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RESPOSTA À CONTESTAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO
EXCEPÇÕES
MANDATO FORENSE
CONTRATO DE SEGURO
Sumário
I- Nos termos do art.º 572º, alínea c) do CPC, na contestação deve o réu expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo, por falta de impugnação. II- Na lei processual vigente, a falta de resposta às exceções deduzidas na contestação não tem por efeito a admissão por acordo dos factos em que se baseiam essas exceções, a não ser que as mesmas venham especificadas separadamente na contestação. III- O mandato forense, como um contrato de prestação de serviços, pode ser aplicado na prática de qualquer tipo de atos por conta alheia, sem prejuízo de tipicamente o ser nos chamados atos jurídicos. IV- O contrato de mandato (forense), em vigor na ação declarativa, mantém-se para os processos apensos (nos termos previstos no art.º 44º nº1 do CPC), mantendo-se também para o processo executivo. V- Ao contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados e a Seguradora, para efeitos de transferência da responsabilidade civil dos segurados, é aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, nomeadamente o artigo 101.º n.º 4, no qual se prevê que nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, as cláusulas de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado de deveres de participação do sinistro à seguradora, são inoponíveis ao lesado. VI- Também no âmbito dos seguros obrigatórios, a cláusula de franquia é inoponível aos lesados (nos termos previstos nos arts. 138º, n º 2 e 146º, n º 2, do RJCS).
Texto Integral
Maria Alice Nascimento dos Santos, melhor identificada nos autos, instaurou a presente ação declarativa na forma de processo comum contra AA, advogada, também melhor identificada nos autos, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 60.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Alega para tanto que no âmbito de uma ação declarativa em que foi parte, e na qual foi patrocinada pela R., houve lugar a transação outorgada pela R. (não tendo a A. estado presente), no âmbito da qual ficou obrigada a reembolsar a contraparte de todas as quantias por ela pagas a título de taxas de justiça e encargos, sem que disso tivesse sido informada pela R.
Não tendo pago tal quantia, a contraparte interpelou-a para que lhe pagasse o que lhe era devido. Tendo dado disso conhecimento à R., esta informou-a de que não tinha que pagar nada; em consequência do que nada pagou.
A contraparte instaurou, então, contra si, uma execução para pagamento da quantia certa de € 1.102,93.
Pese embora tivesse dado conhecimento à R. da nota de citação, assim como de todas as notificações que lhe iam sendo feitas no processo de execução, a R. sempre lhe disse que nada havia a pagar; razão pela qual, nada pagou; pois que, se lhe tivesse sido dito que tinha que pagar, teria pago.
Em consequência disso, um prédio que lhe fora penhorado e que valia € 55.000,00, foi adjudicado aos exequentes.
O ocorrido causou-lhe também sofrimentos dos quais pretende ser ressarcida.
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Contestou a Ré, impugnando parte dos factos invocados pela A., e requerendo a intervenção principal provocada da EMP01... Company, Sucursal em ..., para quem havia transferido a sua responsabilidade civil, que viria a ser admitida.
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Contestou também a EMP01... Company, Sucursal em ..., invocando, além do mais, que a apólice de seguro celebrado não cobre o sinistro em causa, e que foi culpa da A. o que ocorreu.
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Foi então proferida a seguinte decisão (da qual se recorre): “Julgamos a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenamos a EMP01... Company, sucursal em ..., a pagar à A. a quantia de € 41.873,22 (quarenta e um mil oitocentos e setenta e três euros e vinte e dois cêntimos); Julgamos a ação improcedente quanto ao demais. Custas pela A., por um lado, e pela R. e Interveniente, por outro lado, na proporção dos respetivos decaimentos (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza a R.) - art. 527º, n º 1 a 3, do C.P.C….”
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a Interveniente Principal, EMP01... Company, Sucursal em ...,interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1.ª Face ao depoimento de parte da R. AA e restantes depoimentos das testemunhas produzidos em julgamento, deve ser alterada a matéria dos pontos 6 e 11 a 13 dos Factos Provados e deve ser dado como não provada a matéria constante dos pontos 16, 17, 29, 30 e 31 dos Factos Provados (arts. 342º, 343º, 349º a 351º, 356º, 357º, 358º, 362º, 368º a 372º e 376º do C. Civil e art. 412º e 423º e segs.º do CPC; cfr. arts. 5º, 265º e 607º do CPC) - cfr. texto nºs 1 e 2. […] 4.ª O douto Tribunal “a quo” enferma de manifesta ilegalidade e erro de julgamento quanto à decisão matéria de facto, tendo violado, além do mais, os arts. 342º, 343º, 349º a 351º, 356º, 357º, 358º, 362º, 368º a 372º e 376º do C. Civil e arts. 5º, 265º, 412º, 423º e segs. e 607º do CPC, tanto mais que não pode substituir-se às partes “no cumprimento dos ónus de afirmações da matéria de facto” (v. Ac. STJ de 2005.06.22, Proc. 05B1993, www.dgsi.pt; cfr. arts. 5º e 265º do CPC), pelo que a referida matéria de facto em causa deverá ser alterada em conformidade (art. 662º do CPC; cfr. art. 596º do CPC) - cfr. texto nºs 1 a 3. 5.ª Conforme resulta dos autos, por um lado, dos articulados apresentados pelas partes e, por outro, da matéria de facto provada e não provada que resulta desde já dos elementos probatórios carreados, a A. Recorrida não alegou, demonstrou e/ou sequer provou nos autos, como lhe competia – art. 342º do c. Civil –, que os danos alegados foram consequência necessária e adequada dos comportamentos da R. AA - cfr. texto nºs 4 a 8. […] 8.ª A atuação da A., concorreu exclusivamente para a produção ou agravamento dos danos e prejuízos invocados, pelo que a ora Interveniente Recorrente deverá ser totalmente absolvida do pedido, ex vi dos arts. 570º, 592º e 813º e segs. do C. Civil (arts. 576º, 578º e 579º do CPC) - cfr. texto nºs 4 a 8. 9.ª A A. Recorrente não alegou, demonstrou ou provou durante os presentes autos ou em julgamento, nem tal resulta inclusive dos factos dados como assentes nos presentes autos, a existência de qualquer Dano, consistente na “supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito” (v. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. II, AAFDL, p.p. 283), consubstanciado em perda de oportunidade ou de “chance” que fundamente a pretensão indemnizatória peticionada e que foi sufragada pelo Tribunal a quo, não tendo minimamente ficado provado ou sequer sido alegado os pressupostos de que dependeria a responsabilidade da R. AA pelos pretensos danos e prejuízos invocados (arts. 9º, 342º, 473º e segs., 496º, 483º e segs., 562º a 566º, 570º, 592º e 798º e segs., do C. Civil) - cfr. texto nºs 4 a 8. […] 15.ª A douta Sentença recorrida enferma de manifestos erros de julgamento face à matéria de facto dada que deve ser dada como provada, tendo violado frontalmente, além do mais acima exposto, o disposto nos arts. 9º, 342º, 496º, 483º e segs., 512º e segs., 566º, 570º, 577º, 579º e 798º e segs. do C. Civil e arts. 24º a 26º, 44º, 91º, 94º, 100º, 101º, 139º e 147º da LCS, devendo ser revogada e substituída por nova decisão que julgue a presente ação totalmente improcedente, absolvendo a ora Recorrente do pedido. NESTES TERMOS, Deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte impugnada nos termos supra expostos (v. art. 636º/2 do CPC), com as legais consequências….”
