ATAS DAS ASSEMBLEIAS DE CONDÓMINOS
TÍTULO EXECUTIVO
JUROS MORATÓRIOS
SANÇÕES PECUNIÁRIAS
CONTRIBUIÇÕES DOS CONDÓMINOS
COBRANÇA
CADUCIDADE
Sumário


.1- A apreciação da exequibilidade das assembleias de condóminos anteriores à entrada em vigor da Lei 8/2022, de 10/1 (que entrou em vigor em 10/4/2022 nesta matéria) é feita à luz do artigo 6º, nº 1, do DL. 268/94 na sua redação original, atendendo-se, no entanto, à norma interpretativa introduzida no seu nº 3, que especificou que são abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
. 2- O artigo 6º, nº 5 do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, na redação dada pela Lei nº 8/2022, de 10 de janeiro, não estipula qualquer novo prazo de caducidade do direito do condomínio a receber as contribuições dos condóminos objeto das deliberações da assembleia de condomínio, apenas impõe uma nova obrigação ao administrador, ao fixar-lhe o prazo em que deve exigir a sua cobrança, cujo incumprimento poderá fazer o mesmo incorrer em responsabilidade civil.
.3- Parece sensato conceder força executiva às atas das assembleia de condóminos quando delas resulte clara, seja por aquela a constituir, seja por a reconhecer e liquidar, uma obrigação de contribuição ao condomínio para suportar despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou a serviços de interesse comum, desde que os condóminos sujeitos à obrigação estejam determinados (ou sejam diretamente determináveis), assim como estejam determinados (ou diretamente determináveis) o objeto, causa, valor da obrigação e o decurso do prazo de pagamento.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

.I-Relatório

Recorrente e Embargante: AA
Recorrida e Embargada: Condomínio do Prédio sito na Urbanização ..., Lote ...5
Autos de: oposição à execução por embargos de executado

A embargada, em 3-7-2022, apresentou requerimento para dedução de execução sumária  para pagamento da quantia de 7.111,58 €, com a alegação dos seguintes factos de maior relevo: “A Executada é usufrutuária das frações autónomas designadas pelas letras ... e ... … encontra-se em débito o valor total de 3 905€, conforme descrição: Fração ... Quotas e fundo de reserva de maio de 2011 a março de 2018 - 1 369,50€ Quotas e fundo de reserva de abril de 2018 a junho 2022 - 1 020€ Quota extraordinária reparação elevadores - 200€ Total 2 589,50€ Fração ... Quotas e fundo de reserva de maio de 2011 a março 2018 - 705,50€ Quotas e fundo de reserva de abril de 2018 a junho de 2022 - 510€ Quota extraordinária reparação elevadores - 100€ Total 1 315,50€ … Ficou ainda deliberado na Assembleia que nos casos em que se recorra à via judicial, imputar aos condóminos devedores uma penalização de 300€. …  Deve por isso o executado a quantia de 4.505€ - conforme extrato de conta corrente junto ao anexo referente aos exercícios de 2005 a 2022. 9. Acrescendo os juros de mora à taxa legal.”
A embargante pediu a extinção da execução.
Alegou, para tanto e em síntese, a ilegitimidade ativa e passiva na execução, a inexistência do título dado à execução, referindo que a ata de 19/3/2018 não mencionava prazo de pagamento, que não foi elaborada ata fixando as quotas de maio de 2011 a março de 2018, que o mesmo ocorreu com a ata n.º ...7, que a exequibilidade das atas não abrange as penalidades, que não foi convocada, nem esteve presente nas assembleias de condomínio, que as quantias lhe não são exigíveis por ser mera usufrutuária, que os juros vencidos não foram calculados e a prescrição de parte da obrigação exequenda.
O embargado contestou, impugnando o invocado e lutando pela improcedência dos embargos.
Foi proferido saneador-sentença que decidiu pela legitimidade das partes, fixou o valor da ação em €7.111,58, concluiu que as atas das assembleias de condóminos que serviram de base à presente execução, constituem título executivo, por força de nas mesmas terem sido aprovados os orçamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, com fixação do valor que cada condómino teria a pagar, calculado em função da permilagem de cada fração, bem como valor das dívidas pré-existentes referentes a cada condómino, o valor das quotas extraordinárias e das sanções pecuniárias pelo incumprimento e determinou a procedência parcial da invocada exceção de prescrição. Julgou os “embargos de executado parcialmente procedentes, por provados, por força da procedência parcial da exceção perentória da prescrição (quotas de condomínio até 01/03/2013, inclusive), absolvendo-se a embargante do pedido nesta parte, devendo os autos prosseguir os seus termos quanto ao pedido do exequente, devendo os autos execução prosseguirem os seus termos quanto ao restante pedido exequendo.”

