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CONDOMÍNIO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTES COMUNS DO PRÉDIO
PAREDES
USO EXCLUSIVO
INOVAÇÕES
Sumário
1. As paredes exteriores do prédio/fachada do prédio constituído em propriedade horizontal (elemento estrutural do mesmo), na qual foi afixada, sem autorização da Assembleia de Condóminos, a placa (maior) de publicidade do cabeleireiro do A., assim como uma placa menor e um aparelho de ar condicionado, constitui uma parte comum do edifício. 2. O uso exclusivo e aproveitamento por apenas um dos condóminos com a afixação de publicidade ao seu comércio e em benefício deste, de uma parte comum do prédio, excede o uso normal a que o mesmo tinha direito, como coisa comum, pelo que tal direito pessoal de gozo sobre a mesma, apenas poderia ser conferido através da devida autorização decorrente de deliberação da assembleia de condóminos, a quem compete deliberar sobre o destino, utilização e eventual oneração das partes comuns (art. 1430º n.1). 3. A colocação e afixação de um painel publicitário de relevante dimensão, na fachada do prédio, não poderá também deixar de configurar uma inovação ou alteração sobre as partes comuns do edifício e que também, por isso, estava obrigatoriamente sujeita a aprovação da maioria dos condóminos (cfr. 1425º do CC). 4. Decorre do artigo 1433º n.1 do C.C., que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. 5. O conceito de invalidade referido no n.º 1 do artigo 1433.º do Código Civil abrange quer a nulidade, quer a anulabilidade, sendo certo que a lei actual admite três categorias de vícios das deliberações das assembleias de condóminos: nulidade (para as que infrinjam normas de natureza imperativa por visarem a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública), anulabilidade (para as que – em matérias da sua competência – violam preceitos da lei material ou procedimental aplicáveis, ou regulamentos que se encontram em vigor) e ineficácia (para as que incidem sobre matérias que não são da sua competência).
Texto Integral
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
AA, residente no ..., ..., ... ..., instaurou ação de anulação de deliberação de assembleia de condomínios, comum contra: CONDOMÍNIO ... SITO NA AV. ..., ..., Freguesia ..., ..., ..., representando pela EMP01..., LDA., Lda., NIF ...60..., com sede na Av. ..., sala ..., ..., ..., peticionando que julgada procedente a acção e, consequentemente, nos termos do artigo 1433º do Código Civil, «ser decretada a anulação da deliberação constante na Ata nº ...3, datada de 1 de junho de 2023, no que concerne á deliberação tomada no ponto “IV. Discussão e deliberação acerca da colocação não autorizada de placas de publicidade e aparelho de ar condicionado na fachada principal do edifício, por parte da inquilina da fração ..., sala ...”, tudo com as legais cominações.»
Alegou, para tanto, e em síntese que é proprietário das frações autónomas designadas, respetivamente, pelas letras ... e ... do edifício sito na AV. ..., ..., ..., ..., cujo condomínio é administrado, já há alguns anos, pela EMP02..., Lda., NIF ...60..., com sede na Av. ..., sala ..., ..., ....
O condomínio não possui regulamento próprio.
No dia 1 de junho de 2023, teve lugar Assembleia Geral de Condóminos, a qual tinha a seguinte ordem de trabalhos:
i. Apreciação e votação do Relatório de Contas relativo ao período de julho de 2022 a junho de 2023; ii. Apreciação e votação da Proposta de Orçamento Anual para julho de 2023 a Junho de 2024; iii. Nomeação de Administração do Condomínio para o exercício de Julho de 2023 a junho de 2024; iv. Discussão e deliberação acerca da colocação não autorizada de placas de publicidade e aparelho de ar condicionado na fachada principal do edifício, por parte do inquilina da fração ..., sala ...; v. Outros assuntos de interesse geral.
Quanto ao ponto 4. da ordem de trabalhos, ficou estabelecido em acta que o aqui autor apresentou um pedido de autorização para manter afixados na fachada o equipamento de ar condicionado, bem como placas de publicidade.
Por consenso entre condóminos, ficou decidida a permanência do aparelho de ar condicionado, bem como a placa de publicidade que o está a revestir.
Contudo, os condóminos manifestaram-se contra a permanência da placa de publicidade de maiores dimensões, tendo votado contra os condóminos das frações ..., ..., ..., abstiveram-se os das frações ..., ..., ..., ... e ... e aprovaram os representantes das frações ..., ..., ..., ....
O autor tem instalado nas suas frações um cabeleireiro, cuja actividade necessita de publicidade.
Ao autor sempre foi permitido fazer uso da fachada para colocar as placas de publicidade. Neste sentido, tendo a assembleia de condóminos decidido no sentido de retirar a publicidade, tal consubstanciará graves prejuízos para o autor.
O autor, que sempre pôde colocar a publicidade naquele espaço, despendeu valores avultados na aquisição da placa de publicidade.
A placa de publicidade a retirar não provoca qualquer constrangimento aos outros condóminos. Sómente quatro condóminos votaram contra, sendo que três votaram a favor e os restantes se abstiveram.
O autor tem a necessária licença camarária para colocação das placas de publicidade. Para além disso, a atividade de cabeleireiro lá instalada perderá a possibilidade de promover o seu trabalho e consequentemente, clientela.
Por fim, existem outros condóminos que têm colocado nas fachadas idênticas placas de publicidade. Sempre foi permitido aos condóminos a colocação de placas de publicidade na fachada do prédio.
Nunca foi decidido em assembleia de condóminos a retirada de qualquer tipo de publicidade. Existem diversos condóminos com placas de publicidade colocadas na fachada.
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O réu contestou, invocando a exceção dilatória de ilegitimidade passiva.
Alega que a deliberação tomada é válida.
Conclui pela improcedência da ação.
O autor pronunciou-se pela improcedência da exceção de ilegitimidade passiva invocada.
Foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova.
Foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu o réu do pedido.
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Inconformada com a sentença final, dela recorreu o autor formulando no termo da motivação as seguintes “conclusões”, que se transcrevem:
[…]
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Foram apresentadas contra-alegações pelo réu/recorrido, pugnando pela improcedência da apelação, nas quais conclui do seguinte modo (transcrição):
[…]
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso
As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
Face às conclusões das alegações de recurso, as questões a decidir são as seguintes:
- Aferir do cumprimento dos requisitos para a impugnação da matéria de facto, e caso os mesmos se mostrem verificados, efectuar a sua apreciação;
- Em função da apreciação feita no ponto anterior, aferir se a deliberação tomada pela assembleia de condóminos constante no ponto IV da Ata nº ...3, de 01 de junho de 2023, deve ser anulada.
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III – Fundamentação fáctica.
A factualidade consignada na decisão da 1ª instância é a seguinte (transcrição):
A) FACTOS PROVADOS
1.º) O autor é proprietário das frações autónomas designadas, respetivamente, pelas letras ... e ... do edifício sito na Av. ..., ..., ..., ....
2.º) O condomínio desse imóvel é administrado pela EMP02..., Lda., NIF ...60..., com sede na Av. ..., sala ..., ..., ....
3.º) O edifício é composto por várias zonas distintas: garagens, lojas/comércio, salas e habitações.
