CONFISSÕES DE FACTOS NOS ARTICULADOS
QUESTÃO NOVA NO RECURSO
SUBROGAÇÃO NO DIREITO DA HERANÇA
Sumário


I- Nos termos do art.º 46.º do CPC, as confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário dos RR nos articulados, vinculam a parte, devendo esses factos ser levados à matéria de facto provada, com base na confissão da parte.
II- Nos termos do art.º 574º nº 1 e 2 do CPC, ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor, não podendo remeter-se a uma posição cómoda de silêncio ou de inércia, ou dizer simplesmente que “os impugna” – considerando-se admitidos por acordo os factos não impugnados especificadamente.
III- É entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida.

Texto Integral


AA e BB, residentes na Rua ..., ..., em ..., ..., intentaram a presente ação declarativa com processo comum, contra os réus CC, residente na Rua ... poente sul, em ..., ... e ..., ..., DD, residente na Rua ..., em ..., ... e ..., ..., ... ..., EE, residente na Rua ..., em ... e ..., ..., e FF, residente na Rua ... poente sul, em ..., ... e ..., ..., pedindo que:

a. Os réus sejam condenados a reconhecer o crédito dos autores sobre o primeiro réu no valor de € 52.023,00 (cinquenta e dois mil e vinte e três euros);
b. Os réus sejam condenados a pagar esta quantia aos autores, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento;
c. Os autores sejam sub-rogados no direito de aceitar as heranças abertas pelo falecimento dos pais do primeiro réu GG e HH, que foram repudiadas por este, sendo-lhes reconhecido o direito de executarem as heranças e os quinhões hereditários que cabiam ao primeiro réu;
d. Sejam declarados nulos os actos de partilha das heranças ou de alienação dos respetivos bens;
e. Seja determinado o cancelamento do registo dos bens das heranças a favor dos segundo, terceiro e quarto réus e de eventuais registos posteriores.

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Alegaram para tanto e em suma, que têm um crédito sobre o primeiro réu no valor de € 52.023,00, e que para cobrança desse crédito intentaram a execução nº1735/10.... do Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão (Juiz ...). Que nesta execução nomearam à penhora o quinhão hereditário do primeiro réu nas heranças abertas pelo falecimento dos seus pais. Porém, ficaram a saber que o primeiro réu repudiou estas heranças, tendo sido chamados em sua substituição os segundo, terceiro e quarto réus, que são os seus filhos. Na qualidade de credores, pretendem os AA que seja reconhecida a sua sub-rogação no direito do primeiro réu a aceitar as heranças.
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Os réus contestaram, alegando que o primeiro réu não está obrigado a pagar a quantia reclamada pelos autores, porque foi declarado insolvente no processo nº 973/14.... do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão (Juiz ...), tendo-lhe sido concedida a exoneração do passivo restante. E que os segundo, terceiro e quarto réus também não estão obrigados ao pagamento daquela quantia, porque não celebraram qualquer contrato com os autores.
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Foi então proferida a seguinte Decisão (da qual se recorre):
“Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
1. Condeno os réus a reconhecerem o crédito dos autores sobre o primeiro réu no valor de € 52.023,00 (cinquenta e dois mil e vinte e três euros);
2. Condeno o primeiro réu a pagar esta quantia aos autores, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento;
3. Declaro os autores sub-rogados no direito de aceitar as heranças abertas pelo falecimento dos pais do primeiro réu GG e HH, que foram repudiadas por este, sendo-lhes reconhecido o direito de obterem o pagamento do seu crédito através dos bens das heranças, depois de pagas as dívidas destas e até ao limite dos quinhões hereditários do primeiro réu;
4. Se as heranças já tiverem sido partilhadas, declaro o direito dos autores executarem os bens que foram herdados pelos segundo, terceiro e quarto réus em substituição do primeiro réu até ao limite do seu crédito;
5. No mais, absolvo os réus dos pedidos contra si formulados (…).
As custas serão na proporção de 2/5 a cargo dos autores e de 3/5 a cargo dos réus, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram os 2º, 3º e 4º RR, DD, EE e FF, interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
[…]
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Não se conformando também com a decisão proferida, dela veio o R CC interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
[…]
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Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta aos recursos.