É contra esta sentença que a Recorrente apela, apresentando as seguintes
conclusões:
[…]
6ª A data do vencimento das obrigações não consta das actas apresentadas como títulos executivos, pelo que, fundamentar a sua prova nos “extractos anuais de quotizações” ou em qualquer listagem de devedores, constituirá erro de julgamento, devendo a mencionada expressão ser eliminada dos factos provados nºs. 5) e 11), assim o impondo o conteúdo das actas em questão;
7ª Por não estabelecerem prazo de pagamento ou fixarem as datas dos vencimentos, as actas das reuniões da assembleia geral de condóminos apresentadas como títulos executivos não detêm essa qualidade quanto a quotizações fixadas em eventuais reuniões anteriores e agora meramente constantes de extractos de contas ou de listas de devedores; e também não constituem títulos executivos no relativo ás quotizações ali decididas para futuro;
8ª Por não estar demonstrado o vencimento das prestações em divida, não podia a executada recorrente ter incorrido em qualquer penalidade decorrente do atraso no pagamento;
9ª Acresce que a acta deliberativa da assembleia de condóminos só constitui título executivo quanto ao montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, não abrangendo penalidades ou sanções – é o que dispõe o nº 1 do artº. 6º do DL nº 268/94;
10ª Mesmo que assim se não entenda, no caso presente, a sanção seria aplicável a cada condómino, como expressamente consta das actas, e não por cada fração, surgindo em duplicado o pagamento a esse propósito pretendido pelo exequente; 11ª
Foram violadas, por errada interpretação ou falta de aplicação, as disposições legais dos artigos 1431º e 1432º do Cód. Civil; dos artigos 608º nº 2 e 607º nºs. 4 e 5 do Cód. Proc. Civil; do artigo 6º do D.L. nº 268/94, de 25/10; e artigos 703º nº 1 e 10º nº 5 do Cód. Proc. Civil.  Termos em que, na procedência da alegação da recorrente, deverá ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue os embargos procedentes e determine a extinção da execução a que estes são apensos.

O tribunal a quo pronunciou-se sobre as invocadas nulidades: “Num primeiro plano, a recorrente sustenta que, por força de ter invocado no artigo 18.º da sua petição de embargos “que a embargante/executada não foi convocada, não esteve presente na assembleia de condóminos que deu origem ás atas trazidas á execução nem tais atas lhe foram notificadas”, o Tribunal incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, por força de não ter dado resposta a esta questão.
 Nesta sequência, cumpre desde logo avançar que a embargante dividiu a sua petição de embargos em 4 blocos: exceção dilatória da ilegitimidade; Inexistência de título executivo; Inexigibilidade do pagamento; Excepção peremptória da prescrição. Todos estes blocos foram objeto de pronúncia por parte do Tribunal.
 Ora, no que contende com a invocação de que a embargante não esteve presente, nem foi convocada para as assembleias de condóminos, desde logo se refira que a embargante faz tal alegação, mas daí não retira qualquer consequência, nem aduz qualquer pedido, nomeadamente, o pedido de anulação a que se refere o artigo 1433.º, do Código Civil. Na convicção do Tribunal, a embargante invocou tal facto a título instrumental, tanto é que não fez corresponder ao mesmo o pedido de anulação a que se fez referência supra.
 Por fim, sempre se refira que, ainda que assim não se entendesse, em sede dos presentes embargos, o Tribunal não poderia apreciar tal questão, uma vez que a ser invocada a anulabilidade das deliberações, a mesma sempre teria que ser declarada em ação a propor para o efeito, sendo que à data de entrada em juízo dos embargos o prazo para acção de impugnação das deliberações já estava precludido (Cfr. artigo 1433.º, n.º3, do Código Civil), não tendo a embargante demonstrado nos autos que tinha impugnado tais deliberações.
Em face do exposto, é entendimento do signatário que não se verifica a apontada nulidade.
 Por outro lado, a embargante entende que o Tribunal incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, tendo em conta que alegou nos artigos 22.º e 24.º da sua petição de embargos a falta de causa de pedir relativamente ao pagamento das importâncias de €1.991,58 e €615,00, sem que o Tribunal tivesse dado resposta a tal questão. De facto, nesta sede, assiste razão ao recorrente, não se tendo o Tribunal, por mero lapso do qual se penitencia, pronunciado sobre tal questão.
 Por fim, no que contende com alegada omissão de pronúncia sobre a tempestividade da acção executiva, saliente-se, que além de o embargante não alegar, de forma clara, a intempestividade da acção executiva, uma vez que apenas refere que a falta de indicação das datas de vencimento inviabiliza a aferição da tempestividade da acção executiva, o certo é que o Tribunal não deu resposta cabal a tal questão por duas ordens de razão: à data das deliberações aqui em análise estava em vigor o Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 81/2020, de 2 de Outubro, o qual não previa qualquer prazo para o administrador do condomínio instaurar a acção; o prazo contido na redacção actualizada do artigo 6.º, n.º5, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, não configura um prazo de caducidade da propositura da acção judicial, mas sim um prazo a partir do qual o administrador pode vir a ser responsabilizado se não propuser a respectiva acção (Cfr. artigo 6.º, n.º5, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro e artigo 1436.º, n.os 1 alíneas d), f), i) e 3, do Código Civil).
 Desta forma, conclui o Tribunal que, por força de ter dado resposta à questão das datas de vencimento das quotas de condomínio, a questão da tempestividade da acção ficou prejudicada.”
   