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A A veio responder ao recurso interposto, pugnando pela sua improcedência.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação são as seguintes:
I- A de saber se deve ser alterada a matéria de facto, no sentido pretendido pela recorrente;
II – Se perante a matéria de facto alterada, deve ser alterada a decisão em conformidade, com a absolvição da ré do pedido; e
III – Se a responsabilidade da recorrente se encontra excluída face ao contrato de seguro.
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Foram dados como provados (e não provados) na Primeira Instância os seguintes factos: “1 - A R. é advogada, inscrita na ordem dos advogados, exercendo esta profissão com caracter reiterado e habitual. 2 - Em 03-05-2018, a R., em representação da A., deu entrada a uma ação declarativa de condenação, contra BB e CC, que foi distribuída ao Juiz ..., do Juízo Local Cível de Chaves, e à qual foi atribuído o n º 811/18..... 3 - Em 03-06-2020, em audiência de julgamento, as partes transigiram, nesse processo, nos seguintes termos: Cláusula primeira: A Autora DD desiste dos pedidos formulados contra os Réus BB e CC. Cláusula segunda: A Autora/reconvinda reconhece que o caminho em causa nos autos é caminho público e tem a configuração constante do relatório de peritagem. Terceira cláusula: A Autora/reconvinda compromete-se a não praticar atos que impeçam ou perturbem o uso e fruição pelos Réus de tal caminho. Quarta cláusula: Os Réus/reconvintes desistem dos demais pedidos formulados. Quinta cláusula: As custas em dívida a Juízo ficam a cargo da Autora, a qual se compromete ainda a reembolsar os Réus de todas as quantias pagas a título de taxas de justiça e de encargos com a peritagem, no prazo de 20 (vinte) dias. 4 - Tal transação foi homologada por sentença. 5 - A A. não esteve presente na diligência em causa, encontrando-se representada pela R., munida de poderes bastantes para a referida transação. 6 - A A. teve conhecimento do teor da transação, no que respeita às cláusulas primeira a quarta, relativamente às quais anuiu. 7 - Face ao facto de a aqui A. não ter reembolsado os ali R.R. de todas as quantias pagas a título de taxas de justiça e de encargos com a peritagem, no prazo de 20 (vinte) dias, conforme consta supra em 3, cláusula quinta, então em 07-10-2020, os R.R. intentaram, contra a A., ação executiva para pagamento de quantia certa, sendo o valor da quantia exequenda de €1.102,93 (mil cento e dois euros e noventa e três cêntimos) e o valor devido, mais juros e custas prováveis de € 1.323,52. 8 - Foi então penhorado o seguinte prédio de que a A. era proprietária: prédio rústico, sito na ..., em ..., composto por terra de cultivo e monte, com a área de 5.737 m2, a confrontar de Norte com EE, a Sul com Caminho Público, a Nascente com FF e a Poente com GG, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...32 da união das freguesias ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...84. 9 - A A. (ali executada), em 2021, foi citada para, querendo, apresentar oposição à execução e/ou oposição à penhora. 10 - Dessa citação constava o auto de penhora, do qual resultava que o prédio penhorado estava avaliado em € 13,73 (treze euros e setenta e três cêntimos). 11 - A A. entregou à R. a nota de citação e documentos que recebera com a mesma, solicitando-lhe a resolução da questão, ainda que tal significasse pagar o valor. 12 - A R. aceitou tratar do assunto e, acabou por dizer à A., que não havia razão para qualquer preocupação, já que nada era devido. 13 - Em consequência do constante de 12, a A. nada pagou. 14 - Não foi apresentada qualquer oposição à execução e/ou oposição à penhora. 15 - Posteriormente, a A. foi notificada para se pronunciar sobre a modalidade da venda e o valor base a atribuir ao prédio penhorado. 16 - Deu então conhecimento à R. da notificação que lhe fora feita. 17 - A R. disse, então, à A., para não se preocupar, que se tratava de um erro e que tudo estava resolvido. 18 - A A. não se pronunciou, então, sobre a modalidade da venda ou sobre o valor base a atribuir ao prédio penhorado. 19 - A R. sabia que o valor patrimonial do prédio penhorado seria de cerca de € 38.196,74. 20 - Foi então atribuído ao prédio penhorado o valor de € 13,73 (treze euros e setenta e três cêntimos). 21 - Veio, então, a ser anunciada a decisão de venda do prédio, mediante propostas em carta fechada, tendo sido fixado o valor base em € 2.500,00, sendo aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor base anunciado. 22 - Em 28-01-2022, realizou- se a diligência de abertura das propostas, que se mostrou frustrada, por não terem sido apresentadas quaisquer propostas. 23 - Em 16-02-2022, os então exequentes (BB e HH) requereram a adjudicação do prédio penhorado por 85% do valor base fixado. 24 - A A. foi, então, notificada da apresentação dessa proposta de adjudicação; 25 - Da qual deu conhecimento à R. 26 - Sem que nada tivesse dito ou feito, no processo. 27 - Foi, então, designada nova data para abertura de propostas em carta fechada para o dia 11-05-2022. 28 - E em 11-05-2022, foi adjudicado aos exequentes, o prédio penhorado, pelo valor de € 2.125,00 (dois mil cento e vinte e cinco euros). 29 - Esta adjudicação foi notificada à A.; 30 - Que a comunicou à R.; 31 - Que referiu à A. que não a deveria considerar, pois estava tudo resolvido. 32 - Posteriormente, em requerimento assinado pela R., sem procuração para o efeito, em nome de II, esta, enquanto filha da executada/autora, requereu o exercício do direito de remição sobre o prédio penhorado; 33 - Sem que alguma vez tivesse recebido, por parte daquela, instruções para o efeito e sem que II tivesse tido alguma vez conhecimento do exercício de tal direito por parte da R. 34 - O Tribunal declarou, então que, ao abrigo do disposto nos arts. 842º e 843º, do C.P.C., deveria ser aceite a remição. 35 - A R. foi, então, notificada, na qualidade de mandatária de II, para efetuar o pagamento do preço do bem remido. 36 - Tal pagamento não foi realizado. 37 - Se a R. tivesse dado conhecimento e explicado o que estava em causa, a II, esta teria depositado o preço. 38 - Em 07-09-2022, a agente de execução notificou a mandatária dos exequentes de que o preço não foi pago. 39 - Esta requereu, novamente, a adjudicação do prédio. 40 - A agente de execução decidiu manter a adjudicação anteriormente feita aos exequentes, o que foi comunicado à R. 41 - O prédio foi, então, registado em nome dos exequentes, em 27-09-2022. 42 - Em dezembro de 2022, a R. convocou o filho da A. (JJ), e transmitiu-lhe que afinal o valor em causa tinha mesmo que ser pago naquele momento, que seria necessário proceder ao depósito da quantia de € 2.231,25; 43 - JJ, de imediato, em 20-12-2022, procedeu ao depósito de tal valor. 44 - Em 22-12-2022, foi apresentado por JJ, filho da A., requerimento para exercício do direito de remição, juntando o comprovativo do depósito do preço. 45 - O Tribunal indeferiu este requerimento, por ser extemporâneo. 46 - A R., na qualidade de mandatária do referido JJ, apresentou recurso desta decisão. 47 - Recurso que foi indeferido, uma vez que não cumpre com o pressuposto previsto no art.º 44.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, ou seja, não se encontrava verificado o pressuposto do valor da causa, uma vez que, quer o valor da execução, quer o valor da remição, eram inferiores ao valor da alçada do tribunal de 1.ª instância. 48 - Em 28-04-2023, a R. juntou aos autos um requerimento, esclarecendo que só nessa data é que se apercebeu que se encontrava associada, na plataforma Citius, como mandatária da aqui A. 49 - Alega a R., nesse requerimento, que apenas é mandatária do remidor (JJ), pese embora tenha recebido correspondência na qualidade de mandatária da remidora II. 50 - Em 02-05-2023, na qualidade de mandatária de JJ, a R. requereu a anulação do ato da venda. 