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ACÇÃO EXECUTIVA
SUSPENSÃO POR CAUSA PREJUDICIAL
MOTIVO JUSTIFICADO
Sumário
I - Não é admissível suspender os termos da ação executiva com o fundamento na prejudicialidade de uma outra causa que se encontra pendente. II – Também não é admissível a suspensão por motivo justificado se este consistir na pendência de ação autónoma considerada prejudicial à ação executiva. II - O exequente exercita um direito sustentado num título com força executiva, sendo que está ao alcance do embargante suspender o prosseguimento da execução prestando caução.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I - RELATÓRIO
Inconformada com a decisão que suspendeu a execução por causa prejudicial veio a exequente EMP01... – COMÉRCIO DE MÁQUINAS PARA A INDÚSTRIA TÊXTIL, S.A., dela interpor recurso, terminando com as seguintes conclusões:
PRIMEIRA: O presente recurso vem interposto do douto despacho proferido em 27/11/2024, com a referência ...24, no qual a Mm.ª Juiz de Direito decidiu nos termos seguintes: “Pelo exposto, ao abrigo do preceituado no art. 272º, nºs 1e 3, do Cód. Proc. Civil, por existir causa prejudicial e por considerarmos ser a pendência do processo nº 5334/24.... do Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz ... motivo justificado, decide-se suspender a execução e todos os apensos da mesma, incluindo o presente, até transitar em julgado a decisão a proferir no processo nº 5334/24.... do Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz ....”
SEGUNDA: A primeira questão que se coloca à apreciação de V/Exas respeita à aplicabilidade do nexo de prejudicialidade enquanto causa de suspensão da instância, previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil, aos autos executivos.
TERCEIRA: Isto porque, entende o douto despacho que a existência de uma ação de processo declarativo pendente entre as partes, a correr no Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz ..., com o n.º 5334/24...., onde se discute a subsistência de um contrato de compra e venda e onde foi entregue para pagamento a letra de câmbio dada à execução, constitui causa prejudicial que obsta ao prosseguimento da presente instância executiva.
QUARTA: Entende a recorrente que a posição assumida pelo tribunal a quo, salvo o devido respeito, apresenta-se contrária ao gizado pela nossa jurisprudência e doutrina maioritária.
QUINTA: Atenta a abundante doutrina e jurisprudência que partilham deste entendimento, óbvio se torna a conclusão de que a instância executiva (e respetivos apensos) não pode ser suspensa com fundamento em causa prejudicial.
SEXTA: Sem prescindir, sempre haveríamos de concluir pela improcedência da suspensão com fundamento em causa prejudicial, uma vez que, a ação declarativa pendente invocada foi intentada em momento posterior (02/09/2024) à propositura da execução (06/07/2024).
SÉTIMA: Por outro lado, entende o despacho recorrido que: “ainda que não pudéssemos sustentar a suspensão por causa prejudicial, sempre entenderíamos suspender a causa nos termos e ao abrigo do disposto no art. 272º, nº 1, parte final, do Cód. Proc. Civil, por em boa verdade, considerarmos que não faz sentido o prosseguimento da execução para pagamento coativo do preço num contrato que pode ser declarado resolvido.”
OITAVA: Porém, esta suspensão não é aceitável nos casos em que tiver havido oposição à execução ou embargos de terceiro (que foi precisamente o que aconteceu nos presentes autos), pois, em princípio, a execução só poderá ser suspensa nos termos previstos nos artigos 733 e 347.º do CPC.
NONA: Também sobre esta questão a jurisprudência se tem manifestado no sentido de que “para se ordenar a suspensão de uma ação executiva com base em ocorrência de motivo justificado é necessário que o motivo invocado seja outro que não pendência de uma qualquer causa autónoma, caso contrário estar-se-ia, na mesma, a funcionar, no fundo, como uma verdadeira causa prejudicial”, o que a lei não permite. – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 09/11/2023, proc. 480/05.8TBAMD.L1-6, Rel. Adeodato Bastos; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/02/2022, Proc. 391/17.4T8VCT-D-G1, Rel. Jorge Santos e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/05/2020, Proc. 1075/09.2TBCTB-W.C1, Rel. Ana Vieira, disponíveis em www.dgsi.pt.
DÉCIMA: Significa, portanto, que apenas poderá ser considerado motivo justificado suscetível de determinar a suspensão de uma execução, aquele que for inerente ao próprio processo executivo, não podendo fundar-se em ação autónoma.