.II - Questões a apreciar

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.
Face ao alegado nas conclusões das alegações, são os seguintes os temas que cumpre examinar:
- se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;
- se há que alterar a matéria de facto provada no sentido pretendido;
- se as atas do condomínio apresentadas titulam de forma suficiente as obrigações condominiais dadas à execução

.III- Fundamentação de Facto

Segue o elenco da matéria de facto provada e não provada a considerar, indicando-se os factos selecionados na sentença.

Factos provados

1) A embargante, AA, tem registado (AP. ...9 de 1996/10/10) a seu favor o direito de usufruto das frações autónomas designadas pelas letras ... e ..., do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, designado por Urbanização ... – lote ...6, sito na Rua ..., freguesia ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ...;
2) No dia 19/03/2018, pelas vinte e uma horas, reuniram em assembleia geral ordinária de condóminos, os condóminos do prédio referido em 1), estando presentes ou representados condóminos perfazendo 601,20% do total do capital investido;
3) Na assembleia de condóminos referida em 2), foi aprovado, por unanimidade dos presentes, o orçamento de despesas para o ano de 2018;
4) Face à permilagem que as frações autónomas ... e ... representam na totalidade do capital investido no prédio referido em 1), fixou-se, com início no mês de Abril de 2018, uma quota mensal no valor de €20,00 para a Fração ... e uma quota mensal de €10,00 para a Fração ...;
5)          Relativamente aos débitos do condóminos, na assembleia de condóminos referida em 2), foi aprovado, por unanimidade dos presentes, avançar de imediato com a cobrança extrajudicial e, se necessário, judicial dos mesmos, encontrando-se as frações referidas em 1), à data da assembleia, em dívida quanto às quotas referentes a Maio de 2011 a Março de 2018, no valor mensal de €16,50 (no caso da Fração ...) e no montante mensal de €8,50 (no caso da Fração ...), com vencimento ao dia 1 de cada mês, sendo o montante global da dívida de €1.369,50 (Fração ...) e no montante de €705,50 (Fração ...);
6) Foi também aprovado por unanimidade dos presentes na assembleia referida em 2), que nos casos em que fosse necessário recorrer à via judicial para cobrança das quotas em atraso, ficava estipulado aplicar juros de mora à taxa de 10% e uma penalização de €300,00 aos condóminos faltosos, sendo esta destinada ao pagamento dos honorários de mandatário;
7) No dia 23/04/2021, pelas vinte hora e trinta minutos, reuniram em assembleia geral ordinária de condóminos, os condóminos do prédio referido em 1), estando presentes ou representados condóminos perfazendo 337,80% do total do capital investido;
8) Na assembleia de condóminos referida em 7), foi aprovado, por unanimidade dos presentes, o orçamento de despesas para o ano de 2021;
9) Face à permilagem que as frações autónomas ... e ... representam na totalidade do capital investido no prédio referido em 1), decidiu-se manter as quotas mensais anteriormente em vigor, ou seja, uma quota mensal no valor de €20,00 para a Fração ... e uma quota mensal de €10,00 para a Fração ..., ambas com vencimento ao dia 1 de cada mês;
10) Na mesma assembleia foi aprovado, por unanimidade dos presentes, o relatório e contas referente ao período de janeiro de 2019 a dezembro de 2020;
11) Relativamente aos débitos dos condóminos, na assembleia de condóminos referida em 7), foi apresentada a listagem dos condóminos devedores, encontrando-se as frações referidas em 1), à data da assembleia, em dívida quanto às quotas referentes a Maio de 2011 a Março de 2018, no valor mensal de €16,50 (no caso da Fração ...) e no montante mensal de €8,50 (no caso da Fração ...), com vencimento ao dia 1 de cada mês, sendo o montante global da dívida de €1.369,50 (Fração ...) e no montante de €705,50 (Fração ...), e quanto às quotas referentes ao período de Abril de 2018 a Dezembro de 2020, no valor mensal de €20,00 (Fração ...) e no montante mensal de €10,00 (Fração ...), com vencimento ao dia 1 de cada mês, sendo o montante global da dívida de €660,00 (Fração ...) e no montante de €330,00 (Fração ...) e, ainda,quanto à quota extraordinária para pagamento de dívida à ..., no valor de €200,00 (Fração ...) e no montante de €100,00 (Fração ...);
12) Relativamente aos débitos dos condóminos, na assembleia de condóminos referida em 7), foi deliberado mandatar a administração para accionar judicialmente os condóminos das frações ... e ..., imputando-lhes as despesas judiciais e extrajudiciais de cobrança, juros de mora à taxa legal em vigor e, no caso de recurso à cobrança judicial, a aplicação de uma penalidade por incumprimento no valor de €500,00, acrescida dos honorários do mandatário, do agente de execução, taxas de justiça e demais encargos processuais;