4.º) A zona exclusiva das salas, com acesso autónomo pelo n.º ... de polícia, é também administrada diretamente por um condómino, o proprietário da fração ... do imóvel (correspondente à sala ...),
5.º) que trata de todos os assuntos exclusivamente relacionados com essas salas (como eletricidade, lâmpadas, limpeza, manutenção da porta, segurança e acesso, conservação, pintura, etc, da zona das salas).
6.º) O condomínio não possui regulamento próprio.
7.º) O autor tem instalado nas suas frações um cabeleireiro.
8.º) A atividade de cabeleiro necessita de publicidade.
9.º) No dia 2 de maio de 2023, a administração do condomínio foi alertada para o facto de estar a ser levada a cabo a realização de uma intervenção na fachada do prédio,
10.º) Tendo a testemunha BB, a pedido da administração do condomínio, ido ao local para se inteirar da situação,
11.º) onde, tendo-se identificado, questionou as pessoas que estavam a proceder à colocação de uma placa de publicidade se tinham autorização para o efeito, e em tal caso, quem havia concedido autorização, e se os trabalhos estavam a ser efetuados com garantia de cumprimento das normas, regras e condições de higiene e segurança, e ainda se seria necessário chamar autoridades para fazer tal verificação,
12.º) tendo as pessoas que estavam a efetuar os trabalhos abandonado o local.
13.º) Posteriormente os trabalhos foram retomados, porquanto em data não apurada, foi colocada uma placa de publicidade, que é visível nas fotos de fls. 34v. a 36v., na parede do prédio, sendo fixada no revestimento da fachada do prédio.
14.º) Trata-se de uma placa que tem iluminação noturna.
15.º) O autor colocou ainda na fachada um equipamento de ar condicionado e uma placa publicitária de menores dimensões, que cobre o aparelho de ar condicionado (cfr. foto de fls. 36).
16.º) No dia 1 de junho de 2023, teve lugar Assembleia Geral de Condóminos.
17.º) Essa assembleia teve a seguinte ordem de trabalhos:
i. Apreciação e votação do Relatório de Contas relativo ao período de julho de 2022 a junho de 2023;
ii. Apreciação e votação da Proposta de Orçamento Anual para julho de 2023 a Junho de 2024;
iii. Nomeação de Administração do Condomínio para o exercício de Julho de 2023 a junho de 2024;
iv. Discussão e deliberação acerca da colocação não autorizada de placas de publicidade e aparelho de ar condicionado na fachada principal do edifício, por parte da inquilina da fração ..., sala ...;
v. Outros assuntos de interesse geral.
18.º) Quanto ao ponto 1, após discussão, foi apreciado, votado e aprovado, com voto contra do autor, o relatório de contas relativo ao período de julho de 2022 a Junho de 2023.
19.º) O relatório apresenta um total de despesas que ascende a cinco mil, oitocentos e quarenta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos, incluindo este valor quinhentos e setenta euros e sessenta cêntimos que revertem para o Fundo de Reserva Comum.
20.º) Quanto a receitas de exercício foram liquidadas quotas no valor de 7.136,54€ e estão por liquidar quotas do exercício no valor de 155,62€, pelo que, considerando que as quotas não liquidadas correspondem a uma receita do respetivo exercício e que o saldo inicial é negativo em 972,20€, resulta um saldo final positivo em 474,34€ que transita para o próximo exercício.
21.º) O relatório apresenta quotas por liquidar relativas aos vários exercícios findos, num total de 538,12€, valor titulado por diversas frações e respetiva dívida.
22.º) Quanto ao ponto 4 da ordem de trabalhos, foi exarado em ata que o aqui autor apresentou um pedido de autorização para manter afixados na fachada o equipamento de ar condicionado, bem como as placas de publicidade.
23.º) Por consenso entre condóminos, ficou decidida a permanência do aparelho de ar condicionado, bem como a placa de publicidade que o está a revestir24.º) Os condóminos manifestaram-se contra a permanência da placa de publicidade de maiores dimensões.
25.º) Votaram contra os condóminos das frações ..., ..., ..., abstiveram-se os das frações ..., ..., ..., ... e ... e aprovaram os representantes das frações ..., ..., ..., ....
26.º) Consta da ata que a permanência na fachada dessa placa de maiores dimensões não foi autorizada.
27.º) O autor pediu autorização ao administrador da zona exclusiva das salas, mencionado no ponto 4º, para a colocação da placa publicitária referida em 13º.
28.º) O autor tem licença camarária para colocação das placas de publicidade.
29.º) Existem outras placas de publicidade colocadas na fachada, conforme se pode ver nas fotos de fls. 34v e 39, sendo a do “...” idênticas àquela que o autor colocou, embora de menores dimensões.
30.º) Nunca foi deliberado em assembleia de condóminos a retirada de qualquer tipo de publicidade.
B. FACTOS NÃO PROVADOS
a) A informação constante da ata referente ao ponto da aprovação do relatório e contas padece de um erro.
b) O proprietário da Fração ..., que corresponde à sala ..., não efetua o pagamento das respetivas quotas há mais de dezoito anos.
c) Houve, por parte do autor, uma primeira tentativa de colocação de publicidade, quando uma vizinha - proprietária da fração ... -, interpelou as pessoas presentes no local, que desistiram, então, de o fazer.
d) O autor despendeu valores avultados na aquisição da placa de publicidade.
e) O autor despendeu dinheiro na colocação da placa publicitária.
f) Ao autor sempre foi permitido fazer uso da fachada para colocar as placas de publicidade.
g) A placa de publicidade a retirar não provoca qualquer constrangimento aos outros condóminos.
h) Sem a placa de publicidade, a atividade de cabeleireiro instalada nas frações do autor perderá a possibilidade de promover o seu trabalho e consequentemente, clientela.
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IV. Fundamentação de Direito:
i.Impugnação da matéria de facto:
Pese embora o apelante no corpo das alegações faça referência ao seu inconformismo com os factos e o direito fixados na sentença sindicada e ao longo das mesmas, refira, com todo o respeito, de forma desgarrada e prolixa misturando fundamentos de facto e de direito, que o tribunal não poderia ter dado como provados os factos referidos na alínea g), e designadamente, que: «A placa de publicidade a retirar não provoca qualquer constrangimento aos outros condóminos.»; e o facto referido na alínea h) «Sem a placa de publicidade, a atividade de cabeleireiro instalada nas frações do autor perderá a possibilidade de promover o seu trabalho e consequentemente, clientela», que pugna sejam dados como provados, verifica-se que nas conclusões do recurso o recorrente se limita a uma alegação genérica, relativamente e apenas à matéria factual descrita na al. g), sem fazer qualquer menção ao intuito da sua impugnação (vide conclusão XII).
Nessa medida, vejamos, se se mostram verificados os requisitos exigidos para a impugnação da matéria de facto.
O art. 639º do C.P.C. estabelece para o recorrente um ónus que se decompõe (i) no da apresentação tempestiva da alegação e (ii) no de formulação de conclusões (Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, p. 126).
Estabelece o art. 639º, nº 1, do CPC: “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação de decisão.”
As conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objecto do recurso e o elemento balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem.
