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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
REJEIÇÃO
PRÉDIO MISTO
PRÉDIO URBANO
LOGRADOURO
DESTAQUE
Sumário
(i) A alínea b) do n.º 1 do art. 640 do CPC impõe ao recorrente que impugne a decisão da matéria de facto o ónus de efetuar a correspondência direta, concreta e objetiva, entre os meios probatórios por si indicados e a justificação (por eles representada) para a modificação dos pontos de facto considerados incorretamente valorados. (ii) A observância desse ónus não se basta com a mera reunião aglomerada dos diversos meios de prova entendidos por relevantes, feita genericamente e em estilo descritivo, numa amálgama indiferenciada, sem nenhuma referência concreta e objetiva aos pontos de facto em causa, individualmente identificados. (iii) Por outro lado, a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face a esta, pelo que o seu conhecimento deve ser rejeitado quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual inútil. (iv) Para o direito civil, os prédios ou são rústicos ou são urbanos, conforme diz o art. 203/1, a), do Código Civil. Não existe a categoria de prédios mistos. (v) A distinção entre uns e outros assenta, em última instância, num critério da afetação económica, à luz da qual um prédio é rústico se o conjunto visar o aproveitamento do terreno e urbano se visar o aproveitamento da construção. (vi) A interpretação da norma do art. 209 deve ser feita de forma cautelosa. Assim, a condição de não se verificar a alteração da substância significa que não pode haver uma mudança qualitativa da coisa, mas já não obsta a uma mudança meramente quantitativa (ou seja, por exemplo, a diminuição da área do prédio). Também a ausência de diminuição de valor não se refere nem à unidade fracionada nem às parcelas resultantes da divisão. O que está em causa é a soma dos valores das partes resultantes da divisão. A exigência de não haver prejuízo para as partes não levanta dificuldades: trata-se de cada uma das partes resultantes da divisão poder satisfazer, na sua medida, o mesmo tipo de necessidades que o todo satisfazia. (vii) Tendo isto presente, em abstrato e sem prejuízo das regras relativas ao direito do urbanismo, nenhum obstáculo existe ao destaque do logradouro de um prédio urbano destinado à habitação, quando dotado de aptidão construtiva própria, passando então, tal logradouro, a ser uma coisa autónoma.
Texto Integral
I.
1). AA e BB intentaram a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra CC e DD, pedindo que, na procedência (transcrição):
“A. se declare nula e de nenhum efeito a doação efetuada através da escritura pública de 27/04/1988, lavrada a fls. 88 v.º, do livro de notas ...24-C, do extinto ... cartório notarial ..., de parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...15 e atualmente descrito, em virtude da doação, na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...99 da freguesia ... registado no sistema em 10/08/2011;
B. inutilizada a descrição predial nº ...10 da Conservatória do Registo Predial ...;
C. se ordene, ao abrigo do art° 8°/1 do Cód. Registo Predial, o cancelamento do registo relativo à inscrição AP. ...20 de 2011/08/10 do prédio descrito sob a ficha nº ...10, relativa à aquisição pelo R., por doação do falecido CC, e de todas as inscrições posteriores ao registo da referida aquisição;
D. se declare o reconhecimento judicial de que os Autores são os únicos donos e legítimos proprietários do prédio n.º ...70 melhor identificado em 1º da p.i. e respetivas linhas divisórias constantes do traçado a azul / vermelha das plantas topográficas juntas, doc. 9 e 10;
E. sejam condenados os RR. a reconhecerem que os Autores são os únicos donos e legítimos proprietários do prédio referido na alínea anterior e nos exatos termos aí referidos;
F. declarado procedente o direito à reivindicação da parcela do prédio n.º ...70, com a área de 63 m2, assinalada a verde no doc. nº 9 e identificada nos artigos 57º e 58º da p.i.;
G. os Réus condenados a restituírem aos Autores a referida parcela de terreno do prédio n.º ...70 da qual aqueles abusivamente se apropriaram, melhor identificada nos artigos 57º e 58º da p.i.;
H. os Réus condenados a concorrerem para a delimitação das extremas entre o prédio nº ...15 (dos pais doadores na procedência da nulidade do destaque) ou/ o prédio nº ...99 (dos RR. na improcedência da nulidade do destaque) e o prédio dos Autores nº 1270, através da construção de muro de meação pela linha divisória azul a poente do prédio dos AA. devidamente sinalizada nas plantas topográficas, doc. 9 e 10;
I. os réus condenados a recolocar o solo do prédio dos AA identificado em 1) no exato estado em que se encontrava antes do início da obra e a absterem-se de praticar atos lesivos na propriedade dos Autores;
J. os réus condenados a demolirem a construção identificada em 10) por procedência da nulidade do destaque e /ou a parte inovada no rés do chão da construção identificada em 10) por ser obra nova posterior ao embargo, e nesta situação;
K. se condenem os RR. a fecharem o portão de entrada e a janela ao nível do rés do chão da construção, que deita sobre a casa dos AA., por violação do disposto no artigo 1360º do C.C.
L. os réus sejam condenados a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50,00 por cada dia de atraso, contados da data da prolação da Sentença.”
Alegaram, em síntese, que: são proprietários do prédio urbano, destinado à habitação, sito na Rua ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial sob o art. ...82 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...79; adquiriram esse direito por doação, feita à Autora, pelos respetivos progenitores, formalizada através de escritura pública de 2 de outubro de 1981; nesse prédio, com a área de 715 m2, edificaram a casa onde habitam; por sua vez, o Réu CC adquiriu, também por doação feita pelos seus progenitores, através de escritura pública de ../../1988, uma parcela de terreno, alegadamente destacada do prédio rústico inscrito na matriz sob o art. ...65, contígua àquele, a qual foi, na sequência, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...99; acontece que tal parcela não foi destacada do identificado prédio rústico, mas do prédio misto, composto por casa, logradouro e eirado de lavradio, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...15; este prédio misto era uma casa tradicional minhota, de habitação e lavoura, estando o logradouro e o eido destinados ao cultivo dos produtos hortícolas para o consumo dos proprietários, o que deixou de ser possível com o destaque da parcela doada ao Réu; esse destaque, na medida em que “alterou a substância do prédio, prejudicou o seu uso e diminuiu o seu valor patrimonial”, o que redunda numa infração ao disposto no art. 209 do Código Civil, era impossível “pela própria natureza da coisa” (sic); ademais, era proibido pelo art. 1376/1 uma vez que a parcela doada ao Réu tinha área inferior à unidade da cultura, sendo assim nula a doação, nos termos previstos no art. 1379/1 do Código Civil; não obstante, após a doação, os Réus construíram, na parcela doada, um edifício; para o efeito ocuparam, no ano de 2020, uma faixa de terreno, com a área de 63 m2, que faz parte do prédio de que os Autores são proprietários e que era utilizada, havia mais de trinta anos, por estes e respetivos antepossuidores, para o acesso à respetiva casa de habitação.
Citados, os Réus contestaram dizendo, também em síntese, que: na data da doação, a prática de atos contrários às regras sobre o fracionamento de terreno aptos para cultura era cominada com a anulabilidade, que devia ser pedida nos três anos subsequentes à data do ato de que resultasse; assim, há muito ocorreu a caducidade do direito dos Autores pediram a anulação (e não a nulidade) da doação; a faixa de terreno reivindicada pelos Autores faz, desde há mais de trinta anos, parte do prédio doado ao Réu, sendo utilizada, desde então, por este e respetivos antepossuidores.
No mais, impugnaram os factos alegados pelos Autores e concluíram pedindo: a improcedência da ação; em sede de reconvenção, a condenação dos Autores “a reconhecerem o Réu como único proprietário e legítimo possuidor do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...99/..., com a configuração, confrontações e delimitações expressas na planta topográfica junta como doc. n.º 1.”
Os Autores apresentaram réplica, na qual: sustentaram a ineptidão da reconvenção, por não estar discriminada, na contestação, da defesa propriamente dita; impugnaram os factos alegados pelos Réus; e renovaram o entendimento de que o “destaque” do prédio doado ao Réu é nulo.
Realizou-se a audiência prévia, na qual foi proferido despacho: a admitir a reconvenção; afirmar tabularmente a verificação dos pressupostos processuais; fixar, em € 30 000,01, o valor processual da causa; delimitar o objeto do litígio [“É questão controvertida que importa apreciar e decidir saber: Se é nula e de nenhum efeito a doação efetuada por escritura pública de 27.04.1998; Se os AA. têm direito à reivindicação da parcela do prédio n.º ...70, com a área de 63m2; Se os AA. tem direito à reposição do solo, à demolição da construção identificada em 10. da petição e ao fecho do portão da entrada e janela ao nível do rés do chão; Se o direito dos AA. já caducou; A extensão do direito de propriedade dos RR.”]; e enunciar os temas da prova [“Constitui tema da prova apurar: a) – se o prédio doado foi um destaque do prédio sito na calçada ... e descrito na CRP ... sob o número ...15/... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...; b) – se os pais do R marido efetuaram uma desanexação do próprio logradouro da casa de habitação e do eirado de lavradio; c) – se entre uma parcela e outra não há quaisquer sinais que estabeleçam os limites; d) – se o R. construiu um prédio ocupando toda a parcela desanexada; f) – se a parcela do R. tem área inferior à área da cultura mínima; g) – se a parcela perdeu valor patrimonial; h) – se o prédio dos AA. inclui a parte assinalada a verde na planta de fls. 22 com a área de 63m2; i) – se sobre esse prédio os AA. praticaram atos como se fossem proprietários e disso convencidos, há mais de 30 anos, sem oposição, de forma ininterrupta e à vista de toda a gente; j) – se os RR. obstruíram a entrada do prédio dos AA. que é por essa parte, não tendo outra; k) – se os RR. desde há mais de 30 anos que por si e por antepossuidores se encontram a usufruir do prédio com a configuração, confrontação e delimitações constantes da planta de fls. 46, de forma ininterrupta, continua e reiterada, por forma a exercerem um direito de propriedade em seu único e exclusivo proveito.].
Concluída a prova pericial a que houve lugar, realizou-se a audiência final e, na sequência, foi proferida sentença com o seguinte segmento decisório: “Face ao supra exposto, julga-se a presente ação improcedente, por não provada, e, por conseguinte, decide-se: 1.- Absolver os Réus/Reconvintes, CC e sua mulher DD dos pedidos finais deduzidos pelos Autores/Reconvindos; - Também atento o supra exposto, julga-se a presente reconvenção procedente, por provada, e, por conseguinte, decide-se: 2.- Condenar os Autores/Reconvindos, AA e BB, no seguinte pedido reconvencional deduzido pelos Réus/Reconvintes: - Reconhecerem os Réus/Reconvintes e nomeadamente o Réu marido como único proprietário e legítimo possuidor do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...99/..., com configuração, confrontações e delimitações expressas na planta topográfica junta à contestação/reconvenção como doc. nº 1.”
***
2). Inconformados, os Autores (daqui em diante, Recorrentes) interpuseram o presente recurso, através de requerimento composto por alegações e conclusões, estas do seguinte teor (transcrição):
“1. Os AA/Recorrentes salvo o devido respeito, não se conformam com o teor da sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, porquanto aquela assenta numa errónea avaliação dos factos, de toda a prova (documental, por confissão, testemunhal, gravada em audiência final), e de Direito.
2. Os AA/Recorrentes entendem que todos formulados deveriam ter sido julgados procedentes, por serem totalmente provados.
3. Os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio urbano destinado a habitação, sito no Lugar ..., na Rua ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...82 da freguesia referida, e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº ...70/....
4. Este prédio adveio à A. mulher, por doação de seus pais, por conta da legítima, conforme
escritura de doação de 02/10/1981, lavrada a fls. 96 v.º, do livro ...2-D, do extinto ... cartório notarial ....
5. Neste mesmo prédio com a área de 715 m2 (registo predial), os AA. edificaram o prédio identificado e descrito em 1º da PI para aí fazerem a sua casa de morada de família.
6. O prédio referido em 3) encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...70 como “casa de rés do chão, dois andares e logradouro, norte - caminho de ferro, sul - caminho municipal, nascente - EE, poente – FF” (doador) pela AP. ...3 de 1981/10/27 - Aquisição Derivada.
7. O prédio tem área registada total de 715 m2.
8. É o prédio delimitado pela linha azul, cujo limite a poente pelas escadas da construção dos RR. tem a área de 689 m2, tudo matéria assente na sentença em crise.
9. No mês de março de 2020 (inicio das obras), os AA. viram chegar camiões de transporte de material de construção e a efetuarem o seu depósito na parcela de terreno assinalada a verde no doc. 9 junto à PI, mesmo defronte à entrada da sua casa.
10. Em 6 de Março de 2020 e em 22 de Junho de 2020, o Autor deslocou-se aos serviços camarários de ... e denunciou a situação, pedindo a intervenção dos mesmos para embargarem a obra, mas os RR. deram ordens para a sua continuação.
11. Em 9 de Outubro de 2020, os AA. interpelaram por carta os RR., na pessoa do seu procurador, a testemunha GG, para não continuarem a obra e para desimpedirem a entrada da casa.
12. Em 23 de Novembro de 2021, através da sua mandatária, o Autor fez nova denúncia os serviços camarários respetivos de ... para tomarem as devidas diligências, em virtude de as obras se manterem, com a abertura de uma porta de acesso e de uma janela com vista sobre a casa dos AA.
13. O Autor não obteve qualquer resposta do município.
14. No dia 29 de março do ano de 2021, no regresso do trabalho, o Autor viu cortado o cadeado do portão da sua casa e viu realizada uma vala de 3m de altura por 8m de comprimento, na parcela de terreno assinalada a verde no doc. nº 9 junto à PI, por dois homens que lá se encontravam a trabalhar sob as ordens e direção do procurador dos RR.
15. O Autor imediatamente procedeu ao embargo extrajudicial da obra com o respetivo pedido de ratificação judicial que correu termos no processo nº 812/21.... deste Juízo Local Cível de Barcelos, J....
16. Por escritura pública de doação, celebrada no dia ../../1988, reza que ao Réu marido foi doada, por seus pais, uma parcela de terreno com a área de 575 m2, destinada a construção urbana, a desanexar do prédio rústico situado no Lugar ..., freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o art. ...65.º/..., o qual faz parte do descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...08.
