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ARRENDAMENTO
OBRAS DA RESPONSABILIDADE DO SENHORIO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO
REDUÇÃO DA RENDA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
1- O locador tem a obrigação de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada, para os fins a que ela se destina e logo deve fazer obras de conservação e de reparação do locado caso se mostrem necessárias para esse fim (artigos 1031º, al. b), e 1074º do Código Civil). 2- Se o estado do arrendado, seja do chão, seja do teto, seja das paredes, não corresponder ao inicial e implicar uma diminuição das qualidades da coisa e logo do gozo da mesma, o senhorio tem que o reparar e sofrerá uma redução da renda proporcional a tal diminuição do gozo (risco no entanto que é limitado nos casos em que essa diminuição do gozo não seja imputável ao locador, o que aqui se não verifica, visto que o atraso na reparação – cerca de dois anos – lhe é atribuível).
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães .I- Relatório
Recorrentes: (Réus e interveniente principal espontâneo passivo):AA e BB, por si e ainda na qualidade de titulares da herança aberta por óbito deCC Recorrido (o Autor):DD autos de: ação declarativa de condenação com forma comum
O Autor pediu:
--- a condenação do Réu a efetuar as obras que se mostrem adequadas e necessárias à eliminação dos defeitos que apresenta o locado e que foram denunciados pelo réu desde novembro de 2021 e que privam ou diminuem o gozo integral da casa de habitação arrendada, para os fins a que mesma se destina;
--- a condenação do Réu a pagar ao autor a quantia nunca inferior a 2.864,40€, a título de danos patrimoniais e de 5.000,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais contados até integral pagamento;
--- que seja fixada, em montante nunca inferior a 100,00€ por mês, o valor da redução da renda mensal, até serem realizadas todas as obras necessárias a assegurar ao autor o gozo integral do locado para os fins a que o mesmo se destina.
Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou contrato de arrendamento com os Réus e que sofreu, desde novembro de 2021, de humidades, bolores e inundações no locado, de que logo deu conhecimento ao senhorio para reparação e que esse nada fez, causando danos patrimoniais e não patrimoniais ao Autor, cujo ressarcimento pretende.
Os Réus e Interveniente contestaram, em síntese, impugnando os factos e defendendo a inexistência do direito invocado pelo Autor.
Produzida prova, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, decidindo:
a) Condenar os réus AA e BB, por si e na qualidade de herdeiros da herança indivisa de EE, na realização das obras adequadas e necessárias à eliminação dos defeitos descritos no ponto 45) dos factos provados, relativos ao imóvel descrito em 1);
b) Condenar os réus no pagamento ao autor DD, de uma indemnização no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até integral e efetivo pagamento, e de € 1.000,00 (mil euros) a título de danos não patrimoniais causados, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da sentença em primeira instância, até integral e efetivo pagamento;
c) Fixar em € 100,00 (cem euros) por mês a redução da renda devida pelo autor aos réus, até à conclusão das obras descritas em a);
d) Absolveu os réus do demais peticionado pelo autor.
É contra esta sentença que a Recorrente apela, apresentando as seguintes conclusões:
[…] XLI. No que ao recurso da matéria de direito diz respeito, afigura-se que a decisão sindicada efetuou um cálculo erróneo do valor de diminuição do gozo do locado, de 100 € mensais, que fundou o cômputo da indemnização imposta aos recorrentes – de 2400 €, (100 € por cada um dos 24 meses entre Novembro de 2021 e Outubro/Novembro de 2023) – e bem assim do quantitativo de redução das rendas vincendas, determinado na alínea c) do dispositivo, XLII. O Tribunal a quo suportou o dito cálculo na equidade, o que ofende o disposto no artigo 566º, nº 3 do Código Civil, já que a equidade só pode ser empregue na falta de elementos probatórios, que neste caso existem: foram juntas aos autos a caderneta predial urbana e a planta do imóvel no requerimento probatório dos recorrentes de 19/04/2024 (refª CITIUS 422149), demonstrativas que a fração em apreço tem a área total de 99,10 m2 pelo que, tendo a divisão afetada pelas infiltrações (o “segundo quarto”) a área de 09,70 m2, então a redução/diminuição do gozo do locado que o recorrido terá sofrido correspondeu a 09,79% (09,70m2/ 99,10m2) do arrendado, tendo o recorrido reconhecido que a planta em causa se reporta ao locado – cfr. declarações de parte do autor DD, prestadas na audiência de julgamento de 22/05/2024 (cfr. acta com a refª CITIUS nº ...74) com início pelas 14h18m e termo pelas 15h05m, gravado no sistema informático Habilus Media Studio, concretamente o segmento entre os 00h21m08s e as 00h22m12s, transcrito na motivação. XLIII. O artigo 1040.º, nº 1 do Código Civil impõe uma redução da renda proporcional ao tempo de privação ou diminuição e à extensão desta, pelo que, cifrando-se a renda, aquando das infiltrações, em 400,00 € (cfr. Facto Provado nº 4), a indemnização pela invocada diminuição do gozo não poderia exceder os 39,16 € (trinta e nove euros e dezasseis cêntimos) por cada mês, 09,79% de 400 €, pelo que cumpre reduzir a indemnização por danos patrimoniais emergente da diminuição do gozo do locado para o valor total 939,84 € (novecentos e trinta e nove euros e | 54/55 oitenta e quatro cêntimos), XLIV. E pelas mesmas razões, também se impõe a redução da renda determinada na alínea c) do dispositivo, de 100 € mensais para os ditos 39,16 € por mês, o que igualmente se invoca e requer. XLV. Aliás, nestes casos de cômputo da indemnização pela privação de uso nem como última ratio pode empregar a equidade como critério de cálculo da indemnização para efeitos do artigo 1040º, nº 1 do Código Civil, puramente aritmético – cfr. inter alia do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/05/2006 (Henrique Araújo), processo nº 0620892, disponível em www.dgsi.pt , cujo sumário vai transcrito na motivação. XLVI. Ademais, o recorrido não tem direito à indemnização peticionada pela privação do gozo do segundo quarto do locado, porquanto invocou ter ficado impedido de nele exercer a sua atividade profissional, atividade essa proibida pela lei (artigo 1038º, alínea c) do CC) e pelo contrato (Cláusula Quarta), porquanto o autor só pode utilizar o locado para fim habitacional, pelo que uma utilização, em rigor, ilícita, não pode merecer a tutela do Direito. XLVII. Aliás, a referida indemnização é incongruente com o Ponto 57 dos Factos Provados, já que visa reparar o dano imanente da diminuição da possibilidade de trabalhar no locado, quando deu como provado que ele exerce a sua atividade noutro local. XLVIII. Flui (i) da impugnação da matéria fáctica que as infiltrações impediram o gozo do segundo quarto nas 15 datas enunciadas em 16º da motivação, (ii) do Facto Provado nº 55 que essas infiltrações são imputáveis à fração do ... andar, pelo que a diminuição do gozo do locado nunca seria imputável às partes e não excedeu um sexto do prazo deste contrato de arrendamento, pelo que a condenação dos recorrentes em indemnização ofende o artigo 1040º, nº 2 do Código Civil. XLIX. Ademais, tendo em conta que “Relativamente ao chão, pese embora, actualmente, o mesmo não impeça o uso do quarto” (pág. 31 da sentença) e sendo a renda a contraprestação devida pelo gozo do locado, então a condenação na redução das rendas vincendas afeta, injustificadamente, o equilíbrio contratual (artigos 406º, nº 1, 1022º, 1038º, alínea a) e 1040º, nºs 1 e 2, do Código Civil). Finalmente, em virtude de tudo o quanto antecede e da matéria Não Provada das alíneas l), m) e p), afigura-se exagerada a compensação por danos morais, cuja redução, à cautela, se requer. L. Em síntese, no modesto entender dos impetrantes a sentença recorrida, para além do erro de julgamento na matéria fáctica evocado em I a XL, violou, quanto ao direito, e entre outras, as normas dos artigos 342º, nº1 e 3, 406º, nº 1, 496º, 566º, nº3, 1038º, alínea a), 1040º, nºs 1 e 2, todos do Código Civil e do artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, razões pelas quais deve ser revogada por esta Relação. Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, dando provimento ao presente recurso e revogando a sentença revidenda no sentido acima exposto, fará, pois, esta Relação a habitual e necessária JUSTIÇA! “ II- Questões a apreciar
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.