Desse modo, destinando-se as alegações, propriamente ditas, à apresentação dos argumentos pelos quais se sustenta a alteração da decisão, impõe-se que as conclusões do recurso consubstanciem proposições que devem ser claras e sintéticas, que condensem o exposto na motivação do recurso, de molde a permitir ao recorrido responder adequadamente e facilitando também, ao tribunal ad quem,a delimitação do objecto do recurso.
Por outras palavras, as conclusões são pressuposto, por um lado, da concretização do exercício do contraditório e por outro, da delimitação da decisão a proferir pelo tribunal superior, já que como bem se salienta no Ac. R.P. de 24.01.2018, do relator Madeira Pinto «…aos tribunais não incumbe perscrutar a intenção das partes, mas sim apreciar as questões que são submetidas ao seu exame.»[i]
Acresce, que, versando o recurso a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, fixam-se no artigo 640º do C.P.C., as especificações obrigatórias que deve conter, sob pena de rejeição:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Lido o referido normativo, constata-se que a acrescer ao ónus de alegar e formular conclusões, previsto no artigo 639º do CPC, se impõe ao recorrente o ónus previsto no artigo 640º n.1 do CPC, estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, como sucede no presente caso.
Deste modo, de acordo com o artigo 640º n.1, do CPC, o Recorrente que impugne a matéria de facto tem que dar cumprimento a um triplo ónus, consistindo no dever de obrigatoriamente:
1. Circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
2. Fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando crítica e concretizadamente em relação a cada ponto (ou conjunto de pontos sobre a mesma realidade), os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa da que foi proferida,
3. Enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente a cada uma das questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra a sua razão de ser nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais e que procura garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, afastando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão[ii] , ou como se refere no Ac. da R.C. de 12.12.2017 do relator Isaías Pádua in www.dgsi.pt, prevenir as impugnações genéricas e não concretizadas da decisão sobre a matéria de facto.
Por outro lado, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce mais um ónus, nos termos do artigo 640º, n.º 2, alínea a), do CPC, designadamente e, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Deste modo, como salienta Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., págs. 165: «podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora, sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto: a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja imputação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) …
d) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios e prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;… ».
E, assim «a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve operar quando se verifique alguma das seguintes situações: Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.4, e 641º, n.2, al. b)); a) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.°, n.° 1, al. a)); b) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); c) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; d) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação… As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.»
Daí que a inobservância deste ónus de alegação, implica, como expressamente se prevê no art. 640.º, n.° 1, do C.P.C., a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível, como tem vindo a ser decidido por jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, com a qual concordamos, a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento[iii].
Como se depreende de tudo o que acima ficou exposto, para além da alegação propriamente dita e dos requisitos que nesta devem constar quanto à impugnação da matéria de facto, impõe-se como ónus do recorrente, nas conclusões do recurso, que delimitam e sintetizam o respectivo âmbito e objecto, a alegação e indicação clara dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados e que visa impugnar através do recurso, já não estando vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações, como decorre do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), de 17-10-2023, in Diário da República 220/2023, Série I de 2023-11-14, páginas 44-65, no qual ficou expressa uniformização de jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”, destacando-se da sua fundamentação a seguinte passagem: “Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.» (negrito nosso)
Ainda a propósito, desta questão e como elucidativamente se diz no acórdão deste Tribunal da Relação de 20.03.2025, por nós subscrito como Adjunta, proferido no processo 1824/22.3T8VCT-A.G1, da Relatora Sandra Melo: «É comum verificar-se que há a tendência, nas alegações, no discorrer da pena, de misturar a impugnação do facto e do direito, trazendo opiniões sobre o que foi dado como provado, afirmando ter opinião diversa, mas conformando-se ainda assim com tal parte da decisão tomada. Desta forma, impõe-se que nas conclusões o Recorrente indique concretamente quais os pontos da matéria de facto que impugna, de forma a poder-se, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação fundamentada quanto à alteração da matéria de facto.» e mais à frente salienta:
«Tem sido também opinião praticamente pacífica, e que se perfilha, que no âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito. A tal convite se opõe, por um lado, a intenção da lei em não permitir impugnações vagas, sem bases consistentes, genéricas e injustificadas da decisão da matéria de facto, sendo aqui mais exigente no princípio da autorresponsabilização das partes. Veja-se que essa maior responsabilização é premiada com um alargamento do prazo processual para a apresentação das alegações quando ao recurso se funda também na impugnação da matéria de facto. Por outro lado, a leitura das normas que regem esta matéria não permite outro entendimento, como resulta da análise do teor taxativo do artigo 640º e da previsão dos casos que justificam o convite constante do artigo 639º do Código de Processo Civil.»
É inquestionável que o recorrente tem o ónus de proceder nas conclusões à indicação precisa do que pretende do tribunal ad quem, considerando que as conclusões têm como função delimitar o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr.arts 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, do CPC).
Ou seja, considerando a delimitação do objecto do recurso e o âmbito do conhecimento das questões que por esta é permitida e que é exercida pelas conclusões, nestas têm obrigatoriamente de constar, impugnada que seja a matéria de facto, os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e pretende impugnar (art. 640º,nº 1, al. a) do CPC), sob pena de não serem alvo de apreciação e decisão pelo Tribunal ad quem (cfr. arts. 639º n.1, 641º, n.2, al. b) e 635.º, n.4, ambos do CPC)
Tendo em mente o quadro normativo e os considerandos efectuados e reportando-os ao recurso interposto nos autos, lidas as suas conclusões, aliás, acima transcritas, resulta evidenciado que o apelante não cumpriu o ónus que lhe era imposto relativamente à impugnação da matéria de facto, já que nas mesmas, para além de não manifestar o intuito claro da sua impugnação, não fez a indicação concreta e clara de quaisquer pontos da matéria de facto que considerasse julgados de modo incorrecto e que pretendesse impugnar através do recurso, omissão essa que conduz, inevitavelmente, a que não se possa considerar que o recorrente tenha cumprido os ónus primários previstos no art.º 640.º, n.º 1, als. a) e c), do CPC, a que estava obrigado.
A inobservância deste ónus implica, como vimos, a rejeição do recurso do apelante quanto à impugnação da matéria de facto, não havendo lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento, pelas razões acima referidas (cfr. artigos 639.º, n.º 3 ex vi art.º 652.º, n.º 1, al. a), não susceptível de aplicação analógica)[iv]-, o que se decide.
Não obstante, sempre se dirá que ainda que a factualidade a que o recorrente faz alusão no corpo das alegações fosse dada como provada, ainda assim, a solução jurídica do pleito não seria diferente, como melhor explicitaremos infra.
Avancemos então quanto ao mérito da decisão.
O objecto da acção centra-se na anulação da deliberação tomada pela assembleia de condóminos do edifício sito na AV. ..., ..., ..., ..., constante no ponto IV da Ata nº ...3, de 01 de junho de 2023, que não autorizou a permanência da placa de publicidade de maiores dimensões que o A. havia colocado na fachada do prédio (juntamente com um aparelho de ar condicionado e uma placa de publicidade de menor dimensão, cuja permanência foi autorizada).