17. Os RR/recorridos construíram, apenas com a realização de obras no ... andar (o .... estava todo aberto como o atesta o doc. nº 14 junto com a p.i e o depoimento das testemunhas), um prédio que foi participado na matriz e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº ...01 como concluído a favor do Réu marido, na qual consta que é composto por casa de rés-do-chão e andar, pelo Mod. 1 do IMI nº: ...22, Entregue em: 012/05/23, Ficha de avaliação nº: ...97 e Avaliada em : 2012/06/03, e se encontra descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº ...99 da freguesia ..., registado no sistema em 10/08/2011.
18. Por escritura pública de doação, celebrada no dia ../../1988, reza que ao Réu marido foi doada, por seus pais, uma parcela de terreno com a área de 575 m2, destinada a construção urbana.
19. Da prova produzida em audiência resultou que o prédio doado ao Réu marido não foi a desanexar de prédio rústico inscrito na matriz rústica sob o artigo nº ...65.
20. Prestou depoimento a testemunha HH, arquiteto de profissão, pessoa idónea, e portanto de relevar, que à matéria esclareceu o tribunal e:
a) quanto às construções confirmou as áreas que estão registadas na planta topográfica, doc. junto sob o nº9, como sendo as reais. Que a área de 689m2, dos AA, é a delimitada a azul, pelas escadas da construção dos RR., que tem a saída para a rua por um portão pequeno (que as testemunhas chamaram de “portinha”), e atestado pelo doc. junto em audiência ref. citius 187173551 em 19/10/2023, tendo os AA a posse registada desde 1981 com a área de 715m2 (até ligeiramente inferior).
b) explicou para o que interessa que a área total do prédio delimitado pela linha preta tem apenas a área de 410m2 (compreende o logradouro, a casa e a construção delimitada a vermelho) e por isso nunca se poderia separar uma parcela de 575m2.
c)A testemunha explicou ao tribunal as condicionantes exigíveis por lei para se fazer um destaque e não teve duvidas em afirmar que tudo o que está (no local) não corresponde a um destaque (00:11:08 HH).
d) As testemunhas arroladas pelos AA e RR, como o próprio R., confirmaram que a construção se fez em cima do coberto que fazia parte da casa de lavoura dos pais da A mulher, sendo bem visível o muro antigo de suporte no ficheiro de imagem 1 junto com o req. referencia citius 11584036 de 08.06.2021, pelos AA.
e) A construção está feita nas extremas dos limites dos prédios, tem face para a estrada, e tinha de ter abertura para a rua, dizendo que hoje ainda o pode fazer, abrir a casa para a Calçada ... (ver ficheiro de imagem 1 junto à p.i, que é o doc. 12 junto para melhor esclarecimento do alegado no artº 61 da mesma).
f) Confrontado com a planta topográfica certificada pela Câmara Municipal ..., junta pelos Autores no requerimento (ref.ª CITIUS 13078167) de 26-05-2022, constantes a fls. 98/98 verso, a fim de dar suporte ao pedido de esclarecimentos ao relatório pericial, inquinado desde o inicio por o perito não ser imparcial, para explicar o seu teor, disse que a construção delimitada a vermelho na planta doc. nº9 não existia, e que a edificação a fazer pelos AA que estava bem delimitada assim como os confrontantes, sendo confrontante a poente CC, pai da A. mulher.
g) Relativamente à área da construção dos RR/recorridos e interrogado sobre essa matéria disse que a área é muito inferior a área da cultura mínima, dando resposta clara e positiva à alínea f) dos temas de prova, e ao artº 44º da p.i.
h) Confirmou que o processo de licenciamento da casa dos AA teve por base uma parcela de terreno configurada na planta topográfica certificada pela Câmara Municipal ..., junta aos autos com o requerimento dos AA.,(ref.ª CITIUS 13078167) em 26/05/2022, a fls. 98 e 98 verso, tendo como confrontante de poente o pai da A, CC.
i) Que a construção dos RR se possa ter iniciado sem se ter feito qualquer destaque,
j) Que o prédio dos pais dos AA perdeu substancialmente valor patrimonial (o prédio foi arruinado, como o demonstram os docs. fotografias juntas com a p.i.).
l) O seu testemunho, confrontado com o ficheiro de imagem 2 junto com o req. referencia citius 11584036 de 08.06.2021, (é o doc. nº 13 mencionado no artº 61ºda p.i.), fez prova de que os limites dos prédios, o pertencente à herança e o pertencente aos RR não são visíveis e notórios, pois de um terreno só trata. Vê-se bem naquela fotografia doc. que está tudo amplo naquele terreno.
m) A construção dos RR não tem número de policia, tendo sido mais um facto alegado no artº 39º da contestação, para tentar convencer o tribunal da legalidade da casa. O[s] RR. confessaram no artº 18º da providencia cautelar apensa a estes autos que a sua residência tem o numero 110, confissão relevante e assente pela economia processual que o apenso representa. Por outro lado, a testemunha que é um profissional da área, explicou que para se obter um nº de polícia é necessária a licença de utilização. Ora a construção dos RR não está licenciada. Nem devia ali existir. O oficio doc. da Câmara Municipal ... junto aos autos, ref. Citius 12469321 em 14/01/2022, é claro, informa o Tribunal e passa-se a citar: (…)
n) Por oficio doc. da CM ... junto aos autos, ref citius 12488226, em 19/01/2022, é dada a informação ao tribunal que a obra levada a cabo pelos RR foi objeto de contraordenação por não licenciada. O juiz a quo não esteve atento a esta informação documental que prova que a construção por não estar licenciada não pode ter um numero de policia pelo que está muito errada a sua decisão.
21. Não se aceita a decisão que verteu nos pontos 1, 10, 11, 13, 15, 17, 25, 26, 30, 32, 33, 34, 35 e 36, 37, 38, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49 a 51, 52 e 53, 58, 59 e 60, 62, 63 e 64 da contestação ref ....18, dados como provados, por recair sobre estes prova que impunha decisão diferente.
22. No mês de março de 2020 (inicio das obras), os AA. viram chegar camiões de transporte de material de construção e a efetuarem o seu depósito na parcela de terreno assinalada a verde no doc. 9 junto à PI, mesmo defronte à entrada da sua casa.
23. No dia 29 de março do ano de 2021, no regresso do trabalho, o Autor viu cortado o cadeado do portão da sua casa e viu realizada uma vala de 3m de altura por 8m de comprimento, na parcela de terreno assinalada a verde no doc. nº 9 junto à PI
24. Interpelados para pararem de imediato com aquela construção, os Recorridos ignoraram por completo as interpelações dos Recorrentes, tendo ordenado a prossecução da obra.
25. Com tal ato, os Recorridos ocuparam e invadiram o prédio dos Recorrentes de forma
abusiva e não consentida, esbulhando o mencionado prédio e vedando o acesso pelos Recorrentes a porta da entrada principal da casa, e aquela parcela do seu terreno com a área de 63m2.
26. O esbulho priva os Recorrentes e os seus familiares de acederem, usarem, ocuparem e
fruírem daquela parcela de terreno que lhes pertence e que foi abusivamente retirada e ocupada pelos Recorridos, com a área de 63 m2, ficando prejudicada por esse facto a normal rentabilidade económica daquele terreno, situação que causa nos Recorrentes um enorme desgosto, revolta, indignação e incómodo.
27. O Meritíssimo Juiz a quo, na fundamentação da sua decisão, decidiu que produzida a prova resultou não provada a seguinte factualidade: 4., 5. e 6. Há 40 anos que os AA. colhem e fruem todas as utilidades do aludido prédio, à vista e com o conhecimento de todas as pessoas, designadamente os RR., sem a oposição ou embaraço de quem quer que seja, ininterruptamente, convictos de estarem a exercer um direito próprio, sem prejudicar ou lesar direitos alheios, em tudo se comportando como donos/proprietários. 12. O destaque foi feito do prédio sito na calçada ..., anteriormente designado Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...15/... e inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo n.º .... 13. O prédio aludido em 12. é misto, como consta na ficha de descrição do registo predial, composto por urbano e rústico, sendo este rústico (artº matricial 265) o logradouro da casa e o eirado de lavradio. 15. A doação foi outorgada com base em falsa representação do terreno. 16. Os pais do Réu marido efetuaram uma desanexação do próprio logradouro da casa de habitação e do eirado de lavradio para lhe doarem a parcela de terreno acima descrita. 17. As áreas inicialmente existentes e sobrantes não se encontram corretamente corrigidas e declaradas quer à AT, ao registo predial e aos serviços camarários respetivos do licenciamento urbano. 26. O prédio misto inscrito na matriz predial urbana sob o artº ... e identificado em 12), do qual se fez uma desanexação de parcela para ser doada ao Réu marido, é uma casa tradicional minhota de habitação e lavoura com anexos para guarda de utensílios agrícolas, sendo o prédio rústico o “eido”, destinado a logradouro e culturas hortícolas, tais como batatas, cebolas, nabiças, hortaliça, árvores de fruto – tudo para consumo da casa. 27. Entre um prédio e outro não há quaisquer sinais que estabeleçam os limites. 32. O fim a que se destina que é o de logradouro da casa e o de permitir a cultura dos produtos suprarreferidos para consumo da casa, resulta prejudicado pela separação da parcela desanexada. 33. Com a separação destes dois prédios resulta a recíproca diminuição dos respetivos valores. 34. Estando o prédio nº ...15 a ser objeto de partilha, à falta de acordo sobre a partilha, será muito difícil a sua venda a terceiros porque ninguém vai querer o prédio tal como ele se configura com o destaque e a obra que no mesmo foi construída. 38. Na parcela desanexada, o Réu construiu um prédio ocupando toda a parcela, implantada por assim dizer no logradouro do prédio misto supra identificado em 12), com a exigência da realização de obras que alteram o dito prédio. 39. O fracionamento do prédio alterou-lhe a substância, prejudicou o seu uso e diminuiu o seu valor patrimonial. 44. O destaque doado ao Réu marido tem área inferior à área de cultura mínima. 45. A parcela de destaque tem a área de implantação de 143 m2 e o logradouro a área de 194 m2. 46. Foram prestadas falsas declarações quanto à área indicada na escritura de doação outorgada a favor do Réu CC (nunca podia ser a indicada, por sonegação total do logradouro do prédio ...15) e, consequentemente, foram prestadas falsas declarações na inscrição na matriz e no registo predial. 51. Nem na data da doação do destaque nem no presente a parcela em crise tem entrada aberta para o arruamento público. 52. O Réu prestou falsas declarações ao município responsável pelo devido licenciamento da construção, ao apresentar falsa planta desenhada do destaque com a entrada pelo terreno propriedade dos AA., i.e., pela parcela assinalada a verde no documento planta topográfica junto sob o nº 9 com a PI, porque sabia que essa parte foi sempre propriedade da irmã e do cunhado. 58. O prédio dos AA. inclui a parte assinalada a verde no doc. nº 9 junto com a PI, com a área de 63 m2. 60. Os AA. utilizam o prédio supra identificado para a sua habitação e a sua família, há mais de 30 anos, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, à vista de todas as pessoas (incluindo os RR. e todos os irmãos dos AA.), na convicção plena de serem seus donos/proprietários. 61. Os RR. fizeram a construção com a realização das obras apenas ao nível do ... andar, no lugar de um coberto que destruíram pertencente ao prédio nº ...15, tendo como suporte o muro delimitativo da propriedade dos doadores, face à Estrada ..., que no passado foi um caminho público. 62. Aquando da construção urbana, os RR. deixaram assim a parte baixa totalmente aberta e não delimitaram as propriedades. 63. Os AA., à data emigrados em França, no seu regresso depararam-se com aquela construção e desde logo insurgiram-se contra a mesma. 64. Os RR., emigrados na Austrália, votaram ao abandono o prédio, e ao longo dos anos até cresceram ervas daninhas no cimento. 65. Os RR. nunca estiveram presentes em Portugal e, por isso, nunca quiseram saber da delimitação dos prédios. 66. Só nos primeiros dias do mês de março do ano de 2020, os RR decidiram concluir a dita construção, fechando o r/chão. 67. A parcela de terreno assinalada a verde no doc. 9, junto à PI, faz parte integrante do prédio nº ...6. a 80. A parcela de terreno assinalada a verde na planta topográfica junta sob o documento nº 9, anexo à PI, foi desde sempre, mas principalmente desde a outorga da escritura de doação em 1981, fruída pelos Autores como entendem, à vista de toda a gente e sem a menor oposição de terceiros até aos factos referidos em 66) e ss. infra, o que sucede há mais de 40 anos, sem a oposição de quem quer que seja, à vista de todas as pessoas, incluindo os RR. e toda a família de ambos, de forma ininterrupta e na convicção de estar a usar de direito próprio. 81. Os AA. sempre cuidaram da parcela assinalada a verde, nela plantando maracujás e outras árvores, plantaram flores e colocaram vasos de flores. 82. Os AA. fizeram, na parcela assinalada a verde, espaço de lazer e lá colocaram cadeiras para descanso. 83. Os AA, seus familiares e amigos sempre utilizaram a parcela a verde para acesso e saída do seu prédio, de e para a via pública, a pé e de automóvel. 84. É por essa parte do prédio que os AA. têm a entrada principal da sua casa, não tendo outra por onde passar móveis ou uma maca para assistência médica. 85. A filha dos AA., quando contraiu casamento, fixou residência no ... andar da habitação dos pais durante 11 anos, entrando e saindo pela parcela assinalada a verde. .... As crianças ficavam por lá (na entrada) a brincar, porque a primeira divisão da casa é a cozinha. 87. O estendal da roupa era colocado nessa parte para secar a roupa ao sol. 88. Os AA. exerceram esse poder de facto, sem interrupção, na convicção de estarem a agir como verdadeiros donos e proprietários de tal parcela, como parte integrante do prédio referido em 1). 89. Com a construção da vala, os RR. obstruíram o acesso dos Autores à entrada da sua habitação. 90. Não fosse o embargo por parte dos AA., os RR teriam passado a ocupar o terreno, pois pretendiam construir um muro em blocos de cimento na horizontal, barrando a frente da casa dos AA.. 91. O muro e o gradeamento a sul do prédio referido em 1) foi pago pelos AA. quando a Junta de Freguesia construiu a estrada que é a Rua ..., porque antes era um caminho público. 92. Os AA. sempre pagaram os respetivos impostos devidos do prédio, incluindo a parcela a verde, pagando o IMI sobre a totalidade da área de 715 m2. B) Da Réplica/RESPOSTA à Contestação / Reconvenção, sob a Refª ...09 12º O Réu prestou falsas declarações ao município responsável pelo devido licenciamento da construção, ao apresentar falsa planta desenhada do destaque com a entrada pelo terreno propriedade dos AA., a parcela assinalada a verde no doc. planta topográfica junto sob o nº 9, bem sabendo que essa parte foi sempre propriedade da irmã e do cunhado. 22º Os RR./Reconvintes há mais de vinte, trinta anos, estão totalmente ausentes no estrangeiro. 23º Os RR./Reconvintes têm tido o prédio “votado” ao abandono. 24º Na parcela da qual agora se arrogam donos nunca plantaram o que quer que fosse, nem frutos nem outra qualquer planta. 25º A casa apenas tinha o primeiro andar construído. Nunca lá permaneceram pessoas nem usaram o logradouro que não existe. O logradouro faz parte do prédio-mãe. 26º Os AA./Reconvindos, por causa da presente ação e para fazerem crer da hipotética legalidade da casa, atribuíram-lhe (falsamente) um número de polícia (...) que nunca existiu. 28º Os RR. sabem que os AA. são proprietários / possuidores da parcela de terreno assinalada a verde no doc. planta junto sob o nº 9. 30º Sempre os AA. se insurgiram contra a construção levada a cabo pelos RR.. Estes aproveitaram a ausência daqueles, quando eram emigrantes em França, para a realizar. 33º Os RR. sabem bem que lesam os direitos dos AA. com o comportamento que tomaram desde o mês de março de 2020. 34º A obra foi objeto de processo de contraordenação camarário. 39º Os RR. e demais irmãos e irmãs (as testemunhas arroladas) litigam com a consciência da falsidade dos factos que invocam, pelo motivo de que a Autora mulher não concordou com a forma que todos pretendiam dar à partilha dos bens por óbito de seus pais e que corre termos litigiosos no Cartório Notarial do Dr. II, em ....