Face ao alegado nas conclusões das alegações, são os seguintes os temas que cumpre examinar:
- se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;
- se há que alterar a matéria de facto provada no sentido pretendido e em caso afirmativo apurar as suas consequências na aplicação do Direito
.III- Fundamentação de Facto
Segue o elenco da matéria de facto provada e não provada a considerar, indicando-se os factos selecionados na sentença, com as alterações efetuadas na sequência da decisão da impugnação da matéria de facto, assinaladas:
Factos provados
Da instrução e discussão da causa, julgou-se provada a seguinte factualidade:
1. No dia 18 de Agosto de 2020, autor, enquanto segundo outorgante, e réu, AA, na qualidade de cabeça-de-casal Herança Indivisa de CC, enquanto primeiro outorgante, subscreveram um acordo escrito que denominaram de “contrato de arrendamento de prazo certo”, tendo por objeto a fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ... do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...04... e com licença emitida em ../../2012, pela Câmara Municipal ...;
2. Nos termos da cláusula primeira do acordo descrito em 1), estabeleceram as partes que o prazo de duração do arrendamento é de 3 anos, com início em 01.09.2020 e termo a 31.08.2023, renovando-se sucessivamente por iguais períodos, se não for previamente denunciado por qualquer uma das partes;
3. Até ao momento não foi denunciado;
4. Nos termos da cláusula segunda do acordo descrito em 1), foi decidido que a renda anual é de € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros), a pagar mensalmente em duodécimos de € 400,00 (quatrocentos euros), ao senhorio ou representante legal, ou através de transferência bancária a efetuar para o IBAN ...90 até ao dia 8 do mês anterior a que respeitar;
5. O que o Autor vem fazendo, tendo, na data da assinatura do acordo descrito em 1), entregue ao Réu a quantia de € 800,00 (oitocentos euros), correspondente ao valor dos meses de Setembro e Outubro de 2020;
6. Ficou também ficado convencionado na cláusula terceira, que a renda seria «atualizada anualmente, de harmonia com os fatores de atualização aplicáveis aos arrendamentos para habitação, a partir do segundo ano de vigência do contrato, ficando o primeiro outorgante com a obrigação de a comunicar ao segundo outorgante através de carta registada com aviso de receção, enviada com pelo menos 30 (trinta) dias de antecedência, a qual indicará o valor da nova renda e o coeficiente aplicável»;
7. Pelo que, em 2023 a renda passou para € 408,00 e, em 2024 para € 436,31;
8. O Autor tem pago a renda atualizada;
9. O imóvel objeto do acordo descrito em 1) é da tipologia T2, destina-se à habitação do Autor e inclui ainda a garagem sita na cave do Fração ..., conforme cláusulas quatro e cinco do referido acordo;
10. E foi igualmente declarado pelos outorgantes, conforme cláusula sexta, que o imóvel se encontrava no seguinte estado:
“a) Teto s: Em bom estado;
b) Pavimentos: Em bom estado;
c) Paredes: Em bom estado;
d) Móveis e equipamentos de cozinha (forno, placa e frigorífico): Em bom estado; e) Louças e acessórios sanitários: Em bom estado”;
11. Ficou também estipulado, na cláusula oitava, que o locado deveria ser entregue pelo segundo outorgante ao primeiro outorgante, findo o contrato, em bom estado de conservação e conforme o descrito na cláusula sexta, designadamente as instalações e canalizações de água, luz, aquecimento, esgotos e respectivos acessórios, as instalações (cláusula oitava);
12. O que o Autor também vem fazendo;
13. Ressalvando-se, na parte final desta cláusula oitava, «o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização»;
14. No início do mês de Novembro de 2021 o Autor informou a representante do senhorio – a empresa EMP01..., Lda.- onde, inclusivamente, tinha sido assinado o acordo descrito em 1) - que nas paredes interiores do locado, em particular num dos quartos, estavam a aparecer manchas negras de humidade;
15. Como nada foi feito para resolver este assunto, nem sequer o senhorio ou a EMP01... apareceram no local arrendado para verificar a situação;
16. No dia ../../2021 o Autor, por mensagem, reportou novamente o problema, juntando fotografias onde se pode ver que o teto e as paredes apresentam sinais de muita humidade, estando até um canto de uma das paredes com o estuque a desfazer-se, mercê de infiltrações e uma inundação, com a água a correr, pelo chão;
17. Mais uma vez, o senhorio nada fez;
18. O Autor não podia permanecer, muito tempo, no quarto mais afetado (um dos quartos de dormir onde este, que é programador informático, colocara uma secretária, computador, monitores, cabos e demais equipamento, para exercer a sua profissão remotamente) com a humidade e o cheiro a mofo;
19. A situação agravou-se e, após quase um ano:
20. O Autor comunicou: no dia 10.08.2022, a inundação que ocorria no quarto de dormir, anexando fotografia; no dia 12.08.2022, mais infiltrações, anexando fotografia ilustrando a água a sair pela caixilharia de uma janela, danificando a parede e também o estore elétrico; no dia 18.08.2022, nova inundação no apartamento, paredes com humidade, devido às infiltrações de água a pintura a descascar e o estuque a desfazer-se, anexando fotografias; no dia 09.10.2022, que o chão do apartamento estava outra vez alagado;
21. O Autor continuava sem poder utilizar o segundo quarto e teve de mudar a sua secretária de trabalho e demais equipamento informático, para a sala comum (de jantar e de estar), atento o risco de, a qualquer momento, haver uma inundação e ficar completamente destruído e/ou inutilizado;
22. O Autor, tentando diminuir a humidade do apartamento, combater os danos que as infiltrações estavam a causar - no locado (teto , paredes, chão…), nos seus móveis, equipamentos eletrónicos, roupas, etc. -, eliminar o bolor e o profundo cheiro a mofo que estava impregnado na sua casa de habitação, comprou um desumidificador;
23. O robot aspirador do autor, que estava a funcionar, avariou, automaticamente, num quarto que ficara, repentinamente, com o chão cheio de água;
24. O autor mandou reparar o robot aspirador;
25. O descrito em 14) a 20) não só se manteve, como se foi agravando, pelo que;
26. O Autor participou:
- no dia 11.08.2023, nova inundação, anexando fotografias onde se pode ver a água a correr, pelo chão fora e pelas paredes, já com buracos no reboco e estuque; - no dia 13.07.2023, mais uma inundação no apartamento, anexando fotografia registando o chão de um quarto alagado;
- no dia 16.08.2023, outra inundação, anexando fotografia onde se pode ver a água a correr pelo chão e o desumidificador;
- no dia 17.08.2023, nova inundação no apartamento, anexando fotografia;
- no dia 19.08.2023 mais outra inundação, anexando fotografias da água a correr pelo chão e por uma das paredes;
- no dia 20.08.2023, mais uma inundação, anexando fotografia;
- no dia 21.08.2023, mais outra inundação no apartamento, anexando fotografias a registar a água a correr pelo chão e pela parede, já com buracos maiores no reboco e estuque e a madeiro dos rodapés escura, com a humidade;
- no dia 22.08.2023, nova inundação, anexando fotografia do chão alagado, da parede e dos rodapés com manchas negras de humidade;
- no dia 28.08.2023, mais uma inundação no apartamento, anexando fotografia onde se pode ver a água no chão e os rodapés mais escuros, a apodrecer com a humidade;
27. Nada foi feito, nem pelo senhorio nem pela sua representante;
28. Revoltado com a inércia do senhorio que não reparava as desconformidades na casa de habitação arrendada ao Autor, que este vinha denunciando ao longo de 2 anos (desde 2021);
29. E inconformado o autor decidiu não pagar a renda enquanto o réu não resolvesse as inundações, humidade, bolor e cheiro a mofo no apartamento arrendado;
30. No mês de Setembro de 2023, o Autor não pagou a renda;
31. No dia 02.10.2023 apareceu na casa de habitação arrendada ao Autor um senhor que disse ser perito, que tirou fotografias aos quartos;
32. Porém o Autor não recebeu qualquer explicação e nada foi feito para eliminar as desconformidades no apartamento arrendado, denunciadas desde 2021, até aos momentos referidos no ponto 43 (redação alterada infra. Anteriormente lia-se: “Porém o Autor não recebeu qualquer explicação e nada foi feito para eliminar as desconformidades no apartamento arrendado, denunciadas desde 2021)
33. No mês de Outubro de 2023, o Autor não pagou a renda;