51 - Este pedido foi indeferido, por falta de legitimidade. 52 - Em 08-05-2023, a R. requereu a junção do documento alegadamente correspondente a um depósito autónomo, com vista a que se considerasse paga a dívida exequenda e as despesas prováveis e assim se extinguisse, dessa forma, a execução. 53 - Este DUC de depósito autónomo junto com o requerimento de 08-05-2023 é o mesmo que foi junto com o requerimento para o exercício do direito de remição de JJ, em 22-12-2022. 54 - Surge então um requerimento assinado pela colega de escritório da R., a Sra. Dra. KK, que veio alegar que nunca a executada foi notificada fosse do que fosse, pelo que desconhecia que o bem imóvel já havia sido adjudicado aos exequentes, requerendo a declaração de nulidade ou a anulação do ato da venda do prédio. 55 - Em 06-07-2023 foi proferido despacho, donde se retira o seguinte: “Nos autos principais de que a presente execução é apenso, a autora e aqui executada DD outorgou procuração forense à Ilustre Advogada Dr.ª AA conferindo-lhe os mais amplos poderes forenses gerais e ainda os especiais para confessar, desistir e transigir. O mandato forense é a forma de alguém ser representado em juízo por profissional do foro, sendo, em sede de processo civil, obrigatório nos casos estabelecidos no art.º 40º, do Cód. Proc. Civil. Por sua vez, o art.º 44º, n.º1, do Cód. Proc. Civil determina que o mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os termos e atos do processo principal e respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante. Ora, tem-se entendido que a expressão “incidentes” abrange também os respetivos apensos – neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/09/2019, proferido no Proc.6113/18.5T8ALM-LJ-L1-7 e disponível em www.dgsi.pt. Assim, a procuração junta pela executada em sede de ação declarativa estende-se a estes autos. Pelo que a Executada sempre se encontrou representada. Existindo mandatário constituído, de acordo com o disposto no art.º 247º, do Cód. Proc. Civil, as notificações em processos pendentes são feitas ao mandatário, sendo que, nas situações previstas no n.º2 – quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, é também expedido pelo correio um aviso registado à própria parte. Do compulso dos autos, constata-se que a executada foi sempre notificada dos termos da execução, não tendo deduzido qualquer intervenção, nada requerendo. Designadamente, foi notificada do auto de penhora e citada para os termos da execução, para se pronunciar quanto ao valor que deveria ser atribuído ao prédio rústico, da decisão da AE que atribuiu ao prédio rústico o valor de 2.500 €, a data para a abertura de propostas em carta fechada sendo publicitado a anuncio da venda, a adjudicação do bem penhorado aos exequentes pelo valor de 2.125,00 €, os vários despachos proferidos sobre os pedidos de remição realizados, designadamente do da filha da executada… Posto isto, além de estar representada por mandatária judicial, foi a executada notificada de todos os atos relevantes do processo”. 56 - Nesta altura, a A. e o seu filho, continuavam a achar que o prédio era da A.; 57 - Em consequência do que, a A. continuava a fazer uso do prédio, através do seu filho, que continuava a agricultá-lo. 58 - Os exequentes vieram a apresentar uma queixa crime contra este, por causa desta utilização. 59 - Tendo a A. sido chamada a prestar depoimento na GNR ... em 18 de maio de 2023, no âmbito do inquérito número 3115/22..... 60 - E foi nesta altura que lhe foi explicado que o prédio em causa não lhe pertencia. 61 - O prédio identificado em 8, tinha um valor de € 38.196,74. 62 - Em consequência do ocorrido, a A. viveu dias de muita tristeza, sentindo-se muito humilhada e vexada, sem compreender a atuação da R. 63 - A A. sofre, por saber que o prédio, que foi herança da sua mãe, está agora “nas mãos” de terceiros. 64 - A A. sente-se humilhada, vexada e envergonhada, por na aldeia se saber que a A. não pagou a dívida de “pouco mais de mil euros” e que, por isso, perdeu o prédio que lhe foi deixado pela sua falecida mãe. 65 - A EMP01... Company SE, ..., segurou, nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional, celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro), através da Apólice n.º ...3..., o risco decorrente de ação ou omissão, dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão. 66 - A referida apólice teve o seu início de vigência em 2023-01-01, com a duração de 12 meses, retroagindo os seus efeitos de cobertura, ilimitadamente, a “sinistros” ocorridos antes dessa data, de acordo com os termos das cláusulas e requisitos nela previstos. 67 - A cobertura da apólice em causa tem como limite de indemnização o capital de € 150.000,00 (cinquenta mil euros), por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado. 68 - Do montante limite de indemnização - € 150.000,00 - é descontada a franquia geral contratada, no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros) por sinistro, que fica a cargo dos segurados. 69 - No art.º 10º das condições particulares, consagra-se que: “Estabelece-se uma franquia de 5.000,00 € por sinistro, não oponível a terceiros lesados”. 70 - De acordo com o Ponto 7, das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe “Âmbito de Cobertura”, “O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro, ocorridos durante a vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroatividade.” 71 - Nos termos do ponto 12, do Artigo 1º das Condições Especiais da apólice em causa, considera-se como Reclamação “Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice”. 72 - O Artigo 3º, das Condições Especiais da apólice em causa, sob a epígrafe “Exclusões”, estabelece expressamente, além do mais, que “ficam, expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: (…) a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do Segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente a vir gerar, reclamação;”. 73 - Nos termos do Art.º 8º, das Condições Especiais da apólice em causa: “1. Notificação de Reclamações ou Incidências: O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível: a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer Segurado, baseada nas coberturas desta apólice; c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.”.
Factos não provados:
1 - A A. não teve/teve, aquando da transação ou logo a seguir à mesma, conhecimento do teor da cláusula quinta, mencionada em 3 dos factos provados. 2 - A A. foi interpelada pelos credores, para que procedesse ao pagamento da quantia em dívida; 3 - Quando recebeu a carta registada com esta interpelação, a A. dirigiu-se ao escritório da R. para lhe questionar a razão desta interpelação e se este pagamento seria devido. 4 - A R. comunicou-lhe que não era para pagar nada, que nada era devido e que tudo estava já resolvido. 5 - A A. optou por não pagar. 6 - O prédio identificado em 8, dos factos provados, tem o seguinte valor: a) €30.000,00 - valor do terreno; b) €15.000,00 - valor do pré-fabricado instalado no terreno; c) €5.000,00 - valor do furo de água existente no terreno; d) €5.000,00 - valor dos muros em betão edificados no terreno”.
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Da Impugnação da matéria de facto:
Insurge-se a recorrente contra a decisão da matéria de facto, dizendo desde logo, que face ao depoimento de parte da Ré e restantes depoimentos das testemunhas produzidos em julgamento, deve ser alteradaa matéria dos pontos 6 e 11 a 13 dos Factos Provados, e dada como não provadaa matéria dos pontos 16, 17, 29, 30 e 31 dos Factos Provados.