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Tendo em consideração que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir nos presentes recursos de Apelação são as seguintes:
I- A de saber se deve ser alterada a matéria de facto no sentido pretendido pelos recorrentes, alterando-se a decisão em conformidade;
II – Se deve ser declarada a sub-rogação dos credores/exequentes no direito de aceitação da herança do devedor/executado; e
III- Se é admissível a apreciação, nesta instância, da questão, não suscitada na primeira instância, da falta de intervenção do administrador da insolvência nestes autos.
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Foram dados como provados na Primeira Instância os seguintes factos:
“1. Por escritura pública de confissão de dívida com hipoteca, outorgada no dia 27 de Outubro de 2003, no cartório notarial de II, em ..., o primeiro réu e a sua mulher JJ declararam que se confessavam devedores aos autores da quantia de € 40.000,00 que deles haviam recebido por empréstimo;
2. Ficou acordado que o empréstimo era pelo prazo de três anos a contar daquela data;
3. Ficou acordado que ficavam por conta do primeiro réu e da mulher todas as despesas judiciais e extrajudiciais que os autores tivessem para conseguir o reembolso do capital, dos juros e dos demais montantes, incluindo com registos, cancelamentos e advogados ou procuradores;
4. Tendo decorrido o prazo que havia ficado acordado, o primeiro réu e a mulher não restituíram aos autores o capital e os juros;
5. Os autores intentaram contra o primeiro réu e a mulher a execução nº1765/10.... do Juízo de execução de Vila Nova de Famalicão (Juiz ...);
6. Nesta execução, no dia 24 de Setembro de 2010, o primeiro réu e a mulher confessaram que eram devedores solidários aos autores da quantia de € 52.247,00, correspondente ao capital e aos juros vencidos até àquela data, e obrigaram-se a entregar este montante em prestações;
7. No dia 20 de Outubro de 2014, o primeiro réu e a mulher apresentaram-se à insolvência no processo nº973/14.... do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão (Juiz ...) e no processo nº974/14.... do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão (Juiz ...);
8. Nestes processos foi reconhecido aos autores um crédito no valor de € 43.600,00;
9. Os processos de insolvência foram encerrados após o rateio final;
10. Os autores receberam apenas as quantias de € 166,06 e € 2.410,93;
11. No processo de insolvência do primeiro réu não lhe foi concedida a exoneração do passivo restante;
12. No processo de insolvência da mulher foi-lhe concedida a exoneração do passivo restante;
13. Tendo os processos de insolvência sido declarados encerrados e não tendo sido concedida a exoneração do passivo restante ao primeiro réu, os autores diligenciaram pelo prosseguimento da execução que haviam intentado;
14. Os autores requereram a penhora dos quinhões hereditários do primeiro réu nas heranças abertas pelo falecimento de seus pais GG e HH;
15. No dia 28 de Outubro de 2022, os autores ficaram a saber que, por escrituras públicas que foram outorgadas no dia 15 de Junho de 2021 e no dia 3 de Agosto de 2022, o primeiro réu tinha repudiado as heranças e que, em consequência do repúdio, tinham sido chamados em sua substituição os segundo, terceiro e quarto réus, os quais são seus filhos;
16. No dia 1 de Julho de 2024, o primeiro réu apresentou-se novamente à insolvência no processo nº1991/24.... do Juízo de Comércio de ... (Juiz ...);
17. Neste processo foi reconhecido aos autores um crédito no valor de € 52.023,00;
18. Este crédito foi reconhecido sem qualquer impugnação, designadamente do primeiro réu;
19. O processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente;
20. O primeiro réu requereu a exoneração do passivo restante, mas ainda não foi proferido o despacho de indeferimento liminar ou o despacho inicial de admissão do pedido;
21. O primeiro réu não tem quaisquer outros bens ou rendimentos que possam ser penhorados, além dos quinhões hereditários nas heranças abertas pelo falecimento dos seus pais”.
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I- Da Impugnação da matéria de facto.
Insurgem-se (todos) os recorrentes contra a decisão da matéria de facto, dizendo que deve considerar-se como não provado o facto 4, dado que a prova testemunhal apenas indicou pagamentos parciais, sem esclarecer a existência de outros montantes pagos ou pendentes, e que a falta de comprovação objetiva de quitação completa, impede uma conclusão segura sobre o pagamento integral.