IV- Fundamentação

A--- Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil
As causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil e são de caráter formal, dizendo respeito a desvios no procedimento ocorridos na sentença que impedem que se percecione uma decisão de mérito do concreto litígio: não se confundem com todas as situações que podem inquinar uma sentença ou despacho e conduzir à sua revogação.
Não abarcam todas e quaisquer falhas de que uma sentença ou um despacho podem padecer: têm que traduzir-se na  falta de assinatura do juiz, na omissão total dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; ininteligibilidade da decisão por oposição entre esta e os fundamentos, ambiguidade ou obscuridade; omissão de pronúncia sobre pedidos, causas de pedir ou exceções que devessem ser apreciadas ou conhecimento de questões de que não se podia tomar conhecimento; condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Atingem as decisões por razões de natureza mais formal, sem averiguar da sua razão, legalidade ou bondade.
Assim, não constituem nulidade da sentença os erros de julgamento, a deficiente seleção dos factos em que se baseia ou imperfeita valoração dos meios de prova, erros de raciocínio, omissão de pronúncia sobre todos os argumentos levados aos autos e violação de caso julgado.
É efetivamente causa de nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre questões que a exigiam, como dispõe a alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Mas essas questões, cuja omissão de pronúncia determina a nulidade da sentença, são aquelas a que se refere o artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil e não são os simples argumentos, razões ou elementos parciais trazidos à liça: identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
É, pois, pacífico que não há que confundir as “questões a conhecer”, com considerações ou factos: aquelas são as mencionadas no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil, relacionadas com as pretensões das partes, não o conjunto de alicerces (e cada um deles) em que as partes fundam tais “questões”, traduzidas nos factos (preteridos ou mal atendidos) ou na aplicação do direito (normas ou princípios que não terão sido atendidas ou terão sido erroneamente empregados).
Como tão bem se resume no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-03-2017, no processo 2200/10.6TVLSB.P1.S1: “I - As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objeto do recurso, em direta conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.”
Por outro lado, porquanto se estipula no artigo 665º nº 1 do Código de Processo Civil que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação, a sua consequência resume-se, em regra, à substituição da decisão proferida pela solução que venha a ser obtida no tribunal de apelação, com resultado semelhante ao que se obtém com a normal apreciação da decisão impugnada objeto do recurso.
Isto posto, voltemos aos pormenores da situação que nos ocupa.
A Recorrente efetivamente alegou na petição dos embargos que “Não foi convocada, não esteve presente na assembleia de condóminos que deu origem ás actas trazidas á execução, nem tais actas lhe foram notificadas.” No entanto, não retira qualquer consequência desta invocação, não explicando que entendia que este facto podia obstar à execução e porque razão. Enfim, embora alegasse esse facto não fundou nele qualquer novo tema que tivesse que ser considerado.
Visto que o juiz não tem senão que pronunciar-se sobre as questões levantadas pelas partes e não obstante a alegação desse facto a embargante não trouxe com ele qualquer questão, entende-se que não ocorreu, efetivamente, qualquer omissão por parte da sentença ao nada dizer sobre essa questão.
A mesma invoca agora que “Estes factos, a verificarem-se, teriam consequências na decisão a proferir, podendo implicar que as deliberações sejam nulas ou inexistentes em relação á embargante, por violação da lei, nomeadamente do disposto nos artigos 1431º e 1432º do Cód. Civil; tais deliberações não obrigariam a executada embargante que, com base nelas, não poderia ser condenada a pagar ao exequente embargado o que quer que fosse”. No entanto, carece de razão: nos termos do artigo 1433º, nº 1, do Código Civil as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. Ora, não consta dos autos, nem foi alegado que tivesse sido peticionada a anulação das deliberações, a qual está sujeita a prazos apertados, nos termos do nº 2 deste preceito. (cf o resumo operado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-12-2024, no processo nº 20626/23.3T8LSB-A.L1-7: “São três as vias de reacção dos condóminos perante deliberações inválidas ou ineficazes: - solicitar, no prazo de dez dias (contados, para os condóminos presentes, da data das deliberações e, para os ausentes, da comunicação do seu conteúdo), ao administrador do condomínio a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações, devendo esta ter lugar no prazo de 20 dias a contar da solicitação (artigo 1433.º, n.º 2);
- sujeitar as deliberações a um centro de arbitragem, no prazo de 30 dias (contados, para os condóminos presentes, da data das deliberações e, para os ausentes, da comunicação do seu conteúdo)– artigo 1433.º, n.º 3;
- intentar judicialmente – no prazo de 60 dias a contar da data da deliberação ou da sua comunicação – acção de anulação das deliberações (artigo 1433.º, n.º 4, segunda parte), prazo que só é susceptível de relevar caso não tenha sido solicitada a realização da assembleia extraordinária.”)
Assim, carece de qualquer efeito útil nestes autos a mera alegação de que ocorreram desvios ao formalismo legal na realização das assembleias de condomínio, sem que se tenha, à data, pedido e obtido a anulação das correspondentes deliberações.

