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ESTATUTO DO GESTOR PÚBLICO
CÓDIGO DAS SOCIEDADE COMERCIAIS
VOGAL DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I - Se uma pessoa coletiva for designada administrador da sociedade, deve nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio; a pessoa coletiva responde solidariamente com a pessoa designada pelos atos desta. II - Qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído por deliberação da assembleia geral, em qualquer momento. III - Porém, se a destituição não se fundar em justa causa, o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
RELATÓRIO AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra EMP01..., S.A. e MUNICÍPIO ... pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 23 074,20, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que foi indicado pelo réu MUNICÍPIO ... para exercer o cargo de vogal do Conselho de Administração da ré EMP01... para o triénio de 2021-2023.
Em 23.11.2021, o réu MUNICÍPIO ... deliberou designar outra pessoa para exercer o cargo de vogal e, em 30.3.2022, o autor veio a ser destituído desse cargo sem que tenha sido invocado qualquer motivo para o efeito.
Tendo em conta o disposto nos nºs 1 e 3 do art. 403º do CSC, entende que tem direito a receber uma indemnização por destituição sem justa causa equivalente às retribuições que auferiria até ../../2023, data em que cessaria o cargo de vogal.
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A ré EMP01... contestou, impugnando parte da factualidade invocada. Defendeu que o cargo de vogal pertencia ao MUNICÍPIO ..., o qual, por ser uma pessoa coletiva, tinha que indicar para o cargo uma pessoa singular. Inicialmente indicou o autor e posteriormente indicou outra pessoa. Por isso não houve qualquer destituição do autor, mas tão somente uma mera substituição da pessoa singular inicialmente indicada, razão pela qual não há lugar ao pagamento ao autor de qualquer indemnização a cargo da ré EMP01....
Alegou ainda que da factualidade alegada não decorre que o autor tenha sofrido um dano equivalente ao valor das retribuições que iria auferir até à data em que terminaria o cargo de vogal.
Pugnou pela improcedência da ação.
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O réu MUNICÍPIO ... contestou, impugnando parte da factualidade invocada. Defendeu posição idêntica à da ré EMP01... no sentido de que o autor não foi nomeado como vogal em nome próprio, mas sim enquanto representante do MUNICÍPIO ..., entidade que exercia o cargo de vogal, pelo que não ocorreu nenhuma destituição, mas tão só uma mera substituição do representante.
Alegou ainda que da factualidade alegada não decorre que o autor tenha sofrido um dano equivalente ao valor das retribuições que iria auferir até à data em que terminaria o cargo de vogal.
Concluiu pedindo a improcedência da ação.
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Foi fixado à causa o valor de € 23 074,20, foi proferido despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do processo e procedeu-se à enunciação dos temas de prova.
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Realizou-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: “Julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada, condenando-se o R. MUNICÍPIO ... no pagamento ao A. da quantia de € 15.382,80. Absolve-se do pedido a Ré EMP01... SA. Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.”
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O réu MUNICÍPIO ... não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “I. A douta sentença de 04-12-2024, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o Réu ao pagamento a quantia de € 15.382,50 euros a título de indemnização pela destituição do Autor, não pode manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e dos princípios jurídicos competentes. II. Para o Réu, aqui Recorrente, que a decisão processual que a Meritíssima Juíza proferiu no presente processo consubstancia uma decisão injusta e errada.
I – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS III. Entende o Recorrente existir erro notório na apreciação e decisão da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, havendo desconformidade nos factos dados como provados, atendendo aos meios de prova disponibilizados nos autos. IV. Existe factualidade, com relevância para a causa, que deveria ter sido dada como provada, relaciona-se com o tema da prova referenciado no despacho saneador, a saber: «indemnização pela destituição». V. Até porque, consta da fundamentação de direito da sentença – com a indicação de jurisprudência [igualmente citada na contestação do Recorrente] -, que para efeitos indemnizatórios não basta a mera perda de retribuição. VI. Nesse contexto, deveria ter sido dada como provada a seguinte factualidade: «O Autor durante o período em que assumiu o cargo de vogal no Conselho de Administração da EMP01... exercia outras funções, nomeadamente na sua empresa.» e «As remunerações auferidas foram todas doadas a instituições de ...». VII. Toda esta factualidade com base as declarações de parte do Autor, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal – contador: 00:01 a 35:18, cujas passagens se transcreveram. VIII. Além disso, resulta da prova documental junta aos autos, mormente do documento 5 da PI – ata número ... e ... Assembleia Geral da EMP01... de 30/03/2022 -, essa mesma factualidade. IX. O Autor disse nessa sede o seguinte: «O Sr. Eng.º BB referiu ainda estar de boa-fé, e que, em termos financeiros não precisava do cargo, sendo que o dinheiro que auferia era canalizado para instituições de ...». X. Ter-se-á, atendendo ao explano supra, de alterar a decisão da matéria de facto, dando como provados os aludidos factos. XI. A relevância dessa alteração reside no eventual direito indemnizatório. XII. Pois, os ditos factos, demonstram, sem margem para dúvidas, que o A. não sofreu qualquer dano indemnizável. XIII. Logo, deverá ser o recurso procedente, alterando a aludida matéria de facto.
