu ano de nascimento; o défice permanente da integridade físico-psíquica com que ficou afetada; o rendimento que a indemnização que irá receber de uma só vez lhe irá proporcionar até ao termo previsível da sua vida, tendo por referência a evolução previsível da taxa de juro (de modo a evitar-se um injusto enriquecimento da pessoa lesada em detrimento do obrigado à indemnização); e a evolução previsível que o valor do trabalho daquela à data do acidente irá sofrer até ao termo previsível da sua vida (taxa de inflação e ganhos de produtividade previsíveis).
4- Tendo em consideração que a lesada tinha, a data do acidente, para cuja eclosão não contribuiu, 51 anos de idade; a esperança média de vida para as pessoas do sexo feminino (84 anos); o défice de integridade físico-psíquica com que ficou afetada (12 pontos); o salário médio anual por ela auferido à data do acidente (745,07 euros x 14 meses); o valor económico anual do trabalho doméstico por ela prestado em seu benefício e do seu agregado familiar àquela data (300,00 euros x 12 meses), entende-se ser adequado fixar a indemnização por dano biológico, na vertente patrimonial, em 54.000,00 euros.
5- Mostra-se adequado fixar a compensação por danos patrimoniais em 30.000,00 euros a lesada que: à data do acidente, contava 51 anos; em consequência do acidente sofreu traumatismo da coluna cervical, do ombro direito, do tórax, da anca esquerda, fratura do corpo e da apófise coronoide da omoplata direita, fratura da clavícula direito, fratura dos 1º, 2º, 3º e 4º arcos costais à direita, fratura da asa do sacro esquerdo, fratura da apófise transversa de C7, perfuração do pulmão direito, hemperitoneu de pequeno volume à direita, traumatismo do joelho esquerdo e da mão direita, e escoriações e hematomas espalhados pelo corpo; esteve 15 dias internada no hospital, com retenção no leito, com colar cervical, que usou durante duas semanas, onde foi sujeita a vários exames e sujeita a tratamento farmacológico; seguiu-se um período de 2 meses de retenção no leito em sua casa, do qual apenas se ausentava para consultas e tratamentos médicos, em que esteve totalmente dependente de terceira pessoa; seguiu-se um período em que se locomovia com o auxílio de canadianas e de terceira pessoas; fez 12 consultas hospitalares em ambulatório e um total de 100 sessões de fisioterapia; ficou como sequelas: fenómenos dolorosos, limitação em permanecer por período prologados de tempo de decúbito lateral e de pé; diminuição da força do membro superior direito, o que lhe dificulta as tarefas de lavar, secar e pentear o cabelo, apertar peças de vestuário que apertam atrás, puxar o travão de mão de veículo com a mão direita, dar a ferro, aspirar, colocar roupa a secar, transportar compras, pegar em crianças ao colo e dar-lhes banho; conduzir durantes longos períodos de tempo devido a dores de costas; deixou de fazer ginástica, pilates e de ensinar folclore; sofreu um período de défice funcional temporário total de 34 dias; um período de défice funcional temporário parcial de 345 dias; um défice permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos; um quantum doloris de grau 5, numa escala de gravidade crescente de 7 graus; um dano estético permanente de grau 3, numa escala de gravidade crescente de 7 graus; uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 3, numa escala de gravidade crescente de 7 graus; sendo previsível que, no futuro, precisará de ajudas medicamentosas e tratamentos médicos; e que à data do acidente era mulher saudável, ágil, forte e dinâmica, e em que as sequelas lhe causam desgosto.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

AA e marido, BB, residentes na Rua ..., ... ..., ..., instauraram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra EMP01... Companhia de Seguros, S.A., com sede na Avenida ..., ..., ... ..., pedindo que se condenasse a última a pagar:
I- À Autora AA:
a- a indemnização global líquida de 116.073,00 euros, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da ação até efetivo pagamento;
b- a indemnização a ser relegada para incidente de liquidação;
II- Ao Autor BB, a indemnização global de 5.808,63 euros, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da presente ação até efetivo pagamento.
Para tanto alegaram, em síntese, que: no dia 04/06/2020, pelas 16h40m, na Estrada ..., em ..., ..., em local em que aquela estrada configura um entroncamento com a via pública que, no sentido sul-norte, dá acesso ao interior da freguesia ..., ocorreu uma colisão entre: o veículo de matrícula ..-..-MR, propriedade dos Autores e conduzido pela Autora AA; o veículo de matrícula ..-IM-.., propriedade de EMP02..., Lda., conduzido por CC, que, na altura, o fazia no exercício da sua atividade profissional de motorista dessa sociedade; e o veículo de matrícula ..-ID-.., propriedade de EMP03..., S.A., conduzido por DD; a colisão ocorreu quando a Autora circulava na Estrada ..., no sentido ... e pretendida efetuar no mencionado entroncamento uma manobra de mudança de direção à sua esquerda, e se encontrava nele totalmente parada, a aguardar que os veículos que circulavam na E.N., em sentido contrário ao seu,  se cruzassem consigo, altura em que a retaguarda do veículo por si conduzido foi embatida pela frente do IM, cujo condutor circulava na estrada nacional, no mesmo sentido de marcha  ao seu, mas na retaguarda do veículo por si conduzido, a uma velocidade superior a 90 Kms./hora, de forma completamente distraída, pelo que, não se apercebeu da presença do veículo conduzido pela Autora, parado no entroncamento e, em consequência, sem travar, foi embater com a parte da frente do  IM, na parte traseira, mais à direita, do MR; por via do impacto do embate, o veículo conduzido pela Autora foi projetado para a hemifaixa de rodagem esquerda da estrada nacional, atento o seu sentido de marcha (ou seja, para a hemifaixa da estrada nacional destinada ao trânsito que se processava no sentido ...), onde acabou por ser embatido pelo ID, que nela circulava; o acidente deveu-se à culpa exclusiva do condutor do IM, cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação desse veículo se encontrava transferida para a Ré; em consequência da referida colisão a Autora AA sofreu diversas lesões e ficou com sequelas que lhe determinaram danos patrimoniais e não patrimoniais cuja indemnização reclama da Ré; por sua vez, por via da colisão, o veículo conduzido pela Autora sofreu diversos estragos, que foram reparados a mando e a cargo do Autor BB, que sofreu ainda outros danos patrimoniais cuja indemnização reclama da Ré.
A Ré contestou aceitando a facticidade alegada quanto ao modo como eclodiu o acidente, concluindo assumir a responsabilidade pela produção deste.
Impugnou a facticidade alegada quanto às lesões, sequelas e danos alegados pelos Autores.
Concluiu pedindo que a ação fosse julgada de acordo com a prova que viesse a ser produzida.
Requereu a intervenção principal provocada de EMP04..., S.A., com sede na Rua ..., ..., ... ..., para deduzir, querendo, pedido de reembolso quanto às quantias que pagou à Autora AA em sede de acidente de trabalho, e, bem assim, da Caixa Geral de Aposentações, com sede na Rua ..., ..., ... ..., para deduzir, querendo, pedido de reembolso quanto às quantias que pagou à mesma Autora em sede de acidente de trabalho.
Admitido o incidente de intervenção principal provocada, apenas a interveniente EMP04..., S.A. interveio, pedindo que se:
a) reconhecesse o direito daquela a ser ressarcida pela Ré EMP01..., enquanto responsável civil pelo acidente dos autos, do montante necessário para proceder ao pagamento do capital de remição da pensão anual e vitalícia atribuída à sinistrada AA, e que se fixou em 13.008,08 euros;
b) condenasse a Ré EMP01... a pagar-lhe as quantias que possa vir a despender futuramente com a Autora AA, por via do acidente de trabalho, a título de indemnizações, pensões, tratamentos médicos e com medicamentos, fisioterapia, exames complementares de diagnóstico, transportes, despesas judiciais, por força do acidente e que, em sede própria se liquidarão.
O Ministério Público, em representação do Estado – ADSE, deduziu pedido de reembolso contra a Ré, EMP01... Companhia de Seguros, S.A., pedindo que esta fosse condenada a pagar a quantia de 324,70 euros, a título de custos com os cuidados de saúde prestados à Autora AA por via do acidente de viação.
Por despacho proferido em 09/03/2023, dispensou-se a realização de audiência prévia; fixou-se o valor da causa em 121.881,63 euros, proferiu-se despacho saneador tabular; identificou-se o objeto do litígio; enunciou-se os temas da prova e, finalmente, ordenou-se a notificação das partes para reclamarem, querendo, nos termos do disposto no art. 596º, n.º 2 do CPC.
Submeteu-se a Autora a perícia e, uma vez realizada esta, designou-se data para a realização de audiência final.
Na sessão de audiência final que teve lugar em 01 de julho de 2024, entre o Ministério Público, em representação do Estado – ADSE, e a Ré EMP01... Companhia de Seguros, S.A.  foi celebrada transação, a qual foi homologada por sentença que, entretanto, transitou em julgado.

Realizada a audiência final, em 27/10/2024, foi proferida sentença, em que se julgou parcialmente procedente a ação, da qual consta a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, decide-se:
▪ Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido formulado na presente ação pela A. AA contra a Ré EMP01..., condenando esta no pagamento àquela da quantia de 72,250,00 € (setenta e dois mil, duzentos e cinquenta euros), sendo:
- 30.000,00 € (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a prolação da presente decisão e até efetivo e integral pagamento;
- 42.000,00 € (quarenta e dois mil euros) a título de défice funcional permanente da integridade física e psíquica, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento;
- 250,00 € (duzentos e cinquenta euros) a título de danos patrimoniais (relativos às deslocações em veículo próprio), acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efetivo e integral pagamento.
Julgar ainda parcialmente procedente o pedido formulado pela Autora, relativo aos factos alegados nos arts. 311º ss. da p.i., condenando a Ré a pagar-lhe aquilo que vier a ser apurado em sede de liquidação relativo a ajudas medicamentosas (medicação de tipo analgésica/anti-inflamatória/relaxante muscular), e tratamentos médicos (fisioterapia).

*
▪ Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido formulado na presente ação pelo A. BB contra a Ré EMP01..., condenando esta no pagamento àquele da quantia de 5.767,64 € (cinco mil setecentos e sessenta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos), sendo:
- 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros) relativos ao valor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR;
- 3.210,64 € (três mil duzentos e dez euros e sessenta e quatro cêntimos) pela perda da contrapartida do contrato de trabalho temporário na ...;
- 57,00 € (cinquenta e sete euros) relativos ao bilhete de avião comprado.
*
Julgar improcedente o pedido formulado na presente ação pela Interveniente EMP04..., por não estar ainda autorizado o pagamento do capital fixado, absolvendo a Ré do mesmo.
*
Custas a suportar pelas partes, na proporção dos respetivos decaimentos”.

Inconformada com a indemnização que lhe foi arbitrada a título de perda de capacidade de ganho/dano biológico e, bem assim, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, a Autora, AA, interpôs recurso, em que formulou as conclusões que se seguem:
1- A Autora/Recorrente discorda das quantias indemnizatórias arbitradas em primeira instância, em sede de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

A) Perda da Capacidade de Ganho/Dano Biológico
2- Não pode a Autora conformar-se com o valor arbitrado a este título - € 42.000,00 - atento os factos provados pertinentes para esta matéria e que refletem as sequelas de que ficou a padecer, bem como a necessidade de aplicação de um juízo ressarcitório assente sobretudo na equidade e atenção ao caso concreto.
3- O Tribunal desconsiderou, em absoluto, a afetação da Autora para o trabalho de cariz doméstico que comprovadamente desempenhava na sua habitação e em prol do seu agregado familiar – facto 154): “todas as tarefas de doméstica” - de inegável o valor económico e obrigatório à vida e bem-estar do agregado familiar da Autora e, sendo ela quem dele se ocupava exclusivamente, ela só pode ser colmatada com adicional penosidade ou sacrifício da Autora, ou com a contratação de terceiro para o efeito.