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Mais alega a Recorrente que alegou a falta da causa de pedir no que se refere ao pedido de pagamento das importâncias de 1.991,58€ e 615,00€, que o exequente incluiu no cálculo da obrigação da executada feito no formulário “citius” sem qualquer alegação ou explicação, nomeadamente na parte em que alega os factos. Ora, a  leitura do requerimento executivo, supra enunciado é suficientemente esclarecedor de todos os valores pedidos, decorrendo de todos os seus dizeres que a primeira parcela diz respeito a juros de mora à taxa legal (ponto 9 do requerimento executivo, a que acrescentou, no final,  os seguintes dizeres  “Somam-se juros até à presente data e somar-se-ão até efetivo e integral pagamento”) e a restante às penalizações referida em 6 do mesmo requerimento.
Termos em que verificando-se que efetivamente a sentença foi omissa quanto a esta matéria, se supre a mesma, afirmando-se que decorre do requerimento executivo, de forma muito clara, a que correspondem tais parcelas (o valor dos juros e da penalização pela falta de pagamento dos valores titulados nas duas atas em causa), pelo que as razões de forma trazidas pela embargante não permitem, sem mais o seu afastamento.
Termos em que se é parcialmente procedente a invocada nulidade, já não o é a pretensão não apreciada, visto que as razões formais apresentadas não justificam a eliminação das quantias de 1.991,58€ e 615,00€ da quantia exequenda, porquanto estas mostram-se justificadas no articulado do requerimento executivo.
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Por fim, a Recorrente entende que a sentença devia apreciar “a tempestividade da ação judicial, em conformidade com o disposto no nº 5 do artº 6º da Lei nº 8/2022, de 10 de janeiro.”, visto que foi decidido que existe título executivo e que deveria prosseguir a ação executiva.
Ora, a Recorrente não especificou qual entendia ser a consequência da falta de observância do prazo previsto naquele normativo.
 A norma em questão tem o seguinte teor: “5 - A ação judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.” É precedida de norma que também fixa uma obrigação ao administrador: “4 - O administrador deve instaurar ação judicial destinada a cobrar as quantias referidas nos n.os 1 e 3.”
Assim, entende-se que da mesma não resulta a estipulação de um prazo de caducidade do direito do condomínio, mas a estipulação de uma obrigação para o administrador cujo incumprimento poderá fazer o mesmo incorrer em responsabilidade civil, caso a não observe (Neste sentido cf o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19-12-2023, no processo 4135/22.0T8VLG-A.P1).
Por outro lado, há que ter em conta que a execução foi deduzida menos de 90 dias depois da entrada em vigor desta norma, pelo que nunca se poderia considerar ultrapassado o prazo em questão (artigo 297º, nº 1, do Código Civil).
Enfim, não ocorreu nenhuma nulidade por não ter sido apreciada esta questão (nem esta conduziria à procedência dos embargos).

B- Da impugnação da matéria de facto

Verificam-se suficientemente cumpridos todos os requisitos impostos para a apreciação da impugnação da matéria de facto, previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, pelo que é desnecessário debruçarmo-nos sobre os mesmos. Apenas está em causa prova documental, pelo que podemos entrar de imediato na análise de cada um dos pontos da matéria de facto que a Recorrente impugna.

Do ponto 5 da matéria de facto provada

A Recorrente entende que do ponto 5 da matéria de facto provada não devia constar a menção ao dia do vencimento, porquanto este momento não consta da deliberação e os extratos anuais de quotizações de onde resulta tal data de vencimento, não fazem parte da ata.
No entanto, na ata nº ...5, após as assinaturas dos presentes (“lista dos presentes” menciona-se o “anexo da ata da reunião” seguida do “extrato anual de quotizações”, pelo que o mesmo se deve considerar como documento complementar da própria deliberação, podendo o intérprete recorrer ao mesmo para perceber o que foi deliberado na assembleia e fixar o que nela foi decidido.
Termos em que se entende que não há que alterar o teor do ponto 5 da matéria de facto provada.

