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ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
OBRAS NO LOCADO
DIREITO DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I - No arrendamento para fins não habitacionais compete às partes, no exercício da liberdade contratual consagrada no art. 405º do CC, determinar a quem compete a responsabilidade pela realização das obras no locado, sejam elas obras de conservação ordinária, ou extraordinária, pelo que, só se não houver convenção, caberá ao senhorio executar as obras de conservação. II - O regime estabelecido no art. 1074º nº 5 do CC poderá ser validamente derrogado por convenção das partes, designadamente estabelecendo-se no contrato que o arrendatário não terá direito a qualquer indemnização pelas obras que venha a fazer no prédio. III - Conforme decorre do art. 1086º nº 2 do CC, a resolução é cumulável com a responsabilidade civil, reforçando a regra geral já consagrada no art. 801º nº 2 do CC. IV - O direito de resolução por iniciativa do arrendatário por facto imputável ao senhorio pode ser cumulado com o direito a uma indemnização nos termos gerais, verificados que estejam os pressupostos legais da responsabilidade civil, neste caso contratual. V - O apuramento do valor necessário à reparação dos danos não constitui pressuposto da responsabilidade civil, podendo a falta de prova da quantificação do valor indemnizatório, assente que fique o dano, ser alcançado em incidente de liquidação (art. 358º do CPC).
Texto Integral
Processo n.º 91/23.6T8STS.P1- APELAÇÃO Origem: Juizo Local Cível de ...
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1.AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e marido CC, formulando os seguintes pedidos:
A) declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Réus;
B) condenados os Réus a pagar à Autora a quantia de € 8.720,00 pelas benfeitorias realizadas e suportadas pela Autora no locado;
C) condenados os Réus a pagar à Autora a quantia de € 1 000,00 por falta de licença de utilização do locado;
D) condenados os Réus a pagar à Autora a quantia de €5.000,00 a título de danos patrimoniais e morais sofridos pela Autora com a perda de clientes e posterior cessação da sua atividade profissional.
Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da resolução do contrato até integral pagamento.
Como fundamento das referidas pretensões alegou em síntese que, em Janeiro de 2015 celebrou com os RR um contrato de arrendamento comercial da fração identificada nos autos destinada a comércio, tendo realizado obras de requalificação de forma a adaptar o espaço ao exercício da sua actividade profissional de esteticista e manicure, nas quais despendeu cerca de €8720,00, e que posteriormente o locado se foi deteriorando devido a defeitos de construção, que se intensificaram em 2019, tendo reclamado dos RR que fizessem obras para repor as condições sanitárias do locado, sem que estes o tenham feito, pelo que em Junho de 2021 requereu à CM uma vistoria urgente ao locado, na sequência da qual foi ordenada por aquela entidade a cessação da actividade por falta de licença de utilização e por falta de condições do imóvel, o que determinou que tenha comunicado por carta de 2.09.2021 a resolução do contrato de arrendamento, exigindo dos RR o pagamento das benfeitorias, bem como uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
2. Os Réus apresentaram contestação, deduzindo a excepção da prescrição e impugnando a obrigação de pagamento das reclamadas benfeitorias e dos danos invocados pela Autora.
Mais deduziram reconvenção, no final da qual formularam contra a Autora os seguintes pedidos:
a) Ser a Autora condenada a pagar aos Réus o montante de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) referente às rendas vencidas e não pagas;
b) Ser a Autora condenada a pagar aos Réus o custo necessário às obras de demolição, remoção e requalificação de construção civil, eletricidade, pichelaria e pavimentos do imóvel locado de forma ao mesmo ficar num estado idêntico ao que estava antes da Autora o ter arrendado e procedido às obras que, por não se conseguir precisar com exatidão - pois que dependerão do tempo em que serão efetuadas – remete-se a sua liquidação e custo para execução de sentença;
c) Ser a Autora condenada a pagar aos Réus a título de privação do imóvel, o montante de €200,00 (duzentos euros) por mês desde a notificação da presente reconvenção até efetiva entrega do locado livre de bens e num estado idêntico ao que se encontrava antes do arrendamento;
d) Ser a Autora condenada a pagar aos Réus por cada dia de atraso da entrega do imóvel em idêntico estado ao que o mesmo se encontrava aquando do arrendamento numa sanção pecuniária compulsória que, em prudente critério, deve ser equitativamente fixada pelo Tribunal em quantia não inferior a €20,00 (vinte euros)/dia. 3. A Autora apresentou réplica, deduzindo oposição aos pedidos reconvencionais, pugnando pela sua improcedência, tendo ainda pedido a condenação dos RR como litigantes de má-fé, no pagamento de uma multa e indemnização.
4. Foi elaborado despacho saneador, no âmbito do qual foi fixado o objecto do litígio, bem como os temas de prova.
5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em 5.06.2024, Ref Citius 459645870, com o seguinte dispositivo: “Pelo supra exposto: 1) Julga-se a ação parcialmente procedente e, consequentemente, decide-se:_ A) Declarar a resolução do contrato de arrendamento comercial exarado entre a Autora AA e os Réus BB e marido CC; B) Absolver os Réus BB e marido CC do demais peticionado; C) Condenar a Autora AA no pagamento das custas processuais. 2) Julga-se a reconvenção totalmente improcedente e, consequentemente, decide-se:_ A) Absolver a Autora/Reconvinda AA do peticionado; B)Absolver os Réus/Reconvintes BB e marido CC do pedido de condenação como litigantes de má fé; C) Condenar Réus/Reconvintes BB e marido CC no pagamento das custas processuais. Registe e notifique.” 6. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes CONCLUSÕES (…) 7. Não foram apresentadas contra-alegações. 8. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões, são as seguintes: 1ª Questão- Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto; 2ª Questão- Se a Autora deve ser indemnizada: - pelo valor das benfeitorias realizadas no locado; -pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da cessação da utilização do locado determinada pela CM por falta de licença de utilização e por falta de condições sanitárias.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: 1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A Ré BB é filha de DD e de EE.
2. Desde o ano de 1998 que a fração autónoma designada pela letra “E” afeta a comércio e integrante do prédio urbano constituído sob o regime de propriedade horizontal sito no Lugar ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., se afigurava inscrita na matriz em nome de DD.
3. Em 31 de agosto de 2009, o sobredito DD, como senhorio, e a Autora AA, na qualidade de inquilina, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato Promessa de Arrendamento Comercial”, consignando:
“a) O primeiro outorgante é o legítimo proprietário de uma fracção de rés-dochão, sito na Avenida ..., Loja "E", freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz daquela freguesia no artigo ...18....
b) C) rés-do-chão do prédio identificado no considerando anterior se destina a estabelecimento comercial e devidamente licenciado para ocupação pela Câmara Municipal ..., -
c) O segundo outorgante está interessado em arrendar o rés-do-chão, do referido, pelo prazo de um ano, para ali exercer a actividade de Esteticista e Manicure -
Celebram um contrato de arrendamento comercial com prazo certo, nos termos e condições seguintes:
Clausula Primeira
(objecto do Arrendamento)
Pelo presente contrato o primeiro outorgante dá de arrendamento ao segundo, que toma de arrendamento, o rés-do-chão descrito no considerando b) antecedente. -
Clausula segunda
(Fim do arrendamento)
- O rés-do-chão Fracção "E"arrendado destina-se a ser utilizado para o exercício de Esteticista e Manicure.
Clausula Terceira (Renda)
- 1. A renda a pagar pelo segundo ao primeiro outorgante é de € 195,00 (cento noventa cinco euros) mensais, acordada para a vigência do contrato: -
- 2. A renda será paga até ao dia 8 do mês a que disser respeito, na casa do senhorio, ou a quem este indicar, -
- 3. A renda será actualizada anualmente de harmonia com os índices de actualização das rendas comerciais. -
Clausula quarta
(Prazo de duração efectivo)
- 1 O contrato de arrendamento é celebrado peio prazo de 1 (um) ano, tendo o seu inicio em 01 de Setembro de 2009, e o seu termino 31 de Agosto de 2010, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos iguais de um ano, caso não seja denunciado por qualquer das partes, denuncia essa que deverá ser feita, por carta registada enviada à contra parte, com uma antecedência mínima de três rneses, relativamente ao termino do contrato ou renovação.