4- O Tribunal apenas computa o salário auferido pela Autora enquanto auxiliar educativa para calcular a indemnização devida a título de défice permanente ou dano biológico quando deveria ter considerado a globalidade do rendimento económico produzido pela Autora antes do acidente, o qual, por juízo equitativo, deveria ter sido quantificado em não menos do que € 600,00 (seiscentos euros) por mês.
5- Além disso, é manifesto que o Tribunal se cinge, no cálculo indemnizatório que serve de base à indemnização ora em causa, ao salário base auferido pela Autora à data do acidente - € 745,00 mensais,
6- Quando se impunha, por estar em causa a valorização de um dano com projeção futura, pelo menos, a aplicação do salário mínimo atual, que se cifra em 820,00 (oitocentos e vinte euros), e se cifrará, a partir de janeiro de 2025, em 870,00 (oitocentos e setenta euros).
7- Como tal, o tribunal deveria ter considerado um rendimento anual da Autora na ordem dos [(870*14) + (600*12) =€ 19.380,00 (dezanove mil, trezentos e oitenta euros).
8- Só este montante, assim calculado, traduz a fiel expressão do valor económico que a capacidade de trabalho da Autora, não houvera sofrido qualquer afetação física permanente, lhe permitia produzir no período de um ano.
9- Tendo tal montante como ponto de partida, há que seguir o entendimento da jurisprudência mais esclarecida nesta matéria, citada em alegações,
10- Relevam assim os factos atinentes à atividade profissional e rendimento da Autora (o qual, atenta a falta de prova exata do seu quantitativo, não pode nunca, para este efeito, ficcionar-se abaixo dos supra calculados € 19.380,00), releva também a idade da Autora, o Défice Funcional Permanente da Integridade Física e Psíquica de 12 pontos de que ficou a padecer, tudo devendo ser valorado segundo critérios de equidade ao caso concreto na específica quantia indemnizatória a fixar.
11- No caso em apreço e perante a factualidade dada como provada, com grande prevalência para a exigência física das atividades desenvolvidas pela Autora (de auxiliar e doméstica) – ortostatismo prolongado, rigidez postural, sopesamento de objetos pesados, auxílio a crianças de colo para todas as tarefas de cuidado - e pela sua incompatibilidade parcial com o estado de saúde a que ficou votada, o montante a fixar a este título não pode julgar-se inferior ao peticionado de 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), o que se requer.
Danos não patrimoniais
12- O montante total fixado a este título afigura-se insuficiente a ressarcir de forma adequada e na justa medida dos danos sofridos pela Autora.
13- Os danos não patrimoniais comprovadamente sofridos pela Autora, refletidos na factualidade supra destacada, são de relevante gravidade e devem ser objeto de adequada e justa compensação pecuniária.
14- De entre os factos supracitados, destaca-se, com pertinência para este capítulo indemnizatório, aqueles já destacados no anterior ponto destas alegações, e ainda aqueles que a douta sentença, bem, destacou na sua fundamentação e que nos escusamos de reproduzir, mas que assenta essencialmente na dor suportada (quantum doloris de 5/7), nas lesões e sequelas produzidas pelo acidente, no internamento e assistência médica, fisioterapia, medicação e demais atos a que a Autora foi sujeita, os períodos de convalescença até consolidação definitiva, o impacto emocional provocado pelo próprio episódio sinistral, o dano estético de 3/7, a repercussão nas atividades de lazer de 3/7, o défice funcional permanente de 12 pontos, etc..
15- Atenta a factualidade provada e reproduzida supra, afigura-se insuficiente a indemnização fixada em primeira instância para a compensação dos danos não patrimoniais sofridos - € 30.000,00 –a qual, pela sua extensão e gravidade, conforme resulta dos factos provados, deve ser também alterada e fixada em valor peticionado de 35.000,00.
16- Decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 483º, 496º, n.º 1, 562º, 566, n.º 3 e 564º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
17.Quanto ao restante que não foi posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância.
Termos em que se requer seja dado provimento integral ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, douto acórdão, que esteja em conformidade com as conclusões supra formuladas.
*
A recorrida, EMP01... Companhia de Seguros, S.A., contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
*
A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão, que consiste em saber se a sentença recorrida (ao arbitrar à recorrente a quantia de 42.000,00 a título de indemnização pelo dano biológico, na vertente patrimonial, com que ficou afetada e, bem assim, a quantia de 30.000,00 euros a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe elevar a indemnização devida àquela por dano biológico, na vertente patrimonial, para 75.000,00 euros e a compensação por danos não patrimoniais para 35.000,00 euros.
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevo para a decisão de mérito a proferir no âmbito da presente ação:
1- No dia 4 de junho de 2020, pelas 16h40m, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada ..., ..., na freguesia ..., concelho ....
2- Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos automóveis:
1º- o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR;
2º- o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-IM-..;
3º- o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-ID-...
3- O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR era, à data de 4 de junho de 2020, propriedade dos AA.
4- A Autora contraiu casamento com o seu marido, BB, no dia ../../1991, sem convenção antenupcial.
5- A Autora adquiriu, por compra, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR, no dia 14 de julho de 2007, pelo preço de 3.300,00 €.
6- Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, o veículo MR era conduzido pela Autora AA.
7- O veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-IM-.. era propriedade da sociedade comercial “EMP02..., Lda.”, com sede na Zona Industrial ..., Lote ..., ... ..., ....
8- E, na altura da ocorrência do acidente, era conduzido por CC, residente na Rua ..., ... ..., ....
9- O veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-ID-.. era propriedade da sociedade comercial “EMP03..., S.A.”, com sede no lugar ..., Apartado ...6, ... ..., ....
10- E, na altura da ocorrência do acidente, era conduzido por DD, residente na Rua ..., Lugar ..., ... ..., ....
11- A Estrada ..., no local da deflagração do acidente configura um troço de reta.
12- Com um comprimento superior a mil metros.
13- Esse troço de reta é delimitado por curvas.
14- A curva que delimita esse setor de reta pelo lado nascente, ou seja, pelo lado de ..., apresenta-se descrita para o lado direito, tendo em conta o sentido poente-nascente, ou seja, ....
15- A curva que delimita esse setor de reta pelo lado poente, ou seja, pelo lado de ..., apresenta-se descrita para o lado esquerdo, tendo em conta o sentido poente-nascente, ou seja, ....
16- E permite uma larga e ampla visibilidade, para quem circula, no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação e antes de lá chegar, pela Estrada ..., em qualquer dos seus dois sentidos de marcha: poente-nascente (...) ou nascente-poente (...).
17- A faixa de rodagem da Estrada ... tem uma largura de sete metros.
18- O seu piso era pavimentado a asfalto.
19- O tempo estava bom e seco.
20- O pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada ... encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação.
21- Pelas suas duas margens, a Estrada ... apresentava bermas pavimentadas a asfalto.
22- Com uma largura de:
a) 2,50 metros, a situada na sua margem direita, tendo em conta o sentido poente-nascente, ou seja, ...;
b) 1,80 metros, a situada na sua margem esquerda, tendo em conta o sentido poente-nascente, ou seja, ....
23- Essas duas bermas asfálticas encontravam-se separadas em relação à faixa de rodagem asfáltica da Estrada ... através de linhas delimitadoras contínuas – Marcas M19.
24- O plano configurado pelo pavimento asfáltico das duas bermas situa-se ao mesmo nível do plano configurado pelo pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada ....
25- No preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, a Estrada ... configura um entroncamento.
26- A visibilidade, no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era muito boa.
27- Para quem se encontra lá situado, consegue avistar-se a faixa de rodagem da Estrada ... e as suas duas bermas, em toda a sua largura:
a) no sentido nascente, ou seja, em direção à vila de ..., ao longo de uma distância superior a oitocentos e cinquenta metros;
b) no sentido poente, ou seja, em direção à vila de ..., ao longo de uma distância superior a cento e cinquenta metros.
28- No local do sinistro e antes de lá chegar, para quem circula em qualquer dos seus dois sentidos de marcha, a Estrada ..., é ladeada, pelas suas margens, por casas de habitação e por estabelecimentos comerciais.
29- Todos eles, com os seus respetivos acessos a deitar diretamente para a faixa de rodagem da referida via.
30- O local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação situa-se numa zona da Estrada ..., que se localiza entre as placas, fixas em suporte vertical, que assinalam e que avisam a presença e a existência do núcleo residencial, habitacional, freguesia e localidade de ..., concelho ...: Sinal N1a.
31- O local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação situa-se numa zona da Estrada ..., que se localiza entre as placas, fixas em suporte vertical, de forma circular, com a sua orla vermelha e com o seu fundo branco, sobre o qual se encontra, pintada a cor preta, a inscrição “50”: Proibição de exceder a velocidade máxima de cinquenta quilómetros por hora - Sinal C13 - e numa zona onde existe uma passadeira destinada ao atravessamento de peões, assinalada, com o sinal vertical H7 - Marca M11/Sinal H7.
32- A Estrada ... encontrava-se aberta ao trânsito automóvel, nos seus dois sentidos de marcha.
33- Para o efeito a sua faixa de rodagem encontrava-se dividida em duas hemifaixas distintas.
34- Separadas, ao longo do seu traçado, através de uma linha contínua: Marca M1.
35- No preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, ou seja, no local onde a Estrada ... configura o suprarreferido entroncamento com a via pública que, no sentido sul-norte, dá acesso ao interior de freguesia ..., concelho ..., essa linha dupla contínua – Marca M1 – era substituída por uma única linha contínua, marginada, pelos seus dois lados, ao longo de uma distância de quatro metros, por linha mista – Marca M3.
36- Para permitir aos veículos que transitam pela Estrada ..., no sentido poente-nascente, ou seja, ..., a realização da manobra de mudança de direção à sua esquerda.
37- A fim de prosseguirem a sua marcha através da via pública que, no sentido sul-norte, dá acesso ao interior da freguesia ..., concelho ..., por detrás do denominado “...”, que ali entronca com a Estrada ..., pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido poente-nascente, ou seja, ....
38- No dia 4 de junho de 2020, pelas 16h40m, a Autora conduzia o seu referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR, pela Estrada ....
39- O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR – conduzido pela Autora - desenvolvia a sua marcha no sentido poente-nascente, ou seja, ....
40- Rigorosamente pela metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o seu indicado sentido de marcha.
41- Com os seus rodados direitos a uma distância de 0,50 metros da linha delimitativa da berma do mesmo lado.
42- E animado de uma velocidade não superior a quarenta quilómetros por hora.
43- A Autora pretendia levar a efeito a manobra de mudança de direção à sua esquerda.
44- Penetrar, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR na via pública, que entronca com a Estrada ..., pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido poente-nascente, ou seja, ....
45- E prosseguir a sua marcha, através da referida via pública, no sentido sul-norte.
46- Da Estrada ..., por detrás do denominado “...”, em direção ao interior da freguesia ..., concelho ....
47- Numa altura em que se encontrava a uma distância superior a oitenta metros, antes de chegar ao preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, a Autora pôs em funcionamento o sinal luminoso - “pisca” -, do lado esquerdo, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR, por si tripulado.
48- Reduziu, de forma lenta e gradual, a velocidade de que seguia animada.
49- Passou a circular, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR, animado de uma velocidade não superior a dez quilómetros por hora.
50- Ao mesmo tempo que foi, também, aproximando, os rodados esquerdos do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR da linha correspondente ao eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada ....
51- A Autora prosseguiu a sua marcha com os rodados esquerdos do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR encostados ao eixo divisório ao longo de uma distância superior a cinquenta metros.
52- Ao chegar ao preciso local da confluência da via pública que entronca com a Estrada ..., pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido poente-nascente, ou seja, ..., a Autora, de forma lenta e gradual, imobilizou a sua marcha.