II – ERRO DE JULGAMENTO XIV. Na douta sentença recorrida o Mmo. Juiz invoca correctamente as normas jurídicas aplicáveis à situação jurídica objecto do presente processo. XV. Desde logo, o Mmo. Juiz do Tribunal a quo entende ser de aplicar o art.º 26.º, n.º 3 do DL n.º 71/2007, de 27 de Março [Estatuto do Gestor Público], por remissão do art.º 392.º, n.º 11 do CSC XVI. Logo, subscrevemos na íntegra a fundamentação jurídica quanto à aplicabilidade do dito Estatuto. XVII. Apenas existe divergência quanto à interpretação do dito normativo. XVIII. Ressaltando da decisão que não foi tomada em consideração a redacção actual da norma. XIX. Antes das alterações ao estatuto pelo DL n.º 8/2012, de 18/01, o dito normativo apresentava a seguinte redacção: «3 - Nos casos previstos no presente artigo, o gestor público tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respectivo mandato, com o limite de um ano.». XX. Com as referidas alterações – já ocorridas em 2012 – da dita norma passou a contar o seguinte: «3 - Nos casos previstos no presente artigo e desde que conte, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções, o gestor público tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respectivo mandato, com o limite de 12 meses». XXI. A alteração legislativa introduziu uma nova condição para a atribuição da indemnização, que corresponde à obrigatoriedade da função ter sido exercida pelo menos durante 12 meses seguidos. XXII. Para que fosse atribuída ao A. uma indemnização, nos termos preconizados na douta sentença, sempre teria o mesmo de ter exercido a referida função durante pelo menos 12 meses seguidos. XXIII. Mas, resulta dos factos provados – factos 5. e 22 –, que o A. foi nomeado a 30/06/2021 e destituído a 30/03/2022, que perfaz apenas 9 meses. XXIV. Assim sendo, no caso em apreço, não se mostra cumprida a condição necessária e suficiente para a atribuição da indemnização, ou seja, os 12 meses seguidos no exercício de funções. XXV. No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/09/2018, Proc.º 3312/17.0T8LSB.L1-1, relatora Maria Adelaide Domingos. XXVI. Existe um gritante e flagrante erro de julgamento, que urge repor, devendo considera- se que não se mostra cumprido o requisito temporal de 12 meses seguidos no exercício de funções, previsto no art.º 26.º, n.º 3 do DL n.º 71/2007, de 27 de Março. XXVII. Que consequentemente terá de redundar na absolvição do Recorrente no pagamento de qualquer indemnização, mormente a determinada pelo Tribunal a quo. XXVIII. A interpretação das normas aplicáveis ao caso, levadas a cabo pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, está incorrecta. XXIX. Foi violada a norma do artigo art.º 26.º, n.º 3 do DL n.º 71/2007, de 27 de Março. XXX. De todo o exposto, não poderá, a sentença que condenou o Réu, aqui Recorrente, ao pagamento de uma indemnização ao Recorrido pelo destituição, manter-se. Caso o recurso não seja procedente no demais, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá, XXXI. Dos factos provados resulta, sem margem para dúvidas, que o Recorrido/Autor era administrador da «EMP01...», tendo sido nomeado e desorado, no âmbito das referidas assembleias – factos 1., 5., 7., 12. e 22. XXXII. Quem procedia ao pagamento da remuneração ao Autor/recorrido era a EMP01... – facto 24. XXXIII. Nesse contexto, ao contrário do exposto na douta sentença, deve ser a R. EMP01... a suportar o pagamento da aludida indemnização. XXXIV. Logo, obviamente, não poderá, a sentença que condenou o Réu, aqui Recorrida, ao pagamento de uma indemnização ao Recorrido pelo destituição, manter-se, pois a existir, deve a mesma ser imputada à R. EMP01....”
Terminou pedindo a revogação da sentença recorrida, com a sua consequente absolvição do pagamento ao autor/recorrido da quantia de € 15 382,80 a título de indemnização pela destituição do cargo de vogal.
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O autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, e interpôs também recurso subordinado, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“I - DA RESPOSTA ÀS ALEGAÇÕES DE RECURSO: A) DO ALEGADO ERRO DE APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: 1. Alega o Recorrente a existência de um erro notório na apreciação e decisão da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, baseado na desconformidade nos factos dados como provados, atendendo aos meios de prova disponibilizados nos autos. 2. Mais considera que, para efeitos indemnizatórios, não basta a mera perda de retribuição, tornando-se necessário que seja demonstrada a existência de um dano. 3. Ora, decorre das declarações prestadas pelo Recorrido, em sede de depoimento de parte, gravado sob a designação “Diligencia_214-23.5T8CBT_2024-11-29_15-13-35” realizado a 29 de novembro de 2024: 34m50s “Mandatário: Engenheiro, há pouco não lhe perguntei. Após ter sido destituído, conseguiu de alguma forma recuperar o dinheiro que deixou de ganhar aqui? Autor: Não, o meu salário continuou a ser o mesmo que eu tinha. Essa componente obviamente que não a substituí por outra atividade...” 35m15s 4. Segundo a teoria da diferença, o valor da indemnização deve corresponder à diferença entre os rendimentos que ele teria recebido até ao final do mandato e os rendimentos efetivamente auferidos após a destituição. 5. Pelo que, não resultando da prova produzida que o recorrido tenha tido outra atividade cuja remuneração por si só fosse suscetível de mitigar os danos sofridos com a perda de remuneração, deve o dano sofrido ser valorado no montante da retribuição que o administrador deveria ter recebido até ao final do mandato. 6. Mais, entende o recorrente que deveria ter sido dado como provado que: - «O Autor durante o período em que assumiu o cargo de vogal no Conselho de Administração da EMP01... exercia outras funções, nomeadamente na sua empresa.» - «As remunerações auferidas foram todas doadas a instituições de ...». 7. Ora, conforme decorre de todo o depoimento do recorrido, o mesmo nunca deixou de exercer as suas funções profissionais principais, tendo cumulado as mesmas com o exercício do cargo de administrador não executivo da EMP01... S.A. 8. Por outro lado, aquilo que o recorrido faz depois do recebimento da retribuição encontra-se na esfera das vontades do próprio; 9. Pelo que mesmo que o destino das remunerações fosse a doação a instituições de ..., tal decisão e gratificação caberia apenas ao recorrido; 10. Decisão que poderia a qualquer momento ser parcial ou totalmente ajustada de acordo com o livre arbítrio do recorrido; 11. Daí que, ainda que tais factos venham a ser declarados como provados, os mesmos não mitigam os danos causados pela destituição.
