IDENTIFICAÇÃO DA PARTE
INTERPRETAÇÃO DO ARTICULADO
LEGITIMIDADE
PRESTAÇÃO DE CONTAS
CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
Sumário


I. Sendo ambígua na petição inicial a identificação da pessoa contra quem a acção é instaurada, há que proceder à interpretação da mesma.
II. Ainda que subsistam excepções dilatórias, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte (art. 278.º nº 3 do CPC).

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório (feito com base no relatório da decisão apelada).

 AA veio instaurar a presente acção especial de prestação de contas contra o Condomínio do prédio sito na Travessa ..., representado por EMP01..., Lda., identificando os condóminos representantes das frações ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... (assim consta da petição inicial).
No formulário Citius, contudo, identificou como ré EMP01..., Lda.
Para tanto, alega ser proprietária da fração ..., sendo a administração do condomínio a EMP01..., que convocou os condóminos para assembleia ordinária que haveria de ter lugar em 29.11.2022, pelas 20h30, com vista, além do mais, à apreciação do relatório e contas do último exercício, convocando, em segunda convocatória, a assembleia para o mesmo dia pelas 21h00.
Apesar de comparecer, decidiu a administração do condomínio não realizar a reunião de condóminos, por não estarem reunidos condóminos em número mínimo, pelo que nem foram aprovadas as contas do anterior exercício, nem foi aprovado orçamento para o exercício seguinte.
A autora requereu a notificação judicial avulsa da EMP01... para que procedesse à convocatória de assembleia de condóminos, mas a verdade é que, até à presente data o réu não prestou as contas, conforme está obrigado, pelo que requer a condenação a prestar judicialmente as contas da sua administração, com eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
Em contestação, veio a EMP01..., Lda. invocar a ilegitimidade activa da autora para a presente acção, pois que o direito a exigir as contas ao administrador cabe à assembleia de condóminos, carecendo a autora, como condómina que é, de legitimidade para as exigir da administradora, pelo que uma acção de prestação de contas como a visada pela autora teria que ter do lado passivo a administradora e do lado activo o condomínio.
Acrescenta que não se recusou a prestar contas, simplesmente a assembleia convocada para o efeito não se realizou por falta de quórum.
Pugna, assim, pela procedência da excepção de ilegitimidade activa, com a consequente absolvição da ré da instância.
Em contraditório, veio a autora reafirmar que, ao não convocar nova assembleia de condóminos, inclusive na sequência de notificação judicial avulsa com tal finalidade, a ré recusou, objectivamente, prestar contas.
No mais, afirma que a competência exclusiva da assembleia de condóminos a que alude a ré se dirige à situação em que o administrador tenha apresentado contas e não quando se recuse a fazê-lo.
Esgrime, depois, jurisprudência segundo a qual, a acção de prestação de contas tem de ser proposta por todos os condóminos – ou, ao menos, suscitada a sua intervenção – ou pelo administrador, se for nomeado como representante da assembleia, suscitando a intervenção principal provocada dos Condóminos, com vista a suprir a ilegitimidade decorrente da preterição de litisconsórcio necessário.
Porquanto a autora deu conta de que fora convocada assembleia tendente à aprovação do relatório e contas do último exercício e acrescentou que foi autorizada pela assembleia para que a acção prosseguisse os seus termos, foi convidada a esclarecer se na aludida assembleia teriam sido prestadas as contas visadas nestes autos e, ademais, uma vez que, em rigor, a acção foi movida contra o condomínio (identificando os condóminos), para esclarecer as dúvidas sobre o consentimento prestado e que colocaria os condóminos no lado activo e passivo da presente ação.
Em resposta a autora veio esclarecer que a acção visa a prestação de contas pela EMP01..., as contas que esta está obrigada a prestar, sendo que a autora a identificou como administradora do condomínio, qualidade que, aliás, aquela aceita.