53- Quando ficou assim parado, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR, conduzido pela Autora, ficou totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido poente-nascente, ou seja, ....
54- Com os seus rodados esquerdos encostados ao eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada ....
55- Com a sua parte frontal apontada no sentido nascente, em direção a ....
56- Com a sua parte traseira apontada no sentido poente, em direção a ....
57- E com o seu sinal luminoso – “pisca” -, do lado esquerdo, em funcionamento, de forma intermitente.
58- A Autora encontrava-se a aguardar que os veículos automóveis que transitavam pela Estrada ..., no sentido nascente-poente, ou seja, ..., cruzassem consigo.
59- Quando o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR – tripulado pela Autora AA – foi embatido pelo veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-IM-.. – tripulado pelo suprarreferido CC.
60- Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar – no dia 4 de junho de 2020, pelas 16h40m, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-IM-.., tripulado pelo CC, transitava, também, pela Estrada ....
61- O veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-IM-.. desenvolvia, também ele, a sua marcha pela referida via – Estrada ... - no sentido poente-nascente, ou seja, ....
62- O dito veículo automóvel transitava, também ele, pela metade direita da faixa de rodagem da referida Estrada ....
63- E numa posição situada à retaguarda do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR, tripulado pela Autora AA.
64- O condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-IM-.. não prestava qualquer atenção à condução que executava, nem aos restantes veículos automóveis que, na altura, transitavam pela Estrada ....
65- O condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-IM-.., CC, não se apercebeu da presença do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR, tripulado pela Autora.
66- O qual se encontrava parado à sua frente.
67- CC imprimia ao veículo velocidade superior a noventa kms./hora.
68- CC não travou.
69- E embateu com o veículo IM contra o veículo MR.
70- O embate verificou-se entre a parte da frente, mais à esquerda, do veículo IM, tripulado pelo CC, e a parte traseira, mais à direita, do veículo MR, tripulado pela Autora AA.
71- Essa colisão ocorreu totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido poente-nascente, ou seja, ....
72- O veículo MR foi projetado para a frente, no sentido nascente, em direção a ....
73- E para o seu lado esquerdo.
74- O veículo MR rodou sobre si próprio, para o lado esquerdo, no sentido contrário ao movimento dos ponteiros do relógio.
75- E acabou por invadir a metade esquerda da faixa de rodagem da EN n.º ...01, tendo em conta o sentido poente-nascente, ou seja, ....
76- Onde ficou com a sua parte frontal apontada no sentido poente, em direção a ....
77- E com a sua parte traseira apontada no sentido nascente, em direção a ....
78- Nesse preciso momento, e de forma rápida e instantânea, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula MR foi embatido pelo veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-ID-.., conduzido pelo DD.
79- O qual transitava, também, pela Estrada ....
80- Por forma a desenvolver a sua marcha no sentido nascente-poente, ou seja, ....
81- Pela metade direita da faixa de rodagem da referida via – Estrada ..., tendo em conta o indicado sentido de marcha.
82- E no preciso momento do embate do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-IM-.. contra o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR.
83- E, também, no preciso momento em que o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido poente-nascente, ou seja, ....
84- A colisão verificou-se entre a parte frontal do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-ID-.. e a parte traseira do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-MR.
85- Por força deste embate, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR foi projetado para a sua frente, no sentido poente, em direção a ....
86- Ao mesmo tempo que rodou sobre si próprio, para o seu lado direito, no sentido idêntico ao movimento dos ponteiros do relógio.
87- Até que o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR ficou imobilizado, de forma enviesada.
88- Com a sua parte traseira apontada no sentido sul, sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o sentido nascente-poente, ou seja, ....
89- E com a sua parte frontal apontada no sentido norte, sobre a berma asfáltica situada na margem direita da faixa de rodagem da Estrada ..., tendo em conta o indicado sentido de marcha: nascente-poente, ou seja, ....
90- O condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-IM-.. – CC – sempre reconheceu que a culpa na produção do acidente de trânsito que deu origem à presente ação era sua.
91- E apresentou, nos serviços da Ré, atual Companhia de Seguros “EMP01... Companhia de Seguros, S.A.” a “Declaração amigável de acidente automóvel”.
92- A Ré, logo após a deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, levou a efeito as pertinentes averiguações sobre a forma como ocorreu o acidente de trânsito.
93- Concluiu que a culpa na produção do acidente de trânsito que está na génese dos presentes autos é única e exclusivamente imputável ao condutor do veículo automóvel seu segurado, de matrícula ..-IM-.., CC.
94- Assumiu a responsabilidade pelas consequências danosas do acidente de trânsito que deu origem à presente ação.
95- E propôs-se pagar a quantia de 1.300,00 €, pelos danos sofridos no veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR – propriedade dos AA.
96- A qual não foi aceite pelos AA.
97- A Autora seguia, sentada, no assento da frente, do veículo automóvel de matrícula MR, do lado esquerdo, correspondente ao habitáculo do(a) respetivo(a) condutor(a).
98- Como consequência direta e necessária do acidente, resultaram, para a Autora, lesões corporais várias, nomeadamente traumatismo da coluna cervical, traumatismo do ombro direito, traumatismo do tórax, traumatismo da anca esquerda, fratura do corpo e da apófise coronoide da omoplata direita, fratura da clavícula direita, fratura dos 1º, 2º, 3º e 4º arcos costais, à direita, fratura da asa do sacro esquerdo, fratura da apófise transversa de C7, perfuração do pulmão direito, hemoperitoneu de pequeno volume à direita, traumatismo do joelho esquerdo, traumatismo da mão direita, incrustação de fragmentos de vidro na mão direita, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo.
99- A Autora foi transportada na ambulância do I.N.E.M. para o Hospital ..., EPE.
100- Onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respetivo Serviço de Urgência.
101- Foram-lhe, aí, efetuados exames radiológicos a todas as regiões do seu corpo atingidas.
102- Foram-lhe, aí, efetuadas Tomografias Computorizadas – TACs – às regiões do seu corpo atingidas.
103- Foi-lhe, aí, administrado soro.
104- A Autora esteve em OBS durante a noite após o acidente.
105- Após o que Autora se manteve, internada, no Hospital ..., de ....
106- Ao longo de um período de tempo de doze dias - até ao dia 16 de junho de 2020.
107- Sendo dois dias - 4 e 5 de junho de 2020, na Unidade de Cuidados Intensivos - UCI, em estado de amnésia.
108- E os restantes dez dias - de 5 a 16 de junho de 2020, na especialidade de Cirurgia 1 – Piso ....
109- Durante o período de tempo de internamento no Hospital ..., EPE, a Autora manteve-se permanentemente retida no leito.
110- Com colar cervical.
111- O qual usou ao longo de um período de tempo de duas semanas.
112- O qual lhe foi retirado na Casa de Saúde ..., da cidade ..., pelo médico ortopedista Dr. EE.
113- No dia 16 de junho de 2020, a Autora obteve alta hospitalar do Hospital ..., EPE.
114- Após o que foi transferida para a Casa de Saúde ..., da cidade ..., onde se manteve, internada, até ao dia 19 de junho de 2020.
115- No dia 19 de junho de 2020, a Autora obteve alta da Casa de Saúde ..., da cidade ..., e regressou à sua casa de habitação.
116- Após o que passou a ser seguida, em regime ambulatório, na Casa de Saúde ..., da cidade ..., ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho/serviço, por conta e expensas da Companhia de Seguros “EMP04..., S.A.”.
117- A Autora manteve-se internada na Casa de Saúde ..., da cidade ..., ao longo de um período de tempo de três dias, entre o dia 16 de junho de 2020 e o dia 19 de junho de 2020.
118- Regressada à sua casa de habitação, a Autora manteve-se, combalida e retida no leito, ao longo de um período de tempo de dois meses, até ao dia 19 de agosto de 2020, de onde apenas se ausentava para se submeter a tratamento de medicina física e reabilitação - fisioterapia.
119- E, também, de onde se levantava para consultas e tratamentos, na Casa de Saúde, da cidade ....
120- Durante o período de tempo de acamamento, na sua casa de habitação, a Autora estava dependente do acompanhamento de terceira pessoa.
121- Para lhe confecionar e servir as refeições.
122- E para a auxiliar nas suas necessidades diárias.
123- Na Casa de Saúde ..., ao abrigo do contrato de seguro de acidente de Trabalho/Serviço, a Autora foi acompanhada pelo Médico Ortopedista Dr. EE.
124-A Autora deslocou-se à Casa de Saúde ..., por doze vezes, sendo:
- 5 vezes de ambulância;
- 2 vezes de táxi;
- 5 vezes de veículo automóvel próprio.
125- Na Casa de Saúde ..., a Autora fez:
- Exames Radiológicos;
- TACs.
126- E foi-lhe prescrita medicação.
127- No dia 5 de agosto de 2020, a Autora já conseguia levantar-se do leito, por períodos de tempo curtos, e a locomover-se na sua casa de habitação.
128- Mas, com o auxílio de um par de canadianas.
129- E com a ajuda de uma terceira pessoa.
130- No dia 5 de agosto de 2020, a Autora passou a frequentar tratamento de medicina física e reabilitação, às regiões do ombro direito, da clavícula direita e da anca esquerda, na Clínica “EMP05...-Clínicas de Reabilitação, S.A.”, sita na Rua ..., Loja, ... ....
131- Ao longo de cem sessões.
132- Até ao dia 6 de janeiro de 2021.
133- Consubstanciadas em:
- massagens;
- eletrochoques;
- exercícios com máquinas, bolas e pesos;
- passadeira;
- bicicleta.
134- No dia 11 de novembro de 2020, a Autora retomou a sua atividade profissional, com uma ITP de 50%.
135- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 17/06/2021.
136- Como queixas das lesões sofridas, a Autora apresenta:
1. A nível funcional:
 Postura, deslocamentos e transferências: limitação em permanecer em decúbito lateral direito de modo prolongado, bem como em permanecer de modo prolongado quer sentada, quer em posição ortostática; nega limitação em subir e descer escadas; nega limitação em percorrer pisos irregulares, mas refere receio em percorrê-los; "desconforto na anca" quando corre, pelo que evitará correr; nega limitação na caminhada; limitação em percorrer rampas por "desconforto" pélvico; diz conseguir agachar-se, mas sentir limitação em assumir o ortostatismo posteriormente; nega limitação constante de mobilidade cervical (alguns dias com rigidez alternante);
 Manipulação e preensão: limitação em posicionar a mão direita nos diferentes pontos do espaço, sobretudo acima da cintura escapular e em a levar atrás das costas; ligeira diminuição de força no membro superior direito; limitação no transporte de pesos, com dificuldade em manter o transporte com a mão direita, deixando cair, por vezes, os objetos;
 Cognição e afetividade: ficará mais reativa quando passa no local do acidente e evitará virar naquele cruzamento; já voltou a conduzir (em maio de 2021), para pequenos-médios percursos (também sentirá condicionamento pelas queixas dolorosas); conseguirá viajar ao lado do condutor, à frente; diz dormir bem atualmente; nega outra sintomatologia do foro psíquico; atualmente sem medicação do foro psíquico (terá deixado há cerca de um ano);
 Fenómenos dolorosos: no ombro direito, sobretudo na face posterior do mesmo, não constantes, com as alterações climatéricas e com movimentos mais bruscos, nomeadamente acima da cintura escapular e para trás das costas; na região cervical, posteriormente, não constantes, com as alterações climatéricas e com movimentos bruscos de rotação, por vezes associados a "tontura", sendo que haverá dias de dor mais intensa, com rigidez nas rotações e náusea; na cintura pélvica, à esquerda, não constantes, que associa a esforços e a percorrer planos inclinados; nega efetuar medicação de modo regular (fará medicação analgésica e relaxante muscular em SOS); acrescenta, ainda, queixas dolorosas na grade costal direita, esporádicas e que associa, sobretudo, a episódios de tosse persistente;
 Outras queixas a nível funcional: ao retomar a corrida terá sentido "dificuldade em controlar a respiração"; sem outras alterações referidas.