Da sentença proferida pelo tribunal a quo resultam apurados os seguintes factos, com relevo para a questão decidenda:
- O autor é proprietário das frações autónomas designadas, respetivamente, pelas letras ... e ... do edifício sito na Av. ..., ..., ..., ....
- O edifício é composto por várias zonas distintas: garagens, lojas/comércio, salas e habitações.
- O autor tem instalado nas suas frações um cabeleireiro.
- A atividade de cabeleiro necessita de publicidade.
- No dia 2 de maio de 2023, a administração do condomínio foi alertada para o facto de estar a ser levada a cabo a realização de uma intervenção na fachada do prédio,
- Tendo a testemunha BB, a pedido da administração do condomínio, ido ao local para se inteirar da situação, onde, tendo-se identificado, questionou as pessoas que estavam a proceder à colocação de uma placa de publicidade se tinham autorização para o efeito, e em tal caso, quem havia concedido autorização, e se os trabalhos estavam a ser efetuados com garantia de cumprimento das normas, regras e condições de higiene e segurança, e ainda se seria necessário chamar autoridades para fazer tal verificação, tendo as pessoas que estavam a efetuar os trabalhos abandonado o local.
- Posteriormente os trabalhos foram retomados, porquanto em data não apurada, foi colocada uma placa de publicidade, que é visível nas fotos de fls. 34v. a 36v., na parede do prédio, sendo fixada no revestimento da fachada do prédio.
- Trata-se de uma placa que tem iluminação noturna.
- O autor colocou ainda na fachada um equipamento de ar condicionado e uma placa publicitária de menores dimensões, que cobre o aparelho de ar condicionado (cfr. foto de fls. 36).
- No dia 1 de junho de 2023, teve lugar Assembleia Geral de Condóminos.
- O ponto IV da ordem de trabalhos da Assembleia tinha a seguinte redação: Discussão e deliberação acerca da colocação não autorizada de placas de publicidade e aparelho de ar condicionado na fachada principal do edifício, por parte da inquilina da fração ..., sala ....
- Quanto a esse ponto, foi exarado em ata que o aqui autor apresentou um pedido de autorização para manter afixados na fachada o equipamento de ar condicionado, bem como placas de publicidade.
- Por consenso entre condóminos, ficou decidida a permanência do aparelho de ar condicionado, bem como a placa de publicidade que o está a revestir.
- Os condóminos manifestaram-se contra a permanência da placa de publicidade de maiores dimensões, tendo votado contra os condóminos das frações ..., ..., ..., abstiveram-se os das frações ..., ..., ..., ... e ... e aprovaram os representantes das frações ..., ..., ..., ....
- Consta da ata que a permanência na fachada dessa placa de maiores dimensões não foi autorizada.
- O autor tem licença camarária para colocação das placas de publicidade.
- Existem outras placas de publicidade colocadas na fachada, conforme se pode ver nas fotos de fls. 34v e 39, sendo a do “...” idênticas àquela que o autor colocou, embora de menores dimensões.
- Nunca foi deliberado em assembleia de condóminos a retirada de qualquer tipo de publicidade.
- O condomínio não possui regulamento próprio.
- O condomínio desse imóvel é administrado pela EMP02..., Lda., NIF ...60..., com sede na Av. ..., sala ..., ..., ...; sendo que a zona exclusiva das salas, com acesso autónomo pelo n.º ... de polícia, é também administrada diretamente por um condómino, o proprietário da fração ... do imóvel (correspondente à sala ...), que trata de todos os assuntos exclusivamente relacionados com essas salas (como eletricidade, lâmpadas, limpeza, manutenção da porta, segurança e acesso, conservação, pintura, etc, da zona das salas)..
- O autor pediu autorização ao administrador da zona exclusiva das salas, para a colocação da placa publicitária em questão.
Não se provou a este propósito, que:
- O autor despendeu valores avultados na aquisição da placa de publicidade.
- O autor despendeu dinheiro na colocação da placa publicitária.
- Ao autor sempre foi permitido fazer uso da fachada para colocar as placas de publicidade.
- A placa de publicidade a retirar não provoca qualquer constrangimento aos outros condóminos.
- Sem a placa de publicidade, a atividade de cabeleireiro instalada nas frações do autor perderá a possibilidade de promover o seu trabalho e consequentemente, clientela.
Após a análise efectuada sobre os argumentos apresentados na causa pelo autor como fundamento da anulação da deliberação da assembleia de condóminos aqui em causa, o tribunal concluiu, diga-se de forma exaustiva e bem fundamentada, que a deliberação tomada não enferma de qualquer vício, sendo válida e regular e, em decorrência, julgou a acção improcedente.
Em sede de recurso o apelante sustenta que não foi dada a devida relevância a determinados factos que ficaram provados e que imporiam diversa decisão.
Podemos centrar a sua alegação nos seguintes pontos:
- o facto de o recorrente ter obtido a autorização do responsável pela administração da fração ... do imóvel para a colocação da placa publicitária, o qual gere diretamente todas as questões relacionadas com as salas do imóvel, o que inclui a colocação de publicidade e os poderes de administração que decorrem do artigo 1430º do C.C.;
- a inexistência de um regulamento próprio de condomínio que definisse procedimentos claros, no que se refere à autorização e colocação de placas de publicidade e a convicção do autor de que bastaria a autorização do mesmo;
- a existência de outras placas de publicidade na fachada do edifício, sem que a administração deliberasse a sua retirada;
- a colocação da placa de publicidade não configura uma obra nova que modifique a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício e não trouxe qualquer alteração significativa e não provoca constrangimento aos outros condóminos;
- a retirada da placa de maiores dimensões causará um prejuízo significativo ao recorrente, uma vez que esta é essencial para a visibilidade e promoção do seu negócio.
- a deliberação da assembleia de condóminos que ordenou a retirada da placa de publicidade de maiores dimensões viola o princípio da igualdade, da proporcionalidade previsto no artigo 18.º da Constituição e o direito do recorrente de usar as partes comuns para a sua atividade económica e constitui uma discriminação injustificada, em violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa;
- a deliberação é arbitrária uma vez que autorizou que o apelante mantivesse uma placa de menores dimensões e de um aparelho de ar condicionado, mas negou a placa de maiores dimensões sem fundamentação adequada.