No mais afirma que a EMP01... teria informado que a assembleia de 02.04.2024 teria ficado sem efeito, pois que o Sr. BB, representante da administração, já não estava vinculado à EMP01... e se recusa apresentar a documentação ou a prestar qualquer informação sobre o ocorrido na referida assembleia.
Afirma que os condóminos se reuniram em 01.05.2024 para prestar consentimento à presente acção, mandatando a autora para que a mesma prosseguisse os termos legais (juntando acta identificada como “ATA n.º...” sem indicação de convocatória ou de ordem de trabalhos), em que compareceram condóminos representativos de 192,000 do capital investido, em que figura como Ponto UM “mandatar a Condómina AA, proprietária da fração ..., para representar o condomínio junto do Processo : 5164/23...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga no Juízo Local Cível de Braga – Juiz ...”, ponto aprovado por unanimidade do capital presente.
Em contraditório, veio a EMP01... assinalar que, objectivamente, a acção foi movida contra o condomínio e os condóminos, que não podem figurar do lado activo e passivo, pelo que a sua intervenção do lado activo não deve ser admitida. Ademais assinala que na assembleia a que alude a autora não estava representado 808,000 do capital investido, desconhecendo se foram convocados, ou não, para a aludida assembleia.
Em novo requerimento, veio a autora alegar que a EMP01... vem indicando como contas para as quais deverão ser pagas quotização ordinárias e extraordinárias, contas por si tituladas, reafirmando que na assembleia de 02.04.2024 a autora já fora autorizada pela assembleia de condóminos, sendo que disso é testemunha BB, que, afirma, “inexplicavelmente” já não trabalha na EMP01..., que nada terá feito para reaver a documentação que alega que aquele se recusará a entregar.
Insiste pelo deferimento da intervenção principal provocada dos demais condóminos e requer o prosseguimento dos autos.
Na sequência de novo contraditório, veio a EMP01... informar que em 06.06.2024 teve lugar assembleia de condóminos, com apresentação e aprovação das contas referentes ao período compreendido entre Novembro de 2021 e Outubro de 2022, sendo que as contas referentes ao exercício de Novembro de 2022 a Outubro de 2023 não foram aprovadas, não por os condóminos discordarem das contas, mas em protesto contra a atuação de BB, posto o que volta a insurgir-se contra a admissibilidade da intervenção principal provocada dos condóminos.
Juntou a “... nº...24”, de acordo com a qual, em 06.06.2024 reuniu em segunda convocatória a assembleia de condóminos, comparecendo condóminos representativos de 300,000 do capital investido e de cuja ordem de trabalhos figurava como ponto um a aprovação do relatório anual e contas, aludindo, desenvolvidamente, que o relatório e contas respeitantes ao período de Novembro de 2021 a Outubro de 2022 foi aprovado pelos condóminos presentes, com excepção do voto contra da autora e da abstenção do condómino da fracção ..., do passo que o relatório e contas do período de Novembro de 2022 a Outubro de 2023 não foram aprovados, contando com a abstenção do condómino da fracção ... e o voto contra dos demais condóminos, ali se plasmando que “esta deliberação não está relacionada com as contas apresentadas, mas sim como voto deprotesto quanto à gestão realizada pelo anterior administrador, Sr. BB, o qual alegam que não cumpriu com a realização de várias obrigações, nomeadamente assembleias e envio de atas.”
Em novo requerimento, a autora vem invocar a responsabilidade extracontratual dos administradores das sociedades comerciais, para a responsabilizar pelos comportamentos do seu colaborador.
Subsequentemente, veio a EMP01... alegar que, desde a sua eleição como administradora do condomínio em causa nos presentes autos, sempre apresentou e obteve a aprovação das contas, juntando as actas comprovativas, tendo a autora estado presente nas assembleias de apresentação e aprovação das contas, pelo que é completamente destituída de fundamento a presente acção o que, consequentemente, deve determinar a condenação da autora (a indicação da condenação da “ré” configura, inequivocamente, lapso de escrita).