E concretiza – nas suas alegações de recurso –, que a matéria constante dos pontos 6 e 11 a 13 dos Factos Provados deverá passar a ter a seguinte redação: “6. A A. teve conhecimento do teor da transação, no que respeita às cláusulas primeira a quinta, relativamente às quais anuiu.” “11. A A. apenas entregou à R. a nota de citação e documentos que recebera com a mesma, solicitando-lhe a resolução da questão, após o prazo de oposição à execução e após a adjudicação do imóvel.” “12. A R. aceitou tratar do assunto e apresentou o requerimento de remissão nos autos de execução em causa.” “13. Em consequência do constante de 6, a A. nada pagou.”
Baseia a sua pretensão nas declarações de parte da Ré, que segundo afirma, não foi colocado minimamente em crise pelos restantes elementos documentais e testemunhais. Mas sem razão, adiantamos já. Relativamente ao facto provado em 6 – que a A teve conhecimento do teor da transação, no que respeita às cláusulas primeira a quarta, relativamente às quais anuiu -, essa matéria resulta da própria alegação da A, sendo por ela questionado que tenha tido conhecimento da cláusula quinta, que lhe impunha a assunção do pagamento da totalidade das custas da ação. Tal facto viria a ser dado como não provado, ou seja, ficou por demonstrar que a A tenha tido conhecimento da cláusula quinta do contrato. Relativamente aos demais factos dados como provados em 11), 12), 13),16), 17), 29), 30), e 31), relacionados com a entrega pela A à sua advogada dos documentos que ia recebendo do tribunal - nota de citação e documentos juntos com a mesma; notificação para se pronunciar sobre a modalidade da venda e valor base a atribuir ao prédio penhorado; e adjudicação aos exequentes do prédio penhorado, pelo valor de € 2.125,00 -, a prova produzida nos autos foi consistente no sentido de que tal realidade aconteceu, assim como a resposta que foi sendo dada pela Sra. Advogada à A, aceitando tratar do assunto e dizendo à sua cliente que não havia razão para qualquer preocupação, já que nada era devido; para não se preocupar, que se tratava de um erro e que tudo estava resolvido – por mais “estranho” que tal comportamento nos pareça, vindo de uma causídica, supostamente conhecedora da tramitação processual no processo executivo.
É certo que a ré negou praticamente toda a realidade dada como provada, mas aqui, com o devido respeito, acompanhamos o raciocínio do julgador, de que “é parte na causa, e interessada no desfecho da mesma, em consequência do que o seu depoimento tem de ser tido em conta com as necessárias reservas.” Apoiou-se o tribunal recorrido, para dar tal matéria como provada, no depoimento das testemunhas JJ e LL (filhos da A. que acompanharam a sua mãe e o desenrolar dos acontecimentos desde o seu início), e MM (esposa da testemunha JJ, que também acompanhou os acontecimentos após outubro de 2022), assim como nos documentos juntos aos autos em audiência de julgamento (cópias da citação e dos documentos que a acompanhavam, designadamente o requerimento executivo e o registo da penhora), a comprovar, pelo respetivo registo de envio, que os mesmos foram remetidos à ré, quer pela A, quer pela sua filha LL – depoimentos e documentos analisados à luz das regras da experiência e do que é normal acontecer nestas circunstâncias.
Donde, não sufragamos a afirmação da recorrente, de que as declarações de parte da ré não foram colocadas minimamente em crise pelos restantes elementos documentais e testemunhais; antes pelo contrário.
Ainda assim, auditado por nós, com particular atenção, o depoimento da ré, o que colhemos do mesmo foi que, e no que respeita ao conhecimento da A da cláusula quinta da transação, foi que a A. não esteve presente na celebração do acordo, mas que tinha sido acordado que o processo não prosseguiria, tendo-lhe sido comunicado que teriam de liquidar ou depositar as custas, devido à desistência do processo.
Mas questionada sobre a forma como lhe foi comunicada essa obrigação, de liquidar/depositar as custas, a ré respondeu, de forma que consideramos pouco segura, que numprimeiro momento foi via telefone, mas que depois se deslocou a ..., não sabendo muito bem precisar se por motivo desse processo, ou por outro processo crime que também estava a tratar.
E sobre a falta de pagamento – que havia sido acordado ser efetuado no prazo de 20 dias –, também a ré foi pouco consistente, afirmando apenas não saber porquê, referindo apenas, muito vagamente, que depois lhe foi comunicado ou colocado na caixa de correio, ou mandado colocar pelo filho uma correspondência, mas que nessa altura o prazo já tinha decorrido. Que não foi notificada nos autos de execução, e que quando tomou conhecimento do que se passava foi quando tentou resolver a situação através da remição do filho. O seu depoimento afigurou-se-nos muito vago e pouco consistente, incapaz de sustentar uma resposta diferente aos factos dados como provados, designadamente que a ré tenha comunicado todos os termos da transação à A, e que até à fase da remição, não lhe tenha sido comunicado, ou a mesma não tenha sido informada, do andamento do processo executivo.
Pelo contrário, ficamos também convencidos que a ré foi tomando conhecimento de todos os passos da execução após a citação da A naquele processo, e que logo nessa altura poderia e deveria aconselhar a A a pôr termo à execução, pagando a dívida e as custas do processo, o que não fez, dizendo-lhe – estranhamente -, que nada era devido, e quando lhe foi comunicada a fase da venda do imóvel, procedeu da mesma forma, até à fase da remição.
Muito significativa foi a avaliação que o tribunal fez do perfil da A, uma senhora de cerca de 80 anos, simples e humilde, com a 4ª classe, que nada percebia de direito, e que, segundo a testemunha MM, bastava vir uma carta do tribunal, que entrava logo em pânico, e que, segundo as declarações da própria ré faria tudo quanto lhe mandasse a sua advogada, pagando imediatamente tudo quanto fosse necessário para não perder o imóvel penhorado.
Serve tudo isto para concluir que a matéria de facto relacionada com o comportamento da ré perante a A no final do processo declarativo e durante o processo executivo foi bem retratado na decisão da matéria de facto, a qual não merece ser alterada.
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Pretende também a recorrente que sejam aditados à matéria de facto, o por si alegado nos artºs 8º a 15º, 18º, 19º, 23º, 26º a 30º e 33º a 35º da sua contestação, relativos aos termos da cobertura da apólice, e à consciencialização e ao conhecimento pré-existente dos factos subjacentes aos autos, pela A. e pela R. em 2021.
Diz que quer aA quer a Ré, depois de devidamente convidados pelo tribunal para exercer o contraditório quanto aos mesmos, por despacho de 2024.03.13, estavam sujeitos ao ónus de impugnação especificada dos novos factos alegados pela Interveniente, e não o fizeram, aceitando-os por acordo. Vejamos:
Analisando a questão sob o ponto de vista processual, não tem sido unânime a posição da jurisprudência, de saber se o exercício do direito de resposta pelo autor às exceções deduzidas pelo réu na contestação, previsto no nº 4 do art.º 3º do CPC, constitui uma faculdade ou um ónus processual, cuja inobservância conduz à admissão por acordo dos factos não impugnados, tal como defende a Recorrente.