Dizem também que o facto 18 deve ser considerado não provado, uma vez que o depoimento da testemunha KK não forneceu uma base clara para afirmar que o crédito foi reconhecido sem qualquer impugnação.
Mas sem razão, adiantamos já.
Trata-se de factos relacionados com o crédito reclamado nestes autos, constando dos mesmos o seguinte: “4. Tendo decorrido o prazo que havia ficado acordado, o primeiro réu e a mulher não restituíram aos autores o capital e os juros”; “18. Este crédito foi reconhecido sem qualquer impugnação, designadamente do primeiro réu”.
O tribunal recorrido deu como provados estes factos, considerando que os mesmos foram reconhecidos pelos réus no seu requerimento com a referência ...84.
E bem, em nosso entender.
Compulsados os autos, verificamos que com data de 1.10.2024, os RR fizeram juntar ao processo um requerimento, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“…3. No decorrer dos presentes autos, o réu CC foi declarado insolvente no processo 1991/24.... que correu termos nos serviços do Juízo de Comércio de ... (Juiz ...) (…).
5. E os autores procederam à reclamação do crédito em causa nos presentes autos (…).
6. No dia 12-09-2024, nos referidos autos de insolvência foram declarados o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente e o caráter fortuito da insolvência (…).
8. Nesse mesmo dia e no âmbito do apenso A do processo 1991/24...., foi homologada a lista de credores reconhecidos do réu CC (…)
Dito isto (…)
13.  (…), é importante ressaltar que o crédito dos autores, consubstanciado em escritura pública e reconhecido sem impugnação, constitui prova suficiente da sua existência, a qual já se encontra, inclusive, reconhecida em processo de insolvência.
14. Adicionalmente, enfatiza-se que a natureza pessoal das dívidas implica que, no presente caso, apenas o réu CC é responsável pelo crédito, uma vez que este resulta de confissão de dívida assinada exclusivamente por ele.
15. Assim sendo, os presentes autos estão prontos para conclusão, uma vez que a existência do crédito está comprovada e as demais questões a serem resolvidas são de mero direito…”.
Os AA vieram pronunciar-se sobre o requerimento apresentado, dizendo que “…Parece resultar do requerimento dos RR que estes aceitam ser o crédito dos autores do valor peticionado de 52.023,00 euros – o que se regista…”.
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Dispõe o art.º 46.º do CPC, que “As afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente”.
Como elucida Lebre de Freitas (“A Confissão do Direito Probatório – Um Estudo de Direito Positivo”, 2.ª Edição, pág. 400, nota (73), “O efeito probatório da confissão feita pelo mandatário com meros poderes forenses gerais explica-se por ela se supor inspirada pela parte ou feita em conformidade com as informações e instruções dela emanadas”, razão de fundo que vale, igualmente, para os casos de patrocínio ao abrigo do instituto do apoio judiciário.
Por outro lado, o art.º 421.º, n.º 1 do CPC, admite o valor extra processual da prova resultante de “depoimentos”, normativo que a generalidade da doutrina entende ser aplicável às confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados (Cfr. neste sentido, Rui Pinto, “Valor extra processual da prova penal da demanda cível. Algumas linhas gerais de solução”, in Coletânea de Estudos de Processo Civil, Coimbra Editora, 2013, págs. 91 e 92; Lebre de Freitas, op. cit., págs. 370 e 371, e “A Ação Declarativa Comum – À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4.ª Edição, págs. 258 e 259, nota (56).
Não vemos, assim, como se possa ignorar a confissão expressa dos factos ora impugnados, feita pelos RR no requerimento apresentado em 1.10.2024, que os AA vieram expressamente aceitar, e que não foi retificada nem retirada pelos seus autores, nos termos previstos no art.º 46.º do CPC.
Donde, temos de concluir que a confissão desses factos vincula os RR.
Improcede assim a impugnação quanto a esses factos.
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Mais aduzem os recorrentes que o facto 14 deve ser dado como não provado, pois o depoimento da testemunha KK não confirmou com clareza o pedido de penhora dos quinhões hereditários do primeiro réu. Dizem que a testemunha revelou desconhecimento dos detalhes da execução e da penhora, e não há declarações objetivas ou documentos nos autos que sustentem este facto.