Em contraditório, a autora, além de pretender aceitar suposta confissão de que as contas referentes ao ano de 2020 não foram aprovadas, questiona a aprovação que haja sido feita, porque ferida de nulidade, uma vez que a EMP01... não foi reconduzida no cargo para o exercício de 2021/2022 e seguintes, questionando, ainda, a validade de despesa efectuada em 2021/2022, referente a obras que fez sem contrato de empreitada e sem comunicação prévia da obra à Câmara Municipal.
Pede a condenação da EMP01... como litigante de má fé.

*
Nessa sequência foi proferida a seguinte decisão:
“…
Cumpre apreciar.
Antes de mais, dir-se-á que, não obstante a identificação no formulário Citius da EMP01... – Administração de Condomínios, Lda. como ré, a leitura da PI evidencia que a ação foi movida, verdadeiramente, contra o Condomínio, com identificação dos condóminos que não a autora, estando o Condomínio representado pela EMP01..., que, alega, exerce a administração do Condomínio réu, prosseguindo a afirmar que o réu (e não a ré, como seria se fosse a EMP01... verdadeiramente a ré visada pela autora) não apresentou as contas como se lhe impunha, posto o que peticiona a sua condenação a prestar as contas da sua administração (o que diz bem da confusão entre o Condomínio e a figura do administrador de condomínio).
Nos termos prescritos no artigo 1431º, n.º1 do CC “1. A assembleia reúne-se na primeira quinzena de Janeiro, mediante convocação do administrador, para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efetuar durante o ano.
2. A assembleia também reunirá quando for convocada pelo administrador, ou por condóminos que representem, pelo menos, vinte e cinco por cento do capital investido.
3. Os condóminos podem fazer-se representar por procurador.
4. A reunião prevista no n.º 1 deste artigo pode realizar-se, excecionalmente, no primeiro trimestre de cada ano se esta possibilidade estiver contemplada no regulamento de condomínio ou resultar de deliberação, aprovada por maioria, da assembleia de condóminos.”
Resulta da aludida disposição legal que as contas têm que ser prestadas pelo administrador perante a assembleia de condóminos.
A respeito pode ler-se no Acórdão TRL de 15/10/2009, processo 10333/08-6, relatado por Graça Araújo e integralmente disponível em www.dgsi.pt:
“III - Sendo certo que o administrador – enquanto gestor de bens alheios e por força do disposto na alínea j) do artigo 1436º do Cód. Civ. – tem obrigação de prestar contas, o que é facto é que essa obrigação deve ser cumprida perante a assembleia de condóminos (alínea citada e nº 1 do artigo 1431º do Cod. Civ.).
IV – E se apenas perante ela se pode o administrador desonerar dessa obrigação, a mesma só pela assembleia de condóminos lhe pode ser exigida.
V - Em se tratando de exigir judicialmente a prestação de contas (artigo 1014 n.º1 do Cod. Proc. Civ.) a ação deve, consequentemente, ser proposta por todos os condóminos – ou, ao menos, suscitada a respetiva intervenção – ou pelo administrador, se tal tiver sido expressamente deliberado pela assembleia de condóminos, enquanto representante desta (artigo 1436º, proémio e 1437, nº1 do Cód. Civ.)”.
Porque é assim, a jurisprudência vem afirmando, de forma consistente, que os condóminos não podem, de per si, exigir a prestação de contas, uma vez que não tem legitimidade para tal já que a obrigação de prestação de contas só pode considerar-se cumprida perante a assembleia de condóminos.
Ora, o que a autora fez foi, desacompanhada, mover a presente ação contra do Condomínio, representado pela EMP01... e identificando (para que dúvidas não haja) os condóminos (não se afigurando, pois, determinante, a identificação da ré no formulário Citius, pois que completamente desfasada do vertido na PI).