DÉCIMA PRIMEIRA: Desta forma, por todas as razões apontadas, deverá ser revogado o douto despacho, não sendo de admitir os motivos invocado pelo tribunal recorrido para a decisão de suspensão da execução e, inclusive, dos presentes autos.
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Os Recorridos apresentaram contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC).
A única questão a apreciar consiste em saber se é admissível a suspensão da instância por causa prejudicial ou motivo justificado com aquela causa relacionado, no âmbito da ação executiva.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A questão posta em recurso não é nova nem isenta de controvérsia.
Prescreve o art. 272.º, nº1, do CPC que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Para que a causa possa ser considerada prejudicial importa que tenha por objeto uma questão que constitua um antecedente jurídico, que apresente uma questão autónoma, no seu objeto e na sua natureza e que essa questão seja necessária à decisão da questão objeto da causa dependente, uma vez que o sentido da sua resolução é elemento condicionante do conhecimento e decisão da questão principal.[1]
A doutrina clássica advoga o entendimento de que sempre que numa ação se ataca um ato ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra ação, aquela é prejudicial em relação a esta.
É assim que Alberto dos Reis defende que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir ou modificar o fundamento ou a razão da segunda[2], Manuel de Andrade refere que a verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é pura e simplesmente uma reprodução da primeira[3] e Rodrigues Bastos entende que a decisão de uma causa depende do julgamento de uma outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa influir ou modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a solução do outro pleito[4].
A jurisprudência tem decidido seguindo o mesmo diapasão.
No acórdão do STJ de 09/05/2023 afirmou-se que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão na primeira pode afetar ou destruir o fundamento ou razão de ser da segunda, quando a decisão naquela pode prejudicar a decisão nesta; no acórdão da Relação de Guimarães 18/04/2024, entende-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia; no acórdão da Relação de Coimbra de 06/09/2018 diz-se que questão prejudicial pode definir-se como aquela cuja solução é necessária para se decidir uma outra acrescentando-se que existe prejudicialidade nas situações em que o conhecimento do fundo ou mérito da acção (ou seja, para se prover sobre o petitório formulado) está dependente da prévia resolução de uma outra questão que, segundo a estrutura lógica ou o encadeamento lógico da sentença, carece de prévia decisão; no acórdão da Relação do Porto de 10/10/2024entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada; acórdão da Relação de Évora de 19/03/2024onde se sumaria que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda; acórdão da Relação de Lisboa de 11/07/2024 que afirma que para que ocorra suspensão judicial da instância, prevista no nº. 1, do artº. 272º, do Cód. de Processo Civil, por pendência de causa prejudicial, é mister que se comprove uma real e concreta relação de dependência, em que a decisão a proferir na causa prejudicial afecte o julgamento da causa dependente, ou seja, que a apreciação do litígio nesta seja condicionado pelo que venha a decidir-se naquela.[5]
Estas são as linhas orientadoras para a interpretação e boa aplicação do regime geral da suspensão por causa prejudicial.
O dissídio centra-se, todavia, na transposição deste regime para o âmbito da ação executiva.
Ora, também neste segmento, quer a doutrina quer a jurisprudência, é, senão unânime pelo menos claramente maioritária, no sentido de que a 1ª parte do n.º 1 do art. 272.º do CPC não é aplicável à ação executiva, mantendo-se em vigor a doutrina do Assento de 24/05/60 (BMJ nº 97, pág.163), agora transformado em acórdão uniformizador de jurisprudência (art.17 nº2 do DL nº 329-A/95 de 12/12), ao fixar a seguinte jurisprudência: “A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do art. 284.º do Código de Processo Civil “.
Referem a propósito Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa “mantém-se, pois, a jurisprudência fixada no Assento de 24-05-1960, que considerou não ser aplicável na ação executiva a suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial. Na verdade, continua a não fazer sentido a invocação de uma causa prejudicial no confronto com o exercício do direito sustentado num título com força executiva, tanto mais que o art. 733.º prescreve agora a suspensão potestativa mediante a prestação de caução e legitima que noutros casos seja decretado o mesmo efeito”.[6]
Com efeito, não há razão para suspender os termos de uma ação executiva por prejudicialidade de uma outra causa na medida em que a execução não é propriamente uma causa a decidir, mas antes, contem em si um direito já efetivamente declarado ou reconhecido, não havendo, por isso, e em princípio, qualquer nexo ou razão de prejudicialidade. O fim da execução não é decidir uma causa, mas dar satisfação efetiva a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva.