Mas também sem razão.
Consta do ponto 14, que “Os autores requereram a penhora dos quinhões hereditários do primeiro réu nas heranças abertas pelo falecimento de seus pais GG e HH”.
Este facto, alegado pelos AA no art.º 15º da petição inicial, tem sido assumido pelos RR ao longo de todo o processo, sem contestação (até este momento).
Desde logo, ele foi alegado pelos AA no art.º 15º da p.i. e não foi alvo de impugnação especificada na contestação (fazendo-lhes os RR apenas uma referência no art.º 33º, em termos muito genéricos – “Impugnam os 2º, 3º, e 4º réus os itens 1,2,3,4, 5, 6, 7, 8º, 9º 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º16º, 17º, 18º, 19º, da douta petição inicial”.
Ora, o art.º 574º nº 1 e 2 do CPC estabelece que, “Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor. Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados…”
Como salientam a este propósito Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (“Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 2004, pág. 314-315), “O segundo princípio aplicável à defesa do réu na contestação é o do ónus da impugnação dos factos articulados na petição. O réu, ao elaborar a contestação, tem que tomar posição definida perante os factos narrados pelo autor, como fundamento da sua pretensão. Não pode remeter-se a uma posição cómoda de silêncio ou de inércia. Pelo contrário, tem que declarar, no articulado da defesa, se aceita esses factos como reais, ou se os repele como inexistentes. (…) O réu tem que contradizer os factos que não considera reais, sob pena de se considerarem admitidos por acordo…”.
São também os próprios RR a admiti-lo, mesmo em sede recurso, ao aceitarem como provado o facto vertido no ponto 21, donde consta que “O primeiro réu não tem quaisquer outros bens ou rendimentos que possam ser penhorados, além dos quinhões hereditários nas heranças abertas pelo falecimento dos seus pais”.
O mesmo acontece ao longo das suas alegações e conclusões de recurso, das quais se depreende que os recorrentes dão como adquirida a pretensão dos AA no processo executivo, de penhorar os quinhões hereditários do 1º réu.
Existe ainda informação nos autos - prestada em 23.5.2024 pela sra. Agente de execução -, que existe no processo executivo nº1735/10...., a correr no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão (Juiz ...), requerimento dos exequentes (ora AA) a impulsionar o andamento da execução (o que pudemos confirmar), depreendendo-se da conjugação dessa informação com o facto dado como provado em 21, que os únicos bens que os exequentes poderiam nomear à penhora no processo executivo, era os quinhões hereditários do executado (ora 1º Réu).
Improcede assim a impugnação da matéria de facto na sua totalidade.
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II- Insurgem-se também (todos) os Recorrentes contra a decisão recorrida, que considerou os AA sub-rogados no direito do 1ª réu de aceitação da herança aberta pelos seus falecidos pais, alegando no essencial que “a aplicação dessa medida exige que o credor demonstre, de forma clara e inequívoca, a necessidade da aceitação da herança como única via para garantir a satisfação do crédito”, e que “no caso em apreço, não foi demonstrada a impossibilidade de o crédito ser satisfeito por outros meios, uma vez que o devedor ainda possui ativos fora da herança, e está pendente a decisão sobre o pedido de exoneração do passivo restante, conforme o regime da insolvência”.
A alegações dos recorrentes não encontra respaldo na matéria de facto provada.
Pelo contrário, dos factos descritos em 16, 19 e 21, resulta de forma bem clara que o 1º réu, declarado insolvente, não possui qualquer bens ou rendimentos, para além dos quinhões hereditários nas heranças abertas pelo falecimento dos seus pais.
Consta efetivamente daqueles pontos, que “16. No dia 1 de Julho de 2024, o primeiro réu apresentou-se novamente à insolvência no processo nº1991/24.... do Juízo de Comércio de ... (Juiz ...); 19. O processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente; 21. O primeiro réu não tem quaisquer outros bens ou rendimentos que possam ser penhorados, além dos quinhões hereditários nas heranças abertas pelo falecimento dos seus pais”.
Donde, não colhe a alegação dos recorrentes, que o devedor ainda possui ativos fora da herança.