2. A nível situacional:
 Atos da vida diária: limitação em lavar, secar e pentear o cabelo, bem como em lavar as costas e em limpar a região nadegueira com o membro superior direito (por isso usará preferencialmente a mão não dominante); a conduzir refere alguma limitação em puxar o travão de mão com a mão direita; mais refere limitação na condução prolongada por queixas no "fundo das costas"; limitação em vestir peças de vestuário que tenha que apertar atrás (solicitando ajuda a familiares); alguma limitação em passar a ferro e em usar o aspirador (evitará aspirar); alguma limitação em colocar a roupa a secar e no transporte das compras, usando preferencialmente a mão esquerda (não dominante); refere autonomia nas atividades da vida diária, não obstante algumas limitações; diz que faz a maioria das atividades que antes fazia, mas de modo mais lento e, por vezes, privilegiando o uso da mão esquerda;
 Vida afetiva, social e familiar: antes do acidente em apreço faria ginástica e Pilates, uma vez por semana, e ensinaria rancho (folclore), também uma vez por semana; refere ter parado todas estas atividades após o acidente e ainda não ter retomado; diz que não retomou o ensino do folclore, por não se sentir capaz de ensinar, dadas as limitações físicas; não se sentirá motivada para a retoma de ginástica; refere que também não retomou Pilates, por não conseguir fazer todos os exercícios e sentir frustração;  Relativamente ao infra desnivelamento do ombro direito, diz sentir-se incomodada em expor essa alteração procurando ocultá-la com o cabelo comprido; o mesmo refere relativamente à dismorfia clavicular direita;
 Vida profissional ou de formação: terá retomado em novembro de 2020 a atividade profissional de auxiliar de educação, efetuando "trabalhos moderados"; retomou de modo "total" em junho de 2021, quando teve alta pela Companhia de Seguros; atualmente, diz sentir limitação, nomeadamente em pegar nas crianças ao colo, e em dar banho às crianças quando necessário, sendo que terá, oficialmente, uma colega que a apoiará em tarefas mais exigentes do ponto de vista físico.
137- Como sequelas das lesões sofridas, a Autora apresenta:
 Ráquis:
cervical: sem dor referida à palpação mediana, sobre as apófises espinhosas; dor referida à palpação paramediana direita, essencialmente sobre o músculo trapézio, com contratura muscular associada; mobilidade cervical com resistência nos graus finais de rotação lateral esquerda e flexão lateral esquerda, referindo desconforto nos graus finais de todos os movimentos e sensação de tontura na flexão anterior e extensão; movimentos contra resistência com força mantida.
lombar/sacro: dor referida à palpação paramediana esquerda lombossagrada/sacroilíaca esquerda, sem contratura muscular objetivada associada; dor referida na compressão látero-lateral pélvica bem como à palpação anterior esquerda pélvica; sem outras queixas à palpação; consegue quase tocar com os dedos das mãos nos pés, com dor final referida; rotações do tronco sem dor referida; extensão com dor final referida, bem como flexões laterais, conseguindo completar os arcos de movimentos; apoio em pontas de pés e em calcanhares sem limitação; apoio monopodal estável, simétrico; Lasègue negativo; Bragard negativo;
 Tórax: dor referida como ligeira à digitopressão sobre os arcos costais em topografia lateral média no hemitórax direito; sem evidentes assimetrias/dismorfias; movimentos respiratórios não restritivos;
 Membro superior direito: infradesnivelamento do ombro em relação ao contralateral; ligeira atrofia muscular escapular; clavícula com irregularidade no terço médio-lateral, visível na inspeção como deformidade ligeira, com dor referida à palpação profunda nessa topografia; dor referida à palpação na face posterior do ombro/região escapular superior; contratura muscular no músculo trapézio à direita, dolorosa à palpação; movimentos de abdução e flexão anterior com dor referida acima de 90º, conseguindo completar os arcos de movimentos com dificuldade; movimento de extensão do ombro conservado, com dor final referida; movimento de rotação interna com dor referida; consegue completar os arcos dos movimentos de rotação do ombro; leva a mão direita à região lombar (à esquerda consegue levar à região dorsal), ao ombro contra lateral e à nuca (aqui, com dificuldade); força muscular ligeiramente diminuída proximalmente, comparativamente ao lado contra lateral (grau 4++/5), sendo distalmente simétrica; sem atrofia muscular do braço e antebraço;
 Membros inferiores: anca com mobilidade conservada, com dor referida na abdução, nos graus finais, à face ântero-lateral da coxa, mais intensa à esquerda; FABER com dor referida na mesma localização, referida como mais intensa à esquerda; sem atrofia muscular do membro; força muscular conservada e simétrica; marcha normal.
138- Na data do sinistro, a Autora tinha cinquenta e um anos de idade, tendo nascido no dia ../../1968.
139- Era uma mulher saudável, ágil, forte e dinâmica.
140- As sequelas que a Autora apresenta causam-lhe desgosto.
141- O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período total de 34 dias (considerando o período de internamento hospitalar e a indicação contante nos registos clínicos hospitalares para repouso no leito durante, pelo menos, três semanas após a alta).
142- O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável num período total de 345 dias.
143- O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é fixável num período total de 160 dias (considerando o período de ITA concedido pela Companhia de Seguros).
144- O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial é fixável num período total de 219 dias.
145- O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 12 pontos.
146- O Quantum Doloris é fixável no grau 5/7.
147- As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, admitindo-se limitação em efetuar tarefas mais exigentes do ponto de vista físico (pegar em crianças ao colo, dar-lhes banho se necessário, entre outras tarefas).
148- O Dano Estético Permanente é fixável no grau 3 /7.
149- A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7.
150- No futuro, a Autora precisará de: ajudas medicamentosas (admite-se benefício com medicação de tipo analgésica/anti-inflamatória/relaxante muscular, não regular, ajustada em dose e frequência ao quadro sintomatológico apresentado); tratamentos médicos (admite-se benefício com fisioterapia em períodos de agudização, com tipologia e frequência a determinar em consulta de Fisiatria, conforme o quadro sintomatológico).
151- À data do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, a Autora exercia a profissão de Assistente Operacional/Auxiliar de Ação Educativa, por conta do Município de ... – Jardim de Infância de ....
152- Onde tomou posse, no dia 6 de agosto de 2012.
153- E auferia o rendimento global ilíquido do seu trabalho de 745,07 €, sendo:
a) ordenado-base - 645,07 €;
b) subsídio de alimentação (média mensal) - 100,00 €.
154- A Autora desempenhava e desempenha, na sua casa, todas as tarefas de doméstica.
155- Durante o período de tempo de doença, com Incapacidade Temporária Absoluta e Parcial, para o trabalho, a Câmara Municipal ... pagou à Autora todas as quantias relativas aos seus ordenados e subsídio de alimentação.
156- Para instruir a presente ação, a Autora efetuou as seguintes despesas:
a) obtenção do Relatório Médico, junto com a petição inicial - 610,00 €;
b) custo de 3 certidões da Conservatória do Registo Automóvel - 51,00 €;
c) custo de 1 certidão de nascimento/Registo Civil - 20,00 €.
157- Em virtude do acidente sofrido, a A. teve de efetuar várias deslocações em veículo automóvel próprio tendo despendido 250,00 €.
158- À data do sinistro, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MR encontrava-se registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome do Autor BB.
159- Como consequência direta e necessária do acidente, resultaram para o veículo automóvel ligeiro de matrícula ..-..-MR, danos vários, a demandar, para a sua reparação, serviços de mão-de-obra de chapeiro, de mecânico, de pintor e de eletricista, bem como a substituição de peças várias, no valor global de 8.444,71 €, o qual, acrescido de IVA, perfez o montante global de 10.386,99 €.
160- O veículo automóvel ligeiro de matrícula ..-..-MR é de marca ...”, Modelo ...”, com capacidade para transportar cinco pessoas e propulsionado a gasóleo.
161- O veículo tinha 261.911,00 Kms.
162- À data do sinistro, o veículo tinha um valor de 2.500,00 €.
163- A reparação do referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula MR revelou-se economicamente desaconselhável, sendo um caso de “perda total”.
164- O 2º Autor, BB, encontrava-se, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, casado com a 1ª Autora, AA, sem convenção antenupcial.
165- O 2º Autor exerceu, na sua vida ativa, a profissão de agente da Guarda Nacional Republicana.
166- Mas, à data da deflagração do acidente de trânsito, encontrava-se já na situação da reforma.
167- Como sucedia todos os anos, tinha celebrado um contrato de trabalho temporário, por um mês, no sector da agricultura, na ..., por conta de FF, residente em ..., ....
168- O A. iria auferir 3.210,64 €.
169- O Autor, como consequência direta e necessária do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, das lesões sofridas pela sua esposa, primeira Autora, do internamento hospitalar que se lhe seguiu, e do período de tempo de convalescença, ficou em Portugal.
170- Para fazer a companhia de que a esposa careceu e para lhe prestar a ajuda e o apoio de que a mesma não pôde prescindir.
171- O 2º Autor despendeu na aquisição de bilhete de avião para a sua viagem para a ... a quantia de 57,00 €.
172- Para a Ré estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-IM-.., identificado nos autos como causador do acidente, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº. ...04, em vigor à data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem aos presentes autos.
173- Para a A. o acidente em apreço foi simultaneamente de viação e de trabalho/serviço, no caso in itinere.
174- A seguradora de acidentes de trabalho na qual a Autora era pessoa segura, a EMP04..., para a qual, por contrato de seguro de acidentes de trabalho, em vigor na data, a entidade patronal da Autora havia transferido a sua responsabilidade infortunística, assumiu a sua responsabilidade na regulação do dito acidente laboral.
175- E correu o competente processo judicial especial de acidente de trabalho.
176- O A. não viajou a 02/06/2020 porque não arranjou voo.
177- Na data do sinistro, a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho/serviço ocorridos com os trabalhadores ao serviço do “Município ...”, encontrava-se validamente transferida para a Seguradora Interveniente - EMP04..., através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...01.
178- À data do acidente, e no que diz respeito à aqui A., encontrava-se validamente transferida para a Seguradora Interveniente, a responsabilidade infortunística laboral até ao limite da retribuição anual de Euro 10.185,37, correspondente a um salário base mensal de Euro 645,07, acrescido de subsídio de férias e de Natal de igual valor, e subsídio de alimentação mensal de Euro 104,94.
179- O acidente dos autos foi participado à Seguradora Interveniente pelo Município ... em 08/06/2020.
180- A Interveniente convocou a A. AA para, depois de lhe terem sido prestados os primeiros socorros, se dirigir aos seus serviços clínicos, a fim de passar a ser aí tratada, e onde lhe foi prestada toda a assistência clínica de que esta necessitava, nomeadamente exames médicos e auxiliares de diagnóstico, bem como tratamentos médicos, medicamentosos e prescrita fisioterapia.
181- Todas as despesas com tais tratamentos médicos, medicamentosos, exames auxiliares e de diagnóstico, fisioterapia e transportes, realizados pela A. AA com vista à sua recuperação, foram pagas pela Interveniente Seguradora, e ao abrigo das garantias do contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com o Município ....
182- Foi a Seguradora Interveniente que procedeu ao pagamento, à A. AA, de todas as indemnizações devidas pelos períodos de incapacidade temporária, e que decorreu desde a data do acidente até à data da alta, que se fixou em 17/06/2021.
183- Até à data da apresentação do seu articulado nos autos, com o pagamento das despesas de assistência clínica e transporte, e ainda com as indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária, a Seguradora Interveniente despendeu o valor total de € 16.471,77.