Na sentença, e após uma exposição introdutória sobre o regime da propriedade horizontal e das assembleias de condóminos, fundamentou-se a improcedência da anulação da deliberação da assembleia, nos seguintes termos:
«As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado (art. 1433º, n.º 1 do CC). Este preceito comina com anulabilidade as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriores. Daqui resulta que são anuláveis as deliberações tomadas dentro da área de competência da assembleia, ou seja, no que toca às partes comuns do edifício, desde que violem a lei ou os regulamentos. O vício de que enferma a deliberação pode ser sanado por deliberação posterior ou por falta de impugnação tempestiva. Têm legitimidade para impugnar a deliberação aqueles que estiveram ausentes, votaram contra ou se abstiveram. Fora do âmbito do art. 1433º do CC estão as deliberações que violem preceitos de natureza imperativa ou que tenham por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia. No primeiro caso, as deliberações são nulas; no segundo ineficazes. As deliberações nulas podem ser impugnadas a todo tempo. As deliberações ineficazes não produzem efeitos, a não ser que o condómino visado a ratifique. Caso contrário, o condómino afetado por uma deliberação ineficaz pode a todo tempo arguir esse facto. As deliberações da assembleia de condóminos têm o caráter de decisões de natureza administrativa e como tais não constituem um vínculo contratual permanente, sendo suscetíveis de revogação ou modificação, ainda que tenham sido tomadas por unanimidade, por tal unanimidade não representa uma convenção contratual permanente, conservando um caráter contingente e transitório3. Nestes autos, resulta claro que o autor colocou uma placa publicitária na fachada do edifício, sem autorização da assembleia de condóminos. A fachada constitui parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal (art. 421º, n.º 1, al. a) do CC), cujo uso pode ser atribuído de forma exclusiva a um dos condóminos para afixação de publicidade por deliberação da assembleia de condóminos. Ora, da factualidade provada, verifica-se que o autor pediu autorização ao administrador (de facto) da zona exclusiva das salas, com acesso autónomo pelo n.º ... de polícia, para colocação dessa placa. Resulta também claro que o autor não pediu autorização à assembleia de condóminos, que é o órgão com competência para autorizar essa colocação. Portanto, a deliberação que determina a retirada da placa colocada sem autorização da assembleia é válida, na medida em que cabia ao autor, antes da sua colocação, consultar a assembleia no sentido de verificar se a mesma autorizava essa colocação. Ao colocar a placa sem auscultar a assembleia, o autor utilizou uma parte comum em proveito próprio sem autorização prévia para o efeito. A deliberação tomada não viola a lei ou qualquer regulamento do condomínio (que nem sequer existe).
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Vejamos os argumentos apresentados pelo autor para sustentar a posição de manutenção da placa publicitária. 1) o autor alega que tem instalado nas suas frações um cabeleireiro e que a atividade de cabeleiro necessita de publicidade. Estes dois factos estão provados (cfr. pontos 7º e 8º), mas, só por si, não são suficientes para justificar a colocação de uma placa na fachada sem autorização da assembleia. 2) Alega ainda o autor que sempre lhe foi permitido fazer uso da fachada para colocar as placas de publicidade. Este facto foi julgado não provado (ponto f) não provado). 3) Alega também o autor que, tendo a assembleia de condóminos decidido no sentido de retirar a publicidade, tal consubstanciará graves prejuízos para o autor. Trata-se de um facto genérico, que, como se verá, não tem tradução na demais factualidade alegada. 4) Também alega o autor que despendeu valores avultados na aquisição da placa de publicidade. Consequentemente, despendeu dinheiro na colocação da mesma. Ao ser a placa de publicidade retirada, essas quantias gastas não servirão de nada, somente para prejudicar o autor. Ora, o autor não fez prova dos valores que despendeu na colocação da placa (pontos d) e e) não provados). Por isso, este argumento não pode proceder, nem o mesmo tem relevância, na medida em que não é o facto de o autor ter gastado dinheiro na colocação da placa que legitima o seu comportamento, passando por cima da assembleia de condóminos. 5) Alegou o autor que a placa de publicidade a retirar não provoca qualquer constrangimento aos outros condóminos. Contudo, este facto não ficou provado (ponto g) não provado). Na verdade, ficou provado que estamos perante uma placa que tem iluminação noturna (ponto 14º provado). Portanto, a presença de uma luz na fachada acaba sempre por causar prejuízos aos condóminos. Além disso, o critério da existência/inexistência de dano provocado a terceiros (condóminos ou não condóminos) não é um critério legal que possa justificar a utilização de partes comuns do prédio sem prévia autorização. 6) É certo que o autor tem a necessária licença camarária para colocação das placas de publicidade. Contudo, o que aqui se discute são as relações de condomínio. A autorização camarária só por si não legitima a colocação de uma placa publicitária numa fachada de um prédio constituído em propriedade horizontal. 7) Alega ainda o autor que a atividade de cabeleireiro lá instalada perderá a possibilidade de promover o seu trabalho e consequentemente, clientela. Contudo, mais uma vez, este facto resultou não provado (ponto h) não provado). Aliás, resultou provado que foi autorizada a manutenção de outra placa publicitária de menores dimensões na fachada (pontos 15º e 23º provado), sendo que, essa placa permite que o autor continue a publicitar a sua atividade. Por outro lado, e mais uma vez, entende-se que esse argumento não é idóneo para permitir a utilização de partes comuns de um prédio constituído em propriedade horizontal para a promoção do negócio de um dos condóminos. 8) Por fim, o autor alega que existem outros condóminos que têm colocado nas fachadas idênticas placas de publicidade. Este facto resultou provado (ponto 29º provado). Como se pode ver nas fotos de fls. 34v e 39 existem outras placas na fachada, sendo uma delas idêntica à colocada pelo autor, embora de menores dimensões. Refere o autor que o facto de não ser autorizada a manutenção da placa que colocou cria uma situação de desigualdade entre os condóminos. Ora, entende-se que o autor não se pode prevalecer deste facto para legitimar a sua atuação. Na verdade, o autor levou a cabo uma obra que constitui uma inovação na fachada do prédio, que é parte comum do edifício, sem autorização da assembleia de condóminos, a qual, chamada a pronunciar-se posteriormente sobre a questão, votou no sentido de não autorizar a obra. Continuar a admitir a colocação de placas de publicidade de grandes dimensões na fachada do imóvel levará a que qualquer condómino se sinta legitimado a utilizar as partes comuns para realização de interesses próprios, desvirtuando por completo o regime da propriedade horizontal. Nessa medida, entende-se que a deliberação tomada pela assembleia de condóminos não enferma de qualquer vício sendo válida e regular.»
Analisados os fundamentos invocados pelo autor como causa de pedir da peticionada anulação da deliberação aqui em causa, factos dados como provados e não provados e apreciação que destes foi feita pelo tribunal recorrido, não há como não subscrever as considerações aí efectuadas e a conclusão de improcedência da acção, a qual, como veremos, não é susceptível de ser revertida pelos argumentos trazidos em sede de recurso.
Senão vejamos:
Face ao disposto pelo artigo 1421º n.1 al. a) do Código Civil, julgamos incontornável a constatação de que as paredes exteriores do prédio/fachada do prédio constituído em propriedade horizontal (elemento estrutural do mesmo), na qual foi afixada, sem autorização da Assembleia de Condóminos, a placa (maior) de publicidade do cabeleireiro do A., assim como uma placa menor e um aparelho de ar condicionado, constitui uma parte comum do edifício.
Decorre, por outro lado, das disposições conjugadas dos artigos 1420º n.1 e 1422º do C.C., que, cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, encontrando-se sujeitos, nas relações entre si, quanto às fracções que exclusivamente lhe pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis (previstas no art. 1406.º do CC para o regime da compropriedade, moldado em função das especificidades inerentes à propriedade horizontal).
A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador (cfr. artigo 1430 do C.C.)
A assembleia de condóminos é o órgão deliberativo do condomínio, composto por todos os condóminos, competindo-lhe controlar, aprovar e decidir todos os actos de administração que se refiram às partes comuns[v], designadamente, decidir e disciplinar os respeitantes ao uso, ao gozo e à conservação das coisas e serviços comuns, tomando posição sobre os mesmos, respeitando a lei, a escritura de propriedade horizontal e o Regulamento do Condomínio ( se existir).