Efetivamente, no processo comum de declaração (pondo de parte o caso das ações de simples apreciação negativa), a réplica só tem lugar em caso de reconvenção, destinando-se a mesma para o autor se defender dela (art.º 584º do CPC).
No caso do réu se defender por exceção, a lei não prevê um articulado de resposta, permitindo apenas que o A exerça o respetivo contraditório, na audiência prévia ou no início da audiência final (art.º 3º nº 4 do CPC).
Como se prevê expressamente naquele preceito legal, “Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia, ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.”
Mas também prevê a lei, a contrario, a possibilidade dos factos constitutivos das exceções se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação, desde que as mesmas venham especificadas separadamente no articulado respetivo.
Ou seja, “Na contestação deve o réu (…) c) Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação.” (art.º 572º do CPC).
Estabelece por sua vez o art.º 587 nº 1 do CPC que “A falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574º”, no qual se prevê, entre outras estatuições, a admissão por acordo dos factos que não forem impugnados (nº 2).
Como se disse, a questão não tem tido uma resposta unânime na jurisprudência das Relações, como nos dão conta o Ac. da RP de 23-02-2015, e os Acs. da RL de 22-03-2018 e da RE de 28/2/2019, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Defendeu-se no primeiro Ac. citado que “III - Fora dos casos previstos (artigo 584.º), no atual CPC, desapareceu o articulado réplica como o articulado normal de resposta às exceções deduzidas na contestação, a não ser que se defenda que é possível que o juiz convide a parte a apresentar um terceiro articulado, ao abrigo do princípio da adequação formal (artigo 547.º do CPC). IV - Não obstante a inexistência de tal articulado, há que conjugar o disposto no artigo 3.º, n.º 4, com os artigos 572.º al. c) e 587.º, n.º 1, do CPC, não tendo este último deixado de prever que “A falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu”, seja na audiência prévia, caso haja lugar a esta, seja no início da audiência final, tem o efeito previsto no artigo 574.º do mesmo diploma (admissão por acordo dos factos não impugnados), sob pena de os referidos normativos ficarem esvaziados de conteúdo.”
Já no segundo Ac. citado (da RL de 22-03-2018, secundado pelo da RE de 28/2/2019), “I. – O art.º 3/4 do CPC não prevê um dever ou um ónus, mas uma faculdade, pelo que, a falta de resposta às exceções, não tem o efeito de levar à prova dos factos base dessas exceções (sem prejuízo de, se eles forem também base de reconvenção deduzida, e não tiverem sido impugnados, já estarem provados por força da aplicação da regra do art.º 587º/1 do CPC). II.– Mais genericamente, a falta, na réplica, de resposta às exceções deduzidas na contestação, não estando prevista legalmente a existência de tal resposta (art.º 584º/1 do CPC), nem tendo sido imposta pelo juiz, não tem a consequência da admissão por acordo dos factos fundamento das exceções (isto com a mesma ressalva da parte final de I).”
Também na doutrina vemos perfilhado este segundo entendimento, defendendo Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum, 4ª ed., pág. 167), a propósito do articulado apresentado nos termos do art.º 3º, nº 4, do CPC, que «(n)a falta de norma legal que sujeite a parte ao ónus de impugnação, deve entender-se que a apresentação deste articulado constitui uma faculdade e não um ónus (...) A parte “pode”, por isso, responder às exceções, mas não “deve”, como o réu ao contestar (art.º 574º-1) ou o autor ao replicar (artº 587º-1)…”.
Já no Ac. do STJ, 2.11.2023 (disponível em www.dgsi.pt), se defendeu uma posição mais eclética, de que a norma em causa (o art.º 572º alínea c) “consagra o ónus de o réu especificar separadamente os factos em que se baseiam as exceções deduzidas, com a cominação de os referidos factos não se considerarem admitidos por acordo, em caso de falta de impugnação pelo autor”.
Também Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Pires de Sousa (“Código de Processo Civil anotado”, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 642), em anotação a essa norma, afirmam que “do que se trata é de evitar que o réu dissemine pela contestação (não separando, portanto) defesa por impugnação e defesa por exceção, com o risco de o autor não se aperceber de eventuais exceções deduzidas. É que, face à remissão do n.º 1 do art.º 587.º para o art.º 574.º, o autor tem o ónus de impugnar os factos integradores de exceções (factos novos, pois), sob pena de se terem como admitidos por acordo aqueles que não forem impugnados”.
Porém, como afirmam os mesmos autores (ob. cit., pág. 642): “o sistema ainda não foi ao ponto de cominar com a ineficácia pura e simples a alegação feita na contestação que traduza exceções ocultas, numa estratégia que tenha em mente surpreender a contraparte e atingi-la com a produção de efeitos cominatórios decorrentes da falta de resposta a tal matéria.”.
Importa assim, como se afirma no citado A. do STJ de 2.11.2023, “que o Tribunal atenda à totalidade do articulado, para apurar os factos em que se baseia a exceção perentória invocada, e não apenas à parte especificada em separado, sem prejuízo de o autor ficar dispensado do ónus de impugnar esses factos para que os mesmos não se considerem assentes, atenta a falta de cumprimento pelos réus do disposto na referida alínea c) do art.º 572.º do CPC”.
É com base nesse entendimento, cremos, que se defende no citado Ac. da RE de 28/2/2019, que “…a lei processual é adversa a decisões surpresa e constituiria (…) uma verdadeira decisão surpresa operar uma cominação processual que a lei expressamente não contempla, e com a qual a parte, ainda que diligente, podia legitimamente não contar…”.
Afigura-se-nos assim de sufragar a solução defendida no citado Ac. do STJ, que se mostra mais consentânea com as normas legais vigentes – de que a falta de resposta pelo A à matéria da exceção alegada pelo réu, desde que especificada separadamente na contestação, comporta a admissão dos novos factos alegados – à luz do art.º 572º alínea c) do CPC.
Fazendo aplicação dos princípios enunciados ao caso dos autos, verificamos que foram deduzidas separadamente na contestação as exceções invocadas pela interveniente, sendo ainda deduzido convite às partes, pelo tribunal, para responderem às exceções invocadas, pelo que sempre seria aplicável ao caso em análise o disposto no art.º 572º, c) do CPC (e 587º nº1, segunda parte).
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Ainda assim, consideramos que não assiste razão ao recorrente, na sua impugnação. Quanto aos factos alegados pela Interveniente nos artigos 8º a 15º da contestação, diremos que só por mero lapso esta matéria de facto vem impugnada pela recorrente, porquanto toda ela vem descrita nos pontos 65 a 73º da matéria de facto provada, pelo que nada haverá a dizer quanto a tal impugnação.
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Quanto ao que vem descrito nos demais artºs da Contestação: Os artigos 18º, 19º, 23º e 35º,contêm apenas matéria de direito – ao descrever o tipo de contrato celebrado pelas partes -, assim como matéria interpretativa/conclusiva do contrato, e seu âmbito de cobertura, por remissão para a Lei e para o próprio contrato, que se encontra junto aos autos – matéria que pela sua própria natureza (jurídica e conclusiva) não é suscetível de ser levada à matéria de facto – provada ou não provada. E o mesmo se passa com o que vem descrito de 26º a 30º e 33º e 34º, que encerra apenas matéria conclusiva, vindo apenas alegado que a reclamação da A emerge de factos e circunstâncias relativos a alegados atos e omissões danosas da ré segurada, que ocorreram alegadamente entre 2020 e 2022 - muito antes da celebração da apólice de seguro aplicável aos autos -, e que, a considerar-se existir responsabilidade profissional daquela, foram nessas datas por ela perfeitamente conhecidos e consciencializados, assim como pela A, as suas consequências, o que leva à exclusão e/ou caducidade da cobertura do sinistro. Ora, tal matéria, dado o seu caráter meramente conclusivo, nunca poderia ser levada à matéria de facto.