28. Salvo o devido respeito, esta factualidade dada como não provada foi incorretamente julgada, pois conciliando a prova documental junta aos autos, nomeadamente a certidão da planta topográfica certificada pela Câmara Municipal ..., junta pelos Autores no requerimento (ref.ª CITIUS 13078167) de 26- 05-2022, oficio doc. da Câmara Municipal ... junto aos autos, ref. Citius 12469321 em 14/01/2022, o oficio doc., da CM ... junto aos autos, ref citius 12488226, em 19/01/2022, as plantas topográficas doc. 9 e 10, as fotografias com os depoimentos da prova testemunhal obtidos em sede de audiência e que se encontram gravados, impunha-se uma decisão diferente relativamente à matéria de facto dada como não provada, assim como quanto à improcedência dos pedidos formulados pelos AA.
29. Acresce que na Sentença não é feita uma análise crítica dos documentos juntos pelos AA/Recorrentes nem tão pouco foram tidos em conta.
30. Salvo melhor opinião, parece ser de considerar provado do confronto da a certidão da planta topográfica certificada pela Câmara Municipal ..., junta pelos Autores no requerimento (ref.ª CITIUS 13078167) de 26-05-2022, com a certidão da Conservatória do Registo Predial referente ao prédio dos AA/Recorrentes, que aquele tem a área de 715m2.
31. A referida planta topográfica permite aferir e provar não só a área do prédio dos AA/Recorrentes, como a configuração daquele, identificação dos seus limites, estremas, assim como da parcela ocupada, prova que é corroborada pelos depoimentos das testemunhas.
32. Os depoimentos das diversas testemunhas apresentadas pelos AA, nomeadamente JJ, KK, LL, MM, NN, OO e HH, revelam-se cruciais para a prova dos factos erroneamente julgados como não provados na Sentença de que ora se recorre.
33. Do depoimento das diversas testemunhas, as quais foram confrontadas em sede de audiência resulta que:
a) os RR estão ausentes no estrangeiro, a R mulher há pelos 15/20 anos não vem a Portugal, à A mulher lhe foi dado terreno pelo pai no terreno da parte de cima para implantar a casa no ano de 1981, que a construção dos RR estava apenas construída ao nível do ... andar, e o ... votado ao abandono, apenas registada em 2011.
b) O prédio dos AA inclui a parte assinalada a verde no doc. nº 9 com a área de 63 m2 (aqui em crise). É por essa parcela que os AA têm a entrada principal da sua casa. O portão de baixo dá acesso a garagem da casa. E a entrada para essa mesma parcela foi aberta pelo pai da A. e por ele colocado um portão para acesso a pé e de carro. O R fez uma porta pequena de acesso ao ... andar (portinha).
c) É por essa porta que os AA recebem os vizinhos e familiares. Aqui crucial o depoimento da testemunha MM que viveu na casa durante um ano e demonstrou ser bem conhecedora do interior da casa, e que sempre entrou e saiu pela mesma porta.
d) Os RR. estão emigrados na Austrália, votaram ao abandono o prédio, e ao longo dos anos, até cresceram ervas daninhas.
e) Estão presentes no país esporadicamente em férias, e por isso nunca quiseram saber da delimitação dos prédios.
f) Os AA sempre cuidaram da parcela assinalada a verde, nela plantando maracujás e outras árvores, plantaram flores e colocaram vasos de flores, nela fizeram espaço de lazer, lá colocando cadeiras para descanso.
g) Os AA, seus familiares e amigos sempre utilizaram a parcela a verde para acesso e saída do seu prédio, de e para a via pública, a pé e de automóvel.
h) É por essa parte do prédio que os AA. têm a entrada principal da casa, não tendo outra por onde passar móveis, ou uma maca para assistência médica.
i) A testemunha LL, filha dos AA., quando contraiu casamento, fixou residência no ... andar da habitação dos pais durante 11 anos, entrando e saindo sempre pela parcela assinalada a verde.
j) As crianças ficavam por lá (na entrada) a brincar, porque a primeira divisão da casa é a cozinha.
k) O estendal da roupa era colocado nessa parte para secar a roupa ao sol.
l) Os AA. exerceram esse poder de facto, sem interrupção, na convicção de estarem a agir como verdadeiros donos e proprietários de tal parcela, como parte integrante do seu prédio.
m) Com as obras iniciadas incluindo a construção da vala, os RR. obstruíram o acesso dos Autores à entrada da sua habitação.
n) Não fosse o embargo por parte dos AA., os RR tinham passado a ocupar o terreno .
o) O gradeamento a sul do prédio dos AA. foi pago por estes quando a Junta de Freguesia construiu a estrada que é a Calçada ... porque antes era um caminho público.
p) E os AA. sempre pagaram os respetivos impostos devidos do prédio incluindo a parcela a verde, pagando o IMI sobre a totalidade da área de 715m2.
q) A construção dos RR pode ter-se iniciado sem se ter feito qualquer destaque.
r) O prédio dos pais dos AA perdeu substancialmente valor patrimonial. É uma casa tradicional minhota de habitação e lavoura com anexos para guarda de utensílios agrícolas, sendo o prédio rústico o “eido”, destinado a logradouro e culturas hortícolas, tais como batatas, cebolas, nabiças, hortaliça, árvores de fruto – tudo para consumo da casa. O logradouro da casa dos pais da A. é o de permitir a cultura dos produtos mencionados para consumo da casa, obviamente, resulta prejudicado pela separação da parcela de terreno que o R se arroga dono.
s) O R. prestou falsas declarações ao município responsável pelo devido licenciamento da construção ao apresentar uma planta desenhada do falso destaque, com a entrada pelo terreno propriedade dos AA., a parcela em crise, sabendo que essa parte é propriedade dos AA por causa das suas declarações de parte dizendo que os AA passaram da leira para cima, que a frente da casa dos AA é virada para o portão da frente que entra para a garagem mas que a entrada da porta de cima é para esse fim, entrar na casa.
t) Os RR. há mais de vinte, trinta anos que estão ausentes no estrangeiro ( o r confirmou que foi para a Austrália em 1990).
u) Têm tido o prédio votado ao abandono e na parcela que agora se arrogam donos nunca plantaram nada, nem frutos nem outra qualquer planta.
v) O pouco logradouro que ainda existe faz parte do prédio mãe.
w) Os RR atribuíram ao prédio (falsamente) um número de policia (...) que nunca existiu porque para ser atribuído o urbano tem de estar licenciado e portanto existir a respectiva licença a ser levada a Junta de Freguesia.
x) Sempre os AA. se insurgiram contra a construção levada a cabo pelos RR. Estes aproveitaram a ausência daqueles quando eram emigrantes em França para a realizar (declarações de parte da A mulher).
y) Os RR sabem bem que lesam os direitos dos AA. com o comportamento que tomaram desde o mês de março de 2020
z) A obra foi objeto de processo de contraordenação camarário (ofícios já mencionados da CM... juntos aos autos)
aa) aceite os artºs 31º e32º, 35ºe37º da Réplica (não constam dos factos não provados)
bb) Apesar de interpelados, os Recorridos não se abstiveram na sua conduta, a qual em resultado inclusive do esbulho com a abertura de vala, impede, perturba e priva os AA. e seus familiares de cultivar, ocupar e fruir por inteiro o prédio identificado em 1 dos factos provados, designadamente a referida parcela de terreno ocupada;
34. Os Recorrentes, com o devido respeito por melhor opinião, não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal a quo no que concerne à não condenação dos Recorridos no pedido integral em sede desta decisão, por entender que o Tribunal recorrido encontrou, no desenrolar dos autos, prova suficiente que lhe permitia concluir pela condenação dos Recorridos na totalidade dos pedidos.
35. De toda a prova produzida e da sua análise, deveria resultar provada toda a matéria da fundamentação de facto não provada na decisão em crise.
36. Consequentemente impunha-se diferente decisão relativamente à matéria de facto dada como não provada na fundamentação da Sentença, que resultou na decisão pela total improcedência da ação.
37. Provado encontra-se, é certo, que os Recorrentes são donos e legítimos possuidores da parcela de terreno (assinalada a verde no doc. nº9) que faz parte do seu prédio, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº ...70/..., de que se arrogam proprietários e, nesse sentido, só o poderá ser nos exatos termos, dimensões e Confrontações apresentadas e demonstradas.
38. Todas as testemunhas afirmam, sem qualquer dúvida, como se comprova pelos depoimentos prestados em audiência final que os AA/recorrentes são proprietários e possuidores daquele prédio, incluindo a parcela de 63m2 em crise, tendo sempre agido e se comportado como tal, à vista de todos e com o conhecimento de toda a gente (incluindo dos RR)e sem oposição de quem quer que fosse, agindo sempre com a consciência de exercer um direito próprio e a convicção de não prejudicar o direito de outrem, como aliás foi dado como provado na Sentença ora colocada em crise.
39. Em face da prova produzida em audiência final afigurasse-nos provado que as obras começadas em março de 2020, pelos RR, configuram uma ocupação abusiva e um entrave ao acesso pelos AA à parcela do seu terreno e à entrada principal da sua casa.
40. Todas as testemunhas apresentadas pelos AA afirmam, com certeza e com convicção, que a parcela em crise de que os Recorrentes são proprietários e possuidores é-o nas dimensões por estes apresentadas (na petição inicial, no registo predial ou mesmos nas plantas topográficas).
41. O registo predial, assim como as plantas topográficas, confirmam igualmente a dimensão da área do prédio dos Recorrentes, de 715 m2, dos quais 63 m2 se encontram abusivamente ocupados pelos Recorridos.
42. O registo predial, enquanto documento autêntico, ou seja, enquanto documento exarado, com as devidas formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência, nos termos do disposto no nº 2, do art.º 363.º, do Código Civil, é um documento provido de fé pública e goza, nesse sentido, de uma garantia de verdade e de autenticidade, pelo que deve considerar-se que os elementos nele constante corresponderão à verdade.
43. Confrontadas com as plantas topográficas e com as fotografias juntas aos autos, aquelas testemunhas não têm dúvidas de que a delimitação do prédio dos AA é feita a poente pelas escadas da construção dos RR.
44. E como podem os Recorridos reivindicar a propriedade e a posse da referida parcela de terreno de 63 m2 ocupada de forma abusiva e que faz parte integrante do prédio dos Recorrentes, quando não atuam nem exercem os poderes correspondentes ao direito sobre a mencionada parcela de terreno de que se arrogam proprietários, estando ausente no estrangeiro?!
45. Como podem os Recorridos, ao ser negado o direito peticionado aos Recorrentes, ver dessa forma "reconhecida" a propriedade sobre a parcela de terreno onde se encontra quando não atuam como titulares do direito que apenas agora se arrogam?! 46. Nunca que os Recorridos podem ter a posse sobre a mencionada parcela de terreno abusivamente ocupada aos Recorrentes, uma vez que nunca atuaram como proprietários dessa mesma parcela ou mesmo com a convicção de que ela lhes pertence.
47. Os Recorridos nunca praticaram, nem demonstraram ter praticado, como lhes competia, qualquer ato que correspondesse ao exercício do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em discussão.
48. Os Recorridos não podem alegar a posse sobre a referida parcela quando não atuam de forma correspondente ao direito que alegam!
49. Neste sentido, e com o devido respeito por opinião diversa, face à matéria de facto provada e não provada na Sentença ora colocada em crise e os elementos probatórios juntos aos autos ou a sua ausência nos mesmos, impõe-se uma decisão diversa daquela de que ora se recorre.
50. De toda a prova junta aos autos fica assim demonstrado que a posse do referido prédio rústico do Recorrente, em toda a sua dimensão, pertence a este e não aos Recorridos.
51. Demonstrou provada igualmente a existência de marcos, pedras e vegetação na estrema sul do prédio do Recorrente, que serviam para delimitar os prédios do Recorrente e dos Recorridos.
52. Prova-se assim que na delimitação entre os referidos prédios existiam marcos, pedras e vegetação e que todos estes sinais foram destruídos quando os Recorridos iniciaram a construção da sua moradia e do muro de vedação.
53. Combinando-se assim a prova junta aos autos e a produzida em sede de audiência de discussão e de julgamento verifica-se uma manifesta contradição entre esta e a matéria de facto dada como não provada na Sentença ora colocada em crise.
54. Os pontos da matéria de facto não provada encontram-se em profunda contradição com a prova produzida, pelo que aqueles deveriam ter sido julgados como provados face ao explanado supra.
55. Os factos aqui devida e claramente evidenciados encontram-se assim em enorme contradição com os pontos da matéria de facto dados como não provados na Sentença de que ora se recorre, o que a coloca, com o devido respeito, em franco e flagrante erro de julgamento.
56. Há assim elementos probatórios suficientes para condenar os Recorridos nos restantes pedidos formulados pelo A., considerados como factualidade não provada na Sentença de que ora se recorre.
57. Neste sentido, e com o devido respeito, face à matéria provada e não provada na Sentença e os elementos probatórios juntos aos autos ou mesmo a sua ausência, impõe-se uma decisão diversa.