2. Caso se yerifique junto dos organismos oficiais qualquer dificuldade que impossibilite a legalização do estabelecimento comercial a instalar no local arrendado, para os fins referidos na cláusula segunda, o segundo outorgante poderá denunciar de imediato o presente contrato, com antecedência de quinze dias, não cabendo ao primeiros outorgante direito a qualquer indemnização por tal facto,
Clausula Quinta
(Obrigações dos arrendatários)
- 1. O segundo outorgante obriga-se a manter no local arrendado em bom estado de conservação, ficando obrigado a reparar quaisquer estragos que com a sua utilização lhes tenha causado, -
2. Todas as obras que os segundos outorgantes realizarem no local arrendado carecem de autorização escrita do primeiro outorgante (senhorio), e após realizadas, ficarão a fazer parte integrante da fracção do prédio, não assistindo aos arrendatários qualquer direito de indemnização ou retenção. -
3. É -vedado ao segundo outorgante (inquilino), a transmissão ou subarrendamento do local arrendado a terceiros sem o consentimento dado por escrito dos primeiros outorgante (senhorio). w 4. sn da responsabilidade do segundo outorgante as obras de conservação ordinária do local, ficando a cargo do primeiro outorgante as obras de conservação extraordinárias a que haja lugar, por necessárias para regular exercício da actividade para qual o local foi arrendado, nomeadamente as que sejam exigidas pelos organismos oficiais.
5. O segundo outorgante obriga-se a entregar a loja arrendada ao senhorio logo que pretenda denunciar o contrato, suportando todos os encargos e despesas a que a sua actividade der causa, nomeadamente luz, telefone, electricidade, gaz e saneamento, utilizados no local arrendado, contratando, em seu nome, o abastecimento de tais serviços.”
4. No circunstancialismo referenciado em 3) o sobredito DD declarou autorizar a Autora a efetuar obras na fração para a instalação de um estabelecimento de estética.
5. Na sequência do indicado em 3) e 4), com referência à predita fração, entre os anos de 2009/2010 a Autora efetuou, designadamente, trabalhos de trolha (raspar e estanhar as paredes), pichelaria, colocação de divisórias em pladur, de portas, rodapés, armário com banca, armário da coluna armário da montra, de parquet no pavimento, de montra, pedra, vidros e decoração, instalação de iluminação, alarme de intrusão, incêndio e som, despendendo uma quantia de cerca de €7.668,10 (sete mil seiscentos e sessenta e oito euros e dez cêntimos).
6. Em decorrência do indicado em 3) a 5) a Autora abriu ao público o estabelecimento designado “A...”, efetuando no mesmo, desde o ano de 2009, a atividade de estética e manicure, designadamente, depilação, manicure, art nail/unhas de gel, pedicure, tratamento de micoses nas unhas, limpeza de pele, tratamento de rosto e corpo, tratamento de emagrecimento, massagens, massagens com pedras quentes, drenagem linfática, maquilhagem e consulta de calista.
7. Em ../../2012 faleceu DD, no estado de viúvo.
8. Na sequência do indicado em 7), os filhos do antedito efetivaram a partilha da respetiva herança, no âmbito da qual a fração enunciada em 2) foi atribuída aos Réus BB e marido CC.
9. Em 02 de janeiro de 2015, os Réus BB e marido CC, na qualidade de senhorios, e a Autora AA, como inquilina, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Arrendamento Comercial”, consignando:
“Os primeiros outorgantes são donos e legítimos proprietários de uma fracção de rés-do-chão, destinada a comércio, Loja "E", sita na Av. ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz daquela freguesia sob o artigo ...18...:
a) A fracção de rés-do-chão do prédio identificado no considerando anterior se destina a estabelecimento comercial, devidamente licenciado para ocupação pela Câmara Municipal ...:
b) O primeiro e segundo outorgante celebram o presente contrato de arrendamento, pelo prazo de um ano para o segundo ali exercer a actividade de Esteticista e Manicure:
Clausula Primeira
(objecto do Arrendamento)
Pelo presente contrato o primeiro outorgante dá de arrendamento ao segundo, que toma de arrendamento, a fracção "E" de rés-do-chão do prédio descrito no considerando b) antecedente.
Clausula Segunda
(Fim do arrendamento)
O local arrendado destina-se à actividade do segundo de Esteticista e Manicure:
Clausula Terceira (Renda)
1, A renda mensal é de C. 200,00 (duzentoS euros) e 2,400,00 (dois mil e quatrocentos euros) anuais, acordada para a vigência deste contrato:
2. A renda será paga entre o dia um e oito do mês a que disser respeito, na casa do Senhorio, conta 'bancária do senhorio ou a quem este indicar:
Clausula Quarta
(Prazo de duração efectivo)
1. O contrato de arrendamento celebrado pelo prazo de 1 (um) ano, tendo o seu inicio em 01 de Janeiro de 2015 e o seu termino 31 de Dezembro de 2016, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos iguais de um ano, caso não seja denunciado por qualquer das partes, denuncia essa que deverá ser feita, por carta registada enviada à contra parte, .com uma antecedência mínima de quatro meses, relativamente ao termino do contrato ou renovação.
2. A renda será actualizada anualmente de harmonia com os índices de actualização das rendas comercials a publicar anualmente pelo INE:
Clausula Quinta
(Obrigações do arrendatário)
1. O segundo outorgante obriga-se a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpesa, ficando obrigado a reparar quaisquer estragos que com a sua utilização lhes tenha causado:
2. Todas as obras que o segundo outorgante realizar no local arrendado carecem de autorização escrita do primeiro outorgante (senhorio), e após realizadas, ficarão a fazer parte integrante do prédio, não assistindo aos arrendatários qualquer direito de indemnização:
3. Ê vedado ao segundo outorgante (inquilino), a transmissão ou subarrendamento do local arrendado a terceiros sem o consentimento dado por escrito do primeiro outorgante (arrendatário).
4. São da responsabilidade do segundo outorgante as obras de conservação ordinária do local, ficando a cargo do primeiro outorgante as obras de conservação extraordinárias a que haja lugar, cabendo ao Segundo, Inquilino, a obrigatoriedade de contratar seguro de responsabilidade civil que cubra os riscos do edificio para o regular exercício da actividade no local arrendado, salvaguardando o bens materiais do Senhorio e nomeadamente as que sejam exigidas pelos organismos oficiais:
5. O segundo outorgante -obriga-se ainda a entregar ao proprietário o local arrendado devidamente limpo com todos seus vidros e outros acessórios ali instalados e a permitir ao senhorio sempre que o solicite a verificação do local, comprometendo-se o inquilino a pagar todos os encargos e despesas a que a sua actividade der causa, nomeadamente luz, telefone, electricidade, àgua e residuos sólidos”
10. Durante o ano de 2019 verificou-se a existência de infiltrações/humidade nas paredes, tetos e pavimentos em madeira com referência à fração indicada em 2) e 3).
11. Em consequência do mencionado em 10), em agosto de 2019, a Autora procedeu à pintura das anteditas paredes e teto, despendendo a quantia de €799,50 (setecentos e noventa e nove euros e cinquenta cêntimos).
12. Em 14/10/2019, Autora remeteu uma missiva sob registo postal para a residência da Ré, recebida pelos mesmos em, consignando:
“De harmonia com o solicitado, envio a fatura das obras que, com o seu conhecimento e anuência, fui obrigada a realizar na loja, a fim de evitar prejuízos maiores.
Entretanto, as patologias intervencionadas já estão a revelar-se novamente, pelo que agradeço se digne ordenar urgente vistoria à loja.”
13. No início do ano de 2021 verificou-se a existência de infiltrações/humidade nas paredes, tetos e pavimentos em madeira com referência à fração indicada em 2) e 3).
14. Em 18/03/2021, a Autora remeteu uma missiva sob registo postal para a residência da Ré, recebida pelos mesmos em, consignando:
“Terminado o período de encerramento legal, constatei que ainda não procedeu às obras na loja, como prometido e sempre não cumprido.