O mesmo será dizer que pretende exigir a prestação de contas do coletivo perante o qual as mesmas têm de ser prestadas, o que suscita, conforme enunciado em despacho precedente, além da ilegitimidade ativa da própria autora, problemas de ilegitimidade passiva do condomínio (que não tem que prestar, de todo, contas, antes pode exigir a sua prestação, como a própria autora reconhece na PI, com as normas que invoca), o que sempre determinaria a absolvição da instância do réu (porque se afigura que a presente ação foi verdadeiramente movida contra o Condomínio e não contra a sua administradora).
De todo o modo e perante a exceção de ilegitimidade invocada pela EMP01..., citada como ré em face do formulário Citius, em que expressamente refere que uma ação como a em causa nestes autos, tem de ser movida pela assembleia de condóminos contra a administração passa a autora a pretender fazer intervir, do lado ativo, os demais condóminos e a configurar a ação como instaurada contra a EMP01..., alegando, adiante, ter sido mandatada pela assembleia de condóminos para a representar na presente ação.
Ora, tendo presente a forma como a ação foi configurada pela autora (e não a forma como após a transfigurou, seja como tendo acionado, isoladamente, a administradora), admitir a intervenção principal dos condóminos do lado ativo da presente lide implicaria que a assembleia exigisse de si própria a prestação de contas (a que, repete-se, não está obrigada, pelo que não ficaria solucionado o problema de ilegitimidade passiva), o que sempre determinaria o indeferimento da requerida intervenção.
E idêntico raciocínio se impõe quanto ao alegado mandato, pois que consubstanciaria mandato para que a autora litigasse contra os próprios mandantes, colocando-os no lado ativo e passivo da demanda, o que não é, logicamente, admissível (a que acresce o problema da ilegitimidade passiva do condomínio).
Cumpre, assim, julgar procedente a exceção de ilegitimidade ativa da autora, com a consequente absolvição da instância do réu, que é, também ele, parte ilegítima, passivamente, o que conduz a idêntico resultado.
Mas, mesmo que se aceitasse a transfiguração da presente ação pretendida pela autora, seja, passar o Condomínio a figurar como autor e a administradora como ré, dir-se-á que a ação de prestação de contas pressupõe a recusa de quem esteja obrigado a prestá-las de as prestar.
Ora, como alega a EMP01... e a autora não questiona, antes de mais, que foi convocada pela EMP01..., como administradora do condomínio em causa nestes autos, assembleia para dia 29.11.2022, para apresentação do relatório e contas do exercício anterior, assembleia que não se realizou por entender a administradora não haver quórum (o que, em si, a autora não questiona) e que não configura recusa de prestação de contas.
Por outro lado aceita que foram convocadas, pela mesma EMP01..., mais duas assembleias, uma das quais a EMP01... comunicou que ficaria sem efeito, por não ter acesso aos documentos e informações do ocorrido na assembleia (de 02/04/2024) e na outra foram prestadas as contas relativamente ao período em causa nestes autos (e a verdade é que a autora não rejeita o teor da Ata n.º ...24 junta (limitando-se a afirmar suposta confissão da administradora de que não teria prestado contas no que tange ao ano de 2020, o que não resulta, de todo, da alegação e sequer da PI resulta que pretendesse a autora contas relativamente ao ano de 2020, pois que estaria em causa o exercício anterior a novembro de 2022), parte do qual com aprovação e um com rejeição das contas em protesto.
Ou seja, as contas foram, objetivamente, prestadas e sujeitas à apreciação da assembleia (o que, mais não seja, configuraria situação de inutilidade superveniente da lide), que, para um dos períodos em causa, precisamente o período de novembro de 2021 a outubro de 2022, as aprovou (cfr. Ata n.º ...24 junta com o requerimento Ref.ª ...80, de 09/09/2024), posto o que a autora passa a enunciar as razões da sua discordância face à prestação de contas.