58. Estamos, sem dúvida, perante um erro de apreciação da prova, tendo esse erro inquinado definitivamente a pretensão dos aqui Recorrentes, pelo que deve ser necessariamente reparado.
59. Assim, os factos constantes de todos os pontos da fundamentação de facto não provada da Sentença ora em crise (pág. 12 a 16 inclusive), estão, salvo o devido respeito, erroneamente julgados, pois, deviam ter sido julgados provados, tal como resulta não só do teor da prova documental junta aos autos, como da apreciação da prova testemunhal, cujos depoimentos prestados, gravados em sede de audiência final impunham decisão diversa sobre aquela matéria de facto dada como não provada.
60. Como consequência da conciliação da prova testemunhal e documental, que se complementam, impunha-se que fosse julgada provada toda a matéria de facto constante dos referidos pontos da Factualidade não provada da Fundamentação da douta Sentença.
61. A prova produzida impunha, com o devido respeito, diferente análise crítica daquela que foi realizada na douta Sentença de que se recorre.
62. Há assim elementos probatórios suficientes para condenar os Recorridos nos precisos termos peticionados pelos Recorrentes na Petição Inicial.
DO DIREITO
63. Como sofregamente foi demonstrado resulta por demais evidente, da prova testemunhal e documental carreada para os autos, que sobre a parcela de terreno em contenda foram praticados, desde há mais de 40 anos, factos determinantes da aquisição originária sobre a mencionada parcela, por usucapião.
64. No nosso particular entendimento, mas que não foi o entendimento do Juiz a quo, os Recorrentes ofereceram prova da propriedade daquela parcela de terreno que se encontrava perfeitamente demarcada, assim como logrou fazer prova que os Recorridos, confrontantes, não tinham o domínio, o corpus, nem a intencionalidade, o animus, da posse sobre a parcela de terreno em contenda.
65. Salvo o devido respeito por opinião diversa, a prova carreada para estes autos foi negligenciada e, nesse sentido, conduziu a uma decisão contrária à verdade material e à lei.
66. Incorreu o Tribunal recorrido num erro na apreciação da prova, que deve ser fustigado com a inversão da factualidade dada como não provada a favor dos Recorrentes e consequentemente, daria total procedência à ação.
67. A posse, como é consabido, é o poder que se manifesta quando alguém atua sobre uma coisa por forma correspondente ao exercício de determinado direito real (corpus) e o faz com a intenção de agir como titular desse direito (animus).
68. Segundo a doutrina tradicional a posse é constituída por corpus - ou poder de facto, o exercício, a prática ou a possibilidade de prática de atos materiais externos, virados para o exterior, visíveis a toda a gente e pelo animus, elemento psicológico, vontade, intencional de agir como titular do direito real correspondente aos atos praticados.
69. Os atos correspondentes ao direito de propriedade, ao usufruto, à servidão, dão direito à usucapião desse direito possuído - art. o 1251º e 1287º do C.C. - tantum praescritptuim quantum possessum -, mas só se alcança se o possuidor possui como proprietário, como usufrutuário, se atua por forma correspondente ao direito de propriedade, como usufrutuário, se atua de acordo com o animus.
70. Descendo ao caso concreto, se fosse dada resposta diferente à factualidade dada como não provada e que ora os Recorrentes colocam em crise, ficaria provado, como se deseja, que indubitavelmente, os antecessores proprietários da predita parcela de terreno, ocupada, que os Recorrentes reivindicam a sua propriedade, encontra-se na sua posse há mais de 40 anos, limpando aquela, procedendo à sua limpeza, como demonstrou provar que tal parcela é parte integrante do seu prédio que lhes pertence e de que sobre ele, em modo exclusivo, exercem direito de propriedade.
71. Por outro lado, logrou-se demonstrar que os Recorridos nunca possuíram a parcela de terreno em questão, não limparam aquela, recorriam a terceiros, vizinhos ou familiares para as necessidades relativamente à construção que fizeram no prédio dos pais; e assim tinha de ser por estarem ausentes na Austrália.
72. Com esta factualidade trazida aos autos recorridos, merecia a ação total procedência, condenando os Recorridos nos precisos termos, a reconhecer, sumariamente, a propriedade da parcela controvertida, o que não aconteceu, violando a douta Sentença revidenda os arts. o 1251°, 1252° nº 2 e 1305° do C. Civil.
73. Os Recorrentes registaram a propriedade daquela parcela de terreno, a seu favor, por via de doação, e assim, de harmonia com a regra vertida no art. ° 7 ° do Código do Registo Predial, beneficiam eles de uma presunção de que o direito de propriedade existe na sua titularidade, nos exatos termos que o registo os define, facto que o Tribunal a quo ignorou, olvidando as presunções advinda dos normativos que expressamente se invocam.
74. Na Sentença de que ora se recorre entendeu, ainda, o juiz a quo que, em conformidade com as regras de repartição do ónus de prova (art. ° 342.º, n.º 1 do Cód. Civil) ( ... ) " no que concerne ao nº 1 da ora citada norma legal, cabe salientar que os Autores/Reconvindos NÃO fizeram prova dos factos constitutivos do direito a que se arrogam”.
75. Salvo o devido respeito, a Sentença sub iudice fez uma errada aplicação e interpretação daquele dispositivo legal, na medida em que o ónus da prova não se encontra totalmente a cargo dos Recorrentes, mas antes a cargo dos Recorridos.
76. A douta Sentença violou assim o disposto naquela disposição normativa, pelo que o julgamento dado à matéria de Direito deve também ele ser alterado.
77. Há nos autos, conforme resulta aliás da douta Sentença, duas presunções legais do direito de propriedade, concretamente a presunção fundada no registo predial e a presunção fundada na posse, verificando-se preenchidos os pressupostos de cada uma delas.
78. Consequentemente deveria aplicar-se o disposto no nº 1, do art. ° 344º, do Código Civil e, neste sentido, serem todos os pedidos formulados pelos aqui Recorrentes na Petição Inicial declarados provados e procedentes e igualmente declarada provada a matéria de facto dada como não provada face à prova junta aos autos.
79. Neste sentido, deve a Sentença ser substituída, igualmente, no que se refere ao Direito aplicado, por se encontrar em violação do disposto no n.º 1, do art.º 342.°, do Código Civil.
80. Por tudo o que antecede, deve a douta Sentença ser alterada e, em conformidade, condenar-se os Recorridos tal como peticionado na Petição Inicial e assim o julgamento dado à matéria de Direito deve, tal como o julgamento dado à matéria de facto, por isso, ser alterado.”
***
3). Os Réus (daqui em diante, Recorridos) não responderam.
***
4). O recurso foi admitido como apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.
***
5). Realizou-se a conferência, previamente à qual foram colhidos os vistos dos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
***
II.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas (art. 608/2, parte final,ex vi do art. 663/2, parte final, do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Ressalvam-se, em qualquer caso, as questões do conhecimento oficioso, que devem ser apreciadas, ainda que sobre as mesmas não tenha recaído anterior pronúncia ou não tenham sido suscitadas pelo Recorrente ou pelo Recorrido, quando o processo contenha os elementos necessários para esse efeito e desde que tenha sido previamente observado o contraditório, para que sejam evitadas decisões-surpresa (art. 3.º/3 do CPC).
Tendo isto presente, as questões que se colocam no presente recurso podem ser sintetizadas nos seguintes termos, seguindo a ordem lógica do seu conhecimento:
1.ª Impugnação da decisão da matéria de facto: (1.) observância dos ónus que recaem sobre os impugnantes; (2.) utilidade da impugnação para a decisão do recurso; e (3.) erro sobre a matéria de facto, no que tange à apreciação das provas (cf. art. 662/1 do CPC);
2.ª Repercussão das eventuais alterações introduzidas à decisão da matéria de facto no aspeto jurídico da causa.
***
III.
1). Previamente à resposta às questões enunciadas, respigamos a fundamentação de facto da sentença recorrida.
Assim, foram ali considerados como factos provados os seguintes enunciados (transcrição):
“A) Da PETIÇÃO INICIAL sob a Refª ...78
1. Os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio urbano destinado a habitação, sito no Lugar ..., na Rua ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...82 da freguesia referida, e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº ...70/....
2. Este prédio adveio à A. mulher, por doação de seus pais, por conta da legítima, conforme escritura de doação de 02/10/1981, lavrada a fls. 96 v.º, do livro ...2-D, do extinto ... cartório notarial ....
3. Neste mesmo prédio com a área de 715 m2 (registo predial), os AA. edificaram o prédio identificado e descrito em 1º da PI para aí fazerem a sua casa de morada de família.
7. Ao Réu marido, no estado de solteiro, foi feita doação de seus pais, por conta da legítima, de uma parcela de terreno a desanexar de um prédio rústico sito no Lugar ..., da referida freguesia ..., de acordo com a escritura de doação de 27/04/1988, lavrada a fls. 88 v.º, do livro de notas ...24-C, do extinto ... cartório notarial ....
8., 9. e 10. Nesta, os RR construíram, apenas com a realização de obras no ... andar (o .... estava todo aberto), um prédio que foi participado na matriz, foi inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº ...01 como concluído a favor do Réu marido, na qual consta que é composto por casa de rés-do-chão e andar, pelo Mod. 1 do IMI nº: ...22, Entregue em : 2012/05/23, Ficha de avaliação nº: ...97 e Avaliada em : 2012/06/03, e se encontra descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº ...99 da freguesia ..., registado no sistema em 10/08/2011.
11. O prédio doado ao Réu marido foi a desanexar de prédio rústico inscrito na matriz rústica sob o artigo nº ...65.
14. Esta casa era a casa de morada de família dos pais doadores, pertencente à Herança Indivisa aberta por óbito destes cuja partilha corre termos no processo de Inventário nº ...0 no Cartório Notarial do Dr. II na cidade ....
30. O referido prédio tem descrição registal de misto.
55. O prédio referido em 1) encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...70 como “casa de rés do chão, dois andares e logradouro, norte - caminho de ferro, sul - caminho municipal, nascente - EE, poente – FF” (doador) pela AP. ...3 de 1981/10/27 - Aquisição Derivada.
56. O prédio tem área registada total de 715 m2.
57. É o prédio delimitado pela linha azul, cujo limite a poente pelas escadas da construção dos RR. tem a área de 689 m2.
67. No início das obras, os AA. viram chegar camiões de transporte de material de construção a efetuarem o seu depósito na parcela de terreno assinalada a verde no doc. 9 junto à PI, mesmo defronte à entrada da sua casa.
68. Em 6 de Março de 2020 e em 22 de junho de 2020, o Autor deslocou-se aos serviços camarários de ... e denunciou a situação, pedindo a intervenção dos mesmos para embargarem a obra, mas os RR. deram ordens para a sua continuação.
69. Em 9 de Outubro de 2020, os AA. interpelaram por carta os RR., na pessoa do seu procurador, para não continuarem a obra e para desimpedirem a entrada da casa.
70. Em 23 de Novembro de 2021, através da sua mandatária, o Autor fez nova denúncia aos serviços camarários respetivos de ... para tomarem as devidas diligências, em virtude de as obras se manterem, com a abertura de uma porta de acesso e de uma janela com vista sobre a casa dos AA.
71. O Autor não obteve qualquer resposta do município.
72. e 73. No dia 29 de março do ano de 2021, no regresso do trabalho, o Autor viu cortado o cadeado do portão da sua casa e viu realizada uma vala de 3m de altura por 8m de comprimento, na parcela de terreno assinalada a verde no doc. nº 9 junto à PI, por dois homens que lá se encontravam a trabalhar sob as ordens e direção dos RR..
74. O Autor imediatamente procedeu ao embargo extrajudicial da obra com o respetivo pedido de ratificação judicial que correu termos no processo nº 812/21.... deste Juízo Local Cível de Barcelos, J....
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B) Da CONTESTAÇÃO / RECONVENÇÃO, sob a Refª ...18
1. Por escritura pública de doação, celebrada no dia ../../1988, ao Réu marido foi doada, por seus pais, uma parcela de terreno com a área de 575 m2, destinada a construção urbana, a desanexar do prédio rústico situado no Lugar ..., freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o art. ...65.º/..., o qual faz parte do descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...08.
10. Por escritura pública de doação, celebrada no dia ../../1988, ao Réu marido foi doada, por seus pais, uma parcela de terreno com a área de 575 m2, destinada a construção urbana.
11. Tal parcela de terreno foi desanexada, tal como consta da escritura pública de doação, do prédio rústico, inscrito na matriz rústica sob o art. ...65.º/....
12. A descrição predial n.º ...08, hoje descrição n.º ...15/... e desatualizada, da Conservatória do Registo Predial ..., é composta por quatro prédios, sendo um de natureza urbana e três de natureza rústica.
13. Os pais do Réu e da Autora seguiram o mesmo procedimento nas respetivas doações, ou seja, doaram ao Réu uma parcela de terreno com a área de 575 m2, destinada a construção urbana, a desanexar do prédio rústico, inscrito na respetiva matriz sob o art. ...65.º/... e à Autora doaram o prédio rústico inscrito na respetiva matriz sob o art....64.º/..., ambos fazendo/faziam parte da descrição predial n.º ...08.
15. Os limites dos prédios, o pertencente à herança e o pertencente aos Réus, são no local visíveis e notórios.
17. A doação ao Réu, da parcela de terreno em causa, aconteceu em ../../1988.
25. A parcela de terreno, doada ao Réu, sempre teve confrontação com arruamento público, hoje Calçada ....
26. O acesso ao prédio fazia-se e faz-se através das aberturas diretas para o arruamento, uma para pessoas (acesso pedonal) e uma outra, mais larga, para viaturas.
30. A área registada do prédio dos Autores não coincide com a realidade física, sendo que também a área registada do prédio dos Réus, 575 m2, não coincide com a realidade física, a qual é menor, com pouco mais de 300 m2.
32. Os Réus construíram a sua residência, na parcela de terreno doada pelos pais do Réu, com o produto do seu trabalho, de início em França e depois na Austrália.
33. Os Réus, com as obras iniciadas no início do ano de 2020, pretendiam melhorar e concluir a sua residência.
34. Nunca essas obras foram alvo de qualquer embargo por parte da Câmara Municipal ....
35. e 36. O acesso da via pública (Calçada ...) ao prédio dos R.R. faz-se e sempre se fez pelas entradas abertas no logradouro agora reclamado pelos A.A., através das aberturas diretas para o arruamento, uma para pessoas (acesso pedonal) e uma outra, mais larga, para viaturas, cujos portões foram colocados e pagos pelos R.R..