34. No dia 10.10.2023 apareceram na casa de habitação arrendada ao Autor a Dª FF, da empresa EMP01..., acompanhada de um pintor que esteve a ver o que se passava e lhe afirmou que, para conseguir «fazer bem a obra», a parede teria de ser “toda picada” (isto é, remover todo o estuque velho), rebocar novamente e, depois de seco, pintar;
35. A Dª FF comunicou-lhe que reparar o estore danificado e, posteriormente iriam pintar os dois quartos com sinais de humidade;
36. Contudo, não voltaram a aparecer até ao momento referido no ponto 43 da matéria de facto provada (redação alterada infra. Anteriormente lia-se: “Contudo, não voltaram a aparecer”)
37. Indignado com a atitude omissiva do réu, que mesmo assim, exigia ao arrendatário a atualização da renda;
38. Bem assim com a circunstância de, no dia 08.11.2023, ter aparecido um trabalhador apenas para reparar o estore avariado;
39. No mês de Novembro de 2023, o Autor não pagou a renda;
40. E, no dia 13.11.2023, o Autor enviou uma carta ao Réu, senhorio, onde reforçava tudo o que, até então, tinha acontecido, apresentava fotografias, explicava que estava «desde o dia ../../2021 sem utilizar esse quarto e sem poder ter nada dentro com o risco de se estragar» e pedia-lhe «a sua melhor atenção para o caso»;
41. A resposta do senhorio foi a carta do seu advogado, exigindo o pagamento das rendas em atraso – respeitantes a 3 meses de incumprimento, por parte do inquilino, das suas obrigações contratuais – acrescidas da indemnização de 20%, no prazo de oito dias, advertindo-o ainda que «a falta do pagamento, no prazo estipulado, importará o recurso ao Tribunal para obter o despejo do imóvel e cobrança da dívida»;
42. O Autor pensou que se pagasse, o réu eliminava, de uma vez por todas, os defeitos no pavimento, paredes e teto do locado e ele podia, finalmente, usar todo o apartamento e, por isso, acedeu a pagar a quantia reclamada de € 1.468,80, o que fez, mediante transferência bancária para o Réu, no dia 21.11.2023;
43. No dia 24.11.2023 o pintor iniciou a reparação das paredes – lixou e colocou uma massa nas imperfeições – e, no final, esclareceu que quando a massa secasse vinha pintar, o que foi efetuado no dia 27.11.2023, quando vieram dois pintores e pintaram os dois quartos;
44. E nada mais foi feito;
45. No entanto, o apartamento continua a apresentar, em particular um dos quartos:
- as paredes ainda têm manchas negras de humidade;
- o soalho, em madeira não foi intervencionado, está levantado;
- o bolor voltou a aparecer e cheiro a mofo persiste;
46. O autor não pode usar o quarto que destinou ao seu local de trabalho (faz muito teletrabalho) e onde podia dormir, sem incomodar a sua companheira, nas ocasiões em que ficava a trabalhar até mais tarde e que só utilizou, para tal, entre setembro de 2020 (data do início do contrato) até novembro de 2021 (data em que denunciou o aparecimento das humidades e as inundações);
47. Tendo sido obrigado, nessa altura, a retirar dali todo o seu equipamento informático e a ter de trabalhar na sala comum;
48. O que ele sempre quis evitar e, por isso, arrendara um T2;
49. O Autor vive, há mais de dois anos, em enorme aflição por ter de estar sempre a verificar se ocorrem inundações no apartamento, e, quando isso acontece, ter de limpar, o mais rápido que pode, a água, para evitar que ela se espalhe pelo chão da/s divisão/ões, danificando materiais e objetos da sua casa de habitação;
50. Com as inundações (imprevistas), a humidade e soalho inchado e levantado, o autor viu-se obrigado a retirar dali todo o seu equipamento informático de trabalho e a colocar, na sala comum, secretária, computador, monitores e outros equipamentos e ainda uma profusão de cabos ligados às tomadas;
51. O que diminui o espaço destinado a atividades de convívio e lazer e para tomar as refeições, condiciona os períodos de ócio, se o autor ali estiver a trabalhar e dá a imagem de desarrumação permanente;
52. O Autor sente-se muito revoltado e indignado por os defeitos denunciados não terem sido resolvidos durante mais de dois anos;
53. Tendo a humidade, as infiltrações e as inundações levado à diminuição da qualidade do ar interior e à degradação da qualidade de vida oferecida pela habitação, enquanto lar de uma família (constituída pelo Autor e pela sua companheira) trabalhadora;
54. Tudo comprometendo a saúde e o seu bem-estar psíquico do Autor, e mesmo da sua companheira;
55. O tubo do esgoto da máquina de lavar roupa da fração do ... andar tinha uma pequena rachadela: a água saía desse tubo, localizado por cima do teto da fração do ... andar, descia por detrás da parede até ao arrendado, sito no ...;
56. A sociedade “EMP02... – Unipessoal, Lda.”, NIPC ...11, é detida a 100% e gerida pelo próprio autor;
57. A referida sociedade “EMP02... – Unipessoal, Lda.” tem sede na Rua ..., ... ..., que constitui o domicílio profissional do autor.;
Factos não provados:
B - FACTOS NÃO PROVADOS
Dos relevantes para a decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:
a) Que o autor e a sua companheira tenham sentido problemas respiratórios;
b) Que o autor tenha posto o desumificador a funcionar todos os dias e o máximo de tempo possível, o que aumentou o seu consumo da eletricidade;
c) Que a reparação do aspirador automático do autor lhe tenha custado € 274,50;
d) Que o desumidificador que lhe tenha custado € 189,90;
e) Que no dia 07.08.2023 se tenha deslocado à casa de habitação do Autor um senhor que disse ser perito e chamar-se GG, que tirou fotografias às dependências, mediu o nível de humidade no chão, nas paredes e no teto e saiu;
f) Que nem o senhorio, nem a EMP01..., tenham avisado o Autor de que ele iria receber aquela visita ou sequer lhe disseram quem o mandara ao locado e nenhum dos dois o tenha informado do resultado da diligência;
g) Que no dia 02.10.2023, sem qualquer aviso prévio, tenham aparecido na casa de habitação arrendada ao Autor a Dª FF, da empresa EMP01..., o representante do senhorio, o Sr. HH, da empresa EMP03..., Lda.;
h) Que aquando o descrito em 31), o perito tenha tirado fotografias ao robot aspirador que tinha avariado e lhe tenha pedido para enviar, por email, para a citada EMP03..., o contrato de arrendamento, um comprovativo de IBAN e a fatura da reparação, o que aquele fez, imediatamente;
i) Que aquando o descrito em 35), a D. FF tenha comunicado ao autor que iriam mudar o chão da divisão mais afetada;
j) Que a carta descrita em 40) tenha sido registada;
k) Que no dia 23.11.2023, novamente sem o avisarem, se tenham deslocado ao apartamento arrendado ao Autor, o Sr. II (da empresa EMP04...) e pintor que já lá havia estado no dia 10.10.2023 e que agora lhe disse que iria somente lixar a parede e pintar;
l) Que as manchas negras de humidade vão aumentando de dia para dia, que o soalho esteja inchado e constitua uma base muito instável para móveis e/ou equipamentos e os rodapés estejam pretos, da humidade;
m) Que ao longo destes dois anos (de 2021 a 2023), o Autor se tenha sentido envergonhado com o estado em que se encontrava a sua casa de morada de família, com paredes com o estuque a desfazer-se e manchas negras de humidade, bolor e cheiro a mofo, em consequência das infiltrações e das inundações frequentes e, por isso, tenha evitado visitas e convívios com amigos e familiares no seu apartamento, o que lhe causou grande angústia e tristeza;
n) Que o Autor tenha sentido e continue a sentir, um profundo desgosto por não poder utilizar o segundo quarto do locado como seu local de teletrabalho e onde podia dormir, sem incomodar a sua companheira, nas ocasiões em que trabalha até mais tarde;
p) Que o descrito em 54) tenha afetado a saúde e bem-estar físico do autor:
q) Que não se tenham verificado inundações, mas meras infiltrações, pontuais e circunscritas, quando muito, às seguintes quinze datas:
- Um dia no ano de 2021: 22 de novembro de 2022;
- Quatro dias no ano de 2022: dias 10, 12 e 18 de agosto e 09 de outubro de 2022;
- Dez dias no ano de 2023: dias 13 de Julho, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 28 de Agosto de 2023;
r) Que as infiltrações tenham ocorrido quando a proprietária da fração sita no ... do prédio, por cima do locado, que está emigrada em ..., quando se encontrava no seu apartamento (o que acontecia esporadicamente) ligava a máquina de lavar roupa;
s) Que a água que saía do tubo do esgoto não fosse mais de um litro;
t) Que a simples limpeza/secagem do chão permitisse, como permitiu, o uso daquela divisão no próprio dia;
u) Que a causa da infiltração tenha sido identificada e sanada, já que o dito tubo de esgoto da máquina de lavar foi consertado no dia 27 de Setembro de 2023;
v) Que a “EMP01... – Sociedade de Construções e Imobiliária, Lda.”, tenha tratado de fazer todas as reparações na fração arrendada.