B) DO ERRO DE JULGAMENTO: 12. Considera o Recorrente que, apesar de o tribunal ter aplicado corretamente o disposto no n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, doravante Estatuto do Gestor Público, por remissão do artigo 392.º, n.º 11 do CSC, não foi tida em consideração a redação atual da norma. 13. Sucede, todavia, que também a este propósito considera a recorrida que o regime aplicável à presente situação não é o previsto no Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, mas o decorrente do Código das Sociedades Comerciais. 14. Considerando que o Setor Público Empresarial (SPE) em Portugal, na aceção do Decreto- Lei n.º 133/2013, de 03 de outubro que procedeu à revogação do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, é composto por empresas públicas nas quais o Estado ou outras entidades públicas detêm uma influência dominante, seja de forma direta ou indireta. 15. Atendendo a que na sequência da alteração efetuada pela Lei n.º 35/2013, de 11 de junho à Lei n.º 88-A/97, de 25 de julho, que regula o acesso da iniciativa económica privada a determinadas atividades económicas, o Decreto-Lei n.º 92/2013, de 11 de julho, veio permitir a entrada de capital privado nas entidades gestoras de sistemas multimunicipais no setor dos resíduos. 16. Então, considerando que, conforme decorre da página de apresentação online da EMP01...: “A EMP01... é a concessionária do Sistema Norte-Central, sendo, desde ../../2015, uma empresa de capitais maioritariamente privados, com um capital social de 8.000.000 de euros, distribuído pela EMP02..., S.A., na percentagem de 75,1%, estando os restantes 24,9%, distribuídos por alguns dos Municípios utilizadores do sistema de forma direta ou através de associações.” 17. E que à data da nomeação e destituição do recorrido a EMP01..., S.A., já era uma empresa de capitais maioritariamente privados, uma vez que 75,1% do seu capital pertence à EMP02..., S.A. (EMP02...) privatizada na sequência do Decreto- Lei n.º 45/2014, publicado no Diário da República n.º 55, Série I, de 20 de março de 2014 e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 87/2017, publicada no Diário da República n.º 116, Série I, de 19 de junho de 2017, 18. Os membros dos órgãos de administração da EMP01..., incluindo os vogais não executivos, não se encontram abrangidos pelo Estatuto do Gestor Público, aplicando-se- lhes o Código das Sociedades Comerciais (CSC) e as regras de governação próprias da empresa, 19. Considera o recorrido que a sentença proferida padece de um erro de aplicação do Direito à situação concreta, não ao interpretar erradamente o n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, mas sim ao recorrer ao Estatuto do Gestor Público quando a EMP01... desde 2015 não pertence ao Setor Empresarial do Estado. 20. Por conseguinte, atendendo aos factos dados como provados na sentença proferida e à aplicação do direito que deve ser feita aos mesmos, sempre será de considerar o previsto no Código das Sociedades Comerciais quanto à destituição dos membros do conselho de administração.
II - DO RECURSO SUBORDINADO:
A) DO ERRO NA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: 21. Considera o recorrido, ora recorrente, que para a decisão de mérito da causa seria relevante que aos factos dados como provados ficasse assente como provado que: “O Autor não iniciou qualquer outra atividade, de idêntico nível económico, social e profissional, na sequência da sua destituição da sociedade” “A componente remuneratória auferida pelo Autor como administrador não executivo da EMP01..., S.A. não foi substituída por nenhuma outra.” 22. A demonstração de tais factos resulta do depoimento prestado pelo recorrido, ora recorrente. 23. Segundo as declarações prestadas pelo Recorrido, em sede de depoimento de parte, gravado sob a designação “Diligencia_214-23.5T8CBT_2024-11-29_15-13-35” realizado a 29 de novembro de 2024: 34m50s “Mandatário: Engenheiro, há pouco não lhe perguntei. Após ter sido destituído, conseguiu de alguma forma recuperar o dinheiro que deixou de ganhar aqui? Autor: Não, o meu salário continuou a ser o mesmo que eu tinha. Essa componente obviamente que não a substitui por outra atividade...” 35m15s 24. Nestes termos, aos factos dados como provados deve ser acrescentado como provado que “O Autor não iniciou qualquer outra atividade, de idêntico nível económico, social e profissional, na sequência da sua destituição da sociedade” e que “A componente remuneratória auferida pelo Autor como administrador não executivo da EMP01..., S.A. não foi substituída por nenhuma outra.”