37. O acesso descrito em 35. e 36. constitui o único e exclusivo acesso direto que o prédio dos R.R. tem com a via pública.
38 O muro que separa o prédio dos R.R. do arruamento Calçada ... foi construído e custeado pela respetiva Junta de Freguesia, aquando das obras de melhoramento e alargamento desse arruamento.
39. O prédio dos R.R., sito na Calçada ..., tem como n.º de polícia o ....
40. O prédio dos A.A. tem como n.º de polícia o 66, sendo através do portão com esse n.º, situado imediatamente abaixo dos portões do prédio dos R.R. (n.º ...), atento o sentido descendente da Calçada ..., que sempre se fez e faz o acesso do arruamento ao prédio dos A.A..
41. Os A.A., em data situada em maio de 2021, deslocaram/transferiram a sua caixa de correio de junto da entrada do seu prédio, o n.º ...6, para junto do portão da entrada de viaturas no prédio dos R.R. (n.º ...).
42. Os A.A. colocaram, por cima dessa caixa postal, o n.º de porta.
66. 43. O acesso ao prédio dos A.A. faz-se e sempre se fez, única e exclusivamente, pelo portão existente imediatamente abaixo dos dois portões (de acesso pedonal e de viaturas) existentes no logradouro do prédio dos R.R..
44. A fachada principal da residência dos A.A. é voltada para o portão de acesso à via pública.
45. O limite do prédio dos R.R., na sua confrontação com o prédio dos A.A., é o edificado correspondente à casa de habitação destes.
46. O alpendre existente e que deita diretamente para o logradouro do prédio dos R.R., ocupando parte, foi construído muitos anos após a construção da habitação dos A.A., aproveitando os períodos de ausência dos R.R. no estrangeiro.
47. Os factos descritos nos artigos n.ºs 35, 40, 43, 45 e 46 da contestação constam da planta topográfica que os AA. juntaram ao processo de licenciamento de uma arrecadação no seu prédio (proc. n.º ...2), junto da Câmara Municipal ....
48. O prédio dos R.R. tem a configuração, confrontações e delimitações expressas na planta topográfica junta como doc. n.º 1 à contestação.
49. a 51. Há mais de 20, 30 e mais anos que os R.R., por si e antepossuidores, se encontram no uso, disposição e fruição do referido prédio, colhendo e fruindo de todas as utilidades proporcionadas, limpando, cortando ou mandando cortar as ervas e demais vegetação, plantando o que lhes aprouver, nomeadamente a magnólia e demais árvores existentes no logradouro, o agora reclamado pelos A.A..
52. e 53. Nesse prédio os R.R. construíram uma casa de rés-do-chão e andar, habitando ou permitindo que outros habitem a parte residencial e usando o logradouro para passar a pé e de carro, e ocupando o logradouro com e como entendem.
54. Na última vez, por referência à apresentação da contestação, que o Réu esteve em Portugal, durante cerca de três meses, a contar desde setembro de 2019, para acompanhar os últimos dias de seu pai e o funeral do mesmo, sempre pernoitou no n.º ... da Calçada ....
55. a 57. O Réu acedeu ao prédio, a pé ou de viatura, através dos portões aí existentes, colocou a viatura automóvel estacionada no logradouro e/ou guardou a viatura no ... da sua habitação, sem que alguma vez disso tenha sido perturbado ou alguém lhe tenha dito que não o poderia fazer.
58. O Réu sempre assim procedeu em anos anteriores, quando de férias em Portugal com a sua família, por se tratar de prédio da sua propriedade.
59. e 60. O Réu sempre suportou todos os correspondentes encargos do seu prédio, nomeadamente com contribuições, restauros, limpeza e benfeitorias, à vista e com o conhecimento de toda a gente, nomeadamente dos A.A., sem embaraço ou oposição de quem quer que fosse, ininterruptamente, com a consciência de não prejudicar ou lesar direitos de terceiros, convicto de estar a exercer um direito próprio – o de propriedade.
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Da Reconvenção:
62. Encontra-se descrito a favor do Réu/reconvinte o seguinte prédio:
- Casa de rés-do-chão, andar e logradouro, sito em ..., hoje Calçada ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo ...01 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...99/....
63. O referido prédio tem a configuração, confrontações e delimitações expressas na planta topográfica junta como doc. n.º 1 à contestação.
64. Este prédio adveio à propriedade e posse do Réu/reconvinte por doação.
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2. Como factos não provados, o Tribunal a quo discriminou os seguintes enunciados (transcrição):
“A) Da PETIÇÃO INICIAL sob a Refª ...78
4., 5. e 6. Há 40 anos que os AA. colhem e fruem todas as utilidades do aludido prédio, à vista e com o conhecimento de todas as pessoas, designadamente os RR., sem a oposição ou embaraço de quem quer que seja, ininterruptamente, convictos de estarem a exercer um direito próprio, sem prejudicar ou lesar direitos alheios, em tudo se comportando como donos/proprietários.
12. O destaque foi feito do prédio sito na calçada ..., anteriormente designado Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...15/... e inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo n.º ....
13. O prédio aludido em 12. é misto, como consta na ficha de descrição do registo predial, composto por urbano e rústico, sendo este rústico (artº matricial 265) o logradouro da casa e o eirado de lavradio.
15. A doação foi outorgada com base em falsa representação do terreno.
16. Os pais do Réu marido efetuaram uma desanexação do próprio logradouro da casa de habitação e do eirado de lavradio para lhe doarem a parcela de terreno acima descrita.
17. As áreas inicialmente existentes e sobrantes não se encontram corretamente corrigidas e declaradas quer à AT, ao registo predial e aos serviços camarários respetivos do licenciamento urbano.
26. O prédio misto inscrito na matriz predial urbana sob o artº ... e identificado em 12), do qual se fez uma desanexação de parcela para ser doada ao Réu marido, é uma casa tradicional minhota de habitação e lavoura com anexos para guarda de utensílios agrícolas, sendo o prédio rústico o “eido”, destinado a logradouro e culturas hortícolas, tais como batatas, cebolas, nabiças, hortaliça, árvores de fruto – tudo para consumo da casa.
27. Entre um prédio e outro não há quaisquer sinais que estabeleçam os limites.
32. O fim a que se destina que é o de logradouro da casa e o de permitir a cultura dos produtos suprarreferidos para consumo da casa, resulta prejudicado pela separação da parcela desanexada.
33. Com a separação destes dois prédios resulta a recíproca diminuição dos respetivos valores.
34. Estando o prédio nº ...15 a ser objeto de partilha, à falta de acordo sobre a partilha, será muito difícil a sua venda a terceiros porque ninguém vai querer o prédio tal como ele se configura com o destaque e a obra que no mesmo foi construída.
38. Na parcela desanexada, o Réu construiu um prédio ocupando toda a parcela, implantada por assim dizer no logradouro do prédio misto supra identificado em 12), com a exigência da realização de obras que alteram o dito prédio.
39. O fracionamento do prédio alterou-lhe a substância, prejudicou o seu uso e diminuiu o seu valor patrimonial.
44. O destaque doado ao Réu marido tem área inferior à área de cultura mínima.
45. A parcela de destaque tem a área de implantação de 143 m2 e o logradouro a área de 194 m2.
46. Foram prestadas falsas declarações quanto à área indicada na escritura de doação outorgada a favor do Réu CC (nunca podia ser a indicada, por sonegação total do logradouro do prédio ...15) e, consequentemente, foram prestadas falsas declarações na inscrição na matriz e no registo predial.
51. Nem na data da doação do destaque nem no presente a parcela em crise tem entrada aberta para o arruamento público.
52. O Réu prestou falsas declarações ao município responsável pelo devido licenciamento da construção, ao apresentar falsa planta desenhada do destaque com a entrada pelo terreno propriedade dos AA., i.e., pela parcela assinalada a verde no documento planta topográfica junto sob o nº 9 com a PI, porque sabia que essa parte foi sempre propriedade da irmã e do cunhado.
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58. O prédio dos AA. inclui a parte assinalada a verde no doc. nº 9 junto com a PI, com a área de 63 m2.
60. Os AA. utilizam o prédio supra identificado para a sua habitação e a sua família, há mais de 30 anos, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, à vista de todas as pessoas (incluindo os RR. e todos os irmãos dos AA.), na convicção plena de serem seus donos/proprietários.
61. Os RR. fizeram a construção com a realização das obras apenas ao nível do ... andar, no lugar de um coberto que destruíram pertencente ao prédio nº ...15, tendo como suporte o muro delimitativo da propriedade dos doadores, face à Estrada ..., que no passado foi um caminho público.
62. Aquando da construção urbana, os RR. deixaram assim a parte baixa totalmente aberta e não delimitaram as propriedades.
63. Os AA., à data emigrados em França, no seu regresso depararam-se com aquela construção e desde logo insurgiram-se contra a mesma.
64. Os RR., emigrados na Austrália, votaram ao abandono o prédio, e ao longo dos anos até cresceram ervas daninhas no cimento.
65. Os RR. nunca estiveram presentes em Portugal e, por isso, nunca quiseram saber da delimitação dos prédios.
66. Só nos primeiros dias do mês de março do ano de 2020, os RR decidiram concluir a dita construção, fechando o r/chão.
67. A parcela de terreno assinalada a verde no doc. 9, junto à PI, faz parte integrante do prédio n.º ...70.
76. a 80. A parcela de terreno assinalada a verde na planta topográfica junta sob o documento nº 9, anexo à PI, foi desde sempre, mas principalmente desde a outorga da escritura de doação em 1981, fruída pelos Autores como entendem, à vista de toda a gente e sem a menor oposição de terceiros até aos factos referidos em 66) e ss. infra, o que sucede há mais de 40 anos, sem a oposição de quem quer que seja, à vista de todas as pessoas, incluindo os RR. e toda a família de ambos, de forma ininterrupta e na convicção de estar a usar de direito próprio.
81. Os AA. sempre cuidaram da parcela assinalada a verde, nela plantando maracujás e outras árvores, plantaram flores e colocaram vasos de flores.
82. Os AA. fizeram, na parcela assinalada a verde, espaço de lazer e lá colocaram cadeiras para descanso.
83. Os AA, seus familiares e amigos sempre utilizaram a parcela a verde para acesso e saída do seu prédio, de e para a via pública, a pé e de automóvel.
84. É por essa parte do prédio que os AA. têm a entrada principal da sua casa, não tendo outra por onde passar móveis ou uma maca para assistência médica.
85. A filha dos AA., quando contraiu casamento, fixou residência no ... andar da habitação dos pais durante 11 anos, entrando e saindo pela parcela assinalada a verde.
86. As crianças ficavam por lá (na entrada) a brincar, porque a primeira divisão da casa é a cozinha.
87. O estendal da roupa era colocado nessa parte para secar a roupa ao sol.
88. Os AA. exerceram esse poder de facto, sem interrupção, na convicção de estarem a agir como verdadeiros donos e proprietários de tal parcela, como parte integrante do prédio referido em 1).
89. Com a construção da vala, os RR. obstruíram o acesso dos Autores à entrada da sua habitação.
90. Não fosse o embargo por parte dos AA., os RR teriam passado a ocupar o terreno, pois pretendiam construir um muro em blocos de cimento na horizontal, barrando a frente da casa dos AA..
91. O muro e o gradeamento a sul do prédio referido em 1) foi pago pelos AA. quando a Junta de Freguesia construiu a estrada que é a Rua ..., porque antes era um caminho público.
92. Os AA. sempre pagaram os respetivos impostos devidos do prédio, incluindo a parcela a verde, pagando o IMI sobre a totalidade da área de 715 m2.
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B) Da Réplica/RESPOSTA à Contestação / Reconvenção, sob a Refª ...09
12º O Réu prestou falsas declarações ao município responsável pelo devido licenciamento da construção, ao apresentar falsa planta desenhada do destaque com a entrada pelo terreno propriedade dos AA., a parcela assinalada a verde no doc. planta topográfica junto sob o nº 9, bem sabendo que essa parte foi sempre propriedade da irmã e do cunhado.
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22º Os RR./Reconvintes há mais de vinte, trinta anos, estão totalmente ausentes no estrangeiro.
23º Os RR./Reconvintes têm tido o prédio “votado” ao abandono.
24º Na parcela da qual agora se arrogam donos nunca plantaram o que quer que fosse, nem frutos nem outra qualquer planta.
25º A casa apenas tinha o primeiro andar construído. Nunca lá permaneceram pessoas nem usaram o logradouro que não existe. O logradouro faz parte do prédio-mãe.
26º Os AA./Reconvindos, por causa da presente ação e para fazerem crer da hipotética legalidade da casa, atribuíram-lhe (falsamente) um número de polícia (...) que nunca existiu.
28º Os RR. sabem que os AA. são proprietários / possuidores da parcela de terreno assinalada a verde no doc. planta junto sob o nº 9.
30º Sempre os AA. se insurgiram contra a construção levada a cabo pelos RR.. Estes aproveitaram a ausência daqueles, quando eram emigrantes em França, para a realizar.
33º Os RR. sabem bem que lesam os direitos dos AA. com o comportamento que tomaram desde o mês de março de 2020.
34º A obra foi objeto de processo de contraordenação camarário.
39º Os RR. e demais irmãos e irmãs (as testemunhas arroladas) litigam com a consciência da falsidade dos factos que invocam, pelo motivo de que a Autora mulher não concordou com a forma que todos pretendiam dar à partilha dos bens por óbito de seus pais e que corre termos litigiosos no Cartório Notarial do Dr. II, em ....”
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2). Depois de ter consignado que, “[c]om interesse para a decisão da causa, não foram dados como provados quaisquer outros factos que estejam em oposição com os supra dados como provados e/ou quaisquer outros factos que não tenham ficado, desde logo, prejudicados pelos que acima foram dados como provados”, o Tribunal a quo fundamentou a decisão quanto à matéria de facto do seguinte modo (transcrição):
“1) Este Tribunal apreciou as declarações de parte da Autora, BB, as quais não nos mereceram credibilidade, porque não suportadas nos meios de prova documentais juntos aos autos e porque “desapegadas” das regras da experiência, da lógica e do normal acontecer.
Por sua vez, o Réu, CC, também prestou declarações de parte, as quais nos mereceram credibilidade, porque, estas sim, suportadas nos meios de prova documentais juntos aos autos e porque de acordo com as regras da experiência, da lógica e do normal acontecer.
2) As testemunhas (arroladas pelos Autores/Reconvindos), HH, JJ, KK, LL, MM, NN e OO, prestaram declarações demasiado “apegadas” à versão dos Autores/Reconvindos, mas também não suportadas nos meios de prova documentais juntos aos autos e “desapegadas” das regras da experiência, da lógica e do normal acontecer, pelo que não mereceram a credibilidade deste Tribunal.