A verdade, porém, é que a discordância da autora quanto ao teor das deliberações, e designadamente da aprovação das contas respeitantes ao período 2021/2022 – que passou a ser o enfoque a partir do requerimento da autora com a Ref.ª ...85 de 09/05/2024 – não pode, ao contrário do que parece pretender, ser resolvida através de ação de prestação de contas (menos ainda, em representação de condóminos que até votaram no sentido da aprovação das contas apresentadas), antes o podendo fazer em ação de impugnação de deliberação, que não é o escopo da presente ação nem era a pretensão inicial da autora (neste sentido o acórdão TRG, de 28/01/2021, processo 3229/19.4T8BCL-B.G1, relatado por Ana Cristina Duarte e integralmente disponível em www.dgsi.pt).
Não sendo a pretensão inicial, tão pouco o poderá ser subsequentemente, quer porque não podem as deliberações que aprovam as contas ser “atacadas” através de ação de prestação de contas (havendo, pois, uma situação de erro na forma de processo, com a absolvição da instância do réu), quer até porque suscitaria problemas de legitimidade ativa e passiva.
Senão vejamos. Na ação de impugnação de deliberação a legitimidade ativa (cfr. artigo 1433º do CC) cabe ao condómino que a não haja aprovado e a legitimidade passiva compete ao órgão que a haja aprovado.
Ou seja, não pode, ao contrário do que pretende, fazer intervir condóminos que aprovaram as contas e, por outro lado, teria que figurar como réu o Condomínio e não a sua administração, embora coubesse a esta a representação do condomínio.
O mesmo será dizer que, qualquer que seja a vertente pela qual se encare a presente ação, com a factualidade que autora e EMP01... aceitam como verdadeira (e no requerimento Ref.ª ...99, de 20/09/2024 a autora questiona a aprovação das contas referentes ao período de 2021/2022 por nulidade do próprio ato de administração), sempre tudo se reconduziria à absolvição da instância do réu (se se considerasse estar este em juízo) ou da ré (se vingasse a pretensão da autora de que se considere a presente ação movida contra a EMP01...).
Vieram, ademais, autora e EMP01... requerer a condenação recíproca como litigantes de má fé.
Atenta a fase processual e porquanto não pode deixar de ver-se na conduta da autora uma tentativa de aproveitar a lide instaurada (ainda que se entenda a mesma inaproveitável), nada permite ao Tribunal afirmar a litigância de má fé de qualquer das partes, pelo que improcedem os pedidos formulados a tal título.
Custas a cargo da autora, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – art. 527º nº 1 do CPC.
Registe e notifique.
Valor da ação: o indicado pela autora.”.
*
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a requerente, que a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
V – CONCLUSÕES
[…]
OO. No que respeita em 1.º, a Recorrente alega no requerimento inicial o que no essencial se transcreve “Por seu turno, a administração do referido condomínio sito na Travessa ..., ... ..., é exercida por EMP01... LDA., com sede com sede na Praça ..., n.o 168, ... ... - Cf. Documento n.º 1, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido, para os devidos e legais efeitos” - Cf. 2., do requerimento inicial;
PP. Mais alega, conforme o essencial se transcreve “Na administração de bens alheios, são devidas contas pela Réu desde a data em que assumiu a Administração do condomínio sito na Travessa ..., ... ...”- Cf. 14., do requerimento inicial;
QQ. É notório, conforme se transcreve “Pelo que, nos termos do artigo 1436.º do C.C., a Réu deverá prestar as contas da administração do condomínio, sito na Travessa ..., ... ..., de forma a apurar as receitas obtidas e as despesas efetuadas” - Cf. 12., do requerimento inicial;
RR.Conforme se transcreve “Resulta do que antecede que os direitos dos condóminos e os da Autora enquanto condómina têm sido grosseiramente violados” - Cf. 13., do requerimento inicial;
SS. Ora, se o Recorrido é a única entidade que administra os bens alheios, é claramente aquele que poderá configurar como R., na presente ação, conforme a Recorrente identifica claramente no seu requerimento inicial;
TT. Pelo que, nesta matéria, se imporia – e imporá a este Venerando Tribunal – seja expurgado, o presente facto da matéria assente;
[…]”
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Não houve contra-alegações.