As infiltrações e os cheiros nauseabundos a fossa são constantes e insuportáveis para mim e clientes.
Como sabe, a atividade por mim exercida no locado não se compadece com as elencadas patologias, pelo que, se as mesmas não forem debeladas, no prazo de um mês a conta desta data, serei obrigada a agir judicialmente, peticionando indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, sem prejuízo das queixas a apresentar às autoridades sanitárias.”
15. Em 16 de Junho de 2021, a Autora apresentou requerimento na Câmara Municipal ..., declarando solicitar a realização de vistoria à sobredita fração.
16. Na sequência do mencionado em 14), em 14/07/2021 os técnicos da Câmara Municipal ... deslocaram-se à antedita fração, e elaboraram auto de vistoria, o qual consigna, nomeadamente, que “a Fração “E” se encontra ocupada sem a necessária autorização de utilização”, apresentando “Infiltração ao nível das paredes e tetos; Em algumas divisões da fração, o pavimento em madeira já se encontras em condições de franca deterioração por efeito das infiltrações; Em grande parte da superfície comercial predomina o odor de humidade; Degradação das pinturas interiores (paredes e teto) resultantes da humidade decorrente das infiltrações e das condenações; Não se verificou a existência de ventilação natural ou mecânica no interior”
17. Por despacho proferido pelo Presidente da Câmara Municipal ... em 21/07/2021 consignou-se a “cessação de utilização no prazo de 15 dias, da Fração “E”, do edifício licenciado pelo alvará de construção nº 55/2006 de 20/01, localizada na Avenida ..., ..., em ..., uma vez que a mesma se encontra a ser ocupada sem a necessária autorização de utilização e pelo facto de não existirem condições higio-sanitárias para o exercício da atividade”, cuja cópia foi remetida para as residências da Autora e dos Réus respetivamente em 22/07/2021 e 09/09/2021 e recebida pelos mesmos.
18. Em decorrência do referido em 17), entre os dias 23 e 31 de julho de 2021, a Autora efetuou o encerramento do predito estabelecimento
19. Em 28/09/2021 os técnicos da Câmara Municipal ... deslocaram-se à antedita fração e elaboraram auto de vistoria, o qual consigna, nomeadamente, que “constatou-se que continuam a verificar-se as patologias anteriormente elencadas (…) Infiltração ao nível das paredes e tetos; Em algumas divisões da fração, o pavimento em madeira já se encontras em condições de franca deterioração por efeito das infiltrações; Em grande parte da superfície comercial predomina o odor de humidade; Degradação das pinturas interiores (paredes e teto) resultantes da humidade decorrente das infiltrações e das condenações; Não se verificou a existência de ventilação natural ou mecânica no interior”.
20. No final de setembro de 2021, a cópia do auto mencionado em 19) foi remetida para as residência da Autora e dos Réus e recebida pelos mesmos.
21. Em 02/09/2021, a Autora remeteu uma missiva sob registo postal para a residência dos Réus, recebida pelos mesmos, consignando:
“Não obstante as minhas inúmeras interpelações, no sentido de procederem às obras necessárias para garantir a salubridade da loja "E" do prédio sito na Avenida ..., ..., freguesia ..., concelho ... - que me arrendaram - certo é que nada fizeram, pelo que me vi forçada a solicitar à Câmara Municipal ... vistoria ao locado, a qual foi realizada em 14/07/2021.
Relata o respetivo despacho de vistoria, entre outras coisas, que "a Fração 'E" se encontra a ser ocupada sem a necessária autorização de utilização" - facto imputável ao senhorio, pois é obrigação do mesmo diligenciar pela obtenção do alvará de utilização - e "que o espaço comercial, na situação em que se encontra, não possui condições favoráveis ao desenvolvimento da sua atividade, considerando-se que não existem condições higio-sanitárias para o exercício da atividade", tendo, em consequência, a Câmara Municipal ordenado a cessação imediata da atividade.
O facto de terem consignado no contrato de arrendamento que o "estabelecimento comercial [estava] devidamente licenciado para ocupação pela Câmara Municipal ..." revela manifesta má-fé contratual, sendo certo que, nos termos do artigo 5º n.º 7 ex vi artigo 5.º 1 e 5, todos do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de Agosto, tal inobservância, além de os fazer incorrer em coima, permite-me resolver o contrato de arrendamento, com direito a indemnização nos termos gerais.
A atividade por mim exercida no locado - Esteticista e Manicure - não se compadece com as elencadas patologias, sendo certo que, tal como prevê a alínea b) do artigo 1031 2 do Código Civil, o senhorio tem o dever de facultar ao inquilino o gozo do prédio arrendado "para os fins a que a coisa se destina", cabendo-lhe executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, que sejam necessárias para garantir o fim do contrato, nos termos do n.º 1 do artigo 1074 2 desse mesmo diploma legal.
In casu, apesar das constantes solicitações, enquanto senhorios não executaram as obras necessárias para manter o imóvel adequado à finalidade contratada, tal como legal e contratualmente lhes era exigido, sendo que, nos termos do artigo 1083 2 n e 5 do Código Civil, esse incumprimento confere ao inquilino o direito a resolver o contrato de arrendamento.
Assim, atendendo à falta de salubridade e de autorização de utilização do edifício, as quais me impedem de exercer no locado a minha atividade e que vos são contratual e legalmente imputáveis, venho proceder à resolução do contrato de arrendamento, com todas as consequências legais, incluindo indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, a qual será oportunamente peticionada.”
22. Em 13/09/2021, a Ré remeteu uma missiva sob registo postal para a residência da Autora, recebida pela mesma, consignando:
“Acuso a receção da V. carta, através de qual resolveu o contrato de arrendamento relativamente ao imóvel que V. foi arrendado.
Relativamente à mesma, cumpre-me expor-lhe o seguinte:
1 . O contrato de arrendamento relativamente ao imóvel que V. Ex.a tem arrendado foi celebrado ainda com o meu falecido pai na qualidade e senhorio, há sensivelmente 15 anos, tendo V. Ex.a desde sempre conhecimento do estado físico e jurídico em que o mesmo se encontrava, tendo sempre exercido a sua actividade sem qualquer objecção.
2. Por conseguinte, o contrato datado de 02 de janeiro de 2015 foi uma prorrogação do primeiro, apenas alterando a titularidade do senhorio.
3. Não é verdade que V. Ex.a tenha alguma vez posto em causa a salubridade do imóvel nem me interpelado para fazer obras, pois que V. Ex.a efectuou obras e descontou de forma abusiva o suposto valor das mesmas no montante que teria de pagar de tenda.
4. Portanto, a resolução do contrato operada por V. Ex.a não tem qualquer cabimento ou fundamento, tanto que V. Ex.a - repete-se - ocupou - e continua a ocupar - o imóvel há sensivelmente 15 anos, sem qualquer objecção que me tivesse sido participada, dele retirando os lucros da sua actividade.
5. Por outro lado, V. Ex.a refere que existiu um despacho da Câmara Municipal ..., nunca me tendo referido que iria solicitar qualquer vistoria ou tendo exibido o referido Despacho.
6. Assim, e não obstante a resolução ilicita do contrato, a mesma operou os seus efeitos, pelo que lhe interpelo para no prazo de 10 dias:
a. Entregar-me a loja no estado que a arrendou e livre de pessoas e bens, devendo avisar-me do dia e hora que pretende proceder a essa entrega;
b. Para o efeito, deve ser assinada o auto de entrega, sendo consignado no mesmo que a loja se encontra no mesmo estado em que a encontrou.
c. Pagar todas as rendas vencidas e não pagas até à *ida entrega, estando, à presente data em dívida as rendas respeitantes aos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2021, no montante de € 600,00.
7. Alerto V. Ex.a que, até à entrega do imóvel no estado em que o encontrou e livre de pessoas e bens, continuar-se-ão a vencer as rendas, as quais serão exigidas a V. Ex.a.”
23. Em 29/09/2021, o mandatário dos Réus remeteu uma missiva sob registo postal para a residência da Autora, recebida pela mesma, consignando:
“No seguimento da v.. carta datada de 02 de Setembro de 2021, mediante a qual resolveu o contrato de arrendamento celebrado coma N. Constituinte, vimos interpela-la para, no prazo de 10 dias, deixar o imóvel livre de pessoas e bens.