B) DA ERRADA APLICAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 71/2007, DE 27 DE MARÇO: 25. Conforme supramencionado, considera o recorrido que a sentença proferida padece de um erro de aplicação do Direito à situação concreta, não ao interpretar erradamente o n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, mas sim ao recorrer ao Estatuto do Gestor Público quando a EMP01... desde 2015 não pertence ao Setor Empresarial do Estado. 26. Por conseguinte, atendendo aos factos dados como provados na sentença proferida e à aplicação do direito que deve ser feita aos mesmos, sempre será de considerar o previsto no Código das Sociedades Comerciais quanto à destituição dos membros do conselho de administração. 27. Decorre do n.º 1 do artigo 403.º do Código das Sociedades Comerciais que: “Qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído por deliberação da assembleia geral, em qualquer momento.” 28. Estabelecendo o n.º 5 do mesmo artigo que: “Se a destituição não se fundar em justa causa o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.” 29. Nesta medida, considerando que o valor mensal devido a um vogal não executivo é de € 1.281,90 (mil duzentos e oitenta e um euros e noventa cêntimos); 30. E que o Recorrido teria direito a auferir do mesmo 14 meses por ano; 31. Atendendo a que o Recorrido terá auferido daqueles valores até março de 2022; 32. E que o mandato do Recorrido terminaria a ../../2023; 33. Considerando que a destituição foi promovida sem justa causa, deveria o Recorrente ter sido condenado a pagar ao Recorrido a quantia global de € 23.074,20 (vinte e três mil e setenta e quatro euros e vinte cêntimos).”
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Não foi apresentada resposta ao recurso subordinado.
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Os recursos principal e subordinado foram admitidos como de apelação, a subir nos autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
OBJETO DO RECURSO
Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:
I - saber se a matéria de facto deve ser alterada nos moldes peticionados quer no recurso principal, quer no recurso subordinado;
II - saber se o regime jurídico aplicável à relação jurídica objeto dos autos é o Estatuto do Gestor Público, constante do DL 71/2007, de 27.3, ou o do Código das Sociedade Comerciais;
III - concluindo-se pela aplicação do Estatuto do Gestor Público, saber se se verificam os pressupostos legais de que o nº 3 do art. 26º faz depender a obrigação de indemnizar a cargo do réu/recorrente;
IV - concluindo-se pela aplicação do CSC, saber se se verificam os pressupostos legais de que o nº 1 do art. 403º faz depender a obrigação de indemnizar a cargo do réu/recorrente e, na afirmativa, fixar o valor da indemnização devida.
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:
1. No âmbito das notificações judiciais avulsas que correram termos o n.º 1441/22...., no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu Juízo Local Cível de Lamego, e sob o n.º 382/22...., no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Competência Genérica de Celorico de Basto, foram os Réus notificados pelo Autor com vista à interrupção do prazo de prescrição previsto no artigo 309.º do Código Civil.
2. Conforme decorre da página de apresentação online da 1.ª Ré: “A EMP01... é a concessionária do Sistema Norte-Central, sendo, desde ../../2015, uma empresa de capitais maioritariamente privados, com um capital social de 8.000.000 de euros, distribuído pela EMP02..., S.A., na percentagem de 75,1%, estando os restantes 24,9%, distribuídos por alguns dos Municípios utilizadores do sistema de forma direta ou através de associações.”.
3. De entre os Municípios utilizadores daquele sistema, encontra-se o 2.ª Réu.
4. Nos termos da alínea d), do n.º 2, da Cláusula 4.ª do Acordo Parassocial da 1.ª Ré, cabe ao 2.ª Réu designar um vogal para o Conselho de Administração.
5. Em Assembleia Geral de 30 de junho de 2021, o 2.º Réu indicou o Autor para assumir o cargo de vogal no Conselho de Administração da EMP01..., S.A. para o triénio 2021-2023.
6. Em reunião ordinária realizada em 23.11.2021, o 2.º Réu deliberou designar o Engenheiro CC, Presidente da Câmara Municipal, como representante daquele a integrar o Conselho de Administração da 1.ª Ré.
7. Neste seguimento, propôs o 2.º Réu, sob o ponto n.º 3 da Ordem de Trabalhos da Convocatória da Assembleia Geral Anual, a reunir no dia 30 de março de 2022, a destituição do Autor do cargo de Vogal do Conselho de Administração.
8. Propôs também a indicação do Engenheiro CC, Presidente da Câmara Municipal, para aquele cargo, sob o ponto n.º 4 da Ordem de Trabalhos da Convocatória da Assembleia Geral Anual, para o mesmo dia.
9. Decorrendo da própria ata de 30 de março de 2022 da Assembleia Geral da EMP01..., S.A., que (cfr. doc. n.º 5):
“[o Presidente da Câmara Municipal ...] afirmou que prestaria todo o apoio jurídico e financeiro à EMP01... nos processos judiciais que pudessem ser interpostos pelo Sr. Eng. AA”.
10. Nessa assembleia houve um voto de louvor ao Conselho de Administração no seu todo.
11. Nos termos do artigo 4º, nº 2, alínea d), do Acordo Parassocial de 22.12.2009 celebrado entre os accionistas da Ré EMP01..., os Municípios que eram acionistas da EMP03..., S.A. designariam um vogal, sendo o município onde fica instalada a delegação principal da EMP01... responsável por essa designação.
12. Na Assembleia Geral de 30 de junho de 2021, foi designado como vogal do conselho de administração foi o MUNICÍPIO ..., para o mandato relativo ao período de 2021-2023, como consta da certidão comercial da Ré, que se encontra junta aos autos.
13. Visando cumprir o pactado entre os accionistas, no Acordo Parassocial outorgado a 22 de dezembro de 2009.
14. Prevê-se também na cláusula 4ª, nº 10 que “A destituição e substituição dos membros dos órgãos sociais dependem exclusivamente da vontade dos accionistas que hajam procedido à sua designação, salvo se os membros dos órgãos sociais tiverem incorrido em responsabilidade penal ou cível por actos realizados contra o interessa da Sociedade.”.
15. Na sequência dessa nomeação MUNICÍPIO ..., como vogal do Conselho de Administração, e nos termos do artigo 390º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais, este Município indicou o Autor para o exercício dessas funções de administração.