184- Tal montante foi já integralmente pago à Interveniente Seguradora, pela aqui R. EMP01....
185- No âmbito do procedimento administrativo de atribuição da pensão anual e vitalícia que assiste à sinistrada por virtude das lesões e sequelas de que esta ficou afetada, foi a A. AA submetida a junta médica na Caixa Geral de Aposentações, tendo-lhe sido por tal organismo fixada uma Incapacidade Parcial Permanente de 15,89%.
186- Na decorrência dessa IPP de 15,89%, por despacho proferido pela Direção da Caixa Geral de Aposentações em 22/10/2021, foi fixado à sinistrada, aqui A., o direito a uma pensão anual e vitalícia de € 1.003,40 (por apelo à retribuição anual de € 9.020,98).
187- Decisão essa que determina, consequentemente, o pagamento à A. AA, a título de capital de remição da pensão, do valor de € 13.008,08.
188- No dia 29/10/2021, o Município ... comunicou à Seguradora Interveniente tal decisão, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho por si validamente celebrado.
189- O despacho referido em 186) termina dizendo: “O abono da pensão … fica … suspenso, dado que … as prestações por incapacidade permanente resultante de acidente ou doença profissional, não são cumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do trabalhador.”
190- O Município ... continuou a pagar o vencimento total à Autora.
*
Por sua vez, a 1ª Instância julgou como não provados os seguintes factos:

I- A A. levava, apertado e justo ao seu corpo, o cinto de segurança.
II- No momento do acidente e nos instantes que o precederam, a Autora receou pela própria vida.
III- A Autora viu danificadas e inutilizadas as seguintes peças de vestuário e de calçado:
a) 1 par de calças - 30,00 €;
b) 1 camisola - 20,00 €;
c) peças de roupa interior - 45,00 €;
d) 1 par de sapatos - 47,00 €.
IV- No futuro, a Autora vai necessitar de se submeter a uma ou mais intervenções cirúrgicas, às regiões do seu corpo atingidas, nomeadamente à coluna cervical, ao ombro e à omoplata direitos e à bacia/anca.
V- Para o efeito, vai necessitar de recorrer a múltiplas consultas médicas, da especialidade de Medicina, Ortopedia, Neurologia e Neurocirurgia.
VI- Na data do sinistro, o veículo automóvel de matrícula ..-..-MR encontrava-se em muito bom estado de conservação.
VII- O Autor sempre lhe prestou rigorosa assistência.
VIII- Nunca havia sofrido qualquer outro acidente.
IX- E o Autor recolhia-o diariamente em garagem privativa.
X- A entidade patronal referida em 167) deu ao 2º Réu um "VOUCHER" de 97,99 € (para a viagem de avião), que o Autor se viu impossibilitado de usar em virtude do acidente.
XI- O valor venal do veículo MR era de 1.400 €.
XII- O valor dos salvados era de 100 €.
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A- Do montante da indemnização devida à recorrente a título de dano biológico, na vertente patrimonial
A 1ª Instância fixou a indemnização devida à recorrente, a título de dano biológico, por via do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos com que ficou afetada em consequência das sequelas que lhe advieram das lesões que sofreu no acidente de viação sobre que versam os autos, na vertente patrimonial, no montante de 42.00,00 euros, com base nos seguintes fundamentos fáctico- jurídicos:
“A título de IPP (défice funcional permanente) a A. reclama uma indemnização de 75.000,00 €, tendo por base um valor salarial de cerca de 1.645,00 € mensais (745,00 € relativamente à sua profissão + 900,00 € como doméstica), levando em conta uma expectativa média de vida até aos 84 anos.
Resultou provado nos autos que, a final, a A. ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos.
Estando em causa um dano biológico, traduzido numa incapacidade funcional ou fisiológica de 12 pontos, a repercussão negativa centra-se na diminuição da condição física e numa penosidade, dispêndio e desgaste físico acrescido na execução de tarefas antes desempenhadas, sem o mesmo esforço, no seu dia-a-dia. Ora, esta realidade incontornável deve ser vertida na determinação da indemnização a atribuir e deve sê-lo partindo dos cálculos objetiváveis a partir das usuais fórmulas e tabelas financeiras.
Definida e explicada a opção de indemnizar este dano, é tempo de explicar o cálculo do mesmo, sendo que, acompanhando a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal, teremos como ponto de partida o “velho cálculo que parte do montante auferido pelo lesado e da percentagem que – ainda que teoricamente – a incapacidade nele reflete: a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;  no cálculo desse capital interfere de forma decisiva, a equidade; as tabelas financeiras utilizadas para apurar a indemnização têm carácter auxiliar; deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la; deve ter-se em conta a esperança média de vida (em Portugal, atualmente, a esperança média de vida dos homens é de 78 anos e a das mulheres é de 84 anos).
Assim, partindo deste critério tradicional, para evitar um subjetivismo indesejado, continua a constituir uma boa prática jurisprudencial o recurso a processos objetivos, através de fórmulas, cálculos financeiros ou a aplicação de tabelas, sem prejuízo de uma calibração equitativa, atenta à situação concreta vivenciada.
Em termos sintéticos, sendo abundante a jurisprudência concomitante, seguiremos o entendimento de que o “quantum” indemnizatório destinado a compensar danos futuros deve corresponder a um capital produtor de rendimentos que proporcione o que, teórica ou efetivamente, deixou de se auferir e se extinga no fim presumível da vida do lesado, determinado com base na esperança de vida – cfr., neste sentido, entre muitos outros, Ac. da RP, de 24 de janeiro de 2018, processo n.º 1173/14.0T2AVR.P1, disponível em dgsi.pt.
Temos, assim, como elementos a atender os seguintes:
A idade da Autora à data do sinistro - 51 anos; o tempo previsível de vida ativa que tem pela frente (desde aquela data) e a esperança média de vida para o sexo feminino (84 anos); rendimento mensal, no momento do acidente (auferia 745 € - o Tribunal não considerou os 900 € relativos à atividade de doméstica, uma vez que a A. não recebia qualquer montante relativo a essa atividade); o défice de que ficou afetada – 12 pontos; a inexistência de culpa, ainda que concorrencial, da sua parte na produção do acidente e o fator da tabela financeira adequado ao tempo de vida ativa do demandante.
Tendo em conta o cálculo feito à luz de cálculos objetivos entendemos, na ponderação dos fatores que ficaram apontados, que a indemnização justa e adequada ao défice funcional permanente em referência deve situar-se nos 42.000,00 € (quarenta e dois mil euros).  
A recorrente imputa erro de direito ao assim decidido ancorando este essencialmente em dois argumentos: 1º- o tribunal a quo desconsiderou, em absoluto, no cálculo da indemnização que lhe é devida pelo dano biológico com que ficou afetada o trabalho de cariz doméstico, que comprovadamente desempenhava na sua habitação e em prol do seu agregado familiar, o qual tem valor económico e é necessário que seja realizado para o bem-estar do seu agregado familiar, e que a mesma agora apenas pode colmatar com adicional penosidade ou sacrifício, ou com a contratação de terceiro para o realizar, devendo esse trabalho doméstico por si prestado ser quantificado em não menos de 600,00 euros mensais; 2º- no cálculo indemnizatório que serve de base à indemnização ora em causa, considerou-se o salário base que era por ela auferido à data do acidente (745,00 euros mensais), quando se impunha, por estar em causa a valorização de um dano com projeção futura, que se considerasse, pelo menos, o salário mínima nacional, que se cifra no ano de 2024 em 820,00 euros, e que, a partir de janeiro de 2025, passará para 870,00 euros.
Conclui que, tendo por referência o salário mínimo nacional para o presente ano de 2025, no montante de 870,00 euros, o valor patrimonial que atribui ao trabalho doméstico que prestava, e continua a prestar ao seu agregado familiar (600,00 euros), o período provável de esperança média de vida que tinha à data do acidente e, bem assim, o grau de 12 pontos de défice funcional permanente com que ficou afetada, a indemnização pelo dano biológico, na vertente patrimonial, deve ser fixada em 75.000,00 euros.
Vejamos se lhe assiste razão.
Em matéria de indemnização civil por danos provocados a terceiro, vigora, como princípio geral, o da restauração natural, consagrado no art. 562º do CC, nos termos do qual quem estiver obrigado a reparar o dano deve reconstituir ao lesado a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, estando nessa obrigação incluídos não só os prejuízos causados ao lesado (os denominados danos emergentes), como os benefícios que este deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os lucros cessantes (n.º 1 do art. 564º do CC).
De acordo com o referido princípio, o responsável civil pela obrigação de indemnizar está, em suma, obrigado a repor o lesado na situação em que se encontrava anterior à lesão, reconstituindo o estado das coisas em que o mesmo se encontraria se não se tivesse produzido o dano.
O princípio da reposição natural obriga, portanto, o responsável civil pela indemnização a consertar a coisa danificada (v.g. o veículo ou o murado danificado), ou se essa reparação não for possível, a entregar-lhe outra da mesma espécie, categoria e estado, mas também a indemnizar o lesado pelas perdas sofridas no seu património decorrentes de ter ficado, em definitivo ou temporariamente, privado da coisa, isto é, os danos emergentes (v.g., quantias despendidas pelo mesmo com o aluguer de uma viatura de substituição para se transportar e à sua família nos seus afazeres diários até que o seu veículo lhe seja entregue devidamente reparado, ou, na impossibilidade de reparação, até lhe ser entregue um veículo da mesma categoria, espécie e estado ao seu), e também o lucro cessante ou lucro frustrado, ou seja, os prejuízos que lhe advieram por, em consequência do evento danoso, não ter visto aumentado o seu património (v.g. proventos que o lesado deixou de auferir na atividade de taxista enquanto o veículo não foi reparado ou substituído), na medida em que só assim o estado em que se este se encontraria se não tivesse ocorrido o evento danoso ficará efetivamente reconstituído.
Quanto aos danos futuros, a que se refere o n.º 2 do art. 564º do CC, os mesmos tanto podem representar danos emergentes como lucros cessantes[2], e apenas são indemnizáveis na medida em que  forem previsíveis, devendo no caso de não serem logo determináveis, a fixação da indemnização ser relegada para ulterior decisão.
Acontece que nem sempre a indemnização por reconstituição ou reposição natural é possível, por a coisa destruída, ou quando danificada, não ser suscetível de ser reparada e estar-se na presença de uma coisa com natureza infungível (v.g., um quadro de um pintor, uma peça única, etc.), não existir no mercado coisa da mesma espécie ou categoria, ou quando a reposição in natura não repare integralmente o dano ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Nas situações acabadas de referir, na impossibilidade de se recorrer à restauração natural, a indemnização é fixada em dinheiro, conforme o determina o art. 566º, n.º 1 do CC.
A indemnização em dinheiro tem, assim, no ordenamento civil nacional natureza subsidiária e excecional, na medida em que, nos termos do art. 566º, n.º 1, apenas tem lugar quando não seja possível reconstituir a situação anterior à lesão, quando ela não repare integralmente o dano, ou quando seja excessivamente onerosa para o devedor.
Note-se que, apesar da natureza excecional da indemnização em dinheiro, esta acaba por ser em termos práticos a forma mais frequente de indemnizar, por impossibilidade de reconstituir a situação anterior à lesão.
O montante da indemnização em dinheiro, nos termos do n.º 2 do art. 566º do CC, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos, o que significa que, na determinação desta vigora a denominada teoria da diferença, em função da qual a indemnização em dinheiro mede-se pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o evento gerador do dano.
Quando o lesado alegue e prove a existência de danos, mas não seja possível apurar o valor exato dos mesmos, o tribunal deverá fixar a indemnização em dinheiro por recurso à equidade dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3 do art. 566º).