Como decorre do art.º 607º nº3 do CPC, quanto aos fundamentos da sentença, “deve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”, acrescentando o nº 4 que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…); o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. Acrescenta depois o nº 5 que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Ou seja, na elaboração da sentença, na parte relacionada com a descrição da matéria de facto, o juiz deve cingir-se a factos – realidades concretas da vida –, e não a matéria de direito, nem a conclusões, quer de facto, quer de direito, que devem apenas ser atendidos na parte adequada da elaboração da sentença, que é a da subsunção jurídica dos factos às normas legais e aos institutos jurídicos aplicáveis ao caso concreto.
Ora, mesmo sabendo que a destrinça entre facto e direito (ou entre facto e conclusão, quer de facto, quer de direito) não é fácil, ela torna-se necessária em termos de alegação e ónus da prova, uma vez que às partes apenas cabe alegar e provar os factos (art.º 5º nº1 do CPC e 342º do CC), cabendo ao juiz indagar, interpretar e aplicar as regras de direito a partir desses factos (art.º 5º nº 3 e 607º nºs 3 e 4 do CPC), com a particularidade que não podendo o juiz substituir-se às partes na alegação de factos essenciais, já não está vinculado à interpretação e integração desses factos ao direito que considera ser o aplicável.
Por isso se justifica, antes de se entrar na impugnação da matéria de facto, apurar a natureza da matéria impugnada,pois caso a impugnação tenha por objeto matéria conclusiva ou com significação jurídica, as partes não estão oneradas com a sua demonstração, nem são responsáveis pela sua aquisição para a matéria de facto, a qual deve, pelo contrário, ser dela retirada.
Isto no entendimento, cremos que pacífico, de que embora o atual CPC não contenha norma correspondente à inserida no art.º 646º, n.º 4, 1.ª parte, do anterior CPC (de considerar não escrita essa matéria), chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o atual art.º 607.º, n.º 3 e 4, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os “factos” que julga provados e quais (“os factos”) que julga não provados (ver, entre outros, os Acs. do STJ de 9/9/2014, de 14/1/2015, e de 29/4/2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt.) – sendo “desconsiderado” ou “ignorado” tudo o que extravase os meros factos.
Donde a conclusão, de que a inclusão na matéria de facto provada da matéria vertida nos referidos artigos da contestação - caso fosse procedente a pretensão da recorrente -, sempre se revelaria irrelevante, dado que tal matéria nunca poderia ser valorada pelo tribunal, redundando assim a sua apreciação na prática de um ato inútil que a lei proíbe expressamente (art.º 130º do CPC). Improcede, assim, na totalidade, a impugnação da matéria de facto
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II- Da condenação da recorrente:
E perante a matéria de facto provada, temos de concluir que bem andou o tribunal recorrido em dar como procedente a ação.
Como se viu, contrariamente ao defendido pela recorrente, a A/recorrida alegou e provou, como lhe competia (art.º 342º do CC), que os danos alegados – que a recorrente não põe em causa -, foram consequência necessária dos comportamentos da Ré.
E a fundamentação da sentença, em termos jurídicos, afigura-se-nos muito correta: “A A (…) fundamenta a sua pretensão no incumprimento, por parte da R., do contrato de mandato forense que com ela celebrou. O mandato constitui uma das modalidades do contrato de prestação de serviços, e é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra - arts. 1154º, 1155º e 1157º, do C.C. Considera-se forense o mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal - art. 62º, n º 1, a), do EOA, o qual pode ser conferido por uma das formas previstas no artigo 43º, do C.P.C., e pressupõe a aceitação do visado - art. 44º, n º 4, do C.P.C., tendo a amplitude delimitada pelos artigos 44º, n º 1 e 2 e 45º, do C.P.C., sendo-lhe aplicáveis, enquanto modalidade do contrato de mandato, na ausência de estipulações legais específicas, as regras previstas nos artigos 1157º e seguintes do Código Civil, para o mandato representativo e oneroso. O art.º 1161º, do C.C., consagra as obrigações do mandatário, no âmbito do contrato de mandato, entre eles se incluindo os de praticar os atos compreendidos no mandato e de informar o mandante da gestão do mandato. Também o EOA, na redação em vigor à data da prática dos factos (Lei n º 145/2015, de 09-09, na redação que lhe foi dada pela Lei n º 79/2021, de 24-11), consagrava deveres dos advogados. O art. 97º, consagrava que: “1 - A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca. 2 - O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.” (…). E o art. 100º, consagrava que: “1 - Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado: a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário; b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade; c) Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa; d) Não celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objeto das questões confiadas; e) Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas.” (…). Tem-se consolidando o entendimento maioritário de que, a responsabilidade do advogado adveniente do incumprimento do contrato de mandato forense que celebrou com o seu cliente possui, por regra, natureza contratual, como defendido por exemplo, nos Ac. do STJ de 18-10-2012, 14-03-2013, 16-02-16 e da RG de 19-05-2016, em www.dgsi.pt. E os pressupostos da responsabilidade civil contratual são os mesmos da responsabilidade civil extracontratual, quais sejam: um facto voluntário, a prática de um acto ou uma omissão; a sua ilicitude; a culpa do agente; o dano; e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. “No âmbito da actuação profissional de Advogado e perante o respectivo cliente, a obrigação de indemnizar daquele será de afirmar se a sua actuação for ilícita (violadora de deveres contratuais/deontológicos), culposa (merecedora de censura segundo um critério que tem por referência a conduta de um “bonus pater famílias” ou do profissional medianamente diligente e zeloso) e causadora de danos”, como se diz no Ac. da RG, de 19-05-2016, em www.dgsi.pt. No âmbito da responsabilidade contratual, a culpa é presumida - art. 799º, n º 1, do C.C. Tecidas estas breves considerações teóricas, relevantes para o caso, apreciemos então, concretamente, a pretensão da A. Uma das questões colocadas nos autos é a de saber se, tendo a R. estado mandatada pela A. na ação declarativa, tal mandato abrangeu a ação executiva instaurada contra a R., por apenso à ação declarativa. O art.