Para o efeito, deve marcar com o N. escritório ou contactar a senhoria uma data e hora da sua conveniência para proceder à, entrega do imóvel e, bem assim, das respetivas chaves, sob pena das rendas se continuarem a vencer independentemente da existência ou inexistência de causa justificativa para a resolução do contrato.”
24. Em 11/01/2022, a Autora remeteu uma missiva sob registo postal para a residência dos Réus, recebida pelos mesmos, consignando:
“De harmonia com a missiva que lhe enviei em 02/09/2021, onde procedi à resolução do contrato de arrendamento, e atento o teor das cartas que me remeteu em 13/09/2021 e 28/09/2021, cumpre-me informar que a loja está em condições de ser entregue.
Por inúmeras vezes, formal e informalmente, interpelei-a para executar as obras necessárias à conservação e adequação do imóvel à finalidade contratada, o que nunca fez, apesar de legalmente obrigada, forçando-me a solicitar à Câmara Municipal ... vistoria ao locado.
Dada a falta de salubridade do locado e a sua ociosidade no suprimento da mesma, vi-me forçada a realizar e suportar um conjunto de benfeitorias no imóvel, no valor de € 8 720,00, a saber:
Serviço de trolha: € 400,00;
Divisórias em pladur: € 1 560,00;
Serviço de carpintaria, portas e rodapés: € 800,00;
Serviço de pintura: € 800,00;
Colocação parquet no chão: € 1 000,00;
Serviço de eletricidade, iluminação, alarme de intrusão e incêndio:€ 1 750,00;
Serviço de picheleiro: € 400,00;
Montra, pedra, vidros e decoração: € 1 450,00;
Armários da banca, coluna e montra: € 560,00.
Acresce que, tal como se infere do auto de vistoria, o imóvel arrendado carece de alvará de utilização, facto de que apenas tomei conhecimento em 14/07/2021, com a realização de vistoria ao locado.
O incumprimento do disposto no n o 1 do artigo 10740 do Código Civil, e do ne 7 do artigo 5 2 ex vi n o 1 e 5 do mesmo artigo, ambos do Decreto-Lei n o 160/2006, de 8 de Agosto, legitimou a resolução do contrato de arrendamento, com direito a indemnização nos termos gerais.
Assim, considerando a cessação do contrato de arrendamento, designo o próximo dia 19 de laneiro de 2022 pelas 15 horas para proceder à entrega dg imóvel designadamente das respetivas chaves, e assinar o respetivo auto de entrega.
Mais informo que, atentas as benfeitorias que realizei no locado, as quais deveriam ter sido realizadas por si, fico a aguardar o pagamento da indemnização de 8.720 00 quantia que deverá liquidar no prazo de 30 dias, a contar da data da entrega das chaves.”
25. Em 20/01/2022, a Autora remeteu uma missiva sob registo postal para a residência dos Réus, recebida pelos mesmos, consignando
“Atenta a vossa falta de comparência no dia e hora designados para entrega do imóvel locado, junto envio as respetivas chaves, considerando-se o mesmo entregue.
No que concerne às benfeitorias que realizei no locado, em conformidade com a missiva que remeti em 11/01/2022, solicito e agradeço se dignem proceder ao pagamento da indemnização de € 8 720,00, até ao final do corrente mês.
Findo o referido prazo de pagamento sem que o mesmo se mostre efetuado, avançarei com a competente ação judicial.
ANEXO: Chaves do imóvel”.
26. As chaves de acesso à predita fração “E” foram entregues aos Réus no circunstancialismo mencionado em 25).
27. Para repor a fração indicada em 2) e 3) no estado em que se afigurava antes das obras enunciadas em 5) é necessário efetivar os seguintes trabalhos:
- demolição de paredes divisórias constituídas por 2 placas de gesso laminado, 1 em cada face, e respetiva estrutura metálica, incluindo triagem, deposito, transporte, reciclagem e/ou colocação de resíduos em vazadouro, com o custo de € 552.94;
- demolição de tetos falsos constituído por 1 placa de gesso laminado incluindo triagem, deposito, transporte, reciclagem e/ou colocação de resíduos em vazadouro, com o custo de €371.60;
- demolição de pavimento flutuante assente em cima da tijoleira pré-existente, incluindo triagem, deposito, transporte, reciclagem e/ou colocação de resíduos em vazadouro, com o custo de €199.70;
- demolição de 4 portas, com o custo de €51,00.
28. Com referência às infiltrações descritas em 13) e 16), verifica-se:
- As patologias derivadas da entrada de humidade localizam-se numa das paredes meeiras e por capilaridade em paredes exteriores e interiores, provindo da parte de cima da fração;
- as manifestações de humidade numa parede exterior e em diversas paredes interiores, desde o pavimento ate alturas variadas, humidade ascensional, são devidas á falta de impermeabilização das fundações e do pavimento em contacto com o solo.
2.O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
29. Estima-se o custo dos trabalhos enunciados em 5) em €8.720,00 (oito mil setecentos e vinte euros).
30. Os trabalhos enunciados em 5) foram realizados durante os anos de 2015/2016.
31. No circunstancialismo mencionado em 10) e 11) os Réus declararam que, como compensação pelas obras realizadas, a Autora esta ficaria “isenta” de pagamento de renda durante 3 meses.
32. No circunstancialismo mencionado em 13), os Réus declararam que iriam proceder a obras de reparação da fração.
33. Em consequência do referenciado em 13) e 16) a 18), a Autora deixou de auferir pelo menos €1.000,00 (mil euros) proveniente de rendimentos da sua atividade de esteticista.
34. Em consequência do mencionado em 13) e 16) a 18), a Autora sentiu angústia e estado depressivo.
35. A Autora efetuou o pagamento das rendas referentes aos meses de julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2021.
36. No circunstancialismo referido em 4), o predito DD declarou que, após a termo do arrendamento, a Autora teria de repor a fração “E” no estado em que se afigurava antes das sobreditas obras, o que a mesma declarou aceitar.
37. As obras descritas em 5) provocaram a diminuição do valor da sobredita fração “E”.
38. Com referência aos meses de julho a dezembro de 2021, estima-se o valor locatício da fração referenciada em 2) e 3) em cerca de €200,00 (duzentos euros).
39. Com referência à sobredita fração “E”, o predito DD apresentou requerimento na Câmara Municipal ... declarando solicitar autorização de utilização da mesma.
40. Com referência à sobredita fração “E”, os Réus apresentaram requerimento na Câmara Municipal ... declarando solicitar autorização de utilização da mesma.
41. Para repor a fração indicada em 2) e 3) no estado em que se afigurava antes das obras enunciadas em 5) é necessário efetivar trabalhos com um custo total de €5.535,00 (cinco mil quinhentos e trinta e cinco euros).
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, sob pena de rejeição, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[1]
São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que na impugnação da decisão sobre a matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados, pese embora a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados (AUJ nº 12/2023 de 14.11) bem como a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorra, possam constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita.
Analisadas as conclusões deste recurso concluímos que a Apelante fez específica alusão nas conclusões de recurso aos concretos pontos de facto que impugnava (Conclusões 4, 6, 8 e 10), à decisão alternativa e aos concretos meios de prova que em seu entender sustentam a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto impugnada, fazendo referência aos exactos segmentos da gravação dos depoimentos testemunhais de que se socorreu, considerando-se suficientemente cumpridos os ónus previstos no art. 640º do CPC para que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto possa ser por nós conhecida.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção, mas sem que isso culmine num segundo julgamento, destinando-se apenas a aferir se resulta evidente algum erro de apreciação dos factos controvertidos à luz das regras do regime jurídico aplicável, atendendo às regras do ónus da prova, das regras de experiência comum ou de prova vinculada. A Apelante impugnou os pontos 33 e 34 dos factos não provados e pugnou pela ampliação de dois novos factos aos factos provados, bem como pela alteração da redação do ponto 28 dos factos provados.
Vejamos.