E, como se salienta no Ac. do STJ de 09-12-2021, [vi] «E, enquanto órgão deliberativo, é na assembleia de condóminos que se forma e manifesta a vontade própria do condomínio relativamente à gestão das partes comuns e serviços de interesse comum, a qual exprime a vontade específica do conjunto dos condóminos.»
O administrador de condomínio, por seu turno, é o órgão executivo e representativo, que pode ser por aquela exonerado e a quem presta contas (art. 1435.º, n.º 1, do CC) – competindo-lhe dar execução às deliberações da assembleia e, bem assim, tomar todas as providências necessárias e adequadas à conservação do edifício sempre na perspectiva do interesse comum de todos os condóminos (cfr. 1436º do CC).
Donde, resulta para nós incontornável, como bem se conclui na decisão sindicada, que a afixação de uma placa de publicidade na fachada do edifício, importa e diremos, não apenas a utilização por parte de um condómino de uma parte comum do prédio, como também e necessariamente uma diversa imagem estética dessa parte comum, utilização que, por isso, carece da necessária autorização por parte da Assembleia de condóminos, nos termos dos artigos 1421º n.1 al. a), 1422º e 1430º do C.C.[vii] , carecendo o administrador, ainda que de “direito”, de poderes e legitimidade para conferir qualquer autorização a esse respeito, sem que previamente a assembleia deliberasse sobre a mesma.
Decorre do artigo 1433º n.1 do C.C., que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
Como se salienta elucidativamente no Ac. R.L. de 19-12-2024, processo 20626/23.3T8LSB-A.L1-7, in www.dgsi.pt « O conceito de invalidade referido no n.º 1 do artigo 1433.º do Código Civil abrange quer a nulidade, quer a anulabilidade, sendo certo que a lei actual admite três categorias de vícios das deliberações das assembleias de condóminos: nulidade (para as que infrinjam normas de natureza imperativa por visarem a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública), anulabilidade (para as que – em matérias da sua competência – violam preceitos da lei material ou procedimental aplicáveis, ou regulamentos que se encontram em vigor) e ineficácia (para as que incidem sobre matérias que não são da sua competência).»
Feito este escurso sobre os vícios susceptíveis de invalidar uma qualquer deliberação da Assembleia de Condóminos, debrucemo-nos em concreto sobre os fundamentos convocados para tal pelo apelante, sendo que cabia a este o ónus da alegação e prova da facticidade necessária ao preenchimento das normas legais (não existe Regulamento de Condomínio) que cominam as deliberações com a sanção da invalidade concretamente arguida (cfr. artigo 342º n.1 do C.C.).
Lida e relida a petição inicial e os factos alegados que integram a causa de pedir oportunamente invocada, a qual define e individualiza o objecto do litígio, desde já podemos adiantar que não se detecta a identificação por parte do autor de uma qualquer norma em concreto que tenha sido violada pela deliberação em apreço, e que, na sequência do pedido de autorização feito à Assembleia pelo autor para manter afixados na fachada o equipamento de ar condicionado, bem como as placas de publicidade que aí havia colocado ( sem autorização daquela), deliberou não autorizar a permanência na fachada da placa de publicidade de maiores dimensões e autorizar que se mantivesse o aparelho de ar condicionado, bem como a placa de publicidade que o está a revestir.
De facto, e se bem vemos, a alegação factual do autor feita na petição inicial, mais não é que uma expressão do seu inconformismo quanto à bondade e justeza que, no seu entender e para si, representa a dita deliberação. E, nessa medida, argui a necessidade de publicitação do cabeleireiro que tem instalado nas suas fracções (art.s 22/23 da PI); o seu prejuízo económico face à quantia que despendeu com a dita placa e com a perda de clientela com a não publicitação através da mesma (arts. 25 a 27, 32 da PI); a existência de outras placas idênticas, de outros condóminos, colocadas na fachada e sobre as quais a Assembleia nunca deliberou a sua retirada, o que sustenta criar uma situação de desigualdade (artigos 33 e 34 e 40 a 43); o facto de essa placa não provocar qualquer constrangimento aos condóminos (art. 29.) e sempre lhe ter sido permitido o uso da fachada para colocar placas de publicidade (art. 24. e 40. da PI), ter licença camarária para a colocação das placas (art. 31) e não constarem da acta os motivos, designadamente consequências nefastas da sua manutenção (art.44), concluindo, que ao colocar as placas não violou qualquer normativo, nomeadamente o art. 1422º do C.C.
Estes foram, de facto, os únicos factos alegados na acção como fundamento da peticionada anulação da deliberação, e que perante o seu insucesso no julgamento da causa pelo tribunal a quo, o apelante veio reiterar e ampliar em sede de recurso, arguindo agora e também: que obteve autorização do administrador da zona exclusiva das salas, proprietário de uma das fracções; a falta de informação dos condóminos quanto à colocação de placas de publicidade por ausência de um Regulamento de Condomínio e sua convicção de que bastava a autorização ( daquele administrador); o âmbito dos poderes de autorização da Assembleia, que sustenta ser necessário apenas quanto às obras novas que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, o que aduz não ser o caso da placa em questão nos autos; sustentando também, que a deliberação viola princípios legais e constitucionais e, designadamente, o princípio constitucional da igualdade (por não ter ficado “demonstrado qualquer critério legal ou objetivo que justifique a distinção no tratamento conferido ao ora recorrente face aos outros condóminos”) e de não discriminação, violando o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa; e o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º da Constituição (“a retirada total da placa é uma medida desproporcionada, considerando que a presença de outras placas publicitárias foi permitida e que a placa do recorrente não causa qualquer prejuízo evidente”), arguindo outrossim, a sua arbitrariedade por não ter fundamentado a não autorização da placa maior e a autorização concedida de permanência do aparelho de ar condicionado e de uma placa de menores dimensões, também colocados pelo recorrente.
Que dizer:
Lida a alegação recursória do apelante, verifica-se que suscita agora algumas “questões”, que não havia concretamente arguido na acção como fundamento de invalidação da deliberação, e que, desse modo, não foram alvo de apreciação na decisão recorrida, o que, à partida, infirma a possibilidade do seu conhecimento nesta sede.
De facto, como é sabido, os recursos visam a reapreciação da decisão proferida de acordo com a pretensão oportunamente formulada na acção e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que a proferiu, estando vedado ao tribunal de recurso apreciar ou considerar factos ou questões novas, antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal recorrido, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.
Tal significa, que independentemente do seu mérito, os novos fundamentos agora aduzidos para sustentar a peticionada invalidade da deliberação, constituindo “questão nova” que não foi sujeita a apreciação e oportuna decisão pelo tribunal recorrido, não poderão ser alvo de conhecimento e decisão em sede de reapreciação pelo presente recurso[viii], mormente no que se refere à alegada autorização dada pelo administrador da zona exclusiva das salas e falta de informação do condómino quanto à colocação de placas de publicidade por ausência de um Regulamento de Condomínio e sua convicção de que bastava a autorização daquele administrador.