Do ponto 11 da matéria de facto provada

Com o mesmo argumento, mas referindo que a ata º 27 não contem anexos, pretende o Recorrente que se afaste dos seus dizeres as menções a “com vencimento ao dia 1 de cada mês”.
Ora, nos dizeres da ata deliberou-se manter “as quotizações em vigor”, decorrendo daí também a manutenção do seu prazo, tendo-se, embora, reafirmado (e bem) o seu valor.
Assim, também por aqui não há que alterar a matéria de facto provada.

C- Da aplicação do Direito aos factos apurados

Do   título executivo

Como determina o artigo 10º, nº 5 do Código de Processo Civil, toda a execução tem de ter por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
Esclarecem nesse sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág 33:  “O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto (nº5), assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação (art. 53º, nº 1).
Assim, a ação executiva só pode ser intentada se tiver por base um título executivo (nulla executio sine titulo), o qual, para além de documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão deduzida pelo exequente, confere igualmente o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas no património do executado.
Conclui-se que “o título executivo realiza duas funções essenciais:
- por um lado, delimita o fim da execução, isto é determina, em função da obrigação que ele encerra, se a ação executiva tem por finalidade o pagamento de quantia certa, a entrega de coisa certa ou a prestação de facto;
- por outro lado, estabelece os limites da execução, ou seja, o credor não pode pedir mais do que aquilo que o título executivo lhe dá..
O art. 703º, apresenta uma enumeração taxativa (numerus clausus) dos títulos executivos que podem servir de base a uma ação executiva, sendo que cotejando as diversas alíneas do nº1, se constata que a lei estabelece uma distinção entre títulos executivos judiciais, títulos executivos parajudiciais ou de “formação judicial” e títulos executivos extrajudiciais
É também regra, no que rege os títulos executivos, que este deve ser autossuficiente no que respeita à determinação do objeto e da finalidade da execução, revelando por si só os elementos essenciais da obrigação exequenda, a fim de assegurar, com considerável grau de probabilidade, a existência e conteúdo da obrigação que se executa. No entanto, como infra se verá este princípio da autossuficiência tem múltiplas exceções, sendo no presente código colhido com menor exigência, face ao disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 724º do Código de Processo Civil.
Enfim, como a ação executiva visa a realização coativa de uma prestação (ou de um seu equivalente pecuniário), a obrigação exequenda tem que estar apresentada com a necessária segurança no título que a funda, seja no que toca aos seus sujeitos, quer na sua existência e conteúdo, e revelar-se com clareza, seja pela sua constituição, seja pelo seu reconhecimento.

Da lei aplicável, face à sucessão de normas no tempo

As deliberações em causa são todas anteriores à Lei n.º 8/2022, de 10/01, o qual dispôs, no seu artigo 9.º : “A presente lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação, com exceção da alteração ao artigo 1437.º do Código Civil, que entra em vigor no dia seguinte ao da publicação.”
Por seu turno, o artigo 12º do Código Civil dispõe que “a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retractiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”. E por isso, quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
Exceção a estes princípios é o da aplicabilidade imediata da lei interpretativa, consagrado no artigo 13º nº 1 do Código Civil.
Assim, neste caso, é aplicável o artigo 6º, nº 1, do DL 268/94 na sua redação original, tendo, no entanto, que se verificar se está em causa matéria que mereceu interpretação autêntica na sua (única) modificação operada pela Lei 8/2022, de 10/1, predominando, então, o entendimento estipulado neste último normativo.