º 44º, n º 1, do C.P.C., consagra que: “O mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes…”. Vem-se entendendo que, o âmbito do mandato judicial abarcará o patrocínio no processo principal, mas também nos processos tramitados por apenso. No sentido exposto, pode ver-se Abrantes Geraldes e outros, no CPC Anotado, Vol. I, pag. 76, em anotação ao art. 44º, do C.P.C. e Abílio Neto, no CPC Anotado, 16ª ed., pag. 120, citando-se ali o Ac. da RC 28-11-1995. Na jurisprudência, pode ver-se o Ac. da RL de 24-09-2019, proferido no Proc.6113/18.5T8ALM-LJ-L1-7 e disponível em www.dgsi.pt. Ora, o processo de execução em causa nos autos, com o n º 811/18...., correu nos próprios autos, embora tramitado de forma autónoma, conforme consagrado no art. 85º, n º 1, do C.P.C. Assim sendo, o mandato conferido pela A. à R. no processo n º 811/18.... abrangeu a execução n º 811/18..... Assim, a procuração junta pela executada em sede de ação declarativa estende-se a estes autos de ação executiva. Porém, parece-nos irrelevante para a decisão da causa, saber se a procuração junta pela executada em sede de ação declarativa se estende aos autos de ação executiva. Isto porque, a A. deu conhecimento à R., da nota de citação que lhe foi enviada no processo de execução, que contra si fora instaurado, solicitando-lhe a resolução da questão, ainda que tal significasse pagar o valor exequendo, e a R. aceitou tratar do assunto. Porém, em vez de cumprir com os seus deveres deontológicos, informando-a, com veracidade, de que efetivamente devia - como realmente devia - a quantia exequenda, antes, a informou erroneamente, dizendo-lhe que nada era devido. Ainda que não houvesse mandato, estaríamos, seguramente, no mínimo, no âmbito da consulta/aconselhamento jurídico, impendendo sobre a R. o dever de aconselhar a A. com verdade (…). Incumbia, portanto, à R., dar à A. uma opinião conscienciosa, sobre como aquela deveria atuar em face da execução que contra ela fora instaurada; o que não fez, incumprindo tal dever, pois que, informou a A. de que nada era devido, quando tal não era verdade. A R., em vez de esclarecer, com verdade, a A., induziu-a em erro, o que foi repetindo/mantendo ao longo do processo, à medida que a A. lhe ia dando conta das notificações que ia recebendo. Nem mesmo entrando o processo na fase da venda e, sabedora de que o valor do prédio penhorado à aqui A. era de cerca de € 38.196,74 e de que o mesmo poderia ser vendido por 85% de € 2.500,00, se dignou esclarecer a aqui A., antes continuando a mantê-la em erro quanto a dever o que quer que fosse aos exequentes. E mesmo sabedora do pedido de adjudicação do prédio penhorado feito pelos exequentes, e de que o mesmo lhes poderia ser adjudicado por um valor imensamente inferior ao valor real do prédio, ainda assim não se dignou esclarecer a aqui A. de que devia a quantia exequenda e que tinha que a pagar. E nem mesmo quando atuou em nome da filha da A., para exercer o direito de remição, se dignou informar aquela da necessidade de efetuar o pagamento, pese embora tivesse sido notificada para o efeito. A R. violou os mais elementares deveres de um advogado (e até de qualquer profissional), que é o de dizer a verdade. A sua atuação/omissão é ilícita, porque contrária aos seus deveres profissionais e deontológicos. Assim como é altamente censurável, pois não só não esclareceu a A. quanto ao facto de dever a quantia exequenda, como podia e devia, como a induziu em erro, fazendo-a crer que nada devia e que nada tinha que pagar. E em decorrência dessa ação/omissão da R., a aqui A., que poderia ter pago uma quantia de € 1.323,52 (correspondente ao valor da quantia em dívida, juros e custas prováveis), logo que foi citada no âmbito da execução - e que só não pagou porque lhe foi dito que nada devia - , acabou por perder um prédio que valia € 38.196,74. Assim, a A. sofreu um prejuízo/dano de € 36.873,22. E a atuação/omissão da R. foi causa adequada à ocorrência deste prejuízo, pois que, a A. só não efetuou o pagamento da quantia de € 1.323,52, porque a R. lhe disse que nada devia, assim como não a pagou posteriormente (com os acréscimos entretanto havidos) porque a R. lhe disse que nada devia e, foi em consequência disso que acabou por perder o seu prédio, que valia € 38.196,74. Acresce que, como consequência adequada da ação/omissão da R. e das nefastas consequências patrimoniais que lhe advieram, a A. sofreu também danos de natureza não patrimonial. Estão assim verificados os pressupostos da responsabilidade contratual da R., não se vislumbrando qualquer culpa da A. relativamente ao prejuízo sofrido…”
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E pouco mais temos a acrescentar ao que foi descrito na sentença recorrida, a não ser rebater o argumento da recorrente, de que a Ré nunca foi mandatada pela A. para assumir o patrocínio da ação executiva.
É certo que o mandato conferido pela A à ré foi, em princípio, para a representar na ação declarativa, que findou com a transação, homologada por sentença e transitada em julgado.
Mas nada existe nos autos que nos permita concluir que o mandato se extinguiu – por alguma das formas previstas nos arts. 1170º e ss do Código Civil (Revogação ou Caducidade).
Ora, se não fosse revogado, como não foi, o mandato manter-se-ia para os processos apensos, como bem se referiu na sentença recorrida (nos termos previstos no art.º 44º nº1 do CPC), sendo desnecessária a emissão de nova procuração, por exemplo, para a dedução de embargos à execução e/ou à penhora, na sequência da citação da A/executada para a ação executiva.
Ou seja, sendo a primeira intervenção nos autos executivos, da A - com a sua citação (pessoal) para a execução -, a intervenção judicial da ré, como mandatária da parte, ocorreria com a prática de um ato jurídico naquele processo, como seja a dedução de embargos, sem necessidade de reafirmar o mandato que lhe havia sido conferido pela A na ação declarativa, presumindo-se a manutenção do mandato forense com a simples intervenção no processo em representação da executada, sem necessidade de documento confirmativo dessa qualidade.
Outra intervenção pertinente no processo por parte da ré, também na qualidade de mandatária da parte, seria a de fazer cessar a execução, pagando a quantia exequenda e as custas do processo, o que poderia ser feito a todo o tempo – art.º 846º do CPC.
Aliás, essa seria a atitude mais sensata a tomar pela ré, perante o que ficou a constar da matéria de facto provada – de que após a sua citação para a execução, a executada aceitaria pagar a quantia exequenda, e fazer extinguir a execução – numa altura em que se encontrava já penhorado o prédio rústico da sua propriedade.
Isto tudo em sede de processo executivo.
Mas ainda no decurso da ação declarativa, impendia sobre a ré o dever de esclarecer a A, após a conclusão da transação, sobre os seus deveres para com os RR, de que deveria pagar àqueles a totalidade das custas da ação – nelas se incluindo os valores por eles pagos, de taxas de justiça e encargos –, valores que a A não poderia conhecer no ato da transação, ainda que lhe tivesse sido comunicado o teor da cláusula quinta - que tinha ficado a seu cargo o pagamento da totalidade das custas do processo.
Seria assim dever da ré, em parceria com o seu colega, mandatário da parte contrária, acordarem o pagamento, após a conferência da conta de custas, dando conta à A do montante a pagar, que ela desconhecia seguramente, aquando da transação.
Impendia sem dúvida sobre a ré essa responsabilidade, pois a consequência do incumprimento no prazo acordado – de 20 dias -, seria inevitavelmente a instauração da execução contra a A para pagamento da quantia em dívida, como veio a suceder.
E aqui, salvo o devido respeito, cai por terra a argumentação da recorrente, de que a ré deixou de representar a A no processo declarativo, e não se encontrava mandatada no processo executivo, pois o mandato manteve-se em vigor durante todo esse período.
Como se sumariou no Ac. da RL de 06-02-2024 (disponível em www.dgsi.pt), “I. O mandato forense não se esgota na prática de atos jurídicos em juízo, sendo um instrumento de uma prestação de serviços que não se exaure na prática de atos jurídicos pelo mandante”.