*
Por requerimento posteriormente junto aos autos, veio a apelante requerer a junção de dois documentos, invocando para tal, o seguinte:
[…]                                                                                                    
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, consistem em saber:

1. como questão prévia, da admissibilidade de junção de documentos;
2. das invocadas nulidades da decisão apelada;
3. da alegada impugnação da matéria de facto;
4. da ilegitimidade activa.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos relevantes para a decisão a proferir são os que constam do relatório supra.
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IV. Fundamentação de direito.

1.  Da junção de documentos na fase de recurso:
Após as suas alegações veio a autora/apelante requerer a junção aos autos de documentos, não indicando a finalidade a que os mesmos se destinam.
Dispõe o art. 651º nº 1 do CPC que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”
Aquele art. 425º dispõe: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.09.2018, disponível em www.dgsi.pt. “Na interpretação deste regime deve atentar-se em que a necessidade da junção de um documento que pode derivar do julgamento em primeira instância não corresponde à necessidade de suprir uma insuficiência instrutória anterior, revelada pela própria decisão da primeira instância.
Pelo contrário, identificar-se-á uma tal necessidade quando o tribunal, oficiosamente, lance mão de um facto novo cognoscível, mas em desrespeito para com o princípio do contraditório.
De igual forma, não pode considerar-se documento cuja junção tenha sido impossível até ao encerramento da discussão aquele que é formado posteriormente e demonstre um facto não alegado e, ele próprio, de ocorrência posterior, como explica Lebre de Freitas (CPC Anot, vol II, 3ª ed, pg. 243), citando ac. do STJ de 13/1/2005.
Em qualquer caso, sempre carece o apresentante de justificar a necessidade ou a impossibilidade da junção do documento que pretende oferecer, incluindo quanto à sua superveniência”.
Ora, no caso dos autos, para além de a requerida junção não ter sido solicitada aquando das alegações de recurso, não invoca a autora/apelante a finalidade a que se destinam os mesmos, nem consegue este Tribunal vislumbrar o que se pretende provar com os documentos em causa, visto o objecto do recurso.
Assim, não se admite a sua junção.
Dado o indeferimento da junção de tal documento, deverá a autora/apelante ser condenada numa multa equivalente a 1 UC – art. 443º, n.º 1, do CPC e art. 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.
*
2. A decisão apelada, para além de não terminar com o devido dispositivo, continua a conhecer da matéria dos autos, depois de julgar procedentes as excepções de ilegitimidade activa e passiva e absolver o réu da instância.
A legitimidade processual, activa ou passiva, consubstancia um pressuposto processual, isto é, um dos elementos que tem de estar preenchido para que o juiz possa entrar na apreciação do mérito da causa que lhe é submetida pelas partes, concedendo ou indeferindo a providência requerida.
Os pressupostos processuais são, assim, “as condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa.
Não se verificando algum desses requisitos, como a legitimidade das partes, a capacidade judiciária de uma delas ou de ambas, o juiz terá, em princípio, que abster-se de apreciar da procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto essencial para o efeito” (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 104), estando-lhe vedado entrar no conhecimento do mérito da causa.
A ausência dos pressupostos processuais, como é o caso da ilegitimidade activa ou passiva (al. e) do art. 577º do CPC), configuram excepções dilatórias, que, a procederem, nos termos do n.º 2 do art. 576º, obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão, em princípio, lugar à absolvição do réu da instância e, excepcionalmente, mais concretamente, nos casos de incompetência relativa ou absoluta do tribunal, determinam, ou podem determinar, a remessa do processo para o tribunal competente para conhecer dessa concreta acção.
Com excepção do disposto pelo art. 278.º nº 3 do CPC (que prevê que ainda que subsistam as excepções dilatórias, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte), julgando-se procedente uma excepção dilatória de ilegitimidade, e sendo o réu absolvido da instância, nada mais há a conhecer pelo Tribunal.