IV- Fundamentação de Direito
Verificam-se suficientemente cumpridos todos os requisitos impostos para a apreciação da impugnação da matéria de facto, previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, pelo que é desnecessário debruçarmo-nos sobre os mesmos.
Apresentar-se-á a um breve elenco dos critérios a utilizar para a decisão sobre a matéria de facto e após entraremos de imediato na análise de cada um dos pontos da matéria de facto impugnados.
Dos critérios para a apreciação da impugnação da matéria de facto
Na reapreciação dos meios de prova deve-se assegurar o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância -, efetuando-se uma análise crítica das provas produzidas.
É á luz desta ideia que deve ser lido o disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil, o qual exige que a Relação faça nova apreciação da matéria de facto impugnada.
Como explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2012 no processo 649/04.2TBPDL.L1.S1, (sendo este e todos os acórdãos citados sem menção de fonte consultados no portal www.dgsi.pt) “A reapreciação das provas que a lei impõe ao Tribunal da Relação no art. 712.º, n.º 2, do CPC, quando haja impugnação da matéria de facto que haja sido registada, implica que o tribunal de recurso, ponderando as razões de facto expostas pelos recorrentes em confronto com as razões de facto consideradas na decisão, forme a sua prudente convicção que pode coincidir ou não com a convicção do tribunal recorrido (art. 655.º, n.º 1, do CPC). A reapreciação da prova não se reduz a um controlo formal sobre a forma como o Tribunal de 1.ª instância justificou a sua convicção sobre as provas que livremente apreciou, evidenciada pelos termos em que está elaborada a motivação das respostas sobre a matéria de facto.”
Assim, visto que vigora também neste tribunal o princípio da livre apreciação da prova, há que mencionar que esta não se confunde com a íntima convicção do julgador.
A mesma impõe uma análise racional e fundamentada dos elementos probatórios produzidos, estribando-se em critérios de razoabilidade e sensatez, recorrendo às regras da experiência e aos parâmetros do homem médio.
A formação da convicção não se funda na certeza absoluta quanto à ocorrência ou não ocorrência de um facto, em regra impossível de alcançar, por ser sempre possível equacionar acontecimento, mesmo que muito improvável, que ponha em causa tal asserção, havendo sempre a possibilidade de duvidar de qualquer facto.
É obvio que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”, como explica Vaz Serra in Provas – Direito Probatório Material”, in BMJ 110/82 e 171.
“Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz – meio da apreensão e não critério da apreensão – a ideia de que mais do que ser possível (pois não é por haver a possibilidade de um facto ter ocorrido que se segue que ele ocorreu necessariamente) e verosímil (porque podem sempre ocorrer factos inverosímeis), o facto possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.” cf. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2014 no processo 1040/12.2TBLSD-C.P1.
A convicção do julgador é obtida em concreto, face a toda a prova produzida, com recurso ao bom senso, às regras da experiência, quer da vida real, quer da vida judiciária, à diferente credibilidade de cada elemento de prova, à procura das razões que conduziram à omissão de apresentação de determinados elementos que a parte poderia apresentar com facilidade, a dificuldade na apreciação da prova por declarações e a fragilidade deste meio de prova.
Igualmente importa a “acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da ação.” (mesmo Acórdão).
Concretização
Ouvida a prova, conclui-se que as ocorrências no arrendado, com o sucessivo aparecimento de água a cobrir parte do chão do apartamento, as suas consequências na salubridade do local e nos materiais que compõem os seus tetos, paredes e chão e na impossibilidade de dar uso à divisão que mais sofria com essa situação, pelo perigo inerente ao uso de material elétrico exigido pelo normal uso de um quarto ou escritório, foram descritos de forma espontânea pelo Autor, a qual teve confirmação nas fotografias e mensagens juntas aos autos, no depoimento de JJ e KK, bem como inspeção judicial ao local. Estas declarações e depoimentos mostraram-se em consonância com a prova documental apresentada e coerentes entre si, foram prestadas de forma que nos pareceu honesta e sincera, tudo levando a que se lhes desse credibilidade.
Tendo em conta a extensão e modo como foi efetuada a impugnação da matéria de facto provada e não provada analisar-se-ão os argumentos apresentados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto provada sequencialmente, mas, para evitar muitas repetições, far-se-ão algumas considerações mais gerais antes de entrar no exame circunstanciado.
Os Recorrentes afirmam que “não se provou a diminuição do gozo do locado durante o período entre os meses de Novembro de 2021 e Outubro/Novembro de 2023, mas só a diminuição do gozo do locado nas datas em que as infiltrações aconteceram, isto é, nos quinze dias adiante indicados”, esquecendo-se que as inundações, infiltrações, excessos de humidade de uma habitação podem causar e causaram problemas duradoiros que se prolongam no tempo e têm tendência a agravar-se se não forem reparados, visto que a água em excesso entra nos materiais e não desaparece de um dia para o outro, criando, além disso, fungos, mofos, empolamentos e esboroamentos que também têm tendência para aumentar se e enquanto não forem restaurados. Assim, não é possível reduzir os problemas do arrendado aos dias em que teriam ocorrido os visíveis corrimentos de água pelas paredes e chão, visto que este excesso de água numa habitação tem efeitos duradoiros.
Os Recorrentes entendem que não se provou que ocorreram inundações e o apartamento ficou alagado, pressupondo que a água vinha de um local que não escoava mais de 5 litros de água. No entanto, não se tem por provado que a água proviesse de uma máquina de lavar roupa e que fosse nessa quantidade, como se verá.
Defendem que em toda a matéria de facto provada se deve trocar a expressão “inundação” por “infiltração”, considerando que a primeira é excessiva. Ora, entendemos por inundação a cobertura temporária por água do chão, piso ou solo, que normalmente não seria coberta por esta, e que basta que a água tenha escorrido para o chão e o tenha coberto, mesmo que parcialmente, para podermos falar de inundação. As fotografias demonstram esta situação, pelo que não se procede a tal alteração.
Defendem ainda que a sentença afirma que a habitação está apta a ser utilizada, mas na mesma escreveu-se, entre o mais: “No entanto, o apartamento continua a apresentar, em particular um dos quartos, pois as paredes ainda têm manchas negras de humidade, o soalho, em madeira não foi intervencionado, está levantado e o bolor voltou a aparecer e cheiro a mofo persiste.” Assim também por aqui se não subscreve o entendimento das alegações, sendo excessivo, face ao estado em que foi arrendado o imóvel, como as partes fizeram questão de descrever no contrato, dizer-se que um quarto que apresenta manchas negras de humidade, soalho a levantar, bolor e cheiro a mofo não precisa de ser intervencionado para poder ser utilizado com a salubridade normal.