Acresce enfatizar que, nos termos do art. 563º do CC, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, o que significa que tem de existir uma relação de causalidade, à luz do direito, entre o dano e a conduta ilícita ou lícita (no caso de responsabilidade por facto lícito) do agente para que se afirme a obrigação de indemnizar. Essa relação de causalidade pressupõe que o dano seja uma consequência, do ponto de vista naturalístico, da conduta ilícita ou lícita do agente e que acrescidamente seja uma consequência provável, adequada, de acordo com as regras do normal acontecer, da conduta (ativa ou omissiva) do gente, por forma a que, no momento em que a adotou pudesse prever ser provável, do ponto de vista naturalístico e das regras do normal acontecer que dela pudesse advir o concreto dano patrimonial ou não patrimonial na pessoa do lesado que se veio a verificar.
Note-se que ao colocar a solução do problema do nexo de causalidade que tem de se verificar entre o facto gerador da obrigação de indemnizar e o dano na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse o facto para que se afirme a obrigação indemnizatória, é largamente maioritário o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que, no art. 563º, se consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual o facto, ilícito ou lícito do agente que atuou como condição do dano apenas deixa de ser considerado causa adequada deste quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto e que levaram à produção daquele concreto dano que se veio a verificar[3].
Ou seja, o facto que foi condição de um dano só poderá deixar de ser considerado como causa adequada deste quando, atenta a sua natureza geral, se revelar absolutamente indiferente para a sua produção, por este só ter sido provocado por circunstâncias excecionais que, em concreto, determinaram a sua produção e que, dada a excecionalidade ou anormalidade dessas circunstâncias eram imprevisíveis para o agente no momento em que agiu.
Acresce enfatizar que, sendo o dano “a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto ilícito, culposo e danoso, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”[4], o conceito de “dano” compreende  tanto as situações em que a perda sofrida pelo lesado se reconduza apenas a reflexos negativos na sua esfera jurídico-patrimonial – os denominados danos patrimoniais -, como situações em que a perda por ele sofrida não se repercute, ou não se repercute exclusivamente, na sua esfera jurídico-patrimonial, mas antes ao nível da sua esfera moral – danos não patrimoniais -, como é o caso das dores físicas, os desgostos, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética causados.
Os danos não patrimoniais, na medida em que lesam os direitos de personalidade do lesado, como a saúde, o bem-estar, a beleza, a perfeição física, a honra ou bom nome, etc., não são naturalmente suscetíveis de serem diretamente reparados mediante restauração natural ou em espécie, mas apenas podem ser compensados dentro daquilo que é humanamente possível, que é dar-lhe uma compensação monetária de modo a minorar o mal sofrido, o qual já ninguém lhe pode humanamente tirar.
Enquanto os danos de natureza patrimonial sofridos pelo lesado, em consequência direta e adequada da conduta do agente têm, assim, de ser reparados pelo responsável civil pela indemnização mediante restauração natural ou através do substituto legal desta em dinheiro, nos casos em que essa substituição seja legalmente admissível, os danos de natureza de natureza não patrimonial sofridos pelo lesado, dada a sua natureza moral (encontrando-se impedida a sua restauração natural ou restituição em espécie), têm de ser necessariamente compensados em dinheiro, de modo a atenuar ou minorar o mal cometido.
Conforme expende Antunes Varela, ao compensar-se os danos de natureza não patrimonial “não há a intenção de pagar ou indemnizar o dano, muito menos, o intuito de facultar o comércio com valores de ordem moral; há apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspeto, da utilização que dela se faça”[5].
Ocorre que nem todos os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado são compensáveis à luz do ordenamento jurídico nacional, mas apenas os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, n.º 1 do CC), gravidade essa a ser avaliada tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, em função de um padrão objetivo.
O montante concreto da compensação a arbitrar ao lesado pelos danos morais que sofreu em consequência do evento lesivo (e que podem estender-se no tempo até ao termo dos seus dias) é determinado pelo tribunal mediante recurso à equidade, tendo em atenção, em qualquer caso (haja dolo ou negligência), o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (arts. 496º, n.º 4 e 494º do CC).
Tal significa que, perante a multiplicidade e complexidade de fatores a considerar para a determinação do montante concreto da compensação a arbitrar ao lesado por danos não patrimoniais sofridos, o legislador optou por incumbir o juiz dessa tarefa, mediante recurso à equidade.
A equidade é um critério para correção do direito, um princípio moderador do direito positivo, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. 
O recurso à “equidade” não significa, portanto, “arbitrariedade”, mas antes a resolução do litígio de acordo com “um critério de justiça”, isto é, “dar ao conflito a solução que se entenda mais justa, atendendo às características concretas da situação”, o que exige que se atenda às especificidades do caso em particular, aos critérios específicos fixados no art. 494º (grau de culpa do lesante, situação económica deste e do lesado), às conceções de justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico[6] e, em particular, ao princípio da igualdade, pedra angular do sistema jurídico-constitucional nacional (art. 13º, n.º 1 da CRP), procurando-se uma uniformização de critérios na determinação do montante concreto da compensação a arbitrar ao lesado pelos danos não patrimoniais ou, também ditos morais, sofridos em consequência direta e adequada da conduta ilícita ou lícita, ativa ou omissiva, do agente.
Posto isto, a natureza da ressarcibilidade da incapacidade genérica permanente, também designada de dano biológico, não tem merecido consenso a nível da doutrina e da jurisprudência nacionais.
A jurisprudência maioritária e parte da doutrina defendem que o dano biológico deve ser indemnizado enquanto dano de natureza patrimonial, mais concretamente, enquanto dano futuro previsível, nos termos do art. 566º, n.º 2 do CC, advogando que, mesmo não havendo uma repercussão negativa imediata no salário e/ou na carreira profissional do lesado, a incapacidade genérica permanente com que o mesmo ficou afetado «constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de mudança ou de reconversão de emprego e o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, deste modo, fonte atual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar como verdadeiros danos patrimoniais»[7].
Já outra corrente defende que o dano biológico enquanto incapacidade genérica permamente, quando não se repercuta direta ou indiretamente no estatuto remuneratório ou na carreira profissional do lesado, e não traduza, necessariamente uma perda patrimonial futura ou uma frustração de um lucro, traduz-se num dano de natureza moral ao tornar a atividade profissional do lesado e os seus afazeres diários mais penosos, determinando-lhe um desgaste natural na sua vitalidade, bem-estar e saúde, lesando os direitos de personalidade deste, pelo que, nesses casos, o dano biológico tem de ser compensado nessas particulares situações enquanto dano de natureza não patrimonial.
De acordo com esta corrente o dano biológico pode, em suma, ser indemnizado como dano patrimonial ou não patrimonial, tudo dependendo dos reflexos daquele no caso concreto da pessoa lesada.
Finalmente, uma outra corrente defende que o dano biológico não deve ser enquadrado nas tradicionais categorias de dano de natureza patrimonial versus dano de natureza não patrimonial, mas antes num «tertium genus», enquanto dano com natureza autónoma e específica, na medida em que aquele envolve prioritariamente uma afetação da saúde e da plena integridade física do lesado. 
Aderimos à tese de que o dano biológico poderá ter de ser indemnizado exclusivamente enquanto dano não patrimonial nos casos em que a incapacidade genérica permanente que dele decorra seja insuscetível de ter qualquer repercussão na esfera jurídico-patrimonial do lesado, por este já se encontrar aposentado e não realizar já as suas lides domésticas e as destinadas ao seu agregado familiar (v.g., caso de lesado que se encontre aposentado e institucionalizado em lar), em que essa incapacidade não deixa, porém, de limitar as suas capacidades físicas, psíquicas ou intelectuais na sua vida quotidiana (capacidade de se locomover, de se concentrar, comunicar, etc.), com repercussões na sua vitalidade, bem-estar, saúde, etc., lesando os seus direitos de personalidade e reclamando, por isso, que o dano biológico tenha de ser compensado pelos danos não patrimoniais que dele decorram.
Nos restantes casos, em que o lesado, à data do acidente ainda não atingiu idade para iniciar a sua vida ativa, se encontra, à data do acidente, em pleno período de vida ativa, ou em que já a terminou mas continua a ter de realizar lides domésticas, o dano biológico tem de ser indemnizado como dano não patrimonial, na medida em que a incapacidade genérica permanente afete os direitos de personalidade da pessoa lesada, e, concomitantemente, enquanto previsível lucro cessante, como verdadeiro dano patrimonial, posto que, ainda que a incapacidade genérica permanente com que a pessoa lesada não se repercuta, no imediato, nos rendimentos salariais ou na carreira profissional desta, enquanto limitação das suas capacidades físicas, psíquicas ou intelectuais, condiciona as possibilidades de progredir na carreira, de mudança ou de reconversão profissional e o leque de oportunidades profissionais à sua disposição.
Daí que a ressarcibilidade do dano biológico enquanto dano patrimonial ou não patrimonial ou em ambas as vertentes dependa das circunstâncias do caso concreto, ou seja, da avaliação casuística que aquele tem na pessoa e na vida do lesado.
Neste sentido, lê-se no acórdão do STJ, de 13/04/2021 que: “uma incapacidade permanente parcial não se esgota na incapacidade para o trabalho, constituindo em princípio um dano funcional mas sempre, pelo menos, um dano em si mesmo que perturba a vida da relação e o bem-estar do lesado ao longo da vida, pelo que é de considerar autonomamente esse dano, distinto do referido dano patrimonial, não se diluindo no dano não patrimonial, na vertente do tradicional pretium doloris ou do dano estético. O lesado não pode ser objeto de uma visão redutora e economicista do homo faber. A incapacidade permanente (geral) de que está afetada a vítima constitui, nesta perspetiva, um dano em si mesmo, cingindo-se à sua dimensão anátomo-funcional. A incapacidade permanente geral (IPG) corresponde a um estado deficitário de natureza anatómica-funcional ou psicosensorial, com caráter definitivo e com impacto nos gestos e movimentos próprios da vida corrente comuns a todas as pessoas. Pode ser valorada em diversos graus de percentagem, tendo como padrão máximo o índice 100. Esse défice funcional pode ter ou não reflexo direto na capacidade profissional originando uma concreta perda de capacidade de ganho”[8].
E na mesma linha, lê-se no acórdão dessa mais alta jurisdição nacional de 29/10/2020, ser “entendimento jurisprudencial já consolidado que a indemnização a arbitrar (por dano biológico) não poderá ter em consideração apenas a redução da capacidade de ganho, resultante da limitação funcional ou dano biológico, pois, como refere o acórdão do STJ, de 10/11/2016, a indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspetivado na ótica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente refletida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrente do grau fixado ao lesado. Ou seja, (…) a afetação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer, para além de danos de natureza não patrimonial, é suscetível de gerar danos patrimoniais, caso em que a indemnização se destina a compensar não só a perda de rendimentos pela incapacidade laboral, mas também as consequências dessa afetação, no período de vida expectável, seja no plano de perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas atividades. E, por isso, é que o valor da indemnização deverá corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no período provável da sua vida, determinando com base na esperança média de vida, e não apenas em função da duração da via profissional ativa do lesado, já que as necessidades básicas deste, como refere o acórdão do STJ., de 16/12/2010, não cessam obviamente no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será neste período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão, sendo ainda certo que  as limitações à capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respetiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito”.
Decorre do que se vem dizendo que, a incapacidade genérica permanente, ao afetar a integridade psicofísica da pessoa lesada, ao diminuir a sua capacidade geral, nos casos em que ainda não iniciou o seu percurso profissional, se encontra em pleno período de exercício da vida ativa, ou em que, tendo-a já terminada, exerça lides domésticas, independentemente das repercussões imediatas dessa incapacidade geral no seus rendimentos salarias ou na sua carreira profissional, tem necessariamente um custo económico, que tem de ser indemnizado na vertente patrimonial, a título de lucro cessante futuro previsível, por recurso à equidade, nos termos do art. 566º, n.º 3, do CC, além de, repercutindo-se necessariamente nos direitos de personalidade do lesado, nomeadamente, na sua capacidade de se locomover, comunicar, concentrar, conviver, divertir etc., ter ser compensada a título de danos não patrimoniais.