No mais e pese embora o autor/apelante apenas em sede de recurso tenha feito a expressa invocação de que a deliberação viola os princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e da não arbitrariedade, podendo configurar-se que os mesmos estavam imanentes à alegação da existência de placas idênticas pertencentes a outros condóminos, colocadas na fachada, sobre as quais a Assembleia nunca deliberou a sua retirada ( que alegou conduzir a uma desigualdade) e, por outro, à necessidade de publicitação do seu cabeleireiro e seu prejuízo económico e o facto de essa placa não provocar qualquer constrangimento aos condóminos e não estarem concretizados os motivos da mesma, e sua qualificação, sempre se dirá, contudo que, a nosso ver, tal alegação não tem a virtualidade de conduzir a resultado diverso daquele que foi o cominado na decisão.
Melhor explicitando,
Importa reter que não decorre da petição inicial a imputação à deliberação aqui em causa, da violação de um qualquer normativo legal ou regulamentar (não existe regulamento de condomínio) ou sequer do título constitutivo, que comine a deliberação como anulável nos termos do artigo 1433º n.1 do CC. , e, nessa medida, se bem vemos, seja a alegação factual inicialmente feita na acção, seja o alegado em sede de recurso, atinente à violação dos ditos princípios constitucionais, apenas poderia ser configurada, ainda que nada se diga a respeito no recurso, na perspectiva de a não autorização deliberada pela assembleia (de colocação da placa publicitária de maiores dimensões) violar normas de interesse e ordem pública ou consubstanciar um abuso de direito (cfr. 280º e 334º do CC)[ix].
É sabido, que o abuso de direito (aliás, de conhecimento oficioso), considera ilegítimo o exercício de um direito “quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” e que apenas deve ser utilizado como uma última ratio e para situações de flagrante excesso no exercício de um direito subjectivo[x], ou seja, quando este seja exercido em termos “clamorosamente ofensivos da justiça[xi]”, com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social do direito, conduzindo, em concreto e atendendo à globalidade dos acontecimentos, a uma injustificada desproporção entre o benefício decorrente desse direito e a desvantagem resultante do correspondente dever para a contraparte, não surgindo aquele ou este, como necessários, adequados, na justa medida e para assegurar um interesse legítimo[xii], sendo ónus de quem invoca a excepção, a alegação e prova dos factos que a preenchem (342º n. 2 do CC).
Ora, os factos alegados e provados na acção não permitem minimamente concluir que ao deliberar não autorizar a colocação da placa de maior dimensão na fachada do edifício a assembleia de condóminos exerceu ilegitimamente o direito de decisão que a lei lhe confere, nem se mostra evidenciado que tal deliberação contenda com os normativos constitucionais apontados.
Concretizando,
Como já acima ficou evidenciado, a fachada do edifício e o revestimento da estrutura da fachada de prédio constituído em propriedade horizontal, constituindo um seu elemento estrutural, é imperativamente uma parte comum deste (cfr. 1421º n.1 al. a)), cuja utilização e fruição está sujeita às limitações impostas aos comproprietários (cfr. 1406º), cujo regime deverá ser devidamente adaptado às especificidades que resultam da propriedade horizontal, as quais decorrem, desde logo, da estrutura unitária do edifício composto pelas fracções autónomas e partes comuns, da funcionalidade e acessoriedade da coisa comum em proveito da propriedade exclusiva sobre cada fracção autónoma e da consequente relação de interdependência entre os condóminos[xiii].
Donde, e como já salientado, o uso exclusivo e aproveitamento por apenas um dos condóminos com a afixação de publicidade ao seu comércio e em benefício deste, de uma parte comum do prédio, excede o uso normal a que o mesmo tinha direito, como coisa comum, pelo que tal direito pessoal de gozo sobre a mesma, apenas poderia ser conferido através da devida autorização decorrente de deliberação da assembleia de condóminos, a quem compete deliberar sobre o destino, utilização e eventual oneração das partes comuns (art. 1430º n.1).
Acresce ao que acaba de se expor, que a colocação e afixação de um painel publicitário de relevante dimensão, na fachada do prédio, não poderá também deixar de configurar uma inovação ou alteração[xiv] sobre as partes comuns do edifício e que também por isso, estava obrigatoriamente sujeita a aprovação da maioria dos condóminos (cfr. 1425º do CC).
Nesta conformidade, resulta com clareza, que a actuação unilateral do autor/recorrente, ao proceder à colocação de duas placas de publicidade, uma de maior dimensão que a outra e à colocação de um aparelho de ar condicionado, na fachada do prédio, sem prévia autorização da assembleia de condóminos, é ilegítima, independentemente dos motivos que lhe estiveram subjacentes.
É certo que em sede de Assembleia de Condóminos, e reconhecendo-lhe poderes para tal, veio o autor, a posteriori, apresentar um pedido de autorização para manter afixados na fachada o equipamento de ar condicionado, bem como as placas de publicidade que aí havia instalado sem autorização (facto 22.), ao que, por consenso entre condóminos, ficou decidida a permanência do aparelho de ar condicionado, bem como a placa de publicidade que o está a revestir (facto 23), não tendo, no entanto, sido autorizada a permanência na fachada da placa de maiores dimensões (factos 24 a 26).
Inconformado com tal deliberação o recorrente apela à violação dos princípios constitucionais acima referidos para sustentar a sua invalidade. Sem sucesso, contudo.
Na verdade, para além de a deliberação em causa ser legítima, porque proferida no âmbito dos poderes e competência que estava conferida à assembleia de condóminos, não se vislumbra qualquer fundamento fáctico que tenha sido alegado e provado, do qual resulte que tal deliberação seja atentatória de qualquer dos princípios referidos.
De facto, incumbindo o ónus da alegação e prova da facticidade respectiva ao autor/recorrente, o que se verifica é que da parca alegação feita na acção nada resulta que permita afirmar que foi dado ao autor um tratamento desigual, no confronto com outros condóminos em situação análoga ou equiparável, discriminatório ou sequer que a falta de autorização concedida se mostra desproporcional ou corresponda ao exercício ilegítimo e anormal do direito de os condóminos deliberarem sobre os assuntos submetidos à assembleia de condóminos.
Tal conclusão não se mostra infirmada pelo facto de se mostrar provado que: « Existem outras placas de publicidade colocadas na fachada, conforme se pode ver nas fotos de fls. 34v e 39, sendo a do “...” idênticas àquela que o autor colocou, embora de menores dimensões.»(negrito nosso) e de que «Nunca foi deliberado em assembleia de condóminos a retirada de qualquer tipo de publicidade.».
Tais factos, para além de genéricos e conclusivos, não aportam quaisquer circunstâncias concretas, aliás não alegadas, quanto à concreta localização das placas em confronto, sua exacta dimensão ou sequer configuração, características e circunstâncias da sua colocação, e dos quais fosse possível equacionar um qualquer juízo sobre a desigualdade apontada no tratamento ao autor, sabendo-se que o principio constitucional da igualdade e não discriminação impõe que situações iguais sejam tratadas de forma igual e situações desiguais sejam tratadas de forma desigual.