16. Atendendo à existência de uma delegação da EMP01..., no concelho ..., o Município assumiria um cargo na Administração.
17. Através da Assembleia Geral de 30/06/2021, o R. Município foi nomeado administrador, para mandato de 2021-2023, na qualidade de vogal do concelho de administração.
18. O MUNICÍPIO ... é uma pessoa colectiva, pelo que sempre teria de ser representada, ou pelo legal representante (Presidente do Município), ou por uma pessoal singular por ele indicada.
19. Apenas representava o MUNICÍPIO ..., na sequência do deliberado em sede de reunião do executivo municipal.
20. O R. entendia não estar salvaguardo o interesse público, decidiu nomear outro representante do MUNICÍPIO ..., neste caso o Sr. Presidente da Câmara Municipal ....
21. Tal foi deliberado em sede de reunião do executivo, realizada a 23/11/2021.
22. O R. Município pretendeu a substituição do seu representante do membro do conselho de administração, o MUNICÍPIO ... o qual foi comunicado à 1.ª R e, consolidado (comunicado) em sede de Assembleia Geral de 30/03/2022.
23. O membro do conselho de administração sempre foi o R. MUNICÍPIO ....
24. O valor mensal devido a um vogal não executivo é de 1281,90.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
I – Alteração da matéria de facto
Dispõe o artigo 662º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A norma em questão alude a meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não a meios de prova que permitam, admitam ou apenas consintam decisão diversa da impugnada.
Antes de entrar na análise da impugnação deduzida pelas partes, impõe-se, oficiosamente alterar parte da factualidade dada como provada, porquanto a mesma não espelha na sua integralidade o que resulta dos documentos que a suportam.
Assim, no facto nº 14 não se fez constar a integralidade da cláusula que consta do acordo parassocial junto aos autos.
Por conseguinte, altera-se o facto nº 14, o qual passará a ter a seguinte redação:
14. Prevê-se também na cláusula 4ª, nº 10 que “A destituição e substituição dos membros dos órgãos sociais dependem exclusivamente da vontade dos accionistas que hajam procedido à sua designação, salvo se os membros dos órgãos sociais tiverem incorrido em responsabilidade penal ou cível por actos realizados contra o interesse da Sociedade. Os custos inerentes à destituição sem justa causa dos membros dos órgãos sociais serão da responsabilidade dos accionistas que os tenham designado e que tenham solicitado essa destituição.”
No facto 24 apenas foi dado como provado que o valor mensal devido a um vogal não executivo é de € 1 281,90. Este valor remuneratório consta da ata nº ...1 da assembleia geral da EMP01..., que teve lugar em 30.6.2021, e da mesma resulta ainda que essa remuneração é devida 14 vezes por ano.
Assim, altera-se o facto nº 24, o qual passará a ter a seguinte redação:
24. O valor mensal devido a um vogal não executivo é de € 1 281,90 e é devido 14 vezes por ano.
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Passando agora à impugnação deduzida pelos recorrentes, o réu MUNICÍPIO ... pretende que se aditem os seguintes factos ao acervo factual (conclusão VI do recurso principal):
«O Autor durante o período em que assumiu o cargo de vogal no Conselho de Administração da EMP01... exercia outras funções, nomeadamente na sua empresa.». «As remunerações auferidas foram todas doadas a instituições de ...».
O autor pretende que se aditem os seguintes factos ao acervo factual (conclusão 21 do recurso subordinado):
“O Autor não iniciou qualquer outra atividade, de idêntico nível económico, social e profissional, na sequência da sua destituição da sociedade” “A componente remuneratória auferida pelo Autor como administrador não executivo da EMP01..., S.A. não foi substituída por nenhuma outra.”
A nível de elementos probatórios que sustentam as pretensões de aditamento, ambos se estribam no depoimento de parte do autor, invocando ainda o réu MUNICÍPIO ... o documento nº 5 junto com a p.i.
Nas declarações que prestou, o autor confirmou que, durante o período em que exerceu o cargo de vogal na EMP01..., continuou a exercer a anterior atividade profissional que já desempenhava na sua empresa e que, após ter sido destituído desse cargo, manteve a anterior atividade profissional que já desenvolvia e não iniciou qualquer nova atividade em substituição do cargo de vogal na qual auferisse qualquer valor.
Não obstante o autor ter um interesse direto e pessoal no desfecho da ação, as suas declarações, a cuja audição integral procedemos, revelaram-se objetivas e isentas, merecendo credibilidade, razão pela qual a factualidade que o mesmo confirmou deve ser aditada ao acervo factual.
O autor não se pronunciou sobre o destino que dava aos valores auferidos no cargo de vogal, designadamente não confirmou que os doava a instituições de ....
Por outro lado, o documento nº 5, que é a ata nº ...2 da assembleia geral da EMP01..., que teve lugar em 30.3.2022, não é suficiente para impor que essa matéria seja dada como provada.
Nessa ata consta, entre outras matérias que aqui não relevam, que o Sr. Eng. AA referiu que, em termos financeiros, não precisava do cargo de vogal sendo que o dinheiro que auferia era canalizado para instituições de ... (pág. 11 da ata).
Em primeiro lugar, não se pode concluir que a expressão canalizar seja equivalente a doar. Em segundo lugar, estas afirmações foram atribuídas ao autor por quem elaborou a ata e não foram confirmadas pelo próprio, como já se referiu.
Assim, entende-se que os elementos probatórios invocados e ora analisados são insuficientes para impor que se adite ao acervo factual que as remunerações auferidas pelo autor foram todas doadas a instituições de ..., improcedendo nesta parte a impugnação deduzida.
Por conseguinte, procede parcialmente a impugnação deduzida e, em consequência, aditam-se os seguintes factos ao acervo factual provado:
25. O Autor, durante o período em que assumiu o cargo de vogal no Conselho de Administração da EMP01..., exercia outras funções, nomeadamente na sua empresa.
26. O Autor não iniciou qualquer outra atividade de idêntico nível económico, social e profissional na sequência da sua destituição da sociedade.
27. A componente remuneratória auferida pelo Autor como administrador não executivo da EMP01..., S.A. não foi substituída por nenhuma outra.
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II - Definição do regime jurídico aplicável à relação jurídica objeto dos autos
A decisão recorrida atribuiu a indemnização ao autor com base no disposto no art. 26º, nº 3 do Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo DL 71/2007, de 27.3, que considerou ser aplicável por via da remissão do art. 392º, nº 11, do CSC, o qual dispõe que os administradores por parte do Estado ou de entidade pública a ele equiparada por lei para este efeito são nomeados nos termos da respetiva legislação.
Ainda antes de determinar qual o regime jurídico aplicável, a primeira conclusão que se impõe é que o Estatuto do Gestor Público, a ser aplicável, não é o é por força do disposto no art. 392º, nº 11, do CSC.
Com efeito, o nº 11 do art. 392º do CSC rege unicamente sobre o modo de nomeação dos administradores por parte do Estado ou de entidade pública a ele equiparada, determinando que essa nomeação é efetuada nos termos da legislação respetiva. Desta norma não se pode extrapolar, como faz a decisão recorrida, que é aplicável o art. 26º do Estatuto do Gestor Público, pois o art. 26º nada rege sobre nomeação - matéria que se encontra regulada no art. 13º onde consta o regime de designação de gestores - regendo unicamente sobre a dissolução e demissão por mera conveniência.
Isto dito, vejamos agora se o Estatuto do Gestor Público é aplicável à relação jurídica objeto dos autos.
O Estatuto do Gestor Público foi aprovado pelo DL 71/2007, de 27.3.
Conforme se diz no preâmbulo desse diploma, com o mesmo “[p]retende-se instituir um regime do gestor público integrado e adaptado às circunstâncias actuais, que abranja todas as empresas públicas do Estado, independentemente da respectiva forma jurídica, e que fixe sem ambiguidades o conceito de gestor público, defina o modo de exercício da gestão no sector empresarial do Estado e as directrizes a que a mesma deve obedecer e regule a designação, o desempenho e a cessação de funções pelos gestores públicos. O presente decreto-lei assenta, além do mais, no reconhecimento pelo Governo da importância das empresas públicas e dos gestores públicos na satisfação das necessidades colectivas e na promoção do desenvolvimento económico e social do País, seja pelo efeito directo da sua actividade na economia, seja pelo exemplo que devem constituir para a generalidade do tecido empresarial” (sublinhados nossos).
Para os efeitos desse diploma, considera-se gestor público quem seja designado para órgão de gestão ou administração das empresas públicas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro (art. 1º, nº 1). Note-se que a referência feita a este último diploma tem atualmente de se considerar efetuada relativamente ao Decreto-Lei nº 133/2013, de 3 de outubro, o qual aprovou o novo regime jurídico do sector público empresarial e, na al. a) do art. 74º, revogou o Decreto-Lei n.º 558/99.
O Estatuto do Gestor Público não se aplica a quem seja designado para órgão de administração de instituições de crédito integradas no setor empresarial do Estado e qualificadas como 'entidades supervisionadas significativas', na aceção do ponto 16) do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 468/2014, do Banco Central Europeu, de 16 de abril de 2014 (art. 1º, nº 2).
O art. 2º estende a aplicação do diploma, dispondo que:
1 - Aos titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados pelo Estado, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os artigos 10.º a 12.º, 15.º a 17.º, o n.º 1 do artigo 22.º e o artigo 23.º
2 - O presente decreto-lei é subsidiariamente aplicável aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes dos sectores empresariais regionais e locais, sem prejuízo das respectivas autonomias.
3 - O presente decreto-lei é ainda aplicável, com as devidas adaptações, aos membros de órgãos directivos de institutos públicos de regime especial, bem como às autoridades reguladoras independentes, nos casos expressamente determinados pelos respectivos diplomas orgânicos, em tudo o que não seja prejudicado pela legislação aplicável a estas entidades.
O Estado é uma pessoa coletiva territorial. Tal como o Estado, também as Regiões Autónomas e as Autarquias Locais são pessoas coletivas territoriais (arts. 227º, nº 1 e 235º da CRP).
As autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas (art. 235º, nº 2 da CRP).
No continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas (art. 236º, nº 1, da CRP).
Assim, os municípios são pessoas coletivas territoriais, com personalidade jurídica própria e autónoma, distinta da do Estado.
A Lei n.º 35/2013, de 11 de junho, que regula o acesso da iniciativa económica privada a determinadas atividades económicas, visando a reorganização do setor de abastecimento de água e saneamento de águas residuais e recolha e tratamento de resíduos sólidos (art. 1º), no seu art. 2º alterou o art. 1º, nº 5, al. b) do DL nº 88-A/97, de 25 de julho, e passou a prever que, no caso de sistemas multimunicipais, as concessões relativas às atividades de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos referidas na alínea a) do n.º 1 são outorgadas pelo Estado e podem ser atribuídas a empresas cujo capital social seja maioritária ou integralmente subscrito por entidades do setor privado.
Ora, no caso em apreço, a ré EMP01... é a concessionária do Sistema Norte-Central, sendo, desde ../../2015, uma empresa de capitais maioritariamente privados, com um capital social de 8.000.000 de euros, distribuído pela EMP02..., S.A., na percentagem de 75,1%, estando os restantes 24,9%, distribuídos por alguns dos Municípios utilizadores do sistema de forma direta ou através de associações (facto 2).
A EMP02..., S.A. foi objeto de processo de privatização nos termos do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de março, e das resoluções do Conselho de Ministros n.º 55-B/2014, de 19 de setembro, publicada no DR n.º 181/2014, 2º Suplemento, Série I, de 2014.09.19, e n.º 87/2017, publicada no DR n.º 116/2017, Série I de 2017.06.19.
Assim, a situação sub judice não é enquadrável no art. 1º do EGP, porque a EMP01... não é uma empresa pública.
E também não é enquadrável na extensão decorrente do art. 2º do mesmo diploma, porque não se verificam as situações referidas nos nºs 1 a 3 desse normativo.
Concretamente no que respeita ao nº 1, importa referir que o Estado não tem participação na EMP01..., apenas existindo participação dos Municípios, os quais não se confundem com o Estado e possuem personalidade jurídica própria.
Por conseguinte, conclui-se que a situação em apreço não é regulada pelo EGP.
Em abono desta conclusão, importa ainda chamar à colação o DL nº 106/2014, de 2.7. Como se escreve no seu preâmbulo, “[n]a sequência da alteração efetuada pela Lei n.º 35/2013, de 11 de junho à Lei n.º 88-A/97, de 25 de julho, que regula o acesso da iniciativa económica privada a determinadas atividades económicas, o Decreto-Lei n.º 92/2013, de 11 de julho veio permitir a entrada de capital privado nas entidades gestoras de sistemas multimunicipais no setor dos resíduos, adaptando o quadro legal destas entidades, numa linha de continuidade, à evolução setorial registada nos últimos 20 anos. Neste contexto, o presente decreto-lei vem concretizar essas alterações, e concluir o percurso iniciado pela Lei n.º 88-A/97, de 25 de julho, conforme alterada, no que se refere à EMP01..., S.A. (EMP01..., S.A.). Assim, são introduzidas nos estatutos da referida sociedade as alterações estritamente necessárias à sua harmonização com o enquadramento legal vigente.”
O referido diploma procedeu à alteração dos estatutos da sociedade EMP01..., S.A. (EMP01..., S.A.), aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 235/2009, de 15 de setembro (art. 1º, nº 2).
Inicialmente, o nº 4 do art. 6º do DL nº 235/2009 previa que a EMP01..., S.A. rege-se pelo presente decreto-lei, pelos seus estatutos e pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro.
Com a alteração introduzida pelo art. 2º do DL nº 106/2014, de 2.7, o nº 3 do art. 6º do DL nº 235/2009, passou a prever que a EMP01..., S.A. rege-se pelo presente decreto-lei, pelos seus estatutos e pela lei comercial.
Portanto, salvo o devido respeito por opinião contrária, resulta para nós evidente que, a partir da alteração introduzida pelo DL 106/2014 ao DL nº 235/2009, alteração que entrou em vigor em 3.7.2014 (art. 8º), a EMP01... deixou de estar integrada no setor empresarial do Estado aprovado pelo Decreto-Lei n.º 558/99, deixando, consequentemente de lhe ser aplicável o Estatuto do Gestor Público, e passou a reger-se unicamente pelo nº DL nº 235/2009, pelos respetivos estatutos e pela lei comercial.
Nestes termos, e em resposta a esta segunda questão recursiva, entende-se que o regime jurídico aplicável à relação jurídica objeto dos autos é o constante do Código das Sociedade Comerciais e não o Estatuto do Gestor Público constante do DL nº 71/2007, de 27.3, como foi decidido na sentença recorrida.
III - Verificação dos pressupostos legais da obrigação de indemnizar a cargo do réu/recorrente à luz do regime jurídico do EGP
Uma vez que, em resposta à questão anterior, concluímos que o Estatuto do Gestor Público não é aplicável à relação jurídica objeto dos presentes autos, fica prejudicada a apreciação desta questão.
IV - Verificação dos pressupostos legais da obrigação de indemnizar a cargo do réu/recorrente à luz do regime jurídico do CSC e fixação do valor da indemnização devida
Analisemos, então, à luz do regime jurídico aplicável constante do CSC, se o autor tem direito a receber a indemnização peticionada por ter deixado de exercer o cargo de vogal da EMP01... e, na hipótese afirmativa, qual o seu valor e sobre quem impende a obrigação de indemnização.
De acordo com o disposto nos nºs 1 e 4 do art. 390º, do CSC, o conselho de administração é composto pelo número de administradores fixado no contrato de sociedade e, se uma pessoa coletiva for designada administrador, deve nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio; a pessoa coletiva responde solidariamente com a pessoa designada pelos atos desta.
De forma alinhada com o disposto no citado normativo, consta da alínea d), do n.º 2, da Cláusula 4.ª do Acordo Parassocial da EMP01... que cabe ao réu MUNICÍPIO ... designar um vogal para o conselho de administração (factos 4 e 11).
Em consonância com estas disposições, na assembleia geral de 30 de junho de 2021, o réu MUNICÍPIO ... foi designado como vogal do Conselho de Administração da EMP01..., S.A. para o triénio 2021-2023 e indicou o autor para assumir esse cargo (factos 5, 12, 13 e 15).
Posteriormente, em reunião ordinária realizada em 23.11.2021, o réu MUNICÍPIO ... deliberou designar o Engenheiro CC, Presidente da Câmara Municipal, para integrar o Conselho de Administração da EMP01..., assim substituindo o autor quanto ao exercício do cargo de vogal, situação que se veio a consolidar na assembleia geral da EMP01... que teve lugar em 30.3.2022 (factos 6, 7, 8, 20 e 21).