No sentido vindo a referir, ponderou o aqui relator no acórdão de 18/12/2017, supra melhor identificado que, salvo os casos em que o ser humano já terminou a sua vida ativa e se encontre institucionalizado, onde o trabalho doméstico está a cargo de outrem, perscrutadas as realidades da vida não descortinamos outras situações em que o ser humano não careça de trabalhar para prover ao seu sustento e necessidades e, bem assim, às do seu agregado familiar. Na tenra idade e na juventude, o ser humano prepara-se para a sua vida profissional futura. Na idade adulta, trabalha, ou estando desempregado, tem forçosamente de procurar trabalho. Caso não exerça atividade profissional remunerada, como é o caso das domésticas, tem de prover à educação dos filhos e à satisfação das necessidades do lar, fazendo a lide doméstica, indo às compras, etc.. E no outono da vida, após uma vida de trabalho, estando reformado, tem de continuar a trabalhar, agora dedicando-se às suas lides domésticas e familiares.
Pretender-se que as crianças ou os jovens, no momento do evento constitutivo da obrigação indemnizatória não trabalham e que, consequentemente, não têm direito a uma indemnização pelo dano biológico, na vertente patrimonial, é esquecer-se, desde logo, que, em consequência dele se limitou as capacidades daqueles de aprenderem e se habilitarem convenientemente para o desempenho futuro de uma atividade profissional (um jovem doente ou afetado na sua capacidade funcional, em regra, não tem a mesma disponibilidade física e mental para aprender semelhantes aos que não padeçam tais handicaps) e, bem assim, que aqueles, no futuro, terão necessariamente de trabalhar para prover às suas necessidades e do seu agregado familiar e que, ao afetar-se a sua capacidade funcional, se limitou irremediavelmente as suas hipóteses futuras de granjearem trabalho e, sobretudo, de conseguirem um trabalho futuro condigno e adequadamente remunerado. 
E pretender-se que as domésticas ou os reformados não trabalham, é reduzir o valor do trabalho doméstico que os mesmos têm, necessariamente, de desempenhar para prover às suas necessidades diárias e às do seu agregado familiar. No entanto, o trabalho doméstico – educação dos filhos, limpeza da casa, confecionar as refeições, cuidar dos filhos ou dos netos, etc. -, tem indiscutivelmente um valor pecuniário, tanto assim que, quando ambos os membros do casal trabalham ou em caso de impossibilidade, designadamente, por via das incapacidades funcionais que os afetam, têm necessidade de se socorrer de terceiros para executarem o trabalho doméstico, terão de lhes remunerar esse trabalho.
Argumentar-se que o tribunal a quo aceitou a conceção do corpo como “instrumento de trabalho” é argumento manifestamente falacioso uma vez que, na sociedade hodierna, o corpo dos trabalhadores, tal como uma máquina, é efetivamente encarado pelas empresas e pela sociedade em geral, única e exclusivamente, como “instrumento de trabalho” – os trabalhadores valem pela sua capacidade produtiva e o trabalho por eles proporcionado tem um valor económico e vale por esse valor.
Argumentar-se que, em caso de acidente e de redução da capacidade funcional, o trabalhador que não sofra ablação na sua remuneração não deve ser indemnizado pela perda da capacidade futura de ganho é, na nossa perspetiva, um falso argumento. Com efeito, conforme resulta das leis laborais, em caso de acidente de trabalho que afete o trabalhador na sua capacidade de ganho, a LAT assegura aos trabalhadores uma indemnização por essa perda (art. 17º da Lei n.º 100/97, de 13/09). Segundo essas mesmas leis laborais, a entidade empregadora está proibida de reduzir a remuneração do trabalhador assim afetado (art. 36º daquela Lei n.º 100/97). Não obstante, os trabalhadores afetados por uma incapacidade geral permanente têm de efetuar esforços adicionais para manter os níveis de produção semelhantes aos demais trabalhadores sem qualquer afetação funcional ou, a breve trecho, serão dispensados pelas respetivas entidades patronais, enfrentando dificuldades acrescidas para conseguirem novo emprego, e terão dificuldades na carreira e de obterem melhores trabalhos, além de se desconsiderar que, na sua vida familiar e quotidiana e, inclusivamente, de lazer, ainda que já aposentados, terão de fazer esforços acrescidos para realizar a lide doméstica, designadamente, confecionar refeições, limpar a  casa, educar os filhos, ou os netos, criar animais domésticos, praticar desporto, dar o seu passeio, etc..
Na vertente de dano patrimonial, é consensual o entendimento jurisprudencial de que a indemnização pelo dano biológico deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável da vida do lesado, devendo no cálculo do quantum indemnizatório ter-se em consideração a idade daquele à data do acidente, o tempo de vida provável que lhe resta, os rendimento médios mensais por ele recebidos nessa data, o défice funcional com que ficou afetado, a taxa de juro previsível que a indemnização que irá receber de uma só vez lhe proporcionará (de modo a evitar-se a um injusto enriquecimento do lesado em detrimento do obrigado à indemnização) e a evolução previsível do rendimento recebido pelo lesado à data do acidente (rendimentos salariais e do valor do trabalho doméstico por ele prestado à data do acidente, quando for o caso), uma vez que este não se mantém naturalmente estático no tempo, mas sofrerá uma atualização anual em função da taxa de inflação e dos aumentos de produtividade, posto que só assim se logrará, na verdade, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação[9].
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso em análise, resulta do que se vem dizendo que, a pretensão da recorrente no sentido de que a indemnização a ser-lhe arbitrada a título de dano biológico, na vertente patrimonial, deve ser calculada por referência ao salário mínimo nacional vigente para o corrente ano de 2025, não tem assento legal.
Com efeito, sendo a incapacidade genérica permanente consequência das lesões e sequelas que emergiram para ela do acidente, tal como foi considerado pelo tribunal a quo e é entendimento jurisprudencial consolidado, essa indemnização terá de ser calculada por referência à remuneração média que por ela era auferida à data do acidente, ou seja, 745,00 euros mensais, acrescido do valor monetário a que corresponde o trabalho doméstico que era (e é) por ela prestado, também à data do acidente.
Esse rendimento salarial e o valor do trabalho doméstico à data do acidente terá, conforme anteriormente se deixou dito, de ser anualmente atualizado de acordo com a taxa de inflação e os ganhos de produtividade previsíveis.
Quanto ao valor do trabalho doméstico, dado que o mesmo tem um valor pecuniário, assiste razão à recorrente quando pretende que tem de ser considerado na indemnização a ser-lhe arbitrada a título de dano biológico, na vertente de dano patrimonial.
Esse entendimento é aquele que foi adotado no acórdão desta Relação relatado pelo aqui relator e acima já identificado, e mostra-se conforme à jurisprudência do STJ, que, no seu acórdão de 03/12/2015, expendeu que: “(…), os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a uma maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente produzido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado deixou de poder produzir, atenta a sua expectativa média de vida. Portanto, mesmo nos casos em que o lesado não exerça uma atividade profissional remunerada, em sede de dano biológico, deverá atender-se à atividade que ele desempenhava ou podia desempenhar com tarefas de índole económica propiciadoras de rendimento, no quadro do seu modo de vida, e que fique afetada em virtude das sequelas derivadas das lesões sofridas. (…). No caso presente, a A. não exercia uma atividade profissional remunerada, mas ainda assim, com quase 73 anos de idade, à data do acidente, ocupava-se das lides domésticas do seu agregado familiar, ficando afetada nesta atividade com uma incapacidade de 10% resultante das sequelas sofridas. (…). No caso dos autos, o valor económico do trabalho em causa torna-se ainda mais evidente por ter sido provado que a afetação da capacidade geral da A. levou a que esta tivesse de aumentar significativamente o tempo de contratação de terceira pessoa para a substituir nessas funções”[10] (destacado nosso).
E no mesmo sentido se pronunciou o Supremo no acórdão de 29/10/2020, a que acima já fizemos referência, onde se lê que: “Não pode deixar de se atribuir valor económico ao trabalho das lides domésticas, seja em si mesmo considerado, seja pelos custos da sua realização por terceiro”.
O acidente sobre que versam os autos ocorreu em 04 de junho de 2020.
Tomando em consideração que em 2020 o salário mínimo nacional estava fixado em 635,00 euros mensais, por 40 horas de trabalho semanais e que, apesar de ser a recorrente que, à data do acidente desempenhava, e desempenha, na sua casa, todas as tarefas domésticas, tendo em consideração que aquela exercia, e exerce, a atividade profissional de assistente operacional/auxiliar de ação educativa (cfr. pontos 151º e 154º dos factos apurados), naturalmente que, até por impossibilidade prática (falta de tempo), não podia, nem pode, despender 40 horas semanais no desempenho do serviço doméstico que prestava, e continua a prestar, ao seu agregado familiar, mas quando muito menos de metade das 40 horas semanais, pelo que se considera equilibrado avaliar o trabalho doméstico por ela prestado em 300,00 euros mensais.
Destarte, tendo em consideração os fatores considerados pela 1ª Instância na sentença recorrida para o cálculo da indemnização pelo dano biológico, na vertente patrimonial, os quais não foram colocados em crise no presente recurso, ou seja, a idade da recorrente à data do acidente – 51 anos -; o tempo previsível de vida ativa que a mesma tinha pela frente (desde aquela data); a esperança média de vida para o sexo feminino – 84 anos -; o défice com que ficou afetada – 12 pontos -; a inexistência de culpa, ainda que concorrencial, para a produção do acidente; o fator da tabela financeira adequado ao tempo de vida daquela; o salário médio anual por ela auferido à data do acidente (745,07 euros x 14 meses), a que deve acrescer o valor anual correspondente ao serviço doméstico por ela prestado ao seu agregada familiar (300,00 euros x 12 meses), entende-se impor-se elevar a indemnização devida à recorrente pelo dano biológico sofrido, na vertente patrimonial, para a quantia de 54.000,00 euros.
Decorre do exposto, na procedência parcial do fundamento do recurso que se acaba de apreciar, impor-se revogar o segmento decisório da sentença recorrida que fixou em 42.000,00 euros a indemnização devida à recorrente, a título de défice funcional permanente da integridade física e psíquica, e condenar a recorrida, em sua substituição, a pagar à recorrente, a título de dano biológico, na vertente patrimonial, a quantia de 54.000,00 euros.

B- Da compensação por danos não patrimoniais
A 1ª Instância fixou à recorrente a quantia de 30.000,00 euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais por ela sofridos, montante compensatório esse que esta reputa por insuficiente, pretendendo que essa quantia compensatória seja elevada para o valor por ela peticionado de 35.000,00 euros.
Para tanto argumenta que: “Os danos não patrimoniais comprovadamente sofridos pela Autora, refletidos na factualidade supra destacada, são de relevante gravidade e devem ser objeto de adequada e justa compensação pecuniária. De entre os factos supra citados destaca-se, com pertinência para este capítulo indemnizatório, aqueles já destacados no anterior ponto destas alegações, e ainda aqueles que a douta sentença, bem, destacou na sua fundamentação e que nos escusamos de reproduzir, mas que assenta essencialmente na dor suportada (quantum doloris de 5/7); nas lesões e sequelas produzidas pelo acidente, no internamento e assistência médica, fisioterapia, medicação e demais atos a que a Autora foi sujeita, os períodos de convalescença até à consolidação definitiva, o impacto emocional provocado pelo próprio episódio sinistral, o dano estético de 3/7, a repercussão nas atividades de lazer de 3/7, o défice funcional de 12 pontos, etc.).