Por sua vez, as testemunhas (arroladas pelos Réus/Reconvintes), GG, PP, QQ, RR, SS, TT e UU, prestaram declarações credíveis, verosímeis, seguras, espontâneas e corroboradoras da versão dos Réus/Reconvintes, desde logo porque suportadas nos extensos meios de prova documentais juntos aos autos e porque de acordo com as regras da experiência, da lógica e do normal acontecer.
Resumindo e concluindo, as declarações de parte do Réu e as declarações das testemunhas arroladas pelos Réus/Reconvintes, permitiram a este Tribunal, tomando em consideração a credibilidade, a verosimilhança, a espontaneidade, a segurança, a isenção, o rigor e a adequação à realidade material e factual e às regras da experiência, da lógica e do normal acontecer, que caracterizaram as declarações de parte do Réu/Reconvinte e as declarações das testemunhas por si arroladas, devidamente conjugadas com o teor dos meios de prova documentais juntos aos presentes autos, concluir pela veracidade, fora de quaisquer dúvidas razoáveis, da versão dos Réus/Reconvintes e considerar não provados os factos acima elencados que sustentavam a versão e os pedidos dos Autores/Reconvindos, e considerar provados factos relevantes para a decisão da causa e que sustentam a versão e o pedido reconvencional dos Réus/Reconvintes.
3) Mais se apoiou este Tribunal, para dar como provados, e não provados, os factos acima vertidos, no teor dos meios de prova documentais juntos aos autos, incluindo um extenso rol de registos fotográficos.
Tais documentos foram sujeitos à estrita observância do princípio do contraditório (artigo 3º/3 do Código de Processo Civil) e, consequentemente, a diferentes interpretações no que concerne aos respetivos conteúdos e às consequências jurídicas que dos mesmos podem ser retiradas e que este Tribunal terá de apreciar em sede de decisão e que desde já apreciou para elencar a matéria de facto supra dada como provada e não provada.
4) Quanto aos factos também suprarreferidos e considerados como não provados, tal asserção resultou de todos os argumentos/fundamentos acima expendidos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, bem como da ausência e/ou da insuficiência de mobilização probatória, não tendo esta sido suscetível de convencer este Tribunal da sua efetiva verificação e/ou veracidade fora de qualquer dúvida razoável.
5) Por último, há que trazer à colação as regras do ónus da prova descritas no artigo 342º do Código Civil: - no que concerne ao nº 1 da ora citada norma legal, cabe salientar que os Autores/Reconvindos NÃO fizeram prova dos factos constitutivos do direito a que se arrogam; - no que respeita ao nº 2 da ora citada norma legal, cabe salientar que os Réus/Reconvintes fizeram PROVA de factos impeditivos, modificativos e/ou extintivos do direito a que os Autores se arrogam.
Por sua vez e no que se refere ao pedido reconvencional deduzido pelos Réus/Reconvintes, há que trazer também à colação as regras do ónus da prova descritas no citado artigo 342º do Código Civil: - no que respeita ao nº 1 da ora citada norma legal, cabe salientar que os Réus/Reconvintes fizeram PROVA dos factos constitutivos do direito alegado em sede de reconvenção, nos exatos termos que constarão do dispositivo final; no que respeita ao nº 2 da ora citada norma legal, cabe salientar que os Autores/Reconvindos NÃO fizeram prova de factos impeditivos, modificativos e/ou extintivos do direito a que os Réus se arrogam em sede de pedido reconvencional.”
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IV.
1).1. Na primeira questão está em causa a impugnação da decisão da matéria de facto.
Os termos a observar na impugnação da decisão da matéria de facto perante a Relação são expostos, de forma exaustiva, no Acórdão desta Relação de 2.11.2017 (212/16.5T8MNC.G1), relatado pela Juíza Desembargadora Maria João Pinto de Matos[1], que transcrevemos:
“(…) reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto ”nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência”, mas, tão-somente, “detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento” (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 228, …)
Lê-se, assim, no art. 640º, n 1 do C.P.C. que, quando “seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Precisa-se ainda que, quando “os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados”, acresce àquele ónus do recorrente, “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (art. 640º, nº 2, al. a) citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c) do nº 1 do art. 640º citado), “vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto “decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes”, “impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 129…).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efetividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respetiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
(…)
Ainda que com naturais oscilações - nomeadamente, entre a 2ª Instância e o Supremo Tribunal de Justiça - (muito bem sumariadas no Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1, e no Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1) -, vêm sendo firmadas as seguintes orientações:
. os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.04.2014, Abrantes Geraldes, Processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1);
. não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (nesse sentido, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo nº 1458/10.5TBEPS.G1, e Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1);
. a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da “exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso”), não funciona aqui, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1);
. dever-se-á usar de maior rigor no apreciação cumprimento do ónus previsto no nº 1 do art. 640º (primário ou fundamental, de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo, mantido inalterado), face ao ónus previsto no seu nº 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exata das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1);
. o ónus de indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação com exatidão das passagens da gravação onde se funda o recurso só será idónea a fundamentar a rejeição liminar do mesmo se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, Ac. STJ de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, e Ac. do STJ, de 19.01.2016, Sebastião Póvoas, Processo nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, onde se lê que o ónus em causa estará cumprido desde que o recorrente se reporte à fixação eletrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes, de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório);
. cumpre o ónus do art. 640º, nº 2 do C.P.C. quando não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento, como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da ata, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1); ou quando o recorrente identificou as testemunhas EE, FF e GG, assim como a matéria sobre a qual foram ouvidas, referenciou as datas em que tais depoimentos foram prestados e o CD onde se encontra a respetiva gravação, indicando o seu tempo de duração, e, para além disso, transcreveu e destacou a negrito as passagens da gravação tidas por relevantes e que, em seu entender, relevavam para a alteração do decidido (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 476/09.oTTVNG.P2.S1);
. a apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo nº 405/09.1TMCBR.C1.S1); nem o faz o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem uma única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.05.2015, Granja da Fonseca, Processo nº 460/11.4TVLSB.L1.S1);
. servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação, mas bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita na motivação do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo nº 3217/12.1TTLSB.L1-S1, Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S1, e Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 449/10.0TVVFR.P2.S1);
. não deve ser rejeitado o recurso se o recorrente seguiu uma determinada orientação jurisprudencial acerca do preenchimento do ónus de alegação quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art. 640º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1);
. a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1).
Compreende-se, por isso, que se afirme que a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 128 e 129…).”
***
1).2. Particularizando o ónus de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que imponham decisão diversa, é entendimento constante do STJ que a sua observância pressupõe o estabelecimento de uma correspondência direta e objetiva entre os meios probatórios indicados pelo recorrente e a justificação (por eles representada) para a modificação dos pontos de factos considerados incorretamente julgados. Para esse efeito, conforme se escreve em STJ 16.01.2024 (818/18.8T8STB.E1.S1), relatado por Luís Espírito Santo, não é suficiente “a mera reunião aglomerada dos diversos meios de prova entendidos por relevantes, feita genericamente e em estilo puramente descritivo, numa amálgama indiferenciada, sem nenhuma referência direta, concreta e objetiva aos pontos de facto em causa, individualmente considerados, tencionando desse modo o impugnante que o Tribunal da Relação realize afinal a tarefa que exclusivamente lhe competia: selecionar dos elementos probatórios os que se destinam à modificação dos pontos de facto (ou, excecionalmente, os grupos delimitados de factos intrinsecamente ligados entre si), estabelecendo a indispensável conexão concreta entre os meios de prova e o juízo de facto por eles imposto (segundo o seu entendimento).”
No fundo, o recorrente tem o ónus de indicar os meios de prova por referenciação aos factos a que concretamente se reportam, ou eventualmente, em casos especiais, a grupos temáticos de factos interligados unitariamente entre si. Só assim é possível alcançar, com inteiro rigor e certeza, as razões para a discordância do recorrente que justificam, facto a facto, as modificações pretendidas, o que evitará a apresentação de impugnações de facto genéricas, proibidas pela norma processual em apreço.
Neste sentido, escreve António Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, p. 197) que “o recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.”
Ainda neste sentido, podem ver-se os seguintes arestos do STJ:
STJ 20.12.2017 (299/13.2TTVRL.G1.S2), Ribeiro Cardoso, no qual se pode ler, que a fórmula adotada pela recorrente no caso objeto do aresto, de dividir a matéria de facto impugnada, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, em três “blocos distintos de factos” e indicar os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugnou, consistiu, “na prática, em atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido, meio processual de impugnação que o legislador quis afastar”;
STJ 14.07.2021 (1006/11.0TTLRA.C1.S1), Júlio Gomes, onde se pode ler que “[a] exigência de que a indicação dos pontos de facto que o Recorrente considera incorretamente julgados seja feita um a um, isto é individualizadamente e não em bloco, com a indicação precisa em relação a cada um deles dos meios de prova que impunham decisão diversa visa, não apenas facilitar a atividade do Tribunal da Relação, mas também facilitar o contraditório, evitando que perante meios de prova invocados em conjunto para um bloco de factos a outra parte tenha que tentar escalpelizar ou destrinçar em que é que cada meio de prova se reporta a cada um dos factos, com o risco de não o fazer adequadamente, risco que lhe seria imposto pela técnica adotada pelo Recorrente”;
STJ 21.03.2023 (296/19.4T8ESP.P1.S1), Nuno Pinto de Oliveira, onde pode ler que, “[e]mbora tenha observado o ónus de delimitação do objeto do recurso, indicando os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, a Ré, agora Recorrente, não observou o ónus de fundamentação concludente da impugnação.
O art. 640.º, na alínea b) do seu n.º 1 e na alínea a) do seu n.º 2, exige que o recorrente relacione cada um dos concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados com cada um dos meios de prova, com cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados, ou com a transcrição de cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados.
A Ré, agora Recorrente, não o fez: em lugar de relacionar, especificadamente, cada um dos concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados com cada um dos meios de prova, com cada uma passagens relevantes dos meios de prova gravados, ou com a transcrição de cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados — como devia ter feito, de acordo com o art. 640.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil —, a Ré, agora Recorrente, indicou, em bloco, todos os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados e quis relacioná-los com a transcrição, em bloco, de extensíssimas passagens dos depoimentos das Autora CC e EE, do depoimento do marido da 2.ª Autora, DD, e do depoimento da Ré AA.
O facto de a Ré, agora Recorrente, ter indicado os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, sem os relacionar com cada um dos meios de prova, com cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados, ou com a transcrição de cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados prejudica a inteligibilidade do fim e do objeto do recurso e, em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido.”
STJ 26.05.2023 (6713/19.6T8GMR.G1.S1), Catarina Serra, onde se pode ler que “[c]omo decorre do artigo 640.º, n.º 1, al. b), o recorrente deve relacionar cada um dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados com cada um dos meios de prova relevantes.
Ora, as apelantes, ora recorrentes, não o fizeram: em vez de relacionar, especificadamente, cada um dos concretos pontos de facto que consideravam incorretamente julgados com cada um dos meios de prova (designadamente prova testemunhal e documental), as apelantes indicaram, em bloco, todos os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados e relacionaram-nos, em bloco, com aqueles meios de prova.
Sucede que esta circunstância inviabiliza a compreensão clara do fim e do objeto do recurso e, em consequência – o que é de destacar –, prejudica a possibilidade de um contraditório esclarecido.”
A conformidade desta interpretação do n.º 1 do art. 640 do CPC, no sentido de que o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto tem o ónus suplementar de, no tocante à especificação dos pontos de facto que considera mal julgados, referenciar cada um com o correspondente meio de prova que indica para o evidenciar, foi confirmada no recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 148/2025, de 18.02,
Neste aresto, o TC entendeu que o ónus em causa “diz respeito diretamente à dimensão material e essencial deste tipo de recursos (e não a qualquer obrigação secundária e formal a cargo das partes), permitindo que o tribunal superior possa aferir muito mais facilmente se se justifica (ou não) a modificação da matéria de facto constante da decisão recorrida, fazendo logo o confronto entre cada ponto da matéria de facto impugnadae os específicos meios de prova que justificam a sua alteração, sem o que se o tribunal recorrido se veria obrigado a debruçar‑se sobre todos os meios de prova e aferir se deveriam – e em que medida – servir para reverter a decisão recorrida quanto à fundamentação da matéria de facto, propiciando, assim e ao restringirem e concretizarem o próprio objeto da cognição do tribunal ad quem, uma muito maior economia e celeridade processuais.” E acrescentou-se que tal interpretação, embora restringindo o direito de acesso ao direito e aos tribunais e o direito ao recurso, “não viola a garantia um processo justo e equitativo e obedece ao princípio da proporcionalidade, não restringindo de forma excessiva e desproporcionada esses direitos e servindo para atingir outras finalidades, inerentes à tramitação célere e expedita dos processos cíveis e ao facilitar a decisão dos recursos relativos igualmente à matéria de facto dada como provada, também constitucionalmente tuteladas.”
Não se trata, portanto, de uma qualquer exigência formal ou secundária.
Também não se vê que seja de difícil cumprimento pelos sujeitos processuais, antes correspondendo, como no Acórdão do TC se pode ler, à “responsabilidade que necessariamente cabe à parte recorrente.”
Com efeito, aquilo que se impõe é – e é apenas – que, relativamente a cada ponto individualmente considerado da matéria de facto, o recorrente indique os específicos meios de prova que impõem a sua modificação, em lugar de fazer uma impugnação em bloco ou que se limite a remeter para a totalidade desses meios de prova.
***
1).3. No caso vertente, conseguimos retirar, das conclusões apresentadas pelos Recorrentes, que está em causa, na impugnação, o dissenso quanto ao que foi decidido pelo Tribunal a quo (i) sobre os enunciados dos pontos 1, 10, 11, 13, 15, 17, 25, 26, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 58, 59, 60, 62, 63 e 64 da contestação, que devem ser considerados como não provados, e, bem assim, (ii) sobre os enunciados dos pontos 4, 5, 6, 12, 13, 15, 16, 17, 26, 27, 32, 33, 34, 38, 39, 44, 45, 51, 52, 58, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92 da petição inicial e dos pontos 12, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 30, 33, 34 e 39 da réplica, que devem ser considerados como não provados.