No caso, considerou o tribunal a quo que a existência de uma ação de processo declarativo pendente entre as partes onde se discute a subsistência de um contrato de compra e venda e onde foi entregue para pagamento a letra de câmbio dada à execução, constitui causa prejudicial que obsta ao prosseguimento da instância executiva.
Ressalvado o muito respeito, pelas razões já aduzida, assim não entendemos.
O exequente portador da letra exercita um direito sustentado num título com força executiva, por outro lado, estava ao alcance do embargante suspender o prosseguimento da execução prestando caução, opção que não quis seguir.
Assim, não é admissível suspender os termos da ação executiva com o fundamento na prejudicialidade de uma outra causa que se encontra pendente.
Por outro lado, também não se está perante a previsão de ocorrência de outro motivo justificado (2ª parte do nº 1 do art. 272.º, do CPC). É que o âmbito de previsão do motivo justificado tem necessariamente de ser diferente da causa prejudicial, não podendo, evidentemente, nela fundar-se. Dito de outro modo, o motivo justificado não pode consistir na pendência de ação autónoma considerada prejudicial à ação executiva.[7]
Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 7/7/2004, não tendo, todavia, o legislador definido o conceito de “motivo justificado”, será perante cada caso concreto que se terá de indagar se ocorre ou não motivo que justifique a suspensão da instância, em com base em tal fundamento, sendo que, contudo, que o mesmo não poderá ter nada a ver com a pendência de outra acção.[8]
O motivo justificado, suscetível de determinar a suspensão de uma execução, é o que é inerente ao próprio processo executivo, e não abrange a pendência de uma causa.
Compreende-se que assim seja, desde logo pelas razões expostas no acórdão do STJ 16/04/2009: O «outro motivo justificado» susceptível de determinar a suspensão de uma execução, nos termos do nº1 in fine do artº 279º do CPC, é o que inerente ao próprio processo executivo, como, v.g., a arguição de nulidade de um título executivo, um problema que surja em matéria de liquidação da quantia exequenda ou mesmo a pendência de uma acção de simulação do título executivo. A entender-se que constitui motivo justificado para a suspensão de um processo de execução, a simples instauração, ainda para mais por um terceiro estranho à instância executiva, de uma acção cujo objecto seja o bem executado, acção essa (como quase todas) de resultado necessariamente aleatório, autorizada estaria uma forma de protelamento da execução que mais não visa do que dar realização prática a uma situação jurídica definida pela sentença passada em julgado ou documentada por título executivo legalmente válido, em manifesto prejuízo dos direitos reconhecidos dos exequentes.[9]
No caso em presença, considerou a decisão recorrida que ainda que não pudessemos sustentar a suspensão por causa prejudicial, sempre entenderíamos suspender a causa nos termos e ao abrigo do disposto no art. 272º, nº 1, parte final, do Cód. Proc. Civil, por em boa verdade, considerarmos que não faz sentido o prosseguimento da execução para pagamento coativo do preço num contrato que pode ser declarado resolvido.
Donde, como claramente se conclui, o motivo justificado está diretamente relacionado com a pendência da referida ação declarativa, pelo que também, por este motivo, não lhe pode ser aplicável a 2ª parte do nº 1 do artigo 272.º, do CPC.
Nestes termos, procede a apelação.
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revogam a decisão recorrida que determinou a suspensão da execução e todos os apensos da mesma.
Custas pelo Recorrido.
Guimarães, 2 de Abril de 2025
Assinado digitalmente por: Rel. – Des. Conceição Sampaio 1º Adj. - Des. José Manuel Flores 2º Adj. - Des. Maria Amália Santos
[1] Neste sentido, acórdão da Relação do Porto de 29/06/2010, in www.dgsi.pt. [2] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 268. [3] Lições de Processo Civil, pág. 491. [4] Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 42. [5] Todos disponíveis em www.dgsi.pt. [6] Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração, anotação ao art. 272.º, pág. 315. [7] Neste sentido, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 546. [8] Acórdão da Relação de Coimbra de 7/7/2004, disponível em www.dgsi.pt. [9] Disponível em www.dgsi.pt.