Dispõe o nº 1 do art. 403º do CSC que qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído por deliberação da assembleia geral, em qualquer momento.
Prevê-se na cláusula 4ª, nº 10 do acordo parassocial da EMP01... que “A destituição e substituição dos membros dos órgãos sociais dependem exclusivamente da vontade dos accionistas que hajam procedido à sua designação, salvo se os membros dos órgãos sociais tiverem incorrido em responsabilidade penal ou cível por actos realizados contra o interesse da Sociedade” (facto 14).
Assim, o réu MUNICÍPIO ... podia livremente, e sem necessidade de invocação de qualquer causa, substituir o autor no exercício do cargo de vogal do conselho da administração, como efetivamente fez.
Porém, e conforme dispõe o nº 5 do art. 403º do CSC, se a destituição não se fundar em justa causa o administrador tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pelo modo estipulado no contrato com ele celebrado ou nos termos gerais de direito, sem que a indemnização possa exceder o montante das remunerações que presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito.
Não constando da factualidade provada a existência de qualquer contrato celebrado entre o autor e o MUNICÍPIO ... relativamente ao exercício do cargo de vogal, a indemnização tem que ser fixada nos termos gerais de direito, ou seja, de acordo com as regras constantes do Código Civil, tendo a mesma como limite máximo o montante das remunerações que presumivelmente o destituído receberia até ao final do período para que foi eleito.
Em matéria de obrigação de indemnização o art. 562º do CC consagra o princípio geral da reconstituição natural pois quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º, do CC) e o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (art. 564º, do CC). A indemnização devida abrange, assim, quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes, consistindo aqueles numa diminuição efetiva do património e estes na frustração de um ganho.
Na fixação da indemnização pode ainda o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (art. 564º, nº 2, do CC).
A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art. 566º, nº 1, do CC).
Nessa hipótese, a indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art. 566º, nº 2, do CC).
Ou seja, no cálculo da indemnização importa considerar a diferença entre a situação real e hipotética do lesado se o mesmo não tivesse sido atingido pelo facto gerador da obrigação de indemnizar.
Caso não seja possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º, nº 3, do CC).
No caso em apreço, em virtude de ter sido substituído pelo réu MUNICÍPIO ... no cargo de vogal, o autor deixou de auferir a remuneração mensal de € 1 281,90.
Não fora essa substituição, ocorrida em 30.3.2022, o autor auferiria esse valor mensal até ../../2023, o qual era devido 14 vezes por ano, o que significa que englobava subsídio de férias e de natal.
Assim, no ano de 2022 deixou de auferir as remunerações de abril a dezembro e dois subsídios e, no ano de 2023, deixou de auferir as retribuições de janeiro a junho de 2023 e um subsídio. O que significa que, no total, o autor deixou de auferir a quantia de € 23 074,20 (€ 1 281,90 x 18).
Por outro lado, depois de ter deixado de exercer o cargo de vogal, o autor não iniciou qualquer outra atividade de idêntico nível económico, social e profissional e a componente remuneratória que auferia como administrador não executivo da EMP01..., S.A. não foi substituída por nenhuma outra.
Assim, na sequência da substituição no cargo de vogal da EMP01..., que teve lugar por iniciativa do réu MUNICÍPIO ..., o autor sofreu um dano de € 23 074,20, equivalente às remunerações que iria auferir até ao final do mandato, tendo direito a ser ressarcido desse valor.
A obrigação de indemnização impende exclusivamente sobre o réu MUNICÍPIO ..., entidade que praticou o ato gerador da obrigação de indemnização, visto que foi ele quem substituiu o autor para o cargo para o qual o havia inicialmente indicado, sendo ainda de referir que consta na cláusula 4ª, nº 10 do acordo parassocial que os custos inerentes à destituição sem justa causa dos membros dos órgãos sociais serão da responsabilidade dos acionistas que os tenham designado e que tenham solicitado essa destituição (facto 14).
Por conseguinte, improcede o recurso principal interposto pelo réu MUNICÍPIO ..., salvo na parte relativa à impugnação da matéria de facto nos termos supra analisados, e procede o recurso subordinado interposto pelo autor, tendo a sentença recorrida que ser alterada e o réu MUNICÍPIO ... condenado a pagar ao autor a quantia de € 23 074,20 o qual deverá ainda suportar as custas da ação.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Uma vez que o recurso principal foi julgado improcedente quanto à pretensão de mérito formulada e o recurso subordinado foi julgado procedente, o recorrente MUNICÍPIO ... é parte vencida em ambos, em conformidade com a disposição legal citada, sendo responsável pelo pagamento das custas.
DECISÃO
Pelo exposto, as juízes deste Tribunal da Relação:
A) julgam parcialmente procedente o recurso principal interposto pelo réu MUNICÍPIO ... quanto à impugnação de matéria de facto, julgando-o improcedente quanto à pretensão de revogação da sentença e absolvição do pedido;
B) julgam procedente o recurso subordinado interposto pelo autor e, em consequência, alteram a sentença recorrida e condenam o réu MUNICÍPIO ... a pagar ao autor a quantia de € 23 074,20, ficando também a seu cargo as custas da ação.
As custas dos recursos principal e subordinado ficam a cargo do réu MUNICÍPIO ....
Notifique.
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Guimarães, 2 de abril de 2025
(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade
(2º/ª Adjunto/a) Alexandra Maria Viana Parente Lopes