E esclarece-se: “O mandato forense não se esgota na prática de atos jurídicos em juízo. Conforme refere João Lopes dos Reis, Representação Forense e Arbitragem, p. 43: «Não pode, no entanto, perder-se de vista que, em regra, o advogado não é um simples mandatário: o cliente não lhe pede que, em nome dele, apresente uma petição, ou faça um requerimento: pede-lhe que pratique os atos necessários para obter um determinado resultado. E por isso o mandato forense é ele próprio, as mais das vezes, um instrumento de uma prestação de serviços que não se esgota na prática de atos jurídicos pelo mandante.» Também Pedro Leitão de Vasconcelos in António Agostinho Guedes e Júlio Vieira Gomes (Coords.), Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, UCP Editora, 2023, p. 667, afirma que: «É frequente afirmar-se que o mandato apenas abrange a prática de atos jurídicos e não de atos materiais. Esta é uma distinção artificial, e de certo modo falaciosa, porquanto não existem atos jurídicos que sejam puramente jurídicos ou puramente materiais, tendo todos os atos jurídicos algo de jurídico e algo de material. O mandato – especialmente quando opera como regime supletivo à atuação por conta alheia e como tipo de referência em contratos atípicos – pode ser aplicado para prática de qualquer tipo de atos por conta alheia, sem prejuízo de tipicamente o ser nos chamados atos jurídicos.»
Serve tudo quanto se disse para rebater a tese da recorrente, de que a ré não se encontrava mandatada pela A aquando da prática dos factos que lhe são imputados, e para reforçar o que vem afirmado na sentença recorrida, de que se afigura irrelevante para a decisão da causa, saber se a procuração junta pela A em sede de ação declarativa se estende aos autos de ação executiva, porquanto a conduta ilícita da ré se iniciou desde logo no desfecho da ação declarativa, quando ainda se encontrava indubitavelmente mandatada pela A, não a acompanhando no cumprimento das obrigações que assumiu na transação, desde logo, pagando a totalidade das custas da ação aos RR.
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III – Da Responsabilidade da Seguradora recorrente:
No que à responsabilidade da seguradora diz respeito, também subscrevemos o que vem decidido na sentença recorrida de que “…por força do contrato de seguro que a mesma celebrou com a Ordem dos Advogados, para si se transferiu a responsabilidade da R. Entende, porém, a R., assim não ser, por no art.º 3º das Condições Especiais da apólice terem ficado excluídas da cobertura da mesma, as reclamações por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente a vir gerar, reclamação, e que a R. segurada teve conhecimento, antes da data de início do período do seguro, das ações/omissões que havia tido, e de que as mesmas eram potencialmente geradoras da sua responsabilidade civil. Conclui assim, estar o sinistro excluído da cobertura do contrato de seguro em causa. Ora, o contrato de seguro celebrado entre a seguradora e a Ordem dos Advogados, titulado pela apólice em causa, é um contrato de seguro obrigatório - art.º 104º, do Estatuto da Ordem dos Advogados -, ao qual é aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL nº 72/2008, de 16-04), nomeadamente, o art.º 101º, n º 4, que estabelece um regime imperativo, segundo o qual, nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, as cláusulas de redução ou exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado de deveres de participação do sinistro à seguradora, são inoponíveis ao lesado. A inúmera jurisprudência sobre esta questão jurídica é quase unânime na defesa do referido entendimento (…). Oâmbito temporal da garantia do seguro vem expressamente regulada no art.º 7, das Condições Particulares, onde, sob a epígrafe de “ÂMBITO TEMPORAL” se diz que: “O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro, ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroatividade.” Já o art.º 3º das Condições Especiais, diz respeito a “Exclusões”, nada tendo assim a ver com o âmbito de garantia do contrato de seguro. Assim, é inoponível à A., a referida exclusão, pelo que, é a seguradora responsável por indemnizar a A. dos danos que sofreu…”.
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Discorda a recorrente da decisão recorrida, insistindo que os factos e circunstâncias imputados à ora Interveniente foram conhecidos e consciencializados pela A. e pelo própria R, como potencialmente geradores da sua responsabilidade civil no âmbito do exercício da sua profissão de advogado, pelo menos desde 2021 e até 2022, pelo que tanto a A. como a Ré Segurada conheciam o respetivo sinistro antes da celebração da apólice em causa nos autos, e nunca comunicaram e/ou participaram o mesmo nos termos da apólice até à data da citação para a presente ação.
Faz a recorrente apelo ao que ficou clausulado no Artigo 3º das Condições Especiais da Apólice ...3..., sob a epígrafe “Exclusões”, na qual se estabelece que “ficam, expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações (…) a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do Segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”.
Mas sem razão, como é bom de ver.
O argumento utilizado na sentença recorrida – da inoponibilidade aos lesados, da cláusula de exclusão da responsabilidade da seguradora, por incumprimento do segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil -, é redundante e suficiente para rebater a argumentação da ré, e tem o acolhimento maioritário da Jurisprudência.
Como vem sumariado no acórdão do STJ (relatado pela Conselheira Catarina Serra, no processo n.º 5992/13.7TBMAI.P2.S2) “I. O contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados e a seguradora, tendo por objeto o risco decorrente de ação ou omissão praticada pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem, no exercício da sua profissão, configura um “contrato de seguro de grupo”, em que a Ordem é o tomador de seguro e os advogados são os segurados. II. A este contrato de seguro é aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16.04, alterado pela Lei n.º 147/2015, de 9.09), nomeadamente o artigo 101.º, n.º 4, dispondo que, nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, as cláusulas de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado de deveres de participação do sinistro à seguradora são inoponíveis ao lesado. III. Uma das funções “naturais” do seguro – e, por maioria de razão, do seguro obrigatório imposto a certos profissionais, que, como a do advogado, exercem actividades com risco elevado de produção de danos – é a de assegurar que o lesado não deixará de ser ressarcido, pelo que só em casos muito contados é legítimo a seguradora escusar-se a responder ou limitar a sua responsabilidade perante o lesado. A responsabilidade civil profissional impõe-se quando o advogado atue com culpa e cause prejuízo ao cliente, estando verificados os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, a ilicitude da conduta, a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade…”.
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Alega finalmente a recorrente, que do montante limite de indemnização sempre deverá ser descontada a franquia geral contratada, no montante de € 5.000,00, cujo montante e valor nem sequer foi impugnado especificadamente pelas partes, ficando o mesmo a cargo exclusivo da segurada, e pelo qual a seguradora não poderá ser responsabilizada. Mas mais uma vez sem razão, pois também aqui subscrevemos o que ficou a constar da sentença recorrida, de que foi “…contratualmente clausulada a inoponibilidade da mesma a terceiros lesados, como é o caso da A. Por outro lado, a grande maioria da jurisprudência, no âmbito dos seguros obrigatórios, como é o caso do seguro em causa nos autos, convocando os arts. 138º, n º 2 e 146º, n º 2, do RJCS, vem entendendo que, a cláusula de franquia é inoponível aos lesados (Acs. da R.P. de 11-10-2017, da RL de 12-05-2022, do STJ de 17-10-2019 e 17-11-2020; assim como Romano Martinez e outros, na Lei do Contrato de Seguro Anotada, 3ª ed., pag. 254). Assim, está a seguradora obrigada a pagara à A. a quantia de € 41.873,22…”. Improcede, assim, na totalidade a Apelação.
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IV- DECISÃO:
Por todo o exposto, Julga-se improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pela recorrente (art.º 527º nº1 e 2 do CPC).
Notifique e D.N.
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Guimarães, 2.4.2025
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Luís Miguel Martins
2ª Adjunta: Sandra Melo