O tribunal a quo considerou não ter ficado provado que “em consequência do referenciado em 13) e 16) a 18), a Autora deixou de auferir pelo menos €1.000,00 (mil euros) proveniente de rendimentos da sua atividade de esteticista” (ponto 33 dos factos não provados).
Relacionados com a matéria de facto constante do ponto 33 dos factos não provados, pretende a Apelante que se dê como provados dois novos factos:
- “em consequência do referenciado em 13) e 16) a 18) a Autora ficou impedida de exercer a sua atividade profissional de esteticista e manicure”;
-“após o referenciado em 18) a Autora não mais exerceu a atividade profissional de esteticista e manicure”.
O tribunal a quo motivou a decisão de dar como não provada tal matéria de facto, agrupando os factos 29 a 35, fundamentando-a na “claudicância da Autora AA e da testemunha FF com referência a estes segmentos fáticos e à míngua de provas documentais e periciais”.
A Apelante defende que o depoimento do marido FF e das testemunhas GG, HH e II, antigas clientes, cujos trechos principais da gravação transcreveu, demonstram que na sequência do referenciado nos factos 13, 16 a 18 foi forçada a encerrar a sua actividade profissional no locado, não tendo voltado a abrir novo centro de estética devido à falta de recursos financeiros e ao seu estado de saúde como referiu o seu marido, o que levou ao fim da sua carreira profissional como esteticista e manicure, tendo estado impossibilitada de trabalhar entre o encerramento da sua actividade no locado (23 a 31 de Julho de 2021) e a resolução do contrato operada por carta de 2.09.2021.
Tendo-se procedido à audição da integralidade da prova gravada, e designadamente do depoimento das referidas testemunhas e das declarações da própria Autora, afigura-se-nos ter sido produzida prova consistente e segura apenas quanto ao facto de que a partir da determinação emanada pela CM de cessação de utilização da fração locada ocorrida em Julho de 2021 (doc 20 junto com a PI) a Autora deixou de exercer a sua actividade de manicure e esteticista no locado, o que foi confirmado pelos técnicos que efectuaram segunda vistoria em setembro de 2021, tendo a CM feito consignar nesse segundo auto de vistoria que o estabelecimento encontrava-se encerrado em harmonia com o auto de vistoria anterior, o que foi corroborado pelo depoimento do marido da Autora- FF- e pelo depoimento das aludidas testemunhas GG, HH e II, as quais foram clientes da Autora no centro de estética que aquela explorava no locado e que o frequentaram até que este fechou, afirmando que tal ocorreu por imposição camarária por falta de condições de salubridade.
Não obstante, essa cessação de utilização do locado não se confunde com a cessação da actividade profissional da Apelante, pois que se é certo que o marido da Autora afirmou que a Autora não continuou com aquela actividade porque teriam de recomeçar de novo e era um processo caro e os problemas de saúde dela pioraram, não deixa de ser um depoimento interessado cuja consistência foi inclusivamente abalada pelas declarações da própria Autora que admitiu ter feito domicílios, domicílios também aflorados pelo próprio marido que admitiu que a mulher algumas vezes se deslocava a casa de clientes, o que nos leva a concluir que a Apelante não está impossibilitada de os voltar a fazer.
De igual modo, como referiram as antigas clientes acima identificadas, a Apelante trabalhara anteriormente por conta de outrem, pelo que poderá sempre ponderar voltar a fazê-lo, o que nos leva a considerar que, contrariamente ao sustentado pela Apelante, aqueles meios de prova não impõem a alteração pretendida quanto ao último segmento factual, não tendo ficado suficientemente demonstrado que em consequência da cessação de utilização daquele locado a Apelante tenha sido igualmente forçada a cessar a sua actividade profissional de esteticista e manicure, e menos ainda que não mais tenha exercido aquela actividade profissional, não mantendo actualmente qualquer daquelas testemunhas que dela foram clientes contacto com a Autora que lhes permita, com conhecimento de causa, afirmá-lo.
Deste modo, mantém-se como não provado o ponto 33 e defere-se parcialmente a ampliação pretendida, aditando-se o seguinte ponto aos factos provados: 18.A--Em consequência do referenciado em 16) a 18) a Autora ficou impedida de exercer no locado a sua atividade profissional de esteticista e manicure.
O tribunal a quo também considerou não ter ficado provado que “em consequência do mencionado em 13) e 16) a 18), a Autora sentiu angústia e estado depressivo”(ponto 34 dos factos provados).
Defende a Apelante que esse facto deve ser dado como provado porque no seu entender “é notório”, e que a “recorrente não pode ter deixado de sentir angústia perante o encerramento forçado da sua atividade no locado, que levou a que não mais trabalhasse como esteticista e manicure, tendo o marido da recorrente referido no seu depoimento que era suposto a recorrente exercer a sua atividade profissional no locado até se reformar.”
Desde logo cumpre salientar que tal matéria não foi oportunamente alegada pela Apelante na petição inicial, tendo-se limitado a reclamar indemnização por danos morais sem concretizar tais danos, e sobretudo não foi produzido qualquer meio de prova que impusesse considerar tal facto como provado, nem a Apelante o mencionou, sendo certo que nem sequer do depoimento do marido ou das suas próprias declarações se extrai que tenha sentido angústia e tenha ficado em estado depressivo, não assumindo esse tipo de manifestações pessoais a natureza de factos notórios, razão pela qual mantém-se o ponto 34 como não provado por manifesta ausência de prova.
Relativamente ao ponto 28 dos factos provados, o tribunal considerou ter ficado provado que “com referência às infiltrações descritas em 13) e 16), verifica-se:
- As patologias derivadas da entrada de humidade localizam-se numa das paredes meeiras e por capilaridade em paredes exteriores e interiores, provindo da parte de cima da fração;
- as manifestações de humidade numa parede exterior e em diversas paredes interiores, desde o pavimento até alturas variadas, humidade ascensional, são devidas á falta de impermeabilização das fundações e do pavimento em contacto com o solo.”
Pretende a Apelante que se altere a redação do ponto 28 dos factos provados de forma a nele se incluir a menção às infiltrações descritas no facto nº 10.
No entanto não se vislumbra qualquer efeito útil para a decisão deste recurso na pretendida inclusão da menção do ponto 10 dos factos provados no ponto 28, nem a Apelante o referiu, sendo certo que o tipo de patologias neles descritas são aparentemente semelhantes, embora ocorridos em momentos temporais relativamente próximos (2019 e 2021) sem que se possa afirmar com segurança que fossem as mesmas.
Face à inutilidade deste segmento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto para a decisão deste recurso, dele não se conhece, mantendo-se inalterada a redação do ponto 28 dos factos provados. Indemnização por benfeitorias
Conforme resulta da sentença recorrida foi negada a concessão de indemnização à Apelante pela realização no locado das obras que constam como provadas nos pontos 5 e 11 dos factos provados, por força da cláusula 5ª do contrato de arrendamento entre as partes celebrado, que a Apelante defende serem benfeitorias úteis indemnizáveis.
Conforme resulta do ponto 9 dos factos provados, no contrato de arrendamento comercial celebrado entre Apelante e Apelados em 2.01.2015 (cujo clausulado, para o que aqui importa decidir, é em tudo semelhante ao anteriormente celebrado entre a Apelante e o pai dos Apelados em 31.08.2009 tendo por objecto o mesmo imóvel) ficou expressamente acordado entre as partes, na cláusula 5ª, o seguinte regime quanto a obras:
“2. Todas as obras que o segundo outorgante realizar no local arrendado carecem de autorização escrita do primeiro outorgante (senhorio), e após realizadas, ficarão a fazer parte integrante do prédio, não assistindo aos arrendatários qualquer direito de indemnização.
(…)
4. São da responsabilidade do segundo outorgante as obras de conservação ordinária do local, ficando a cargo do primeiro outorgante as obras de conservação extraordinárias a que haja lugar, cabendo ao Segundo, Inquilino, a obrigatoriedade de contratar seguro de responsabilidade civil que cubra os riscos do edificio para o regular exercício da actividade no local arrendado, salvaguardando os bens materiais do Senhorio e nomeadamente as que sejam exigidas pelos organismos oficiais.”
De acordo com o disposto no art. 1074º CC, sob a epígrafe-Obras-“Cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.