Acresce, que pese embora não tenha sido deliberada autorização para a manutenção da placa de maior dimensão (cujo dimensionamento concreto não foi sequer alegado), sabendo-se apenas que a mesma tem iluminação nocturna, o que naturalmente num prédio com componente habitacional pode carrear constrangimentos de diversa natureza, a verdade é que no âmbito das competências que lhe são próprias a assembleia de condóminos deliberou autorizar a manutenção e por isso o direito de gozo do autor sobre parte comum, relativamente à outra placa publicitária de menor dimensão e do equipamento de ar condicionado que o recorrente havia, sem autorização prévia e portanto de forma ilegítima, colocado na fachada.
No mais, não se vislumbra encontrar na factualidade provada quaisquer factos que apontem no sentido da irrazoabilidade ou desproporcionalidade da deliberação tomada, já que, para além do acima referido, o interesse privado e o benefício económico de um condómino na utilização exclusiva da coisa comum em momento algum se pode sobrepor ao direito dos demais condóminos de livremente deliberar sobre o uso e utilização das coisas comuns e de apenas aceitar limitações e compressões a esse direito, se essa for a vontade da maioria dos condóminos.
Por último, analisada a deliberação tomada em assembleia quanto ao ponto 4 da ordem de trabalhos e, designadamente, o teor da acta junta aos autos, verifica-se que esta não foi uma decisão tomada sem que houvesse uma ponderação e debate alargado sobre a questão, ao invés como dela decorre[xv], sendo que contrariamente ao que parece pugnar o autor/recorrente os condóminos não tinham que justificar as razões pelas quais não deliberaram autorizar e ratificar a actuação ilegítima do condómino que, sem autorização ou conhecimento da assembleia de condóminos, decidiu unilateralmente e em benefício próprio e exclusivo, ocupar com equipamentos seus e utilizar e destinar ao seu usufruto exclusivo, um espaço/parte comum do prédio, sendo irrelevante se a instalação de tais equipamentos, que indubitavelmente é uma inovação na parte comum, prejudicam a linha arquitéctónica ou o arranjo estético do edifício.
Em suma e concluindo, a deliberação da assembleia de condóminos que não autorizou a permanência da placa publicitária de maiores dimensões, é lícita e não representa qualquer exercício ilegítimo e anormal do direito de os condóminos participarem e deliberarem sobre os assuntos submetidos à assembleia de condóminos e da esfera de competência desta e designadamente sobre o ponto em questão, não se verificando, por isso, qualquer fundamento para a sua anulação e designadamente, os apontados pelo apelante.
Nessa medida e face a todo o exposto, temos que a apelação terá inevitavelmente de improceder, mantendo-se e confirmando-se a sentença recorrida.
Improcede, pois, a apelação.
*
V. Decisão
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação interposta pelo autor, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo autor.
Guimarães, 2 de Abril de 2025
Elisabete Coelho de Moura Alves (relatora)
Maria Amália Santos
Margarida Alexandra de Meira Pinto Gomes
(assinado digitalmente)
[i] Como se salienta no Ac. STJ de 18.06.2013 do relator Garcia Calejo in www.dgsi.pt «as conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar…», [ii] Como se salienta no Ac. STJ de 6.06.2018, do relator Ferreira Pinto in www.dgsi.pt [iii] Vide neste sentido, entre outros, Acórdão de 02-06-2016, proc. nº 781/07.0TYLSB.L1.S1.; 14-07-2016, proc. nº 111/12.0TBAVV.G1.S1; de 27-10-2016, proc. nº 3176/11.8TBBCL.G1.S1; de 27-09-2018, proc. nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1; 19.12.2018, processo 2364/11.1TBVCD.P2.S2 , todos in www.dsgi.pt [iv] Como se elucida cfr. Ac. STJ de 29 Janeiro 2025, proferido no Processo 2015/23.1T8AVR.P1.S1, in www.dgsi.pt [v] Cfr. Ac. STJ 14-12-2017, processo 6056/15.4T8VNG.P1.S1, in www.dgsi.pt [vi] Processo 2150/19.0T8PTM.E1 in www.dgsi.pt [vii] Cfr. a propósito Ac. R.P. de 23-09-2019, processo 1661/18.0T8VNG.P1, in www.dgsi.pt [viii] A propósito, entre outros, Acs. STJ de 08-10-2020; 07-04-2005; 24-05-2006, todos in www.dgsi.pt [ix] Considerando, outrossim, que como se salienta no Ac. da R.L. de 26.01.2021, in www.dgsi.pt « (…) os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas (art.º 18º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), ou seja, são vinculativas para as entidades públicas e privadas sem necessidade da intermediação do direito ordinário. [x] Como se salienta no Ac. RP de 27.06.2018, Processo: 8/17.7T8GDM.P1, in www.dgsi.pt [xi] Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, pág. 63. [xii] Como se refere no Ac. da Relação do Porto de 27-06-2018, Processo: 8/17.7T8GDM.P1 [xiii] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, anotação ao artigo 1414º do CC. E ainda Ac. STJ de 14.07.2020, processo 719/15.1T8PVZ.P1.S1, in www.dgsi.pt [xiv] Como se salienta no Ac. STJ de 14.07.2020, processo 719/15.1T8PVZ.P1.S1, in wwww.dgsi, referindo-se ao artigo 1425º do CC « Trata-se de um preceito que se destina a regular as inovações introduzidas nas partes comuns, como defende Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª ed., p. 137. Acrescenta que, sendo as inovações nas frações autónomas de cada condómino reguladas pelo disposto no art. 1422º, nº 2, “nas partes comuns estão-lhe vedadas quaisquer simples «inovações» ou alterações, a menos que outra coisa tenha ficado consignada no título constitutivo, relativamente a parte cujo uso lhe seja afetado em exclusivo” (p. 139). E remata afirmando que “se assim não fosse estaria em causa a regra geral do art. 1406º aplicável ao condomínio, que determina que todos os comproprietários podem usar a coisa comum sem que privem os restantes da mesma”. Quanto ao conceito de inovação, o mesmo autor explicita: “porque se adotou um conceito amplo de inovação, tanto abrangem alterações introduzidas na substância ou na forma das coisas comuns, como modificações relativas ao seu destino ou afetação …”, exemplificando com a a “instalação de um sistema de ar condicionado ou um termo acumulador (p. 139).
Pires de Lima e Antunes Varela, CC anot., referem que “o nº 1 do art. 1425º refere-se a obras inovadoras, que tanto podem beneficiar coisas comuns já existentes, como introduzir novas coisas comuns no edifício (instalações gerais de aquecimento, ar condicionado, água, eletricidade, etc.) ou demolir antigas coisas comuns …” (enunciação que, no entanto, não foi inteiramente aceite no Ac. do STJ, de 24-6-10, 600/09, em www.dgsi.pt, relativamente à “colocação de aparelhos de ar condicionado na fachada de um prédio, sem especial valimento arquitetónico).
No mesmo sentido Abílio Neto, Propriedade Horizontal, 2ª ed., quando refere que “de entre as obras inovadoras mais frequentes destacaremos … a instalação da base de suporte para a montagem de um anúncio luminoso no telhado do prédio … a montagem de uma antena parabólica ou de painéis solares …” (p. 138).» [xv] -IMAGEM-