Neste conspecto, cumpre dizer que ninguém discute que os danos não patrimoniais sofridos pela recorrente em consequência das lesões e sequelas que sofreu por via do acidente de viação sobre que versam os autos, para cuja eclosão não contribuiu, são de relevante gravidade, assim se compreendendo, aliás, o montante compensatório de 30.000,00 euros que a 1ª Instância lhe arbitrou.           O que está em causa é saber se esse montante compensatório, atentos os critérios enunciados nos arts. 496º, n.º 4 e 494º do CC e o princípio da igualdade, que impõe que se arbitre à recorrente um montante compensatório igual aos que têm sido adotados pela jurisprudência aos restantes lesados que sofreram danos morais iguais/similares aos seus se encontra fixado de modo insuficiente para a compensar de todos eles, conforme pretende acontecer.
Para a determinação do montante concreto da compensação a arbitrar à recorrente, importa ter presente que, como consequência direta e necessária do acidente de viação, resultaram para a recorrente lesões corporais várias, nomeadamente: traumatismo da coluna cervical, traumatismo do ombro direito, traumatismo do tórax, traumatismo da anca esquerda, fratura do corpo e da apófise coronoide da omoplata direita, fratura da clavícula direita, fratura dos 1º, 2º, 3º e 4º arcos costais, à direita, fratura da asa do sacro esquerdo, fratura da apófise transversa de C7, perfuração do pulmão direito, hemoperitoneu de pequeno volume à direita, traumatismo do joelho esquerdo, traumatismo da mão direita, incrustação de fragmentos de vidro na mão direita, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo, as quais lhe demandaram um total de doze dias de internamento hospitalar, com retenção no leito, com colar cervical, que usou durante duas semanas, a que se seguiu um período de três dias de internamento na Casa de Saúde ... (logo, um total de 15 dias de internamento hospitalar), seguido de tratamento ambulatório, nessa unidade hospitalar, onde se deslocou doze vezes (5 vezes em ambulância, 2 vezes de táxi, e as restantes em veículo automóvel próprio); após os 15 dias de internamento hospitalar, a recorrente esteve retida no leito, na sua casa, ao longo de dois meses, de onde apenas se ausentava para se deslocar a consultas e tratamentos na Casa de Saúde ... e, bem assim, para se submeter a tratamentos de fisioterapia, tendo, durante esses  dois meses estado totalmente dependente de terceira pessoa, decorridos os quais, passou a levantar-se do leito, por períodos de tempo curtos e a locomover-se na sua casa, com o auxílio de canadianas e ajuda de terceira pessoa. Retomou a sua atividade em 11/11/2020, com um ITP de 50%, tendo a data da consolidação médico-legal ocorrido em 17/06/2021. No período que intermediou entre o acidente e a data da consolidação médico-legal, a recorrente foi submetida e exames radiológicos, foram-lhe administrados medicamentos e soro e fez cem sessões de medicina física e reabilitação às regiões dos ombros da clavícula e da anca esquerda (cfr. pontos 98º a 135º dos factos apurados).
Das lesões sofridas a recorrente ficou com as sequelas que se encontram identificadas nos pontos 135º a 137º dos factos apurados, as quais se reconduzem essencialmente em: limitação em permanecer em decúbito lateral direito de modo prolongado, bem como, em permanecer de modo prolongado sentada e em posição ortostática; limitação em agachar-se, em posicionar a mão direita nos diferentes pontos do espaço, sobretudo acima da cintura escapular e em levá-la atrás das costas; ligeira diminuição de força do membro superior direito; limitação no transporte de pesos, com dificuldade em manter o transporte com a mão direita, deixando, cair, por vezes, objetos; reatividade quando passa no  local do acidente, evitando virar naquele cruzamento; fenómenos doloroso no ombro direito e ao nível da região cervical com as alterações climatéricas e quando faz movimentos bruscos; por vezes sofre de tonturas e náuseas; fenómenos dolorosos na cintura pélvica e na grade costal direita, não constantes; dificuldades em controlar a respiração ao retomar a corrida; limitação em lavar, secar e pentear o cabelo, bem como em lavar as costas e a região nadagueira com o membro superior direito e ao puxar o travão de mão com a mão direito; limitação na condução prolongada por queixas no fundo das costas; limitação em vestir peças de vestuário que tenha de apertar atrás; alguma limitação em passar a ferro, usar o aspirador, colocar a roupa a secar e no transporte das compras; por via dessas sequelas deixou de fazer ginástica e Pilates e de ensinar folclore; sente limitação em pegar nas crianças ao colo e em lhes dar banho; e toma medicação analgésica e relaxante muscular em SOS.
As sequelas determinam à recorrente: um período de défice funcional temporário total de 34 dias; um período de défice funcional temporário parcial de 345 dias; um défice permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos; um quantum doloris no grau 5/7; um dano estético permanente no grau 3/7; e uma repercussão permanente na atividade desportiva no grau 3/7; sendo previsível que, no futuro, precisará de ajudas medicamentosas e tratamentos médicos (cfr. pontos 140º a 150º dos factos apurados).
Na data do acidente, contava 51 anos de idade, era mulher saudável, ágil, forte e dinâmica e as sequelas que apresenta causam-lhe desgosto (cfr. pontos 138º a 140º dos factos apurados).
Ora, o STJ, no acórdão de 06/05/2021, Proc. 1169/16.8T9AVR.P2.S1, fixou a compensação por danos não patrimoniais em 30.000,00 euros, a sinistrado que, à data do acidente, tinha 49 anos; era pessoa perfeitamente saudável, trabalhador, com muita vontade de viver, praticando futebol e que, em consequência do acidente, sofreu traumatismo da coluna e ombro esquerdo e contusão cervical, que lhe demandaram tratamento hospitalar, e que permanece com dores na coluna, na zona do pescoço e ombro, carecendo de medicação sempre que as dores se intensificam, em que as dores na zona lombar manter-se-ão no futuro e são constantes; ficou afetado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos; um quantum doloris de grau 4; um dano estético de grau 2; e uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2.
Ac. STJ., de 28/01/2025, Proc. 1572/19.6T8SNT.L1.S1, em que se arbitrou uma compensação de 10.000,00 euros pelos danos não patrimoniais a sinistrado que tinha à data do acidente 62 anos de idade; esteve internando no hospital, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica; após alta continuou em consultas em ambulatório; fez 35 sessões de fisioterapia; continua com dor à apalpação do antebraço, com mobilidade do punho e dos dedos da mão ativa comprometida e que ficou com várias e extensas cicatrizes; o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica  foi fixado em 11 pontos; o dano estético permanente no grau 2; e a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer no grau 2.
Ac. STJ., de 16/01/2024, Proc. 15898/16, fixou a compensação por danos não patrimoniais em 10.000,00 euros, a lesado com 35 anos à data do acidente, que, em consequência das sequelas apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos; um dano estético permanente de grau 5; e uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 3, além de outras limitações.
Ac. STJ., de 16/11/2023, Proc. 1012/21.3T8PTL.G1.S1, arbitrou a compensação por danos patrimoniais e 10.000,00 euros a lesado com 49 anos de idade à data do acidente; sofreu dores e incómodos, que terá de continuar a suportar; o quantum doloris ascende ao grau 4; o défice funcional e permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 4 pontos; e a repercussão permanente das atividades desportivas e de lazer no grau 2.
Ac. R.G., de 21/10/2021, Proc. 5405/19.0T8GMR.G1, em que se fixou a compensação por danos não patrimoniais em 22.000,00 euros a lesado com 21 anos de idade a data do acidente; sofreu fratura distal do úmero esquerdo; teve 8 dias de internamento hospitalar, durante os quais foi submetido a intervenção cirúrgica; realizou tratamentos durante cerca de 6 meses e meio; sofreu um défice funcional temporário total de 9 dias; um défice funcional parcial de 88 dias; um período de repercussão temporária da atividade profissional total de 286 dias; um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos; um quantum doloris de grau 4; um dano estético permanente de grau 3; uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2; teve dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos; as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida.
Ac. RG., de 30/09/2021, Proc. 4460/19.T8BRG.G1, em que se fixou a compensação por danos não patrimoniais em 17.000,00 euros, a lesada de 26 anos de idade à data do acidente, que ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sem repercussão das sequelas na atividade desportiva e de lazer; dores físicas quantificáveis no grau 3 e dano estético de grau 3, com carência futura de regular ajuda medicamentosa analgésica e anti-inflamatória.
Embora seja naturalmente difícil encontrar casos exatamente iguais/semelhantes aos da recorrente, comparando os danos não patrimoniais por ela sofridos (e que continuará a sofrer) com os vindos a referir, temos como certo que a compensação de 30.000,00 euros que lhe foi fixada pela 1ª Instância se mostra adequada e suficiente para a compensar de todos os danos não patrimoniais de que padeceu e continua a padecer.
Destarte, deverá improceder este fundamento de recurso.
Decorre do que se vem dizendo, proceder parcialmente o recurso, impondo-se condenar a recorrida EMP01... Companhia de Seguros, S.A., a pagar à recorrente, AA, a quantia de 54.000,00 euros, a título de dano biológico, na vertente patrimonial, improcedendo no restante o recurso e mantendo-se, por isso, o restante decidido na sentença recorrida.
*
V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
A- Revogam o segmento decisório da sentença recorrida em que se fixou em 42.000,00 euros a indemnização devida à recorrente, a título de défice funcional permanente da integridade física e psíquica e, em sua substituição condenam a recorrida EMP01... Companhia de Seguros, S.A. a pagar à recorrente, AA, a título de dano biológico, na vertente patrimonial, a quantia de 54.000,00 (cinquenta e quatro mil) euros;
B- No mais, julgam o recurso improcedente e mantêm o demais decidido na sentença recorrida.
*
Custas do recurso pela recorrente AA e pela recorrida EMP01... na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 75% para a recorrente e em 25% para a recorrida (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
*
Notifique.
*
Guimarães, 02 de abril de 2025

José Alberto Moreira Dias – Relator
Susana Raquel Sousa Pereira – 1ª Adjunta
João Peres Coelho – 2º Adjunto-

 
[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 580.
[3] Acs. STJ, de 17/06/2008, Proc. 08A1700; de 13/10/2009, Proc. 2774/06.6TBGDM.P1.S1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os arestos que se venham a citar sem referência em contrário; R.L., 24/11/2009, CJ, 2009, 5º, pág. 75.
[4] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª ed., Almedina, pág. 598.
[5] Antunes Varela, ob. cit., pág. 604.
[6] Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, 5ª ed., Almedina, 5ª ed., pág. 600; Ac. STJ., de 23/11/2022, Proc. 8340/18.6T9PRT.P1.S1.
[7] Ac. STJ., de 20/05/2010, Proc. 103/2002.L1.S1; de 13/04/2011, Proc. 843/07.4TBETR.C1; 13/04/2017, Proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1; R.G., de 21/10/2021, Proc. 5405/19.0T8GMR.G1; de 18/12/2017, Proc. 2050/12.5TJVNF.G1 (relatado pelo aqui relator, onde tratamos com maior desenvolvimento as diversas posições que têm sido adotadas a propósito da natureza jurídica do dano biológico, questão essa que também se encontra desenvolvida em Revista “Julgar”, n.º 46, págs. 263 e ss., em artigo subscrito por Maria da Graça Trigo, intitulado: “O Conceito de Dano Biológico como Concretização Jurisprudencial do Princípio da Reparação Integral dos Danos – Breve Contributo”.
[8] Ac. STJ., de 13/04/2021, Proc. 448/19.7T8PNF-P1.S1.
[9] Acs. STJ., de 29/10/2020, já antes citado; de 10/11/2016, Proc. 175/05.2TBPSR.E2.S1; de 10/10/2012; de 03/12/200719/02/2004, RL. de 21/03/2012, Proc. 4129/06.3; de 28/09/95, CJ/STJ, t. 3º, pág. 36.
[10] Ac. STJ., de 03/12/2015, Proc. 3969/07.0TBBCL.G1.S1.