(…)
5. Salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé.”
Relativamente aos arrendamentos para fins não habitacionais, existe disposição especial consagrada no art. 1111º do CC, nos termos da qual:
“1.As regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes.
2. Se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato.”
Deste regime resulta que no âmbito do contrato de arrendamento para fins comerciais compete às partes, no exercício da liberdade contratual consagrada no art. 405º do CC, determinar a quem compete a responsabilidade pela realização das obras no locado, sejam elas obras de conservação ordinária, ou extraordinária, pelo que, só se não houver convenção, caberá ao senhorio executar as obras de conservação, e no caso de obras licitamente feitas pelo locatário ou reparações urgentes, este terá direito, no final do contrato, a receber do locador a compensação pela realização das mesmas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé.
De acordo com o disposto no art. 1273º nº 1 do CC, tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, sendo que por benfeitorias necessárias entendem-se aquelas que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa benfeitorizada (artº 216º nº3 CCiv) – repare-se que se não encontra aqui em causa uma noção de “valor” da coisa (perda ou diminuição de valor), mas de perda ou de deterioração da coisa tal como materialmente existente. Equivalem a reparações (Prof. Menezes Cordeiro, Tratado – Parte Geral, II/176).
Mesmo à luz do art. 1046º nº 1 do CC, salvo quanto às obras, reparações e despesas que a lei permite ao locatário realizar em caso de mora do locador ou urgência improrrogável (art. 1036º) aquele é equiparado, salvo estipulação em contrário, ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja efectuado na coisa locada, e embora resulte sempre o direito do locatário a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que haja efectuado (art. 1273º nº 1 do CCivil), tal não ocorrerá caso as partes derroguem expressamente esse regime por convenção expressa.
Deste modo, está correcto o entendimento perfilhado na sentença recorrida, uma vez que no contrato em apreço nestes autos ficou estipulado que realizadas obras de conservação ordinária pela locatária, a quem as mesmas ficaram a cargo, esta não teria direito a indemnização pelas mesmas, e assim sendo não teriam os Apelados de a compensar, findo que se mostra o contrato, pelas obras de conservação por aquela realizadas.
Em face da convenção expressamente acordada na cláusula 5ª do contrato quanto ao regime de obras que viessem a ser realizadas pela locatária no locado, embora se pudesse questionar quais das obras apuradas sob os pontos 5 e 11 dos factos provados constituíram benfeitorias úteis, necessárias ou voluptuárias, torna-se despiciendo fazê-lo porquanto as partes acordaram que em qualquer caso e qualquer que fosse a natureza das obras, todas as obras que a Apelante realizasse no local arrendado ficariam a fazer parte integrante da fração locada, não assistindo à Apelante qualquer direito de indemnização.
Sobre a legalidade e validade de tais clausulas, vide por todos, F. Gravato Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, Almedina, 2ª edição, 197-198 e L. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, Almedina, 2006, pág. 139.
Conforme ensina Luís Menezes Leitão, “no caso de o arrendatário efectuar licitamente as obras terá direito, no final do contrato, a uma “compensação” por essas obras, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa fé (art. 1074º, nº5). O arrendatário terá assim direito ao reembolso das benfeitorias necessárias e ao levantamento das benfeitorias úteis, quando este possa ser efectuado sem detrimento da coisa, tendo direito à restituição do enriquecimento por despesas no caso contrário (art. 1273º). O arrendatário pode ainda levantar as benfeitorias voluptuárias que tenha feito, não se dando detrimento da coisa, perdendo as mesmas na hipótese contrária (art. 1275º, n.º 1). O arrendatário terá ainda direito de retenção. A lei admite, porém, estipulação em contrário, pelo que este regime poderá ser derrogado por convenção das partes, designadamente estabelecendo que o arrendatário não terá direito a qualquer indemnização pelas obras que venha a fazer no prédio, o que aliás costuma ser estabelecido nas clausulas contratuais gerais relativas ao arrendamento urbano”.[2]
Ora, no caso em apreço, quer quanto às obras de adaptação do locado efectuadas pela Apelante no início do contrato, entre os anos de 2009/2010, quer quanto às obras de pintura realizadas em 2019, é patente, face ao acordado entre as partes no contrato de arrendamento em apreço (cfr. clausula 5ª do dito contrato), que não tem a Apelante direito a reclamar dos Apelados qualquer indemnização ou reembolso a esse título, visto o terem convencionalmente excluído, sendo obras a cargo da arrendatária sem direito a delas ser reembolsada.
Tendo sido tal cláusula acordada entre os outorgantes do contrato de arrendamento, Apelante e Apelados, é para ambos vinculativa, nos termos dos arts. 405º nº 1 e 406º nº 1, ambos do Código Civil.
Por conseguinte, sendo aquela cláusula perfeitamente válida, em consonância com o regime legal consagrado nos preceitos legais acima identificados, a Apelante a ela está vinculada, não existindo qualquer abuso de direito por parte dos Apelantes que se negam a indemnizá-la pelas obras executadas no locado invocando para o efeito o acordo estabelecido no contrato.
Naquela cláusula não ficou ressalvado que tal regime só seria aplicável caso a resolução do contrato operasse por oposição válida à renovação do mesmo, como parece sugerir a Apelante, pelo que se impõe qualquer que tenha sido o fundamento da cessação do contrato de arrendamento, e como tal, deve entender-se que também é aplicável ainda que a resolução se tenha devido a causa imputável aos Apelantes.
De todo o modo sempre se dirá que no que diz respeito à indemnização reclamada pela Apelante relativamente às obras por si realizadas entre 2009/2020 no valor de €7.668,10(constantes do ponto 5 dos factos provados), tal como decorre do ponto 4 dos factos provados tais obras destinaram-se a adaptar o locado à específica actividade que a Apelante lá veio a instalar, para que nele fosse instalado um estabelecimento de estética, não tendo ficado demonstrado que tivessem aumentado o valor do locado, e como tal também não se poderia afirmar tratarem-se de benfeitorias úteis, para além de que benfeitorias necessárias não o eram pois que de acordo com o referido factualismo não tiveram como objectivo evitar a perda, destruição ou deterioração do locado.
Relativamente às demais obras realizadas pela Apelante e apuradas no ponto 11 dos factos provados, apesar de ter ficado provado que durante o ano de 2019 verificou-se a existência de infiltrações/humidade nas paredes, tetos e pavimentos em madeira na fração locada (ponto 10 dos factos provados) que no mínimo demandariam obras que pusessem termo às referidas infiltrações, que a Apelante até poderia ter feito sem autorização dos Apelados face ao disposto no art. 1111º nº 2 do CC, a Apelante optou por apenas proceder à pintura das paredes e teto, numa operação dita de cosmética, que também não se pode qualificar como benfeitoria necessária.
Não obstante, o que é relevante nesta matéria é que todas essas obras no limite assumiram a natureza de obras de conservação ordinária, que de acordo com o contrato eram da sua responsabilidade e das quais a Apelante não tem direito a ser indemnizada por tal direito ter sido expressamente excluído no contrato.
Não se discute que as obras determinadas pela entidade camarária são da estrita responsabilidade dos Apelados, enquanto obras de conservação extraordinária- pois que as patologias de que padece a fração emanam de defeitos de construção-, e que os mesmos não as realizaram apesar de interpelados para o efeito, porém esse facto, aliado à falta de licença de utilização, apesar de ter servido de fundamento da resolução do contrato operada pela Apelante, e de esta poder cumular a resolução com uma indemnização em termos gerais, não se confunde com a indemnização por ela peticionada a título de ressarcimento de benfeitorias, soçobrando a pretensão indemnizatória a esse respeito pelas razões acima expostas. Indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da cessação da utilização do locado determinada por falta de licença de utilização e por falta de condições sanitárias.
É um dado adquirido que a entidade camarária competente em 21.07.2021, na sequência de vistoria à fração locada à Apelante, determinou a cessação de utilização da mesma por se encontrar a ser ocupada sem a necessária autorização de utilização e por não existirem condições higio-sanitárias para o exercício da actividade (pontos 16 e 17 dos factos provados) e que em decorrência desse despacho a Apelante encerrou o seu estabelecimento comercial lá instalado e ficou impedida de exercer no locado a sua atividade profissional de esteticista e manicure (ponto 18 e 18-A por nós aditado).