Não tendo, no caso dos autos, o Tribunal a quo enveredado pela via do disposto no referido art. 278º nº 3 do CPC, nada mais teria a conhecer.
Ou seja, levando a procedência das excepções em causa à absolvição do réu da instância, nada mais deveria ter sido acrescentado na referida decisão, que aí deveria ter terminado.
Não tendo tal sucedido, permitiu-se quer a sujeição das partes, quer deste Tribunal de recurso, à impugnação (da apelante) e conhecimento (deste Tribunal de recurso), de matéria que de tal decisão não deveria constar e em nada releva, vista a prévia absolvição do réu da instância.
Ora, vistas as conclusões de recurso, verifica-se que, das als. A) a JJ) das referidas conclusões, o que a apelante põe em causa é a parte da decisão recorrida, posterior à absolvição da instância do réu, por verificação das excepções dilatórias de ilegitimidade activa e passiva.
Tais considerandos constantes da decisão, como se disse já, não podem ser tidos em conta, por não terem sido os mesmos o fundamento da decisão de absolvição do réu da instância, razão pela qual não se conhece da impugnação em causa (als. A a JJ das conclusões).
*
3. Pretende a apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Sucede contudo que, sendo a decisão de procedência de excepções dilatórias de ilegitimidade, e cabendo o conhecimento das mesmas no saneamento dos autos, não há lugar à fixação de quaisquer factos provados ou não provados para a sua apreciação.
E tal resulta evidente da decisão proferida, onde não constam factos provados ou não provados.
O que a apelante vem impugnar não são factos (provados ou não provados) constantes da decisão, mas apenas parágrafos soltos da fundamentação da mesma.
Nesta medida, nada há a apreciar, sendo manifestamente improcedente a invocada impugnação.
*
4. Entendeu-se na decisão apelada que a autora é parte ilegítima para propor a presente acção de prestação de contas.
Os fundamentos de tal decisão são os seguintes:
- os condóminos não podem, de per si, exigir a prestação de contas, uma vez que não tem legitimidade para tal já que a obrigação de prestação de contas só pode considerar-se cumprida perante a assembleia de condóminos;
- a autora veio, desacompanhada, mover a presente acção contra o Condomínio, representado pela EMP01... e identificando (para que dúvidas não haja) os condóminos (não se afigurando, pois, determinante, a identificação da ré no formulário Citius, pois que completamente desfasada do vertido na PI);
- a autora pretendeu fazer intervir, do lado activo, os demais condóminos e configurar a acção como instaurada contra a EMP01... alegando, adiante, ter sido mandatada pela assembleia de condóminos para a representar na presente acção;
- tendo presente a forma como a acção foi configurada pela autora (e não a forma como após a transfigurou, seja como tendo accionado, isoladamente, a administradora), admitir a intervenção principal dos condóminos do lado activo da presente lide implicaria que a assembleia exigisse de si própria a prestação de contas, o que sempre determinaria o indeferimento da requerida intervenção;
- e idêntico raciocínio se impõe quanto ao alegado mandato, pois que consubstanciaria mandato para que a autora litigasse contra os próprios mandantes, colocando-os no lado ativo e passivo da demanda, o que não é, logicamente, admissível.
Entende a apelante que, tal decisão deve ser revogada.
Cremos caber-lhe razão.
É facto que resulta da petição inicial alguma ambiguidade, na medida em que da mesma consta que a autora propõe a acção contra o condomínio, representado pela EMP01..., identificando de seguida os restantes condóminos, pese embora no formulário conste como ré a EMP01... (administradora do condomínio).
Cumpre assim interpretar a petição inicial para perceber, contra quem esta acção foi intentada.
Nos termos do art. 552º nº1 a) do CPC, na petição com que propõe a acção, deve o autor identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, obrigatoriamente, no que respeita ao autor, e sempre que possível, relativamente às demais partes, números de identificação civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho.