Referem que as expressões “inundação”, “eliminar o bolor e profundo cheiro a mofo que estava impregnado na sua casa”, “onde se pode ver” e “água a correr pelo chão” são valorativas. Como vimos a menção a inundações parece-nos correta, sendo que o que se pode ver é factual e a água a correr ou escorrer pelo chão também é factual. A única expressão mais valorativa neste apanhado efetuado pelos Recorrentes seria ao adjetivo “profundo”, mas o mesmo dá ideia da intensidade do cheiro, o que releva. Pelo que se não declaram estes factos como conclusivos.
Entremos na análise das objeções circunstanciada à prova dos concretos pontos que os Recorrentes impugnam.
Ponto 14: º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “No início do mês de novembro de 2021 o Autor informou a representante do senhorio – a empresa EMP01..., Lda.- onde, inclusivamente, tinha sido assinado o acordo descrito em 1) - que nas paredes interiores do locado, em particular num dos quartos, estavam a aparecer manchas negras de humidade”
Os Recorrentes afirmam que este ponto não se devia considerar provado por não ter sido produzida prova quanto ao mesmo. No entanto, do teor da mensagem de 22/11/21, junta como documento 29 com o requerimento de 21-4-2024, decorre explicito que as fotos do estado da parede foram enviadas na sequência de anteriores comunicações da existência das inundações, visto que não faz qualquer outro enquadramento, mas refere: “Na impossibilidade de me encontrar com o seu marido, envio aqui as fotos do estado das paredes no interior e também da zona exterior…”
Assim, esta mensagem, conjugada com as declarações das partes levam a que se conclua que ocorreu uma comunicação antes de 22 de novembro de 2021.
Há que manter este ponto da matéria de facto provada.
Ponto 15 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “Como nada foi feito para resolver este assunto, nem sequer o senhorio ou a EMP01... apareceram no local arrendado para verificar a situação.“
Para dar este ponto como não provado o Recorrente remete para os pontos impugnados 17, 18, 19, 21, 22, 25, 26 e 27.
Como estes se mantiveram, também este se deve manter.
Ponto 16 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “No dia ../../2021 o Autor, por mensagem, reportou novamente o problema, juntando fotografias onde se pode ver que o teto e as paredes apresentam sinais de muita humidade, estando até um canto de uma das paredes com o estuque a desfazer-se, mercê de infiltrações e uma inundação, com a água a correr, pelo chão”
Os Recorrentes afirmam que as fotografias o infirmam, mas carece de razão, porque o facto resulta patente logo nas (duas)s fotografias nº 2 juntas com a petição inicial. A peça de ginásio, que se vê em fotografias e que os Recorrente usam para refutar este facto, tem pés altos e é uma espécie de banco, não um aparelho elétrico. Por outro lado, embora referido múltiplas vezes pelos Recorrentes, não conseguimos vislumbrar qualquer estendal, mas um lençol pendurado em frente ao que parece ser uma janela. Nada infirma o que resulta das primeiras fotografias apresentadas.
Ao invés do que afirmam os Recorrentes, este facto não é conclusivo, mas a descrição de uma situação e de um processo causal, de natureza factual, baseado nos factos verificados e nas regras de experiência comum: é normal que as inundações e infiltrações, mais a mais repetidas, sejam a causa do visível estuque a desfazer-se.
Portanto, há que manter este ponto da matéria de facto provada.
Ponto 17 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “Mais uma vez, o senhorio nada fez”
Este ponto da matéria de facto provada refere-se ao período compreendido entre 22-11-2021 e 10-8-2022, como decorre da sua inserção sistemática. Ora, não consta da prova produzida qualquer elemento de onde se possa deduzir que a senhoria tenha efetuado alguma intervenção no locado neste período, pelo que este facto tem que se manter como não provado.
Ponto 18 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “O Autor não podia permanecer, muito tempo, no quarto mais afetado (um dos quartos de dormir onde este, que é programador informático, colocara uma secretária, computador, monitores, cabos e demais equipamento, para exercer a sua profissão remotamente) com a humidade e o cheiro a mofo”.
Como se diz na sentença: “Ninguém no seu perfeito juízo, deixaria cabos de eletricidade, tomadas e fios de computador naquele chão e junto àquelas paredes donde escorria água…O autor referiu, também, que era frequente ter que passar a esfregona para apanhar a água, ter que abrir as janelas e, para além disso, viu-se na obrigação de adquirir um desumificador.”
Como vimos, estas inundações estão demonstradas, bem como as suas consequências, quer pelas fotografias e mensagens junta, quer pelas declarações do autor e pela prova testemunhal apresentada por este, quer pela inspeção ao local.
Assim, provou-se que a ocorrência de inundações e infiltrações determinou o impedimento de uma normal utilização da divisão da casa na situação em que se encontrava, o que não é posto em casa pela existência de um simples banco de ginásio ou um lençol a tapar uma janela, antes pelo contrário.
Este ponto mostra-se bem sustentado na prova produzida.
Ponto 19 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “A situação agravou-se e, após quase um ano”
Os Recorrentes defendem que o agravamento da situação é infirmado pelo número de vezes, que fixa em 15, em que ocorreram as entradas da água. Ora, a repetição das infiltrações e inundações leva à perda de qualidades das paredes, tetos e chão e é isso que se discute, sendo pelo menos tão relevante as vezes que caíram as águas pela divisão adentro como as suas consequências nas coisas e na estrutura da divisão.
É sabido que a sujeição de pavimentos, paredes e tetos à impregnação de água, sem sujeição a qualquer tratamento, leva com muita frequência um processo de deterioração, com bolores, mofos, esboroamento ou empolamentos de materiais, que a mera passagem do tempo agrava.
Assim, não procedem os argumentos apresentados pelos Recorrentes para que se dê este facto como não provado.
Ponto 20 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “O Autor comunicou: no dia 10.08.2022, a inundação que ocorria no quarto de dormir, anexando fotografia; no dia 12.08.2022, mais infiltrações, anexando fotografia ilustrando a água a sair pela caixilharia de uma janela, danificando a parede e também o estore eléctrico; no dia 18.08.2022, nova inundação no apartamento, paredes com humidade, devido às infiltrações de água a pintura a descascar e o estuque a desfazer-se, anexando fotografias; no dia 09.10.2022, que o chão do apartamento estava outra vez alagado”
Os Recorrentes pretendem que se não provaram inundações e alagamentos, mas vendo-se o chão parcialmente coberto de água, entende-se que cabe este termo no caso, como vimos.
Ponto 21 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “O Autor continuava sem poder utilizar o segundo quarto e teve de mudar a sua secretária de trabalho e demais equipamento informático, para a sala comum (de jantar e de estar), atento o risco de, a qualquer momento, haver uma inundação e ficar completamente destruído e/ou inutilizado.”
Para se dar como não provado este facto invocam os Recorrentes que o Autor instalou um estendal e um aparelho de ginástica no quarto, mas tal não resulta das fotografias: apenas se vê as pernas de um banco para ginásio e um lençol pendurado no que parece ser a janela.
Também não se considera conclusiva a inclusão da matéria de facto das razões que levaram o Autor a mudar a sua secretária de trabalho e o demais equipamento informático dessa divisão: a motivação de um comportamento é de natureza factual, embora do foro psicológico.
Ponto 22 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “O Autor, tentando diminuir a humidade do apartamento, combater os danos que as infiltrações estavam a causar - no locado (teto , paredes, chão…), nos seus móveis, equipamentos electrónicos, roupas, etc. -, eliminar o bolor e o profundo cheiro a mofo que estava impregnado na sua casa de habitação, comprou um desumidificador”.
Entendem os Recorrentes que se não provou o bolor e o cheiro a mofo, mas este foi suficientemente referido pelas testemunhas JJ, KK e pelo próprio Autor, sendo uma consequência natural do estado do apartamento retratado nas fotografias e as manchas de humidade e bolor/fungos que são mencionados pelo tribunal de 1ª instância que se deslocou ao local.