Também não está questionado que apesar disso os Apelados não procederam às obras determinadas por aquela entidade para repor as condições sanitárias necessárias, nem provaram ter sido requerida a obtenção da licença de utilização (genérica, para comércio), apesar de interpelados para o efeito, factos esses indispensáveis para que a Apelante pudesse retomar a sua actividade no locado, pelo que a Apelante resolveu o contrato, resolução essa que também não é questionada em sede deste recurso.
Conforme decorre do art. 1086º nº 2 do CC, a resolução é cumulável com a responsabilidade civil, reforçando a regra geral já consagrada no art. 801º nº 2 do CC.
Os arts. 798º, 562º e 563º do CC estabelecem quais os pressupostos da responsabilidade civil contratual ou obrigacional: o incumprimento do contrato; por acto imputável ao devedor(culpa); do qual resultem danos; havendo nexo de causalidade entre o incumprimento e os danos.
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art. 798º CC), sendo que, para se apurar da culpa compara-se a conduta do agente com o que teria, nas mesmas circunstâncias externas, um bonus pater familias.
Na responsabilidade contratual incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º nº 1 do CC).
Há, pois, uma presunção legal iuris tantum de culpa do devedor no incumprimento obrigacional.
Ao credor basta provar a celebração de um contrato, o objecto do mesmo, o incumprimento da obrigação pelo devedor, da qual resultem danos, e o nexo de causalidade entre o incumprimento e os danos.
O dano enquanto pressuposto da responsabilidade civil (neste caso contratual) e facto constitutivo do direito dos requerentes a formular um pedido de indemnização por factos ilícitos, cujo ónus de prova cabe aos autores desse pedido, tem de ser aferido primeiro no plano daverificação da existência de danos sofridos pelo demandante e, só depois no plano da sua quantificação, em termos que permitam o cálculo da indemnização a cargo do responsável pelo prejuízo causado.
Se falta a prova do dano é inegável que tem de soçobrar o pedido indemnizatório por falta de um dos pressupostos da responsabilidade civil, porém o mesmo não deve ocorrer se faltar apenas a prova do valor do dano, porquanto a indemnização por equivalente, necessária à reparação do dano infligido, pode ser ulteriormente alcançada em sede de incidente de liquidação ou ser mesmo fixada em termos de equidade.
Como escreve Maria João Vasconcelos, “no caso de resolução judicial por iniciativa do arrendatário, o pedido de indemnização só terá êxito se o fundamento invocado para a resolução do contrato for imputável ao senhorio”[3], o que no caso se apurou ter sido.
No caso sob apreciação é inegável que houve incumprimento contratual por parte dos Apelados, por acto que lhes é imputável- omissão de obtenção de licença de utilização e falta de realização de obras extraordinárias no locado determinadas pela entidade camarária, e requeridas pelo fim do contrato-e que tal causou o encerramento do estabelecimento comercial da Apelante uma vez que ficou impedida, por imposição camarária, de continuar a exercer a actividade que até então lá exercia desde 2009.
Segundo o art. 1070º do CC “o arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível” (nº 1) e, por outro lado, a regulamentação quanto à verificação daquele requisito está prevista em «diploma próprio» (nº 2).
Este outro diploma veio a ser publicado a 8.08.2006 através do DL n.º 160/2006, diploma que regula os elementos do contrato de arrendamento e os requisitos a que obedece a sua celebração –art. 1º do citado DL n.º 160/2006.
Ora, embora tenha ficado consignado no contrato de arrendamento junto aos autos (quer no de 2009, quer no de 2015) a existência de licença de utilização, menção esta exigida pela alínea d) do citado art. 2º do aludido DL n.º 160/2006 (também no anterior art. 8º do RAU), o que é facto é que se veio a concluir, após a vistoria efectuada pela CM, que a tal licença não existe, não tendo sido solicitada a respectiva autorização de utilização da fração, incumbência do senhorio por se tratar de licença de utilização genérica do locado, neste caso para comércio.
Se é certo que a falta de algum ou alguns dos elementos referidos nos artigos 2º e 3º (como é o caso da licença de utilização, prevista sob a alínea d) do art. 2º ) não determina a invalidade ou ineficácia do contrato, quando possam ser supridas nos termos gerais(…) o n.º 7 do art. 5º do citado DL n.º 160/2006 refere que na situação prevista no n.º 5 do mesmo artigo (inexistência de licença de utilização imputável ao senhorio), o arrendatário pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais pelos danos sofridos.
Não é consensual nem na doutrina, nem na jurisprudência, se essa indemnização é só pelo interesse contratual negativo ou danos negativos, ou se também se admite a ressarcibilidade do interesse contratual positivo (sobre este dissesso ver Ana Prata, em anotação ao art. 801º do CC e Brandão Proença)[4], mas é pacífica a cumulação, num contrato bilateral, do direito à resolução com o direito a uma indemnização nos termos gerais, verificados que estejam os pressupostos legais da responsabilidade civil, neste caso contratual.
Efectivamente, em face da factualidade apurada nos autos temos de dar razão à Apelante, porquanto não nos parece que se possa considerar que o incumprimento em que incorreram os Apelados foi inconsequente, uma vez que causou a cessação da actividade da Apelante no locado de forma prematura e inesperada, a qual se viu impedida de um dia para o outro de continuar a sua actividade comercial por força da inação dos Apelados que nada fizeram para repor as condições higio-sanitárias do locado e para obter a licença de utilização indispensável para que fosse levantada a proibição de utilização da fração por ordem dos serviços camarários competentes, impedimento esse que ocorreu desde Julho de 2021 até à cessação do contrato de arrendamento por resolução promovida pela Apelante em Setembro de 2021.
Foi a conduta dos Apelados que causou o encerramento do estabelecimento comercial da Apelante, como se comprova da factualidade apurada nos autos, não tendo estes demonstrado, conforme haviam alegado, que o estabelecimento já estivesse encerrado anteriormente à vistoria da CM e a Apelante dele não retirasse rendimentos.
Se é certo que a Apelante não logrou provar o facto vertido no ponto 33 isso não significa que não tenha ficado apurada a existência de danos sofridos pela Apelante em consequência do incumprimento contratual dos Apelados, apenas não se logrou quantificar os danos de natureza patrimonial decorrentes do encerramento do estabelecimento a que a Apelante se viu obrigada perante a inação dos Apelados em fazer obras e obter a licença de utilização.
A inexistência de prova do valor necessário à reparação do dano não equivale à inexistência de dano.
O montante da indemnização deve equiparar-se à diferença entre a situação real em que o lesado agora se encontra e a situação hipotética em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (art. 562º do CC).
E a obrigação de indemnização existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º do CC), constituindo a perda de clientes- que a Apelante alegou expressamente na petição inicial- um dano indemnizável e devido a conduta ilícita dos Apelados.
Não fora o incumprimento contratual dos Apelados, e a Apelante teria tido a possibilidade de continuar a atender os seus clientes naquele locado como fizera até então, tendo ficado impedida de o continuar a fazer, e essa repercussão económica negativa no seu património existe, apesar de não ter ficado devidamente quantificado o montante exacto dos prejuízos sofridos.
Demonstrado que está o incumprimento contratual dos Apelados e a existência daquele dano sofrido pela Apelante, por aqueles causado, tal como acima se fez menção, tem de se concluir que a Apelante fez prova dos pressupostos necessários à procedência da sua pretensão indemnizatória, só estando por liquidar o montante da indemnização.
“Na ausência de elementos que permitam estabelecer a indemnização devida, a fixação do valor correspondente é remetida para uma decisão ulterior. O regime prossegue uma melhor adequação da sentença à realidade, atribuindo prevalência à averiguação dos danos em alternativa a uma fixação equitativa imediata da indemnização.”[5]
O apuramento do valor necessário à reparação dos danos não constitui, de todo, pressuposto da responsabilidade civil que subjaz como fundamento da pretensão indemnizatória deduzida pela Apelante, podendo a falta de prova da quantificação do valor indemnizatório, assente que está o dano, ser alcançado em incidente de liquidação (art. 358º do CPC), tendo-se como limite máximo da condenação dos Apelados o valor aqui peticionado pela Apelante a esse título- €6.000,00.