Dos requisitos das atas de condomínio para valerem como títulos executivos

O artigo 6º do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, na redação original, determinava que a ata da reunião da assembleia que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum que não devam ser suportados pelo condomínio, constituem titulo executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte.
Atualmente, com a alteração da Lei n.º 8/2022, de 10/01, estipula nos seus nºs 1 e 2 – “A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”
Nestes autos, atenta a data das deliberações importa, como vimos, a redação original deste nº 1, visto que não se vê razão para atribuir à nova redação intenção interpretativa, como infra melhor se concretizará.
A norma original teve as mais variadas interpretações e aplicações, encontrando-se ainda hoje uma miríade de entendimentos sobre os requisitos exigíveis às atas para servirem de título executivo, que muitas vezes se excluem, o que, além do mais, dificulta o recurso ao processo executivo pelos condomínios.
Era largamente aceite que as deliberações das assembleias que decidem o valor das quotas periódicas que devem ser pagas pelos condóminos para suportar as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum,  bem como os encargos com inovações devidamente deliberadas, aludidas nos nº 1 dos  artigo 1424º  e 1426º do Código Civil, com fixação da sua data de vencimento, preenchiam os requisitos exigíveis por esta norma (prescindindo de  ata que liquide o que for já devido).
A corrente que feia uma interpretação restrita da norma, com muitos seguidores, afastava a força executiva de ata de assembleia em que se delibera descrever os montantes em dívida, face as deliberações anteriores, por determinado condómino, respeitante a tais contribuições, considerando que, no fundo, não corresponde exatamente ao descrito na norma especial que criou este título executivo, por não conter a deliberação nela descrita.
Mas outra corrente entendia que a lei atribui força executiva só à ata que liquide o que for já devido (Cf acórdão no processo 42780/06...., de 07/07/2011), com o fortíssimo argumento que  estas, por definição, abrangem as deliberações das assembleias que as fixou, porque as pressupõem,  acrescentando, para afastar as demais,  que a interpretação literal da norma exige  ampla indagação e liquidação na execução, dificultando a sua  eficácia processual, pugnando pelo princípio  da autossuficiência do título. (Numa breve indicação de acórdãos num e noutro sentido, com um entendimento restrito são exemplificativos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, embora não retrate diretamente esta questão, de 10/01/2019, no processo 14706/14.3T8LSB.L1.S1 e das Relações, proferidas nos processos: 8630/08.6TBBRG-A.G1, de 01/08/2013, 1139/06.4TBGDM-A.P1, de 06/04/2009, 1139/06.4TBGDM-A.P1 de 04/062009; com um entendimento amplo: 2154/16.5T8VCT-A.G1, de 03/02/2017, 129/14.8TJCBR-A.C1, de 03/01/2016, 1415/12.7TBFLG.G1 de 02/14/2013, 9276/2007-7 de 07/08/2007, 10468/2003-1 de 03/02/2004, 7855/11.1TBMAI.P1 de 01/10/2013, 157/10.2TBCVL-A.C1, de 06/20/2012.)
Embora nos pareça de acolher o entendimento que a ata que liquide o devido dá cobertura ao anteriormente deliberado e pode ter força executiva, por ser o simples cálculo do já definido pelo mesmo órgão, não se consegue afastar a força executiva das atas deliberativas, visto que a letra da lei (o n.º 1, do artigo 6°, do Decreto-Lei n.º 268/94) conduz imediatamente para a ata que contenha a fixação da obrigação, não que contenha a simples liquidação do que está em falta. As dificuldades processuais são logo retiradas com o ónus da liquidação que recai sobre o exequente no requerimento inicial da execução.
Há que fazer uma interpretação da lei, com recurso, não só aos seus elementos literais, mas também teleológicos e sistemáticos. O diploma que previu este especial título executivo, no preâmbulo, esclarece que pretende tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando o decorrer das relações entre condóminos e terceiros.
É evidente a importância do recebimento das quotas em questão pelo condomínio, a fim de manter a salubridade dos prédios e as condições de vida dos seus habitantes, interesse que extravasa, aliás, as conveniências dos seus condóminos, mas também abrange o interesse geral quanto à manutenção do respeito pela dignidade da vida humana, assim como assegura a  necessidade de defesa dos interesses urbanísticos, como a segurança e limpeza do parque predial com consequências no espaço habitado por todos. É conhecida a existência de prédios paupérrimos em que não só se não procede já à manutenção do edifício, podendo pôr em risco, além do mais, todos os que passem na sua vizinhança, sendo nesse tipo de prédios os locais onde, com frequência, se encontram as atas com menor rigor, mercê da frequente aliança entre as menores condições económicas e menor nível escolar.
Assim, uma leitura muito exigente desta norma, escapando ao seu espírito, afasta-se na realidade portuguesa e dos objetivos que com ela se quis criar: permitir aos condóminos não relapsos, com a maior brevidade possível, alcançar forma de satisfazer as despesas de conservação e fruição das partes comuns, bem como as despesas com serviços de interesse comum.
Por outro lado, a diversidade de entendimentos quanto a este aspeto formal dificulta de tal forma o acesso ao direito por parte dos condomínios, pelo que nos parece sensato conceder força executiva às atas das quais resulte, de forma clara e indubitável, quer a constituição da obrigação, quer o seu reconhecimento, com indicação suficiente dos seus elementos identificativos essenciais, que permita ao executado perceber o que se encontra em execução.
É certo que o entendimento em que a execução se funda na declaração dos montantes em dívida fixados por terceiros (pela assembleia de condomínio onde o próprio condómino pode não ter participado) permite com maior facilidade um empolamento dos seus montantes, dando menor segurança ao título executivo.
No entanto, sempre pode o executado injustamente demandado apresentar os competentes embargos, explanando a falta de fundamento da pretensão, cabendo ao exequente demonstrar a origem da liquidação efetuada, através da junção das atas que deram origem a tal liquidação.
Necessário é, no entanto, que da ata resulte claro quem deve e o que é devido, ao menos em termos tais que contenha os elementos para a sua direta e objetiva determinação e liquidação. O que além do mais implica, que “a ata da reunião da assembleia de condóminos configura um título executivo válido quando seja possível determinar de «forma clara e por simples aritmética» o «valor exato da dívida de cada condómino” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 1094/13.4YYLSB.L1-6, de 03/01/2019) a que acrescentamos a sua causa.
Outra divisão da jurisprudência quanto às condições de executoriedade  das atas e condomínio diz respeito ao seu objeto, se abrange ou não as sanções de natureza pecuniária.
Pelas razões explanadas, entendemos que no domínio da revogada legislação, considerando que importa privilegiar a matéria sobre a forma, se consideram preenchidos  os requisitos para que uma  ata da assembleia de condóminos valha  como título executivo quando dela resultam claras, seja por aquela as constituir, seja por as reconhecer e liquidar, as obrigações para que remete esta norma (contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum,) estando determinados (ou serem diretamente determináveis), os sujeitos da obrigação, bem como o seu objeto e causa, valores e decurso do prazo.
Face à explanação dada pelo artigo 6º, nº 3 deste diploma, na redação dada pela Lei n.º 8/2022, de 10/01, as sanções pecuniárias também são abrangidas pela força executória dada às atas: “3 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.”, visto que era matéria francamente discutida anteriormente, tendo a lei vindo resolver dúvida jurisprudencial.