Conseguimos retirar ainda que, na tese dos Recorrentes, a decisão quanto ao extenso rol de enunciados em questão deve ser modificada:
Por assim o impor “toda a prova (documental, por confissão, testemunhal) gravada em audiência final” (conclusão 1);
Por sobre eles recair “prova que impunha decisão diferente” (conclusão 21);
Por, “conciliando a prova documental junta aos autos, nomeadamente a certidão da planta topográfica certificada pela Câmara Municipal ..., junta pelos Autores no requerimento (ref. CITIUS 13078167) de 26-05-2022, oficio doc. da Câmara Municipal ... junto aos autos, ref. Citius 12469321 em 14/01/2022, o oficio doc. da CM ... junto aos autos, ref. Citius 12488226, em 19/01/2022, as plantas topográficas doc. 9 e 10, as fotografias com os depoimentos da prova testemunhal obtidos em sede de audiência e que se encontram gravados”, se impor “uma decisão diferente relativamente à matéria de facto dada como não provada” (conclusão 28);
Por “[o]s depoimentos das diversas testemunhas apresentadas pelos AA, nomeadamente JJ, KK, LL, MM, NN, OO e HH”, se revelarem “cruciais para a prova dos factos erroneamente julgados como não provados na Sentença” (conclusão 32); e
Porque “[d]e toda a prova produzida e de sua análise deveria resultar provada toda a matéria da fundamentação de facto não provada” (conclusão 34).
O que já não conseguimos retirar, perante um total de 86 enunciados, é quais são, em relação a cada um deles, os concretos meios de prova que, na ótica dos Recorrentes, impõem decisão diversa da tomada pela 1.ª instância.
Com efeito, os Recorrentes limitaram-se a aludir, de forma global, a todos os enunciados que entendem ter sido incorretamente julgados, abstendo-se de indicar, ponto por ponto, os meios de prova que, no seu entender, impunham, que a decisão fosse diversa. Não tiveram sequer o cuidado de proceder a uma diferenciação temática dos enunciados.
E de nada serve o recurso às alegações. Nestas, os Recorrentes evidenciaram a mesma falta de cuidado: perderam-se em longas transcrições da prova oralmente produzida na audiência final e em generalidades sobre ela, não a relacionando, de forma especificada com cada um dos enunciados de facto em questão – ou, pelo menos, com grupos de enunciados ligados entre si por um qualquer nexo lógico –, mas com todos eles globalmente.
Era sobre os Recorrentes que recaía semelhante ónus. Não tendo ele sido observado, esta Relação está impossibilitada de sindicar a decisão da matéria de facto quanto aos enunciados que os Recorrentes consideram incorretamente julgados.
A impugnação da decisão da matéria de facto tem, portanto, de ser rejeitada.
A esta leitura há que fazer, porém, duas ressalvas.
A primeira resulta de, não obstante tudo quanto escrevemos, lendo a alegação, conseguirmos compreender que os Recorrentes se insurgem contra a decisão de dar como provado o enunciado do ponto 11 da contestação e como não provado o enunciado do ponto 12 da petição inicial, indicando, quanto a eles, as declarações de parte da Recorrente e o depoimento da testemunha HH.
A segunda resulta de os Recorrentes na conclusão 42 imputarem à decisão recorrida a violação de uma regra probatória de direito material. Se bem percebemos, entendem que a certidão do registo predial faz prova plena da descrição do prédio de que são proprietários.
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1).4.1. A propósito da primeira ressalva, importa dizer que os enunciados identificados – ponto 11 da contestação e ponto 12 da petição inicial – assumem relevo (apenas) quanto ao pedido de declaração de nulidade do contrato de doação, celebrado através de escritura pública lavrada no dia 27 de abril 1988, pelo qual o direito de propriedade sobre o prédio atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...99/... foi transmitido, a título gratuito, de CC e VV para o Réu WW.
Na tese dos Recorrentes, esse contrato é nulo uma vez que teve como objeto mediato uma parcela, correspondente ao logradouro e ao eirado de lavradio, destacada de um prédio misto, o que era impossível “pela própria natureza da coisa” e proibido pela lei, mais concretamente pelo n.º 1 do art. 1376 do Código Civil.
Quanto à primeira asserção, os Recorrentes sustentam que o dito prédio misto era uma casa tradicional minhota, de habitação e lavoura, estando o logradouro e o eido destinados ao cultivo dos produtos hortícolas para o consumo dos proprietários, o que deixou de ser possível com o referido destaque. Assim, “o fracionamento do prédio alterou-lhe a substância, prejudicou o seu uso e diminuiu o seu valor patrimonial”, o que redunda numa infração ao disposto no art. 209 do Código Civil.
Quanto à segunda asserção, os Recorrentes sustentam que a parcela destacada tem uma área inferior à unidade da cultura, pelo que o fracionamento não era permitido, sendo o ato de que ele resultou nulo, nos termos previstos nos arts. 1376/1 e 1379/1 do Código Civil.
Como vamos explicar, ainda que a versão de facto trazida aos autos pelos Recorrentes fosse considerada como provada, aquele pedido estaria sempre condenado à improcedência.
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1).4.1.1. Conforme se pode ler em RG 2.05.2024 (290/20.2T8PTL.G1), do presente Relator, também com a intervenção da Juíza Desembargadora Rosália Cunha, o direito de propriedade, como qualquer outro direito real, incide, em regra, sobre a totalidade da coisa que constitui o respetivo objeto, corolário lógico do princípio superficies solo cedit – que, no entanto, conhece algumas exceções, como as que resultam dos arts. 1389 a 1391 e 1395, onde se admite que o direito de propriedade sobre as águas existentes num prédio pertença a pessoa diversa do dominus do referido prédio, do art. 1528, que admite a constituição do direito de superfície mediante a alienação de obra ou árvores já existentes, e do instituto da propriedade horizontal; por outro lado, resulta do n.º 2 do art. 408 que os direitos reais só podem incidir sobre coisas certas, determinadas e autonomizadas juridicamente.
De acordo com a doutrina (por todos, Maria Clara Sottomayor / Ana Teresa Ribeiro, “Art. 204.º”, AAVV, Comentário do Código Civil. Parte Geral, 2.ª ed., Lisboa: UCE, 2023, pp. 552-553), o conceito de coisa implica um objeto com existência autónoma apropriável, suscetível de subordinação jurídica ao poder de ação ou na disponibilidade exclusiva de alguém. Assim, pode dizer-se que não cabe na noção jurídica de coisa um objeto que não tenha existência autónoma – isto é, que não seja uma entidade distinta e separada ou que não esteja individualizado. Vale isto por dizer que sobre aquilo que apenas existe enquanto parte de um todo mais vasto não podem constituir-se relações jurídico-reais com individualidade própria. A demonstrá-lo está o regime das partes componentes e das partes integrantes que, sendo passíveis de identificação da sua individualidade, mas encontrando-se estreitamente conexas com uma coisa diferente, não podem ser objeto de direitos reais diversos dos que incidem sobre a coisa a que se encontram ligadas enquanto não se produzir a desafetação ou a separação desta (cf. Maria Clara Sottomayor / Ana Teresa Ribeiro, loc. cit., p. 551).[2]
Na verdade, os direitos reais podem ser constituídos sobre parte de uma coisa, na medida em que esta seja autonomizável e, como tal, objeto de um tratamento autónomo – a partir daí, a parte será, ela própria, uma coisa (Menezes Cordeiro, Direitos Reais cit., pp. 339-341).
Estando em causa um prédio, seja urbano, seja rústico, é de admitir, pela própria natureza das coisas, o seu fracionamento, o que pode passar, designadamente, pela autonomização de uma parcela de terreno, assim se obtendo, por essa via, um novo prédio. É mesmo de admitir uma posse formal em termos de exercício do direito de propriedade sobre uma parte de um prédio. Significa isto que, conforme sintetizam Mónica Jardim / Dulce Lopes, (“Acessão industrial imobiliária e usucapião parciais versus destaque”, AAVV, Fernanda Paula Oliveira (coord.), O Urbanismo e o Ordenamento do Território e os Tribunais”, Coimbra: Almedina, 2010, pp. 757-812), “apesar de o direito de propriedade incidir (…), em regra, sobre a totalidade da coisa (certa, determinada e autonomizada juridicamente) (…), nada obsta a que exista posse em termos de direito de propriedade sobre a parte de uma coisa ainda não autonomizada, mas suscetível de vir a sê-lo.” A demonstrá-lo está, de resto, o facto de o legislador prever a usucapião como uma das formas de constituição da propriedade horizontal (art. 1417). Ocorrendo uma situação dessas, é de admitir, em termos gerais, a possibilidade de aquisição por usucapião da parte do prédio sobre a qual recai a posse.[3]-[4]
Ao escrevermos isto temos em vista o conceito técnico de destaque enquanto operação destinada ao fracionamento fundiário simples de um prédio (em duas parcelas) que foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo DL n.º 400/84, de 31.12. Este diploma considerava encontrarem-se fora da noção de loteamento as situações de destaque, isto é, de celebração de negócio jurídico do qual resultasse a divisão de uma única parcela, desde que o prédio se situasse dentro de aglomerado urbano, a parcela confrontasse com arruamento público e o particular detivesse projeto aprovado para a construção, no máximo de dois fogos (com correspondente ónus de não fracionamento pelo prazo de dez anos).
Com o DL n.º 448/91, de 29.11, previram-se situações de destaque nos aglomerados urbanos e nas áreas urbanas desde que do destaque não resultassem mais de duas parcelas confrontantes com arruamentos públicos e a construção a erigir dispusesse de um projeto aprovado pela câmara municipal, mas também fora desses aglomerados e áreas urbanas, desde que a parcela a destacar se destinasse exclusivamente a fins habitacionais, não detivesse mais de dois fogos e na parcela restante se cumprisse a unidade mínima de cultura. Também se admitia que, havendo plano de urbanização ou plano de pormenor, o destaque passasse a obedecer apenas às condições previstas no plano, sendo documento bastante, para efeitos de registo predial, a certidão do plano respetivo (art. 5.º).
Com o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), estabelecido pelo DL n.º 555/99, de 16.12, na redação do DL n.º 214-G/2015, de 2.10, passou a diferenciar-se entre os destaques dentro e fora do perímetro urbano, admitindo-se que a concretização dos mesmos possa ser feita diretamente no registo predial, desde que com certidão de destaque emitida pela câmara municipal (art. 6.º/4 e 5). Os requisitos para o destaque são similares aos previstos no revogado DL n.º 448/91, muito embora o legislador tenha eliminado a referência aos destaques em áreas com plano de urbanização ou de pormenor e tenha admitido que, nos destaques em solo rural, a referência à unidade mínima de cultura seja substituída pelas áreas mínimas indicadas nos planos de intervenção em espaço rural.
Compreende-se assim que se afirme que o destaque, “ao contrário do loteamento e dos demais atos de gestão urbanística que assumem a natureza jurídica de atos autorizativos constitutivos ou, pelo menos, permissivos do exercício de determinados direitos, (…) é um instituto complexo que assenta numa combinação entre um ato certificativo da administração e um ato final, de concretização da divisão fundiária, da responsabilidade do proprietário” (Dulce Lopes, “Destaque: um instituto em vias de extinção”, Direito Regional e Local, n.º 10, abril / junho 2010, pp. 15-28). As câmaras municipais, apesar de não terem aqui um controlo preventivo, têm sempre de intervir através da emissão de uma certidão comprovativa de que os requisitos do destaque estão presentes ou que as normas aplicáveis estão cumpridas.
Como se pode concluir pelo que acabámos de escrever, é de entender que a aquisição de uma parcela do terreno, assim levando à cisão do prédio a que pertencia, pode ocorrer através do destaque.
***
1).4.1.2. Foi através desta operação (destaque) que a parcela de terreno objeto mediato do referido contrato de doação ganhou autonomia, constituindo-se como coisa.
Ora, os Recorrentes não colocaram em causa a verificação dos pressupostos de que dependia, à luz das regras ao tempo vigentes, o destaque da parcela (o prédio situar-se dentro de aglomerado urbano, a parcela confrontar com arruamento público e o particular deter projeto aprovado para a construção, no máximo de dois fogos). Tais pressupostos foram, de resto, certificados pela Câmara Municipal ..., conforme foi mencionado pelo notário na escritura pública que adrede lavrou.
O que colocaram em causa foi a existência de obstáculos jurídicos, situados a montante, à possibilidade de uma operação como aquela, por entenderem a um tempo, que tendo o prédio original natureza mista, resultaria, da ablação da sua parte rústica, a alteração da sua substância e a diminuição do seu valor, e, a outro, que aquela parte rústica não podia ser autonomizada por ter uma superfície inferior à unidade mínima de cultura definida para a região.
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1).4.1.3. Começamos por dizer que nem a classificação do prédio na matriz nem a sua descrição do registo predial têm um valor vinculativo, conforme escreve Luís Pires de Sousa (Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 20).
Acrescentamos que o direito civil desconhece a categoria de prédio misto. Trata-se de uma categoria usada no domínio fiscal para distinguir os prédios que têm uma parte rústica e uma parte urbana, nenhuma delas sendo predominante em relação à outra (cf. art. 5.º/2 do CIMI), mas que é irrelevante para o direito civil. Assim, na doutrina: Maria Clara Sottomayor / Ana Teresa Ribeiro (loc. cit., p. 552); Luís Pires de Sousa (Processos Especiais cit., p. 21); António Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, III, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, pp. 184 e ss.), José Alberto Vieira (“Art. 204.º”, AAVV, António Menezes Cordeiro (coord.), Código Civil Comentado, I, Parte Geral, Coimbra: Almedina, 2020, p. 579); Rui Pinto Duarte (“Art. 204.º”, AAVV, Ana Prata (coord.), Código Civil Anotado, I, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, pp. 285-289); e Luís Carvalho Fernandes, Teoria geral do direito civil : introdução, pressupostos da relação jurídica, 6.ª ed., Lisboa: UCE, 2012, p. 690).
Para o direito civil, os prédios ou são rústicos ou são urbanos, conforme diz o art. 203/1, a), do Código Civil. O n.º 2 do mesmo preceito acrescenta que, em termos gerais, o prédio rústico é o solo ou o terreno, com as construções que não tenham autonomia económica, e o prédio urbano é o edifício ou a casa incorporada no solo, a construção ligada materialmente ao solo, por meio de alicerces, colunas ou estacas, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.
Esta distinção logo levanta dúvidas quanto aos prédios que possuem construções que não cobrem a totalidade do seu solo, como seria o caso daquele que os Recorrentes descreveram. Daí que a doutrina e a jurisprudência tenham esboçado uma série de critérios complementares, sendo atualmente predominante o da afetação económica, o qual encontra apoio na redação do citado n.º 2 do art. 204 na parte em que faz a contraposição entre as meras construções que não descaracterizam a natureza rústica do prédio e o edifício, que o transforma em urbano (cf. José Alberto Vieira, loc. cit., p. 578).