Não se vê qualquer incompatibilidade entre o cheiro a mofo e bolor e a necessidade de retirar os móveis da divisão onde ocorriam as inundações.
Improcedem, pois, as razões apresentadas pelos Recorrentes para obviar à prova deste facto.
Ponto 23 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “O robot aspirador do autor, que estava a funcionar, avariou, automaticamente, num quarto que ficara, repentinamente, com o chão cheio de água”
Os Recorrentes entendem que se não provou o nexo causal. Entende-se que é da experiência comum que um aspirador robot que não esteja preparado para a aspiração de água quando entre em contacto com um chão cheio de água avarie, sem necessidade de efetuar peritagem para comprovar este nexo causal: a água avaria a maior parte do material elétrico.
Mantém-se este facto como provado, não obstante as objeções do Recorrente.
Ponto 25 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “O descrito em 14) a 20) não só se manteve, como se foi agravando”.
Tendo em conta que ocorreram mais inundações nos dias no dia 11.08.2023, no dia 13.08.2023, no dia 16.08.2023, no dia 17.08.2023, no dia 19.08.2023; no dia 20.08.2023; no dia 21.08.2023, no dia 22.08.2023, no dia 28.08.2023, dúvidas não há que a situação se agravou.
Ponto 26 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “O Autor participou: - no dia 11.08.2023, nova inundação, anexando fotografias onde se pode ver a água a correr, pelo chão fora e pelas paredes, já com buracos no reboco e estuque; - no dia 13.07.2023, mais uma inundação no apartamento, anexando fotografia registando o chão de um quarto alagado; -no dia 16.08.2023, outra inundação, anexando fotografia onde se pode ver a água a correr pelo chão e o desumidificador; -no dia 17.08.2023, nova inundação no apartamento, anexando fotografia; -no dia 19.08.2023 mais outra inundação, anexando fotografias da água a correr pelo chão e por uma das paredes; - no dia 20.08.2023, mais uma inundação, anexando fotografia; - no dia 21.08.2023, mais outra inundação no apartamento, anexando fotografias a registar a água a correr pelo chão e pela parede, já com buracos maiores no reboco e estuque e a madeiro dos rodapés escura, com a humidade; - no dia 22.08.2023, nova inundação, anexando fotografia do chão alagado, da parede e dos rodapés com manchas negras de humidade; - no dia 28.08.2023, mais uma inundação no apartamento, anexando fotografia onde se pode ver a água no chão e os rodapés mais escuros, a apodrecer com a humidade”
Os Recorrentes a este ponto da matéria de facto apenas rebatem matéria de semântica, pondo em causa que a quantidade de água que entrava no apartamento arrendado se pudesse denominar inundações, mas já vimos que sim e afirma que a referência à cor mais escura e apodrecida do chão e rodapé é matéria conclusiva, mas a constatação de uma cor é um facto, bem o que conduziu à sua alteração.
Não se dá procedência aos motivos apresentados para a alteração da matéria de facto provada.
Ponto 27 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “Nada foi feito, nem pelo senhorio nem pela sua representante”
Para obstar à prova deste facto os Recorrentes escrevem: “O Facto Provado 27 deve ser considerado não provado como consequência lógica da impugnação feita à matéria que antecede, dado que, inexistindo a impossibilidade de uso do segundo quarto, não se poder levar aos Factos Provados a matéria constante deste ponto.”
Como vimos, considera-se demonstrada a impossibilidade de uso desse quarto, onde a água caia em tal quantidade que inundava o chão. Assim, improcede o argumento trazido pelos Recorrentes para a eliminação deste facto provado.
Pontos 28º, 29º, 37º, 42 º da matéria de facto provada
Têm o seguinte teor: “28. Revoltado com a inércia do senhorio que não reparava as desconformidades na casa de habitação arrendada ao Autor, que este vinha denunciando ao longo de 2 anos (desde 2021); 29.E inconformado o autor decidiu não pagar a renda enquanto o réu não resolvesse as inundações, humidade, bolor e cheiro a mofo no apartamento arrendado”; 37: “Indignado com a atitude omissiva do réu, que mesmo assim, exigia ao arrendatário a actualização da renda” e 42 “O Autor pensou que se pagasse, o réu eliminava, de uma vez por todas, os defeitos no pavimento, paredes e teto do locado e ele podia, finalmente, usar todo o apartamento e, por isso, acedeu a pagar a quantia reclamada de € 1.468,80, o que fez, mediante transferência bancária para o Réu, no dia 21.11.2023”
Como já dissemos supra, as motivações dos atos, o conhecimento de factos, a vontade e as emoções sentidas pelas pessoas, são factos, embora de natureza psicológica, pelo que não procede a objeção apresentada pelos Recorrentes: que constituem matéria conclusiva. Ao invés do referido pelos Recorrentes, depreende-se do discurso do Autor que este se sentiu revoltado e indignado com a inércia do senhorio, que continua a exigir o pagamento integral da renda, sendo matéria confessória o não pagamento das rendas e naturais as razões que o levaram a retomar os pagamentos.
Ponto 32º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “Porém o Autor não recebeu qualquer explicação e nada foi feito para eliminar as desconformidades no apartamento arrendado, denunciadas desde 2021”
Neste ponto da matéria de facto provada não se referem os factos necessários para a reparação do prédio, factos que os Recorrentes pretendem que se tenham em conta, no que toca ao apartamento dois andares acima do arrendado. O que se afirma é que nada foi comunicado ao autor e que não foi efetuada qualquer intervenção no interior do apartamento arrendado. É certo que este ponto da matéria de facto provada tem que ser integrada com o teor do ponto 43, onde se afirma que se iniciaram arranjos no seu interior em 24.11.2023.
Assim, por razões de rigor há que colocar essa menção no próprio ponto da matéria de facto provada, que passará a ter o seguinte teor: “Porém o Autor não recebeu qualquer explicação e nada foi feito para eliminar as desconformidades no apartamento arrendado, denunciadas desde 2021, até aos momentos referidos no ponto 43”.
Ponto 36 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “Contudo, não voltaram a aparecer.”
Resulta da matéria de facto provada que apesar de ter sido efetuado o arranjo do estore (matéria que não foi nessa peça relacionada com as inundações), só em 24-11-2023 se interveio nas consequências das inundações dentro do arrendado (ponto 43).
Assim, há que ler este facto integrado com aquele, podendo fazer-se referência ao provado nesse ponto, para clarificação, dando-se-lhe o seguinte teor: “Contudo, não voltaram a aparecer até ao momento referido no ponto 43 da matéria de facto provada”.
Ponto 40º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “E, no dia 13.11.2023, o Autor enviou uma carta ao Réu, senhorio, onde reforçava tudo o que, até então, tinha acontecido, apresentava fotografias, explicava que estava «desde o dia ../../2021 sem utilizar esse quarto e sem poder ter nada dentro com o risco de se estragar» e pedia-lhe «a sua melhor atenção para o caso»”.
Como nos parece claro, uma divisão de uma casa que sofre com repetidas inundações, não pode ter objetos que se estraguem com a água (o que abrange mais do que material que funciona com eletricidade, como computadores, monitores, candeeiros, mas também mobiliário, colchão, roupa). Acresce que o ambiente de uma casa, mais a mais de um quarto ou escritório, deve ser salubre, por ali se poder passar muitas horas.
Assim, por suportado pela prova produzida e ser conforme às regras do senso comum considera-se que o Autor não podia usar essa divisão, nem lá ter nada, pelo risco de se estragar, improcedendo os argumentos apresentados pelos Recorrentes para a sua alteração.
Ponto 44º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “E nada mais foi feito”.
Não foi apresentado qualquer outra correção ao apartamento. Foi efetuada inspeção judicial ao local, que verificou os seus defeitos. Assim, não há razões para a sua alteração.
Ponto 45 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “No entanto, o apartamento continua a apresentar, em particular um dos quartos: - as paredes ainda têm manchas negras de humidade; - o soalho, em madeira não foi intervencionado, está levantado; - o bolor voltou a aparecer e cheiro a mofo persiste.”