Das consequências da falta de menção expressa do dia em que a quota deve ser pagamento

A questão da força executiva da ata por falta de indicação do prazo é alias de fácil resolução e contende com a aplicação da lei no tempo.
Já vimos o que estipulava a  anterior redação do artigo 6º, nº 1 do Decreto - Lei nº 268/94, ( “1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.“) e o que dispões a atual redação, fruto do Lei n.º 8/2022, de 10/01 ( “1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações. “) e que todas as deliberações em causa são todas anteriores à Lei n.º 8/2022, de 10/01.
A lei aplicável na data em que foram elaboradas as atas exigia para que existisse título executivo que estivesse ultrapassado o prazo para o pagamento, mas não que estivesse expresso na ata “a data de vencimento” da obrigação.
Assim, tendo em conta que a lei que vigorava à data das deliberações não exigia para a sua eficácia executiva a indicação do prazo da obrigação, nem nada na letra da lei levava a que houvesse clivagem no mundo jurídico relativamente a essa questão (sem prejuízo da questão poder eventualmente ser pontualmente referida), não se pode considerar que a lei que veio inovar com esse novo requisito se aplique às atas anteriores à sua data de entrada em vigor. Neste sentido cf, também, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-06-2023, no processo 1089/22.7T8SRE-B.C1.
Com efeito, mencionando-se que as prestações são mensais, devendo, pois ser pagas mensalmente, dúvidas não há que as mesmas têm um prazo mensal, pelo que, se não existissem elementos para fixar o concreto dia com base nos anexos da ata, que dela fazem parte integrante, se consideraria que o pagamento dessa prestação teria que ser feita até ao último dia do respetivo mês. De uma ou outra forma, a mera indicação que a prestação é mensal determina a fixação de um prazo de vencimento (nem que seja no ultimo dia do mês a que diz respeito, se nada tivesse sido deliberado em contrário).
Termos em que se considera que as atas em causa, por demonstrarem de forma cabal que as obrigações tinham prazo de pagamento, mensal, os quais foram ultrapassados, valem como título executivo.

Da exequibilidade da atas que reconheceram obrigações anteriormente constituídas, sem a junção das atas que as constituíram

Afirma ainda a embargante que era necessária a apresentação das atas que deliberaram a aplicação das quotas e não as que se limitaram a descrevê-las. Como já supra justificámos, considerando todo o espírito legislativo, consideram-se preenchidos  os requisitos para que uma  ata da assembleia de condóminos valha  como título executivo quando dela resultam claras, seja por aquela constituir, seja por reconhecer e liquidar, as contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, estando determinados (ou serem diretamente determináveis), os sujeitos da obrigação, bem como o seu objeto e causa, valores e decurso do prazo.
Assim, as atas apresentadas são título executivo

Da exequibilidade das atas no que diz respeito às penalizações

Antes da alteração legislativa seguíamos, embora com dúvidas, o entendimento da Recorrente, afastando as penalizações da força executiva dadas às atas. No entanto, esta dúvida que assolava grande parte da jurisprudência foi resolvida pelo atual artigo 6º, nº 3 do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro, na redação dada pela Lei n.º 8/2022, de 10/01: “3 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.”.
Assim, visto que esta era matéria francamente discutida anteriormente, o nº 3 deste artigo tem natureza interpretativa e inclui-se, por isso, na lei interpretada.
A ata é título executivo para as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
Não houve qualquer duplicação na aplicação das sanções deliberadas, respetivamente no valor de 300,00 € e 500,00 €, pelo que não se verifica a necessidade de eliminar qualquer valor da quantia exequenda.

.V -Decisão

Por todo o exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso e em consequência confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo Recorrente (artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Guimarães, 02-04-2025

Sandra Melo
Elisabete Coelho de Moura Alves
Maria Amália Santos