Vistos os termos em que foi intentada a petição inicial, temos de concluir que a autora/apelante intentou a presente acção contra a administração do condomínio e não contra este, como foi entendido na decisão apelada. Essa é a única interpretação aceitável de todas as referências contraditórias feitas na petição inicial.
Vejamos porquê.
Visto o formulário junto com a petição inicial, temos que figura como ré a EMP01..., e não o condomínio (e de acordo com o disposto pelo art. 7º nº 2 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, com as alterações resultantes da Portaria nº 360-A/2023, de 14 de Novembro, aplicável ao caso dos autos, em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários).
Por outro lado, pese embora na petição inicial a autora invoque que propõe a acção contra o condomínio, representado pela EMP01..., a verdade é que, lida tal peça processual, não restam dúvidas que a acção é dirigida contra a administração do condomínio e não contra este. Basta a leitura dos arts. 3º, 4º, 7º, 9º, 11º, 12º e 14º dessa peça para se concluir que, pese embora não da forma mais adequada ou clara, a acção é dirigida à administração do condomínio.
E ainda que se quisesse ser mais rigoroso, a única confusão que poderia resultar da forma como foi proposta a acção, seria entre o condomínio e a sua administração, mas já não entre esta administração e os condóminos, que apenas foram desnecessariamente identificados.
A tal acresce que, quem foi citada para a acção foi a EMP01..., não tendo os referidos condóminos sido citados em momento algum (devendo tê-lo sido, se se considerasse que a acção era contra si intentada).
A tal acresce que a própria ré, na sua contestação, não invocou a ilegitimidade do condomínio ou dos condóminos, percebendo desde logo que era ela e não estes, a ré da acção.
Assim sendo, a conclusão a que se chega é que, pese embora de forma imperfeita, quem a autora demandou nestes autos, foi a EMP01..., administradora do condomínio e não este ou os condóminos.
Tendo em consideração esta conclusão, quanto à ré destes autos, desde logo cai um dos pressupostos da decisão apelada - o de que não pode a autora fazer intervir os condóminos do lado activo, por serem eles réus.
Não sendo os condóminos réus nesta acção (nem o condomínio), deixa de ter fundamento a decisão de procedência da invocada excepção de ilegitimidade activa, visto que essa excepção, nos termos do disposto nos arts. 33º, 261º e 316º, n.º 1 do CPC, é sanável.
Pelos mesmos fundamentos (não é réu o condomínio, nem os condóminos, mas antes a administração do condomínio), igualmente se verifica não existir ilegitimidade passiva.
Cabe pois, revogar a decisão apelada, de procedência das excepções de ilegitimidade activa e passiva e consequente absolvição da ré da instância.
Na sequência de tal revogação, deverão prosseguir os autos, ou com vista à eventual sanação da referida ilegitimidade activa (quer por via da já requerida intervenção principal provocada, quer pela apreciação do invocado mandato), ou caso o Tribunal a quo entenda que existe inutilidade superveniente da lide, ou que pode conhecer do mérito da acção, fazer uso do disposto no já referido 278º n.º 3 do CPC, não fazendo tramitar a requerida intervenção de terceiros, apesar da ilegitimidade da autora e sem a suprir, ainda que para tal tenha, necessariamente, que fixar a matéria de facto que entende estar já provada e que permite concluir por aquela inutilidade ou improcedência.
Procede, pois, a apelação.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam as Juízes que constituem este Colectivo da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em:

i) rejeitar a junção do documento apresentado pela recorrente com as alegações de recurso;
ii) condenar a recorrente numa multa equivalente a 1 (uma) UC – art. 443º, n.º 1, do CPC e art. 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais;
iii) julgar procedente o recurso de apelação interposto, e em consequência, revogar a decisão apelada, determinando-se o prosseguimento dos autos, nos termos acima expostos.
Custas do recurso pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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Guimarães, 2 de Abril de 2025

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Anizabel Sousa Pereira
Paula Ribas
(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das citações/transcrições efectuadas que o sigam)