Assim o prevê o art. 609º nº 2 do CPC, normativo que segundo Francisco Ferreira de Almeida, “expressa que se não houver elementos (face ao resultado probatório adquirido) para fixar o objecto ou a quantidade, designadamente por via de cálculo aritmético, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida. Assim, se constituir objecto da lide uma situação de responsabilidade civil, para que possa haver lugar a incidente de liquidação torna-se necessário que hajam ficado provados na acção principal os factos relativos ao dano ou prejuízo sofrido pelo autor ou pelo réu reconvinte, ou seja, que hajam sido dados como assentes na sentença elementos fácticos relativos ao dano e incerteza da sua dimensão quantitativa, cuja concretização não pode exceder o pedido adrede formulado nos articulados dessa acção.”[6]
E é esta, salvo melhor opinião, a situação dos autos, em que figura provado o dano- o encerramento compulsivo do estabelecimento comercial que até então estava a funcionar no locado- mas por insuficiência do material probatório produzido, mantém-se a incerteza quanto à quantificação desse dano, estando reunidas as condições para se condenar os Apelados na indemnização que vier a ser liquidada ulteriormente, altura em que deverá ser devidamente concretizado o dano da perda de clientela durante o período em que a Apelante se viu impedida, por imposição camarária, de desenvolver a sua actividade no locado e até que pôs fim ao contrato.
É certo que a Apelante, na ausência de prova do valor exacto dos danos, pediu sob a Conclusão 26 que o tribunal condenasse os Apelados com recurso à equidade.
Refere o art. 566º nº 3 do CC que, se não puder ser averiguado o valor exacto dos prejuízos sofridos pelo lesado, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Não obstante, entendemos que os autos não dispõem de elementos provados suficientes para que o tribunal fixe esse valor indemnizatório em termos de equidade, afigurando-se, apesar de tudo, provável que o valor exacto dos danos possa ser apurado com recurso a prova complementar, podendo essa fixação vir a ocorrer em sede do incidente de liquidação previsto no art. 358º nº 2 do CPC, faculdade de que o tribunal se pode socorrer ainda que a Apelante não tenha formulado na petição inicial um pedido genérico.
No mesmo sentido, leia-se a anotação ao art. 609º do CPC vertida na obra de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, da qual consta que, “mesmo em casos em que o autor tenha quantificado a sua pretensão, a ação pode culminar com uma sentença de teor genérico ou ilíquido desde que, sendo apurada a existência do direito e da correspondente obrigação, os elementos de facto se revelem insuficientes para a quantificação, mesmo com recurso à equidade.
Esta é, aliás, uma posição que encontra na jurisprudência um larguíssimo consenso, rejeitando uma argumentação formal que valorizasse o facto de, assim, se conceder ao autor uma dupla oportunidade para o reconhecimento do mesmo direito. Tal não é verdade se considerarmos, como se impõe, que uma sentença de condenação ilíquida pressupõe a demonstração de que existe um direito que apenas carece de concretização suscetível de ser conseguida ainda através do subsequente incidente de liquidação.
A opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação subsequente deve dirimir-se a favor do meio que dê mais garantias de se ajustar à realidade. Por isso, se for previsível que o valor exato do dano será apurado com prova complementar, deve preferir-se a condenação genérica; já se, apesar de provado o dano, não for previsível que possa determinar-se o seu montante exacto com recurso a prova complementar, deve fixar-se logo a indemnização com recurso à equidade (STJ 21-3-19, 4966/17 e STJ 3-2-09, 08A3942).”[7]
A esse propósito cita-se também Henrique Sousa Antunes, em anotação ao art. 566º do CC, que entende que “a conjugação entre o artigo 566º nº 3 e o artigo 609º nº 2 do CPC parece revelar a natureza subsidiária da apreciação equitativa dos danos a respeito da averiguação desse valor em liquidação ulterior, pressupondo que os factos provados indiciem a possibilidade de uma quantificação certa dos prejuízos. Neste sentido, por ex., os Acs. STJ 20.11.2012 e RL 06.04.2017. Lê-se no último: «Com efeito, sempre que carecerem os autos de elementos para fixar a exata quantia que uma das partes deveria ser condenada a responder perante a outra e, a considerar o Tribunal que havia possibilidade de averiguar em momento ulterior, o montante dos prejuízos alegadamente sofridos, teria, por certo, de relegar o seu apuramento para liquidação ulterior, fixando como limite máximo desses prejuízos o valor peticionado.»”[8]
Em suma, entendendo-se que a Apelante logrou provar os pressupostos de facto necessários à condenação dos Apelados a pagarem-lhe uma indemnização que consubstancie o ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos com a impossibilidade de utilização do locado para o exercício da sua actividade profissional (já que quanto aos danos não patrimoniais mantêm-se como não provados sob o ponto 34), não se pode manter a sentença recorrida na parte que julgou aquela pretensão improcedente.
Contudo, na ausência de prova suficiente de elementos para fixar a exata quantia que os Apelados deverão ser condenados a pagar à Apelante, dever-se-á relegar a liquidação da indemnização devida pelos Apelados à Apelante para momento ulterior à presente decisão, fazendo-se uso da possibilidade consagrada no art. 609º nº 1 e 2 do CPC, por se afigurar bastante provável que se consiga averiguar, através de prova complementar, a dimensão quantitativa do dano, que não se logrou fazer apenas porque a prova incipiente produzida em julgamento não o permitiu com segurança (neste mesmo sentido Ac RP de 4/5/2022, Proc. nº1124/19.6T8PVZ.P1; Ac RP de 5/4/2022, Proc. Nº 204/20.0T8AMT.P1; Ac RP de 17/6/2021, Proc. Nº 268/13.2 T8GDM.P1, www.dgsi.pt).
Relativamente aos juros sobre a importância indemnizatória a calcular em sede de liquidação, não se contarão desde a resolução conforme peticionou a Apelante, mas da notificação dos Apelados para o incidente de liquidação a impulsionar pela Apelante (neste sentido Ac STJ de 11-12-2012, CJ Ano XX, Tomo 3, p. 269 citado na referida obra de Francisco Ferreira de Almeida).
Uma última palavra para a questão das custas, cuja condenação em 1ª instância terá de ser alterada em função do aqui decidido, afigurando-se adequado que a condenação recaia sobre ambas as partes, porquanto a Apelante havia formulado um pedido líquido e a presente decisão será ilíquida, em parte devido à insuficiência dos meios probatórios apresentados pela Apelante, na proporção provisoriamente de metade para cada uma, sem prejuízo dos acertos que se venham a justificar após a efectivação da liquidação. (neste sentido António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. Cit., p. 755).
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V. DECISÃO: Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, revogando-se em parte a sentença recorrida e, condenando-se os Apelados/Réus a pagar à Apelante indemnização em quantia a liquidar ulteriormente, em incidente de liquidação, com o limite máximo do valor peticionado de €6.000,00 (Seis Mil Euros), resultante da cessação da actividade exercida no locado durante o período de 23 de Julho de 2021 a 2 de Setembro de 2021, acrescida de juros legais desde a data da notificação do pedido de liquidação até efectivo e integral pagamento.
Custas em ambas as instâncias, por Apelante e Apelados, na proporção do decaimento, provisoriamente fixado em metade para cada uma das partes, sem prejuízo do acerto que se justificar após a efectivação da liquidação.
Notifique.
Porto, 8.04.2025
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora)
João Diogo Rodrigues
(1º Adjunto)
Lina Castro Baptista
(2ª Adjunta)
(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
__________________________ [1] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência [2] Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 11ª edição, pág. 87 [3] Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, UCP, pág. 514 [4] Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord) Vol I, pág. 1003 e Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, UCP, pág. 1119 [5] Comentário ao Código Civil, UCP, p. 561 [6] Direito Processual Civil, Vol. I, p. 605 [7] CPC Anotado, Vol. I, p. 755 [8] Comentário ao Código Civil, UCP, p. 572