À luz de tal critério dir-se-á que o prédio é rústico se o conjunto visar o aproveitamento do terreno e urbano se visar o aproveitamento da construção.
Ainda assim, surgem dúvidas, não sendo de excluir a hipótese de existirem dois prédios distintos, quando não se possa afirmar que um dos dois apontados elementos está ao serviço do outro (cf. Maria Clara Sottomayor / Ana Teresa Ribeiro, idem).
Por outro lado, a lei não diz o que deve entender-se por logradouro. A jurisprudência tem entendido que, como tal, deve entender-se o terreno adjacente a um edifício, com as funções de quintal, pátio, jardim ou horta, na dependência do edifício, servindo de aproveitamento ou suporte às necessidades ocasionais dos utilizadores do edifício. A título de exemplo, STJ 25.03.1993 (CJSTJ, I, t. 2, pp. 33-34); STJ 25.03.2010 (186/1999.P1.S1), Oliveira Rocha, RC 22.01.1991 (CJ, XVI, t. 1, pp. 54-57); RP 11.11.2002 (0251050), Macedo Domingues, RP 20.10.2003 (0354223), Sousa Lameira, RL 15.12.2009 (10531/05.0TBCSC.L1-1), Maria José Simões, RG 17.12.2019 (6844/18.0T8GMR.G1), Anizabel Sousa Pereira, RG 13.01.2022 (1826/19.7T8VRL.G1), Alcides Rodrigues. Na doutrina, Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Coimbra: Almedina, 2000, p. 28) define o logradouro como o “terreno não edificado, que circunda o prédio, podendo servir fins diversos: estacionamento, delimitação do prédio, entrada, base de edificações secundárias, entre outros.”
Estas considerações, permitem-nos afirmar que o referido prédio misto era, afinal, um prédio urbano. Afinal, foram os próprios Recorrentes quem afirmou a função instrumental que o logradouro e o eido (a que, por facilidade, podemos chamar de parte rústica)tinham em relação ao edifício: destinavam-se ao cultivo de produtos hortícolas para o consumo dos habitantes deste.
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1).4.1.4. Se a parte rústica do prédio não tivesse a referida funcionalidade, então teríamos de concluir que a mesma era autónoma relativamente à parte urbana. Seria então não uma parte, mas um prédio a se, suscetível de constituir objeto de negócios jurídicos, como a doação que foi feita ao Recorrido. A questão estaria definitivamente arrumada.
Tendo semelhante função – que, percute-se, foi afirmada pelos Recorrentes – coloca-se a questão de saber se a sua autonomização alterou a substância do prédio, diminuiu o seu valor ou prejudicou o uso a que ele se destinava. A ser assim, teremos de concluir que os Recorrentes têm razão e que o prédio era (rectius, é), afinal, indivisível, por imposição do disposto no art. 209 do Código Civil.
Esta norma diz que “[s]ão divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam”, o que permite afirmar que o conceito de coisa divisível é jurídico e não naturalístico. Assim, apenas é divisível o que pode ser fracionado sem perda da sua função própria, do seu valor ou da sua substância. Estes requisitos são cumulativos, pelo que, na falta de um deles, a coisa é indivisível. A propósito, STJ 5.06.2008 (08A1432), Alves Velho. Na doutrina, José Alberto Vieira (loc. cit., p. 590) e Luís Pires de Sousa (Processos Especiais cit., 28).
Como é lógico, esta afirmação não pode ser tomada à letra, sob pena de tudo ser, afinal, indivisível, o que seria desrazoável e contrário ao mais elementar bom senso (Luís Carvalho Martins, Teoria cit., p. 709).
Daí que a interpretação da norma do art. 209 seja feita de forma cautelosa (Maria Clara Sottomayor / Ana Teresa Ribeiro (“Art. 209.º”, AAVV, Comentário do Código Civil. Parte Geral, 2.ª ed., Lisboa: UCE, 2023, pp. 552-553). Assim, a condição de não se verificar a alteração da substância significa que não pode haver uma mudança qualitativa da coisa, mas já não obsta a uma mudança meramente quantitativa (ou seja, por exemplo, a diminuição da área do prédio). Também a ausência de diminuição de valor não se refere nem à unidade fracionada nem às parcelas resultantes da divisão. Tal sentido seria absurdo (Luís Carvalho Martins, Teoria cit., p. 709). O que está em causa é a soma dos valores das partes resultantes da divisão. A exigência de não haver prejuízo para as partes não levanta dificuldades: trata-se de cada uma das partes resultantes da divisão poder satisfazer, na sua medida, o mesmo tipo de necessidades que o todo satisfazia. O que está em causa é a soma dos valores de cada uma das partes resultantes da divisão; o valor das partes, tomado no seu conjunto, tem de ser (sensivelmente) igual ao valor do todo.
Pois bem, tendo em conta isto, sem prejuízo do que possa resultar das normas urbanísticas, não se vislumbra, em abstrato, a existência de qualquer obstáculo a que o proprietário de um prédio urbano constituído por uma casa de habitação e por um logradouro separe este para o destinar à construção de um novo e autónomo fogo habitacional.
Não suscita dúvida que semelhante operação conduz a uma redução do valor do prédio sobrante. É axiomático que o todo vale mais que cada uma das suas partes. Mas essa afirmação não é suficiente. A parte sobrante e a parte separada poderão ter valores que, quando somados, sejam, pelo menos, equivalentes ao que o todo tinha antes. E é isto que releva para aferir da divisibilidade da coisa.
Também não suscita dúvida que a parte sobrante do prédio fica privada da utilidade que lhe era dada pela parte que foi separada. Mas disso não decorre um prejuízo para o seu uso, que era a habitação.
Numa situação deste tipo não é, pois, sustentável afirmar-se a indivisibilidade do prédio.
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1).4.2. A distinção entre coisas divisíveis e indivisíveis não se esgota neste critério, havendo a possibilidade de certas coisas, como o prédio misto descrito pelos Recorrentes, divisíveis segundo o regime do art. 209, serem consideradas indivisíveis por força de disposição específica da lei ou de convenção das partes. É por esta razão que se fala em divisibilidade ou indivisibilidade natural – a que resulta da aplicação dos critérios do art. 209 –, legal, se estabelecida por disposição específica da lei, e negocial, se estipulada por acordo dos interessados.
Um dos casos de indivisibilidade legal é o previsto no art. 1376/1, 1.ª parte, onde se escreve que “[o]s terrenos aptos para cultura não podem fracionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País.”
Como facilmente se conclui, a aplicação desta norma depende de se tratar de um terreno apto para cultura, o que sucede com qualquer prédio rústico, salvo se o mesmo tiver aptidão edificativa. Assim, RG 4.12.2008 (CJ, XXXIII, t. 5, pp. 287-288), Raquel Rego. Na doutrina, Pires de Lima / Antunes Varela (Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1987, p. 259).
Compreende-se que assim seja: a proibição tem um escopo preciso, justificado por razões de interesse público, relacionadas com a defesa da viabilidade e rentabilização económica. Pretende-se evitar a criação de micro parcelas pouco rentáveis.
Ora, não era esse, manifestamente, o caso do referido prédio misto que, como os próprios Recorrentes alegaram, era destinado à habitação. É certo que tinha um logradouro – ou, como afirmado, um logradouro e um eido. Este, contudo, não tinha uma função económica própria, mas subordinada àquele que era o uso fundamental do prédio.
Por outro lado, tendo a parcela de terreno aptidão edificativa, provada por certidão camarária, não era, ela mesma, um terreno apto para a cultura.
Finalmente, mesmo que o terreno dessa parcela fosse apto para a cultura, sempre estaria verificada a exceção à proibição de fracionamento prevista na 1.ª parte da alínea a), que se refere aos casos em que o terreno que serve de logradouro a um edifício é parte componente de um prédio urbano. O seu fracionamento é permitido, ainda que em abstrato seja apto para a cultura, pois estamos perante um terreno que se destina a servir de aproveitamento ou suporte às necessidades dos utilizadores do edifício. Assim, António Agostinho Guedes (“Art. 1377.º”, AAVV, Henrique Sousa Antunes, (coord.), Comentário ao Código Civil. Direito das Coisas, Lisboa: Lex, 2021, p. 311).
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1).4.3. Está explicado o porquê de entendermos que uma alteração do que foi decidido quanto aos enunciados do ponto 11 da contestação e do ponto 12 da petição inicial não terá qualquer efeito: sempre o pedido formulado em primeiro lugar – e, bem assim, os que dele são dependentes – teria de ser julgado improcedente.
Como tem vindo a ser entendido, a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
A este propósito, pode ler-se em RG 15.12.2016 (86/14.0T8AMR.G1), Maria João Pinto de Matos:
Com efeito, a “impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante” (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10…).
Logo, “por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12…).
Por outras palavra, se, “por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.” (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10... No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10).
Esta orientação é constante na jurisprudência das Relações – inter alia, RC 6.11.2018 (228/17.4T8OHP.C1), Moreira do Carmo, RL 24.09.2020 (35708/19.8YIPRT.L1-2), Inês Moura, e RG 9.01.2025 (372/18.0T8FAF.G1), Maria Amália Santos – e encontra acolhimento na do STJ – inter alia, STJ 17.05.2017 (4111/13.4TBBRG.G1.S1), Fernanda Isabel Pereira, e 28.01.2020 (287.11.3TYVNG.G.P1.S1), Pinto de Almeida.
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1).5.1. Vejamos agora a segunda ressalva que há pouco fizemos à afirmação de que a impugnação da decisão da matéria de facto deve ser rejeitada por os Recorrentes não terem observado o ónus de relacionar, especificadamente, cada um dos concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados com cada um dos meios de prova, com cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados, ou com a transcrição de cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados.
Relembrando, está em causa saber se a certidão do registo predial faz prova plena das confrontações e da área do prédio de que os Recorrentes são proprietários.
Se assim for, teremos de concluir que o Tribunal a quo cometeu um erro quanto à aplicação das regras do direito probatório material. Como ensina António Abrantes Geraldes (Recursos cit., pp. 335-336), a modificação da matéria de facto justifica-se quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova, o que ocorre quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371/1 e 376/1 do Código Civil), o considere não provado, relevando para o efeito prova testemunhal produzida ou presunções judiciais. Em tal situação, à semelhança do que sucederá quando tiver sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art. 358 do Código Civil e arts. 484/1 e 463 do CPC), tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574/2 do CPC) ou tenha sido considerado como provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente, a Relação, “limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a 1.ª instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (…), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte.”
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1).5.2. Isto dito, não suscita qualquer dúvida que a força probatória da certidão do registo predial abrange apenas a situação jurídica do prédio, permitindo suportar uma presunção (meramente relativa ou iuris tantum) de que “o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” (art. 7.º do Código do Registo Predial). Já não abrange a sua área e as suas confrontações, elementos que não beneficiam de qualquer presunção de exatidão, o que bem se compreende.
Com efeito, conforme explica Jorge de Seabra Magalhães (Estudos de Registo Predial, Coimbra: Almedina, 1986, pp. 64 - 65), o registo não dispõe do necessário suporte de dados topográficos que nele se incorpore ou possa, ao menos, servir-lhe de referência. Os prédios são então descritos e atualizados com base em declarações que os intervenientes prestam nos títulos, ou os interessados perante a conservatória, em qualquer caso sem nenhuma espécie de autenticidade nem garantia de precisão. A situação e denominação de um prédio ajudam-nos, é certo, a identificá-lo, mas, em si próprias, nada nos dizem acerca da sua configuração e limites. Com exceção dos elementos naturais ou de carácter permanente – por isso mesmo, muito significativos –, a menção das confrontações revela-se efémera e contingente, até porque não situa em concreto a linha divisória com o prédio do vizinho nem indica, ao menos como regra, a forma e a extensão dessa linha. De igual modo quanto à área do prédio, já que a uma superfície idêntica podem corresponder os polígonos mais diversos. Em suma, a descrição em termos puramente literários constitui um critério de reprodução indireta, rudimentar e aleatória, que não exclui erros grosseiros nem manipulações fraudulentas.
Com base no registo predial, não se pode afirmar que determinado prédio tem esta ou aquela constituição, mas apenas que, em relação a ele, ocorre certa situação jurídica. A propósito, a título meramente exemplificativo de uma jurisprudência uniforme, STJ 28.01.2003 (03A2672), Moreira Camilo, e 2.03.2023 (1091/20.3T8VCT.G1.S1), Fernando Batista de Oliveira.
A decisão recorrida não enferma, portanto, do erro que lhe apontaram os Recorrentes.
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2). A decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida permanece, pelo exposto, intocada.
Não vindo alegado qualquer erro autónomo na seleção e interpretação das normas jurídicas convocadas pelo Tribunal a quo,a alteração do assim decidido nessa sede pressupunha, de acordo com a lógica recursiva, a prévia procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, o que, como vimos, não sucede.
Em conformidade, sem necessidade de outras considerações, há que julgar o recurso improcedente.
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3). Vencidos, os Recorrentes devem suportar as custas do recurso: art. 527/1 e 2 do CPC.
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V.
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em (i) julgar o presente recurso improcedente e (ii) confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique.
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Guimarães, 2 de abril de 2025
Os Juízes Desembargadores,
Relator: Gonçalo Oliveira Magalhães
1.ª Adjunta: Rosália Cunha
2.º Adjunto: João Peres Coelho
[1] Disponível, como os demais indicados no texto sem indicação do local de publicação, em www.dgsi.pt [2] É isto que explica que o STJ tenha uniformizado, no Acórdão de 31.01.1996, relatado por Cardona Ferreira, jurisprudência no sentido de que “[a]A cláusula de reserva de propriedade convencionada em contrato de fornecimento e instalação de elevadores em prédios urbanos torna-se ineficaz logo que se concretize a respetiva instalação.” [3] Em sentido divergente, considerando que “[a] posse fundamento de usucapião tem de ser uma posse que recaia sobre a totalidade do bem, de onde não se exercendo o poder de facto sobre todo o prédio (…), não pode proceder a pretensão de aquisição”, vide RL 12.05.2011 (184/08.0TCLRS.L1-2), relatado por Ana Paula Boularot. [4] Este entendimento parte do pressuposto de que a usucapião é, em simultâneo, um meio de autonomizar a parcela possuída e uma forma de aquisição originária do respetivo direito real, que assim pode ocorrer sem um prévio destaque da parcela usucapida.