As filmagens efetuadas aquando da inspeção ao local, somado ao referido pelo juiz que a efetuou, quanto ao cheiro, o qual se mostra, além do mais, provável face ao mofo visível no teto, conduzem à manutenção deste facto como provado.
Do facto de já não ser visível o buraco na parede a que se refere a testemunha JJ, não é possível concluir pela inexistência dos demais problemas do arrendado, visíveis nos vídeos.
Por fim, afirmar-se que o problema no chão não impede o uso do quarto não significa que o cheiro a mofo e a cobertura de bolor que no mesmo se observa não o impeça, pelo que a sentença não aponta no sentido pretendido pelos Recorrentes.
Ponto 46º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “O autor não pode usar o quarto que destinou ao seu local de trabalho (faz muito teletrabalho) e onde podia dormir, sem incomodar a sua companheira, nas ocasiões em que ficava a trabalhar até mais tarde e que só utilizou, para tal, entre setembro de 2020 (data do início do contrato) até novembro de 2021.”
Os Recorrentes afirmam que este facto não deve considerar-se provado porquanto entende que o mesmo ter sido sujeito a 15 inundações (ou infiltrações) não impede o seu uso; como vimos não tem razão, visto que tal impedia que a divisão tivessem móveis e aparelhagem elétrica e nele se ficasse por muito tempo. Hoje em dia a utilização normal de qualquer divisão implica a existência de aparelhos elétricos (nem que seja um candeeiro) e mobiliário, os quais se estragam com a água. O conceito de uso que aqui discutimos é um conceito de matiz jurídico, por implicar a análise do uso que um bónus pater familae em regra faz de uma divisão de uma habitação. Discutimos aqui as condições que são consideradas as necessárias para que um arrendatário possa utilizar a divisão com a normal segurança e conforto, tendo em conta, também, o estado em que a mesma foi inicialmente arrendada. E conclui-se que a forte probabilidade de vir a uma inundação iminente, a existência de mofo, humidades, paredes a esboroarem-se e com fungos e bolor é suficiente para se concluir que o quarto não pode ser utilizado, por não poder ser mobilado, nem ser saudável pernoitar ou a permanência em imobilidade por muitas horas nesse local.
Ponto 47º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “Tendo sido obrigado, nessa altura, a retirar dali todo o seu equipamento informático e a ter de trabalhar na sala comum”
Como vimos não é possível ter equipamento informático numa dala que sofre repetidas inundações, pelo que se mantém este facto como provado.
Ponto 48º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “O que ele sempre quis evitar e, por isso, arrendara um T2”
Este facto deprende-se do facto de ter sido arrendado um T2 e das declarações do Autor, reiterando-se que a vontade e conhecimento são factos (psicológicos)
Ponto 49 º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “O Autor vive, há mais de dois anos, em enorme aflição por ter de estar sempre a verificar se ocorrem inundações no apartamento, e, quando isso acontece, ter de limpar, o mais rápido que pode, a água, para evitar que ela se espalhe pelo chão da/s divisão/ões, danificando materiais e objetos da sua casa de habitação”.
Para obstar a que se considere este facto como provado os Recorrentes reiteram um conjunto de argumentos que já analisámos supra (não se estar perante inundações, a divisão poder naturalisticamente ser utilizada) De novo afirma que se o arrendatário teve que retirar o recheio da divisão não podia ter medo que danificasse objetos da divisão. No entanto, a matéria de facto provada refere-se a outras divisões, realçado o normal receio que a água se espalhasse. Improcede a impugnação deste ponto da matéria de facto provada.
Ponto 50º da matéria de facto provada
Tem o seguinte teor: “Com as inundações (imprevistas), a humidade e soalho inchado e levantado, o autor viu-se obrigado a retirar dali todo o seu equipamento informático de trabalho e a colocar, na sala comum, secretária, computador, monitores e outros equipamentos e ainda uma profusão de cabos ligados às tomadas”
Também aqui reitera o argumento das inundações e da existência naturalística do quarto, logo suscetível de uso, assim como a extensão do depoimento da testemunha JJ, já supra afastados.
Como se entende que no presente caso se pode falar de inundações e que do depoimento desta testemunha não se depreende o que pretendem os Recorrentes, mantém-se a matéria de facto provada.
Pontos 51º, 52º, 53º e 54º da matéria de facto provada
Têm o seguinte teor: “51. O que diminui o espaço destinado a actividades de convívio e lazer e para tomar as refeições, condiciona os períodos de ócio, se o autor ali estiver a trabalhar e dá a imagem de desarrumação permanente; 52. O Autor sente-se muito revoltado e indignado por os defeitos denunciados não terem sido resolvidos durante mais de dois anos; 53. Tendo a humidade, as infiltrações e as inundações levado à diminuição da qualidade do ar interior e à degradação da qualidade de vida oferecida pela habitação, enquanto lar de uma família (constituída pelo Autor e pela sua companheira) trabalhadora; 54.Tudo comprometendo a saúde e o seu bem-estar psíquico do Autor, e mesmo da sua companheira”
Estes factos resultam das declarações Autor, a qual teve confirmação nas fotografias e mensagens juntas aos autos, no depoimento de JJ e KK, bem como inspeção judicial ao local. Não se vê aqui qualquer expressão de cariz conclusivo destituída de suporte factual: pode perturbar a saúde física e o bem estar emocional de uma pessoa viver numa habitação com um ambiente húmido e com cheiro a mofo e sem o espaço necessário para guardar as suas coisas e poder estar em privacidade.
Assim, não há que alterar este ponto da matéria de facto provada.
Os Recorrentes também impugnam a matéria de facto não provada, entendendo que deviam ser provado o teor das alíneas q), r), s), t), u) e v). Têm o seguinte teor:” q) Que não se tenham verificado inundações, mas meras infiltrações, pontuais e circunscritas, quando muito, às seguintes quinze datas: -Um dia no ano de 2021: 22 de Novembro de 2022; - Quatro dias no ano de 2022: dias 10, 12 e 18 de agosto e 09 de Outubro de 2022; - Dez dias no ano de 2023: dias 13 de Julho, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 28 de Agosto de 2023; r) Que as infiltrações tenham ocorrido quando a proprietária da fração sita no ... do prédio, por cima do locado, que está emigrada em ..., quando se encontrava no seu apartamento (o que acontecia esporadicamente) ligava a máquina de lavar roupa; s) Que a água que saía do tubo do esgoto não fosse mais de um litro; t) Que a simples limpeza/secagem do chão permitisse, como permitiu, o uso daquela divisão no próprio dia; u) Que a causa da infiltração tenha sido identificada e sanada, já que o dito tubo de esgoto da máquina de lavar foi consertado no dia 27 de Setembro de 2023; v)Que a “EMP01... – Sociedade de Construções e Imobiliária, Lda.”, tenha tratado de fazer todas as reparações na fração arrendada.”
Resulta da prova produzida, mormente do depoimento da testemunha FF, que o Autor não reclamou apenas através de mensagens, mas que utilizou outros métodos para comunicar, como telefonemas. Tal decorre desde logo da mensagem de 22/11/21, como vimos supra. Assim, não se pode dizer que não tenham existido outras inundações que não tenham sido comunicadas por forma não escrita.
Quanto à impossibilidade de culpar o casal de emigrantes pelas inundações, atente-se que entre a sua habitação e a arrendada existe a de um dos Réus e que foi nesta que foram efetuadas as obras. Acresce que os meses de outubro e novembro, datas em que ocorreram inundações, não são meses de normal deslocação de emigrantes a Portugal. Assim, não é possível com um mínimo de segurança aceitar que a causa das inundações estava na máquina de lavar roupa daqueles emigrantes, apesar do tubo de esgoto apresentar uma pequena rachadela. E por isso não é possível reduzir a inundação a um litro de água, até porque os seus efeitos, que se mantêm, o contrariam. Da mesma forma, não pode considerar-se sanada a situação com a mera reparação do tubo, mais a mais sem qualquer intervenção no apartamento danificado, visto que o locado necessita de intervenção para que volte à situação em que foi arrendado.
Como vimos, havendo um conjunto de inundações repetidas numa divisão, deixa de ser possível o seu uso normal, por impossibilidade de lá ter mobiliário e equipamento elétrico. O estado atual do arrendado é sintomático de que o mesmo ainda não beneficiou de todas as reparações necessárias.
Também por aqui improcede a impugnação da matéria de facto provada.
Termos em que se mantem a matéria de facto provada e não provada, com o aditamento apontado supra, consistente na ressalva do que se já se encontrava provado, pelo que em nada se altera o seu sentido.
Aplicação do direito
Dúvidas não há que estamos perante um contrato de arrendamento para habitação. Como é sabido, o locador tem a obrigação de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada, para os fins a que ela se destina, como dispõe o artigo 1031º, al. b), do Código Civil. O senhorio deverá, por isso, assegurar a conservação do prédio, de modo a mantê-lo num estado de preservação idêntico ao da data da celebração do contrato.
Neste âmbito, considera-se o contrato não cumprido se, a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, se o defeito surgir posteriormente à entrega. O arrendatário deve avisar o senhorio dos vícios que descubra de imediato, a fim deste os poder sanar.
O senhorio, portanto, tem que agir para assegurar tal gozo, fazendo as necessárias reparações, independentemente da sua dimensão, quer a sua necessidade resulte de simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou até de facto de terceiro. Incluem-se nesta obrigação as obras de conservação e de reparação do locado, conforme decorre do artigo 1074º do mesmo diploma legal.
Se incumprir essa obrigação é responsável pelo prejuízo que causar ao credor, nos termos gerais previstos nos artigos 562º e 799º do Código Civil.
Assim, o senhorio tinha a obrigação de, após a comunicação de infiltrações, inundações e de ter ocorrido deterioração dos materiais que compõem o arrendado, vir analisar a situação e providenciar pela sua reparação, tempestivamente, não podendo deixar a habitação sem qualquer intervenção, por dois anos. Daqui se concluiu que a fonte da sua responsabilidade civil é a não realização de diligências para a reparação do arrendado, a sua longa omissão, que aliás se mantém, porquanto o locado conserva a necessidade de (outras) reparações, como resulta da matéria de facto provada.
Dispõe o artigo 1040.º do Código Civil: “Se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior.”
Ao invés do que afirma o Recorrente, o artigo 1092º do Código Civil insere no uso residencial do prédio arrendado o exercício de atividade laboral, ainda que tributada.
Por outro lado, um escritório é uma divisão que tradicionalmente existe em habitações com residentes que se dedicam a atividades intelectuais, sendo a atividade intelectual uma das que se insere normalmente no uso privado de uma residência (antigamente a leitura e escrita e hoje o simples uso de um computador e seus acessórios ou de material eletrónico de semelhante natureza, para os mais diversos fins). O facto de essa atividade ser remunerada ou a fonte de rendimentos do arrendatário não altera em nada a sua natureza.
Assim, não se verificam as razões que os Recorrentes apresentam para a redução dos danos, com a ideia que o uso que o Recorrido lhe pretendia dar não tinha tutela legal.
Afirmam ainda os Recorrentes que não compreendem a redução da renda até as obras serem executadas visto que o estado do chão não impede o uso do quarto. No entanto, o restante estado dessa divisão impede o seu uso, por um lado. E por outro, perante o arrendatário, não é imputável ao terceiro o incumprimento da obrigação de reparar o chão, mas ao próprio senhorio.
Assim, sendo certo que o nº 2, do artigo 1040º, do Código Civil, limita a redução da renda nos casos em que a privação ou diminuição do gozo da coisa locada não é imputável ao locador ou seus familiares às situações em que tal restrição do direito do arrendatário ultrapasse um sexto de duração do contrato, não se pode aqui aplicar tal norma, quer porque se não provou que a causa das inundações se deveram ao estrago na máquina de lavar de terceiros, quer porque o atraso nas obras nunca lhes seria imputável.
Como vimos, o senhorio tem a obrigação de fazer as obras de reparação necessárias para manter o arrendado nas condições em que o arrendou (salvas as deteriorações da responsabilidade do arrendatário que sejam devidas a um uso negligente), pelo que não estando, por via das inundações sofridas, o estado no estado em que devia estar, mas com defeitos, tem que o colocar nessa situação.
Há que manter a condenação nessa reparação.
Se o estado do arrendado, seja do chão, seja do teto, seja das paredes, não corresponder ao inicial e implicar uma diminuição das qualidades da coisa e logo do gozo da mesma, o senhorio tem que o reparar e se o não fizer, sofrerá uma redução da renda proporcional a tal diminuição do gozo (risco no entanto que é limitado nos casos em que essa diminuição do gozo não seja imputável ao locador, o que aqui se não verifica, visto que o atraso na reparação – cerca de dois anos – é-lhe necessariamente imputável).
O Recorrente afirma que “os quantitativos indemnizatórios apurado nesta sede, de 2.400,00 € (100 € por cada um dos 24 meses de diminuição do gozo do locado) e de redução das rendas vincendas (de 100 € mensais) são exagerados porque desajustados das características do locado, constantes dos autos, sendo que o quantum da redução foi determinado com recurso a um critério inaplicável ao caso”, recorrendo a critérios aritméticos em que soma a área da garagem à área da zona habitacional, como se tivessem ambas o mesmo valor. Ora, o valor locativo de uma garagem é em regra muito inferior ao de uma casa de habitação, pelo que o critério dito matemático proposto pelos Recorrentes não procede.
A renda no momento das infiltrações era de 400,00 € mensais. O arrendado é um T2. A humidade, as inundações e infiltrações não só impossibilitaram o uso de uma divisão, como levaram “à diminuição da qualidade do ar interior e à degradação da qualidade de vida oferecida pela habitação”.
Assim, das quatro divisões essenciais da casa (cozinha, sala, quarto e escritório), o arrendatário não só ficou totalmente privado de uma, como se viu prejudicado no uso das restantes. Assim, a fixação da proporção de ¼ da renda pela perda de uso de uma divisão da casa e a perda de qualidade das restantes parece-nos criteriosa e adequada.
Os Recorrentes pugnam pelo valor excessivo da indemnização, mas a mesma não se nos mostra excessiva, considerando que durante dois anos o Recorrido apenas usufruiu de um T1, quando arrendara um T2; o mesmo era sadio no momento do arrendamento, como consta do contrato, mas em novembro de 2021 passou a apresentar infiltrações, água no solo, excesso de humidades, bolores, o que diminui muito o aproveitamento que se pode retirar de um espaço habitacional. Assim, concorda-se com a sentença : “No caso dos autos, atenta a configuração do apartamento, o uso normal que o autor lhe dava, o período temporal em que não pôde usar um dos quartos, o facto de ter tido necessidade de passar todo o equipamento informático para a sala de estar, alterando a sua vivência dentro da habitação e o período prolongado no tempo em que tal ocorreu, revela-se equilibrada, justa e equitativa a indemnização de € 2.400,00, correspondente à redução de € 100,00 na renda por cada mês em que não pôde utilizar o quarto.”
Mantém-se também o valor atribuído aos danos patrimoniais.
Os Recorrentes também se insurgem contra os danos não patrimoniais, entendendo-os exagerados, mas é compreensível o sofrimento de quem passa durante determinado período inundações constantes em casa, com o inerente esforço para as conter rapidamente para que a água se não espalhe para outras divisões e medo que se repitam, afligindo-se com a dificuldade em ter que passar a viver num espaço mais limitado, perdendo uma divisão de trabalho que teve que ser compartilhada com a destinada ao convívio e lazer, dificultando um e outros, problemas que se desenrolaram durante dois anos, a revolta e indignação pela ausência de resposta, o comprometimento da saúde advinda da perda de qualidade do ar interior e da deterioração das condições do seu lar. Por todo o exposto, o montante de 1.000,00 € fixado na sentença para compensar todas estas penas parece-nos equilibrado, não se lhe vendo exagero.
.V -Decisão
Por todo o exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso e em consequência confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelos Recorrentes (artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Guimarães, 2-04-2025
Sandra Melo Elisabete Coelho de Moura Alves Anizabel Sousa Pereira