Quanto a encontrar-se pendente a decisão sobre o pedido de exoneração do passivo restante, tal decisão não obsta ao prosseguimento destes autos, como bem se fez notar no despacho proferido nos autos, de que “Tendo o processo de insolvência do réu CC sido encerrado por insuficiência da massa insolvente, (ele) não tem influência na tramitação dos presentes autos (art.º 230º nº1 al. d) e 233º nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)” – despacho com o qual as partes se conformaram, de resto.
E subscrevemos também o que consta da sentença recorrida, no sentido de que não tendo sido proferido despacho liminar a admitir a exoneração do passivo restante, nada obsta à apreciação dos pedidos formulados nesta ação, e à prolação da respetiva decisão:
O primeiro réu foi declarado insolvente no processo nº1991/24.... do Juízo de Comércio de ... (Juiz ...). Este processo foi encerrado por insuficiência da massa insolvente e o primeiro réu requereu a exoneração do passivo restante, mas ainda não foi proferido o despacho de indeferimento liminar ou o despacho inicial de admissão do pedido.
Este processo de insolvência não tem influência nos presentes autos. Tendo o processo sido encerrado por insuficiência da massa insolvente, os credores passaram a poder exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes de um eventual plano de insolvência ou plano de pagamentos (art.º 233º nº1 al. c) do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas)
Não tendo sido proferido o despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, ainda não iniciou o período de cessão em que os credores ficam impedidos de executar os bens de devedor para obterem o pagamento dos seus créditos (art. 239º nº1 e 2 e 242º nº1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas). Finalmente, ainda não foi proferido o despacho de concessão da exoneração que implica a extinção dos créditos sobre o devedor (art.º 244º nº1 e 245º nº1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas). A questão dos efeitos do processo de insolvência apenas poderá colocar-se se vier a ser proferido o despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante ou se a exoneração vier a ser concedida ao primeiro réu…”.
Improcede, assim, também esta segunda questão colocada pelos recorrentes.
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III- Alega também o 1º Réu recorrente que a não chamada do administrador de insolvência ao litígio em questão fere o princípio fundamental da centralização da administração da massa insolvente, conforme estipulado no artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Que “A decisão de não chamar o administrador de insolvência para intervir no presente litígio compromete a regularidade do processo de insolvência, viola o princípio da centralização e prejudica os direitos dos credores”.
E que “A revisão da decisão que exclui o administrador de insolvência é, portanto, necessária para garantir a eficácia e a justiça do processo de insolvência”.
E conclui, a final, pela “…ilegitimidade do prosseguimento da ação sem a intervenção do administrador de insolvência em representação da massa insolvente do recorrido”.
Muito estranhamos a referência, na conclusão XXIX, à “decisão de não chamar o administrador de insolvência para intervir no presente litígio…”, e na conclusão XXXI, que “A revisão da decisão que exclui o administrador de insolvência é, portanto, necessária para garantir a eficácia e a justiça do processo de insolvência”pois não encontramos na decisão recorrida qualquer alusão à exclusão do administrador da insolvência dos presentes autos, assim como não verificamos que tenha existido qualquer pedido de intervenção do Administrador da Insolvência ao longo de todo o processo, que tenha levado a proferir-se qualquer decisão nesse sentido.
Estamos assim perante uma questão nova, suscitada pela primeira vez em sede de recurso.
Ora, é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida. Na verdade, sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não é possível ao tribunal de recurso conhecer de novas questões (v. entre outros, o Ac. STJ, de 07-07-2016, e ampla jurisprudência aí citada, disponível em www.dgsi.pt).
Tal como ensina Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, pág. 119), “A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina uma outra importante limitação ao seu objeto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…), estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Segundo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso”.
Segundo o mesmo autor, compreendem-se as razões que levaram a que o sistema assim fosse arquitetado: a diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devam ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios; no caso, no tribunal da primeira instância.
Donde, as questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, que se destinam a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, equivalendo tal apreciação a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição (Ac. do STJ, de 1.10.2002: CJSTJ, tomo III, pág. 65).
Assim sendo, e constituindo esta última questão, suscitada pelo recorrente CC, uma questão nova, não se conhece da mesma.
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Improcede assim, na totalidade, a Apelação.
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IV- DECISÃO:

Por todo o exposto, Julga-se improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas das Apelações pelos respetivos recorrentes (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).
Notifique
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Guimarães, 2.4.2025

Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Sandra Melo
2ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira