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ATO MÉDICO
PESSOA SEM HABILITAÇÃO LEGAL
CONSENTIMENTO INVÁLIDO
Sumário
I - A realização de uma intervenção cirúrgica, por pessoa sem habilitação legal, configura a violação do direito fundamental à integridade física, independentemente da eventual autorização do lesado ou da correcta execução da mesma. II - O consentimento prestado a quem não tinha o dever legal de elucidar o paciente (sobre as especificidades da intervenção e dos eventuais riscos para a sua saúde) por não ser médico, é inválido e, por isso, não justifica a ilicitude resultante da prática de um acto médico por quem não está autorizado por lei.
Texto Integral
Processo n.º 9650/21.0T8PRT.P1
Relatora: Anabela Andrade Miranda
Adjunto: Ramos Lopes
Adjunta: Raquel Lima
AA, residente na Rua ..., ..., instaurou a presente acção declarativa condenatória, com processo comum, contra BB, residente na Rua ..., ..., CC, residente na Rua ..., Quinta ..., ... e “A..., Lda.”, com sede na Av. ..., ..., ..., pedindo a condenação solidária dos Réus a pagar-lhe a quantia de 40.000,00 €, a título de danos não patrimoniais e de 20.000,00 € a título de lucros cessantes, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.
Para o efeito, alegou, em suma, que teve uma primeira consulta com o 1.º R., na suposta qualidade de médico, na clínica, que a avaliou com condições para ser intervencionada com uma lipoaspiração, e depois com o 2.º R., director clínico, que se apresentou como o médico que, juntamente com outro profissional, iria realizar a mencionada cirurgia, porém levada a cabo apenas por aquele, enfermeiro de profissão, facto desconhecido por si mas do conhecimento dos demais RR., sem habilitações para tal cirurgia cujos resultados, foram, por isso danosos para o seu corpo e para a sua saúde física e psíquica.
O 1.º Réu invocou a prescrição do alegado direito da Autora e impugnou os demais factos.
O 2.º Réu negou que tenha tido qualquer participação na referida intervenção levada a cabo pelo 1.º R., que a Autora não desconhecia ser enfermeiro, assim como não desconhecia os riscos associados a tal intervenção, cujos danos a terem existido não merecem ser ressarcidos por si por prescrição do respectivo direito.
Pediu, em todo o caso, a intervenção acessória da Companhia de Seguros “B...–Companhia de Seguros, S.A.”, com quem celebrou um contrato de seguro pelo exercício da sua actividade profissional como médico especialista em cirurgia geral.
A 3.ª Ré afirmou que a equipa que levou a cabo a intervenção cirúrgica em causa era constituída pelos 1.º e 2.º RR e ainda por um outro enfermeiro e da mesma não resultou qualquer dano para a A. tanto mais que a mesma não comporta qualquer risco para a saúde dos intervencionados.
Em reconvenção, pediu a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de 4.050,00 € correspondente ao custo dos tratamentos que a A. fez na Clínica após a cirurgia e bem assim a condenação da mesma como litigante de má-fé em multa e indemnização.
Em resposta, a Autora defendeu que os tratamentos recebidos depois da 1.ª intervenção foram uma oferta da 3.ª R. para reparar os danos por si sofridos em consequência daquela primeira intervenção pelo que não há lugar ao seu pagamento cujo custo a ser um crédito já está prescrito.
Admitida a sua intervenção acessória, a B... defendeu que o 2.º R. não interveio na cirurgia e que o alegado direito da A. já se encontra prescrito, ao que a A. respondeu que os danos que sofreu só se consolidaram no ano de 2016.
Posteriormente, a contestação do 2.º R. foi dada sem efeito.
Foi proferido despacho saneador, em que as excepções da prescrição foram julgadas improcedentes - de que houve recurso por parte do 2.º R., julgado improcedente.
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Proferiu-se sentença que julgou parcialmente procedente a presente acção e improcedente o pedido reconvencional, e, em consequência, condenou os Réus, solidariamente, a pagarem à Autora a quantia de 30.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a data da presente sentença até integral pagamento, absolvendo-os do restante pedido e absolveu a A. do pedido reconvencional.
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Inconformado com a sentença, o 1.º Réu, interpôs recurso finalizando com as seguintes Conclusões
1.ªO presente recurso vem interposto da sentença que julgando a acção parcialmente procedente condenou o Recorrente, solidariamente, com os demais Réus ao pagamento da quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), a título de indemnização.
2.ªO Recorrente nos termos a seguir expostos não se conforma com a referida decisão.
3.ªNos termos constantes na decisão em recurso constata-se que foi entendimento que a Recorrida sofreu danos que resultaram da actuação culposa do Recorrente e dos demais Réus, que existiu nexo de causalidade entre o comportamento dos mesmos e os danos e que os mesmos merecem ser ressarcidos.
4.ªFoi assim entendimento que a Recorrida sofreu danos, no caso lesões físicas e sofrimento psicológico, mormente, como se diz na decisão, a vergonha, angústia e humilhação que a Recorrida sentiu por ter sido cirurgicamente intervencionada por quem não tinha autorização.
5.ªAssim, antes de mais, analisando a petição inicial, ou seja, a causa de pedir e o pedido, constata-se que a Recorrida fundou a sua causa de pedir no facto de ter efectuado uma intervenção cirúrgica estética por quem não tinha competência profissional, e, consequentemente a mesma foi incorrectamente efectuada e daí resultaram vários danos estéticos e psicológicos.
6.ªNão fundou o seu pedido no facto de como se sentiu por alegadamente ter descoberto que a pessoa que lhe fez a intervenção cirúrgica não era médico, mas nos danos estéticos que resultaram no seu corpo e nos danos psicológicos que lhe causaram tais resultados.
7.ªPorém, o Recorrido e demais Réus foram condenados a indemnizar a Recorrida pelos danos psicológicos que a mesma sofreu por a intervenção estética que lhe foi realizada não ter sido efetuada por um médico.
8.ºAssim o demonstram os factos dados como provados, bem como os factos não provados, e como está escrito na sentença “Note-se que, da matéria de facto não resulta que a cirurgia tenha sido executada de forma deficiente e que as lesões sofridas se devam à má técnica empregue”.
9.ª Sendo assim, o Tribunal “a quo” deu como provado que a Recorrida em virtude da intervenção a que foi submetida ficou abalada psicologicamente fruto do desgosto, tristeza, angustia e humilhação que sofreu com essa intervenção (ponto 39 da matéria de facto provada).
10.ªOra, ressalvado o devido respeito por melhor opinião, o Recorrente não descortina onde é que esses factos que foram dados como provados foram alegados pela Recorrida. Não se desconhece é certo que o Tribunal “a quo” pode considerar factos que não tenham sido alegados e que resultem da instrução (como parece resultar da motivação). Porém, caso o entenda fazer, o Tribunal “a quo” tem que sinalizar esses factos antes da prolação da sentença, dar conhecimento às partes e possibilidade de quanto aos mesmos se pronunciar, e requerer a produção de prova.
11.ªO que não foi feito, e a ser assim não poderia a decisão proferida tomar em consideração tais factos, e por essa razão a decisão proferida é nula, com as legais consequências, o que se requer.
12.ªSem prescindir, como já atrás se referiu, analisando a acção cível deduzida pela Recorrida, mais concretamente a causa de pedir, constatamos que a mesma para sustentar o pedido de indemnização deduzido alegou e sustentou que a cirurgia a que foi submetida não foi correctamente efectuada a daí as lesões que alega ter sofrido (artigos 31º a 35º da petição inicial).
13.ªPor outro lado, a Recorrida faz referência ao processo crime em que o Recorrido foi condenado por usurpação de funções, alegando que aí deduziu pedido cível mas por decisão judicial foi a apreciação do mesmo remetida para os meios comuns.
14.ªCom efeito, toda a causa de pedir assenta no facto de a cirurgia ter sido mal efectuada, e sustentando esse facto, desde logo, por a mesma ter sido efectuada por quem não estava habilitado a faze-la (veja-se artigo 72 da petição inicial, da prática daquele acto resultaram sem dúvida as lesões supra descritas).
15.ªPorém, quais os danos que a Recorrida sofreu que foram causados pela actuação do Recorrente – nenhum (atente-se nos factos dados como não provados). De modo que, não existe qualquer nexo de causalidade entre os danos constantes dos artigos 36º, 37º, 38º, e 39º dos factos dados como provados, e o alegado acto ilícito praticado pelo Recorrente.
16.ªTodavia, poder-se-á entender que quanto aos factos dados como provados no artigo 39º poderá existir nexo de causalidade, ou seja, “em virtude da intervenção supra referida em 13) e 14) a A ficou abalada psicologicamente fruto do desgosto, tristeza, angústia e humilhação que sofreu com essa intervenção”.
17.ªIsto porque, apenas poderão ser estes danos que sustentam a valor da indemnização atribuída pelo Tribunal “a quo”.
18.ªOra, como atrás se disse, da análise da petição inicial resulta claro e evidente que toda a causa de pedir e pedido da Recorrida assenta nos danos que para mesma terão advindo da intervenção cirúrgica incorrectamente efectuada, a que foi submetida por pessoa não habilitada.
19.ªDaí os exaustivos danos estéticos, biológicos e psicológicos que alegou. Sendo certo que, foi dado como provado que todos esses danos não foram consequência do desempenho do Recorrido e dos demais Réus, mas na sentença em recurso diz-se que “reconhecendo em todo o caso, que a A, como declarou de forma sentida e credível, se sentiu humilhada, envergonhada, e angustiada por ter sido intervencionada por quem não tinha habilitações para o efeito”.
20.ªPelo que, a condenação decidida pelo Tribunal “a quo” é claramente diversa do pedido de maneira que a sentença proferida violou o disposto no artigo 609º do C. P. C., sendo consequentemente nula (artigo 615º, n.º 1, alinea e)), o que se requer.
21.ºPor outro lado, mas sem prescindir de todo o atrás exposto, o Tribunal “a quo” deu como provado que a Recorrida em virtude da intervenção a que foi submetida ficou abalada psicologicamente fruto do desgosto, tristeza, angústia, e humilhação que sofreu com essa intervenção.
22.ªAssim, quanto às lesões, como atrás se alegou, as mesmas não têm como causa qualquer comportamento ou acção do Recorrido. Sendo que, foi a Recorrida que procurou e pretendeu realizar a intervenção cirúrgica em causa, aquela foi executada correctamente e as ditas lesões apresentadas não derivam de qualquer serviço incorrectamente feito.
23.ªQuanto à referida vergonha e humilhação sentidas pela Recorrida por a intervenção ter sido realizada por quem não tinha autorização sua para o fazer, sem prejuízo do atrás alegado sobre estes factos, cumpre dizer o seguinte.
24.ªComo consta dos autos (mensagem de fls. 72), existe uma mensagem da Recorrida para o Recorrente datada de 01/04/2015, depois da intervenção cirúrgica, em que a mesma se dirige ao mesmo como enfermeiro, ou seja, pelo menos a partir dessa data, é certo que sabia que o mesmo era enfermeiro. Nessa mesma mensagem a Recorrida solicita-lhe uma nova intervenção e pretende ser novamente intervencionada. É certo que diz-se na sentença em recurso que tal não significa que essa intervenção fosse novamente invasiva nem que a ser houvesse um conhecimento da profissão do Recorrente antes da vibrolipoaspiração.
25.ªO que se aceita e entende, mas o que a mensagem demonstra claramente é que se não antes pelo menos nessa data a Recorrida sabia que o Recorrente era enfermeiro. A forma por que a Recorrida se dirige ao Recorrente não é consentânea de quem ficou angustiada, humilhada e envergonhada. Muito menos o sendo a solicitação de marcação de uma nova intervenção.
26.ª E atente-se que tudo isso se contextualiza temporalmente na altura em que a intervenção para a Recorrida tinha corrido mal, os resultados não seriam o que esperava e teria mesmo descoberto que quem lhe tinha efectuado a intervenção não seria pessoa com qualificações para tal. A normalidade dos factos ditaria que a Recorrida sim nem quisesse falar com o Recorrente, quanto mais solicitar-lhe a marcação de uma nova intervenção.
27.ªPelo que, o valor atribuído para ressarcir os danos é não só infundado, em face de todo o contexto exposto. Mas e sem prescindir sempre se revela um valor manifestamente exagerado sem qualquer critério de equidade devendo ser reduzido substancialmente, o que se requer. Assim se fazendo Justiça!
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A Autora respondeu, concluindo da seguinte forma:
1- O Recorrente apresentou recurso de apelação por não se conformar com a decisão proferida, pois entende que o valor que foi condenado é exagerado e infundado em virtude de não ter sido dado como provado que as lesões sofridas pela Autora se devem a qualquer má técnica.
2- Para além de tal, o Recorrente suscita a nulidade da sentença por violação do artigo 609º do CPC por no seu entendimento o Tribunal “a quo” o ter condenado em objeto diverso do pedido e por ter dado como provado factos não alegados pela Recorrida.
3- Contudo, e no quanto ao facto do Tribunal “a quo” condenar em objeto diferente do pedido não assiste razão ao Recorrente.
4- O Recorrente olvidou-se de atentar no despacho saneador de 16 de outubro de 2022 com a Refª Citius (440274687), nomeadamente o objeto da ação e os temas de prova.
5- Isto porque, o objeto da ação é o pedido de indemnização pela intervenção levada a cabo pelo Recorrente sem habilitação para o efeito com o consentimento dos 2º e 3º Réus e os temas da prova vão no mesmo sentido.
6- Desta forma, fica demonstrado que o Tribunal “a quo” respeitou o objeto da ação na sentença recorrida.
7- Se era entendimento do Recorrente que o objeto do litígio deveria ser outro, deveria ter reclamado ou recorrido do despacho saneador no prazo legalmente fixado para o efeito, algo que não fez.
8- Razão pela qual terá que forçosamente que improceder a nulidade arguida.
9- Por outro lado, e quanto ao facto do Tribunal “a quo” dar como provados factos não alegados pela Recorrida, também não assiste qualquer razão ao Recorrente porquanto tal matéria foi alegada pela mesma nos pontos 39, 123, 124, 125, 128, 130, 132 e 135 da Petição Inicial.
10-Assim,e uma vez que não se verifica a arguida nulidade deve a mesma ser julgada improcedente.
Sem prescindir,
11- Da matéria recursiva resulta que o Recorrente pretende alterar a matéria de facto por entender não se verificar o nexo de causalidade.
12-Para tal, cumpria ao Recorrente dar cumprimento ao ónus de especificação previsto no artigo 640º nº 1 do CPC, algo que não fez, pois, a matéria recursiva é omissa no que respeita à enumeração dos concretos pontos que considera incorretamente julgados.
13-Não o tendo feito, deverá o presente recurso ser liminarmente rejeitado, com as demais consequências legais.
14- Acresce que, ao longo do seu recurso de apelação, o Recorrente referiu que inexiste nexo de causalidade entre a sua atuação e as lesões da Autora.
15-O Recorrente parte da errada premissa que o objeto da ação é um pedido de indemnização pelos danos causados pela má técnica utilizada na intervenção, o que viciou o seu raciocino.
16-O que o Recorrente se olvidou foi de atentar nos factos dados como provados e na respetiva Motivação, designadamente nos factos dados como provados 11, 13, 14, 19, 21, 22, 34, 35, 36 e 37.
17- Em boa verdade, o Recorrente foca toda a sua insistência para demonstrar que não teve nada a ver como a vibrolipoaspiração em causa, contudo nunca poderá negar a prática da mesma, tanto que tal consta dos factos dados como provados e o mesmo não impugnou.
18-O Recorrente olvida-se de que o objeto da ação é precisamente o facto de a Autora ter sido intervencionada por quem não tinha competência para tal, já que não foi isso que consentiu e solicitou: a Autora consentiu numa intervenção cirúrgica designada por vibrolipoaspiração que se traduz num ato médico (parecer de fls. 34) e que, como tal, carece de ser realizada por médico.
19-O que não se verificou.
20-Assim, encontram-se verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil em relação ao Recorrente.
21-De facto, o Recorrente imputa à Recorrida a sua própria responsabilidade, pois agarra-se ao facto de a mesma ter pretendido realizar a intervenção. Olvidou-se foi que a mesma escolheu realizar tal intervenção aos cuidados de um médico, e não e de um enfermeiro.
22- Por fim, e quanto ao valor atribuído à indemnização, o Recorrente ampara-se numa mensagem de fls. 72, onde a Recorrida se dirige ao mesmo como sendo enfermeiro.
23-Contudo e mais uma vez, o Recorrente sobrepôs a sua convicção ao entendimento do Tribunal “a quo”, pois o normal é que tendo a Recorrida descoberto que a intervenção foi realizada por quem não tinha competência para tal, realizasse tratamentos na Clínica da 3ª Ré, onde o Recorrente exercia funções conforme foi dado como provado no ponto 34, porquanto tais tratamentos eram gratuitos.
24- Assim, salvo devido respeito, toda a matéria recursiva não passa de uma tentativa vã e desesperada do Recorrente imiscuir-se à sua responsabilidade.
25-Devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, e ser mantida a decisão recorrida.
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O 2.º Réu também apresentou recurso e formulou as seguintes Conclusões
1. Por ter sido alegado pelo recorrente na sua contestação (artigos 7.º, 8.º e 11.º), estarprovado por documento junto aos autos pela Autora em 28-11-2023 e ser manifestamente relevante para a boa decisão da causa, deveria o tribunal a quo ter dado como provado que: «No dia 1 de abril de 2015, a Autora e o Réu BB trocaram as seguintes mensagens através da rede social Facebook:
(1) Boa noite Sr. Enfermeiro, peço desculpa estar a contactá-lo por esta via, todavia, quero pedir-lhe se amanhã faz o favor de me ligar no sentido de agendarmos a intervenção. Aproveito para lhe transmitir o meu descontentamento por ter sido necessário chamá-lo para constatar um facto que há muito andava a manifestar à sua colega. Acho que houve algum desleixo da sua parte em avaliar regularmente a evolução. Caso contrário poderíamos já ter resolvido com muito custo da minha parte pois o meu maior receio era este…escusava de andar a perder tempo e idas para a clínica durante estes meses, também não corria o risco de ir de férias com vergonha de expor o abdómen. Mesmo assim e sem garantias de que vá ficar bem, peço-lhe que veja a sua agenda a fim de marcarmos com a maior celeridade possível.
(2) Boa noite Sofia, as avaliações de pacientes submetidas a lipoaspiração no seu caso vibrolipoaspiração só são efetuadas na realidade a partir dos 3 meses pós intervenção, no seu caso vão quatro meses, foi o momento de a fazer e poder ser reintervencionada segundo a informação que me foi passada durante estes meses foi de que houve melhorias, no entanto este é o momento de corrigir essa questão nem eu nem o diretor clínico reintervencionamos pacientes antes dos 3 a 4 meses pós intervenção. Dai ter esperado até agora. No entanto reafirmo a minha confiança de que irá ficar satisfeita com o resultado final. A sua situação é uma situação que pode acontecer e que é facilmente resolvida.
(3) Compreendo, mas para mim não é facilmente pois desta vez já sei o que me espera e posso garantir-lhe que foi muito doloroso o durante e pós-operatório (e eu até tenho alguma resistência à dor). Então p.f ligue-me amanhã. Obrigada.
(4) Mas o tipo de intervenção a que irá ser submetida é completamente diferente.»
2. Por ter sido alegado pelo apelante na contestação (artigos 22.º, 23.º e 24.º), estar provado por certidão judicial junta como documento 2 do mesmo articulado e ser relevante para a boa decisão da causa, deveria o tribunal recorrido ter dado como provado que «No dia 17 de fevereiro de 2017 a Autora enviou à Ordem dos Enfermeiros um email denunciando o 1.º Réu pela prática de atos médicos. No seguimento dessa participação, em 20 de fevereiro de 2017, a Ordem dos Enfermeiros reenviou ao Presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos, o email da autora “para tomada de conhecimento e os efeitos tidos por convenientes. Foi com base nessa comunicação da Ordem dos Enfermeiros que a Ordem dos Médicos apresentou contra o Réu BB a queixa-crime por usurpação de funções, que deu origem ao processo 4540/17.4T9PRT, do juízo local criminal do Porto, Juiz 7»
3. Por ter sido alegado pelo recorrente na sua contestação (artigos 48.º, 49.º e 50.º) e ser relevante para decisão da causa, designadamente, aferir da complacência do 2.º Réu para com os atos praticados pelo 1.º R., deveria o tribunal recorrido ter dado como provado e feito constar da factualidade assente que:
«No período em que foi Diretor Clínico, o 2.º Réu quis transformar a A..., num centro com serviços médicos de várias especialidades, incluindo cirurgia plástica.»
«Contactou a Dra DD com o objetivo de esta prestar serviços de cirurgia plástica na Clínica, tendo a referida médica se deslocado ao local e visitado as instalações.”
4. Sobre esta matéria incidiu não só depoimento do recorrente, mas, principalmente, o da sua testemunha, Dra DD, cirurgiã plástica (depoimento prestado na audiência de julgamento realizada em 03-04-2024, gravado no sistema habilus aos minutos 14:20 a 14:50).
5. O depoimento desta testemunha não foi objeto de qualquer tipo de desmerecimento por parte do tribunal, até porque se tratou de um depoimento escorreito, assertivo, sem hesitações, desapaixonado, desinteressado e com conhecimento direto dos factos sobre que incidiu.
6. A matéria vertida no ponto 31) dos factos provados está incompleta e foi retirada do seu contexto, que é relevante. Nem a Autora, nem os RR. alegaram este facto nos seus articulados. Tal matéria teve origem no relatório clínico firmado pelo Dr. EE, datado de 07-06-2016 e que foi junto aos autos pela Autora em 09-04-2024.
7. Deve constar da factualidade assente que «Em 07/06/2016 o Dr. EE elaborou o relatório clínico junto aos autos pela Autora em 09-04-2024, fazendo nele constar que a doente em referência apresenta lipodistrofia abdominais pós lipoaspiração realizada em dezembro de 2014. Poderá ter algum benefício com lipoaspiração ultrasónica e ou vibratória nas áreas periumbilical e epigástrica embora não se possa ter a certeza da recuperação «ad integrum» da normal morfologia. A referida cirurgia terá o custo total de 3200€”»
8. Por ter resultado da discussão da causa, nomeadamente do depoimento do Dr EE (audiência de julgamento de 12/06/2024 entre os minutos 5:30 e 13:20 da gravação áudio), constar da motivação da sentença e ser absolutamente relevante para a decisão a proferir, deverá aditar-se à matéria assente o seguinte ponto: «As cicatrizes, irregularidades na distribuição da gordura (lipodistrofia) e fibroses que a Autora apresenta, são uma consequência normal de uma vibrolipoaspiração, cuja ocorrência também depende do comportamento do organismo da pessoa intervencionada, não podendo considerar que se devam a uma má execução daquela intervenção cirúrgica.»
9. Por ter sido alegado pelas partes, ser relevante para a boa decisão da causa e estar provado, deve ser dada como provada e aditada à factualidade assente a seguinte matéria: “Em data que não se conseguiu apurar, mas posterior a 01/04/2015 a Autora foi submetida a uma intervenção através do umbigo por forma a levantar a pele na expetativa de dar um aspeto mais uniforme às fibroses.”
10. Esta matéria consta do artigo 37.º da PI. Em sede de audiência de julgamento a Autora referiu que esse segundo procedimento foi realizado em finais de fevereiro ou inícios de março de 2015 (minutos 27: 39 e seguintes do depoimento da Autora prestado na audiência de 26/02/2024). Explicou em que consistiu esse procedimento (vide minutos 29:20 e ss. do mesmo depoimento)
11. Confrontando o teor das declarações da Autora com o teor da troca de mensagens com o 1.º Réu via Facebook (junta aos autos a 23/11/2023), resulta de forma evidente, clara e transparente, que no dia 01/04/2015 a Autora ainda só tinha sido submetida à primeira intervenção, isto é, à vibrolipoaspiração.
12. Resulta igualmente que a segunda intervenção – realizada através do umbigo – foi feita em data posterior a 1/04/2015, isto é, quando a Autora já sabia que o 1.º Réu era enfermeiro.
13. Não deve constar da factualidade assente a matéria vertida no ponto 20) dos factos provados.
14. Foram juntos aos autos dois relatórios de dois médicos que analisaram o corpo da Autora, nenhum deles faz referência a pele repuxada ou a nódulos de gordura localizada.
15. O teor da avaliação do Dr. FF consta do ponto 36) dos factos provados.
16. O teor da avaliação do Dr. EE não consta ainda dos factos provados, tendo sido requerido o seu aditamento.
17. Deve constar da matéria assente o teor das observações dos dois médicos e suprimir-se o vertido no ponto 20) por não corresponder ao que foi efetivamente apurado e confirmado em audiência.
18. Também a matéria constante do ponto 28) dos factos provados deve ser eliminada por ser conclusiva e não ter sido produzida qualquer prova que suporte tais conclusões.
19. Não se provou que a A. sofra ou tenha sofrido de qualquer doença mental decorrente da intervenção a que se submeteu.
20. O relatório psiquiátrico junto a fls. 24 v e ss foi, e bem, desconsiderado pelo tribunal.
21. Não foi junta qualquer prova documental de consultas médicas ou de receitas com medicação para o tratamento de depressão ou ansiedade.
22. Em audiência a A. confirmou não ter tomado medicação para a depressão.
23. O tribunal a quo deu erradamente como provado que o aqui recorrente permitiu que o 1.º R. realizasse a vibrolipoaspiração à Autora (ponto 35 dos factos provados).
24. Na PI a Autora alegou todo um conjunto de factos com o objetivo de convencer o tribunal que o recorrente colaborou com os demais RR. no engodo que diz ter sido vítima.
25. Desde uma consulta, até à presença no dia do procedimento para a cumprimentar e dar um comprimido, passando pela entrega do consentimento informado onde consta uma assinatura falsificada do recorrente.
26. Nada disto resultou provado. Toda esta matéria consta dos factos não provados.
27. Apesar de ter sido alegado não foi dado como provado que o apelante tivesse conhecido, consultado ou sequer sabido que a Autora ia submeter-se a uma vibrolipoaspiração levada a cabo pelo Enf.º BB.
28. Também não consta dos factos provados, por não ter sido produzida qualquer prova nesse sentido, que o recorrente autorizasse, fosse conivente ou tirasse proveito da prática de atos médicos realizados pelo Enf.º BB.
29. Foi alegado pelo Autor e resultou provado, tendo sido requerida a sua inclusão na matéria assente, que o apelante diligenciou ativamente pela contratação, que em última instância dependia do dono da clínica, de profissionais médicos competentes e recomendados pelos melhores especialistas.
30. Foi alegado e provado que a Dra DD, cirurgiã plástica, foi contactada pelo recorrente para dar consultas a pacientes da clínica e operá-los em local a definir.
31. Tudo isto por confirmado pela referida médica na audiência de julgamento realizada em 03-04-2024, gravado entre os minutos 14:20 e 14:50.
32. O cuidado e a preocupação do recorrente em dotar a clínica de profissionais aptos e bem recomendados, é absolutamente incompatível com a afirmação vertida no ponto 35) dos factos provados de que permitiu que um enfermeiro intervencionasse uma paciente da Clínica onde desempenhava as funções de Diretor Clínico.
33. O facto de o recorrente ter admitido ter “apanhado” o Enf.º BB a realizar dois procedimentos médicos ao dono da Clínica, não permite concluir, como fez o tribunal, que soubesse ou que devesse saber que o fazia a pacientes da clínica.
34. Menos ainda permitirá concluir que o recorrente sabia e permitiu que o 1.º Réu executasse a vibrolipoaspiração na Autora.
35. Caso o recorrente tivesse outro objetivo que não fosse esclarecer a verdade, teria omitido a referência ao facto de ter tido conhecimento daquelas duas intervenções.
36. A sinceridade do depoimento do recorrente foi desconsiderada pelo tribunal.
37. Em audiência, tal como já havia feito nos articulados, o recorrente negou de forma assertiva e veemente que tivesse colaborado ou por qualquer outra forma, permitido a prática de atos médicos pelo 1.º R.
38. Não foi feita qualquer prova em sentido contrário.
39. No mínimo ficaria a dúvida e a dúvida penaliza quem tem o ónus da prova e não o Réu.
40. É verdade que o recorrente prescreveu a pedido do enfermeiro BB a receita junta aos autos.
41. É verdade que o recorrente passou essa receita sem ter visto a Autora.
42. Não existe nenhuma norma, nomeadamente, deontológica que impeça os médicos de emitirem uma receita ser ver/conhecer o paciente.
43. Cabe ao medico aferir, caso a caso e de acordo com a ética que deve presidir o exercício de qualquer profissão, se o deve fazer ou não.
44. Na motivação da resposta à matéria de facto, o tribunal recorrido alega que o recorrente “nem por isso afirmou em julgamento ter questionado o 1.º R. sobre a intervenção que exigia receita”.
45. Não é verdade esta afirmação do tribunal. O recorrente explicou porque passou aqueles medicamentos em concreto, nomeadamente, para evitar infeção numa pele propensa a isso por ser oleosa, para atenuar a dor aguda e para tratar uma infeção urinária (minutos 14:02 a 19:20 da gravação do depoimento do 2.º R. prestado na audiência de julgamento de 26-02-2024).
46. Estava convencido, por lhe ter sido pedida nesses termos, que se destinava a uma paciente que havia realizado ou ia realizar um implante capilar e tinha uma infeção urinária.
47. Isto porque o 1.º Réu foi contratado para esse efeito e fazia diariamente vários implantes capilares.
48. O 1.º R. não é médico, mas é um profissional de saúde qualificado e habilitado na sua área. Não foi uma funcionária administrativa da clínica quem fez o pedido da receita ao apelante.
49. O Autor não desconfiou, nem tinha como desconfiar de que aquela medicação não era para uma paciente de implantes capilares.
50. O facto de ter tido conhecimento, em momento anterior, que o dono da clínica se submetera a suas intervenções levadas a cabo pelo 1.º Réu, não constitui nenhum motivo de alerta e que devesse ter feito o recorrente recusar a emissão da receita.
51. Situação diferente seria se a receita tivesse sido pedida para o dono da clínica.
52. É verdade a afirmação do tribunal a quo de que “o 2.º R. não deixou, sem ver a doente, de passar a receita médica de fls. 2 datada de 12/12/2014 com dois antibióticos e também dois analgésicos destinados à A. por a mesma ter sido objeto de uma intervenção por parte do 1.º R. que, por isso, lhe pediu a receita.”
53. Todavia, não resultou provado que o 2.º R. soubesse, como efetivamente não sabia, que essa intervenção tinha sido uma vibrolipoaspiração.
54. Nenhuma testemunha afirmou que o recorrente sabia que o 1.ºR fazia vibrolipoaspirações.
55. As alegações da Autora não foram dadas, e bem, como provadas.
56. A assinatura do recorrente não está aposta em nenhum documento onde conste a referência a vibrolipoaspiração, nomeadamente, o consentimento informado.
57. Na ausência de verdadeira prova, o tribunal a quo agarra-se em desespero às declarações do dono da clínica da 3.ª R. (que na prática é uma parte) e duas funcionárias desta, que referiram que na clínica se faziam vibrolipoaspirações.
58. Mas o tribunal de forma incongruente e sem dar qualquer justificação, considerou estes depoimentos apenas credíveis nessa parte, tendo-os desconsiderado quando as mesmas testemunhas afirmaram que quem fazia esses procedimentos era o aqui apelante (podemos ler isto noutra parte da motivação da sentença).
59. O tribunal acreditou naquelas testemunhas quando afirmaram que na clínica se faziam vibrolipoaspirações, mas já não acreditou quando disseram que quem as fazia era o apelante. Fê-lo sem apresentar qualquer motivação.
60. O princípio da livre apreciação da prova é um princípio atinente à prova, que determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz.
61. Tal convicção que não pode ser arbitrária ou subjetiva, nem conduzir a contradições que o tribunal nem sequer se preocupou em justificar.
62. Por outro lado, cabia ao tribunal a obrigação, porquanto foi alegado pelo recorrente, indicada prova testemunhal e ouvida em sede de julgamento, de explicar por que motivo não deu relevância ao facto do recorrente ter encetado diligências concretas com vista à contração de uma cirurgiã plástica para a clínica para fazer estas e outras intervenções estéticas.
63. Importava explicar por que razão entendeu desvalorizar este comportamento do recorrente e, sendo esse o caso, porque considerou que o mesmo é incompatível com o alegado encobrimento dos atos praticados pelo 1.º R.
64. Porque atenta as regras da experiência não é!
65. O erro na apreciação da prova por parte do tribunal recorrido é gritante!
66. O ponto 37) dos factos provados é uma duplicação da matéria vertida no ponto 36) pelo que deve ser suprimido.
67. A não se entender desta forma deve, pelo menos, omitir-se a referência ao termo lesões, porquanto ficou provado que a Autora não sofreu quaisquer lesões físicas.
68. O termo lesão tem, juridicamente, um sentido claro e pressupõe um dano, um estrago, é o resultado de um ato ilícito, não se aplicado à situação em apreço.
69. Neste sentido, ouça-se o depoimento do Dr. EE, cirurgião plástico, na audiência de julgamento de 12/06/2024 minutos 5:30 a 13:20.
70. O tribunal recorrido deu erradamente como provada a matéria vertida no ponto 39) e 40) da factualidade assente.
71. A vibrolipoaspiração decorreu dentro da normalidade, o resultado é o expetável e não ficou provada qualquer má prática ou má execução (vide factos não provados e motivação da sentença).
72. Uma vibrolipoaspiração não é suscetível, por si só, de abalar psicologicamente a pessoa que a ela se sujeitou voluntariamente, causando-lhe desgosto, tristeza, angústia e humilhação.
73. Estes danos foram “criados” pelo tribunal, porquanto a Autora em momento algum da PI refere ter-se sentido desgostosa, triste, angustiada ou humilhada pelo facto de ter sido o 1.º R. a ter “introduzido e manipulado as cânulas”.
74. A causa de pedir da presente ação são os danos físicos e psicológicos resultantes da alegada má execução da vibrolipoaspiração.
75. O tribunal não pode condenar em quantia superior ao pedido nem fundamentar essa condenação em factos que não foram alegados pelo Autor.
76. A matéria vertida no ponto 40) dos factos provados é uma conclusão e não um facto pelo que não tem lugar na factualidade assente.
77. O tribunal deu como provado que a Autora deixou de ser “tão ativa, alegre e com tanto gosto pela vida.”
78. Pergunta-se: qual é o ponto de comparação? Deixou de sertão ativa, por comparação com que período da sua vida? Deixou de ser tão alegre, por comparação a que momento da sua vida?
79. Não foi sequer alegado que a Autora antes da vibrolipoapiração era alegre, ativa e gosto pela vida.
80. O que foi alegado no artigo 2.º da PI foi que se preocupava com a sua aparência e que não estava satisfeita com a mesma o que lhe causava “preocupações acrescidas”.
81. Não foi feita qualquer prova que permitisse ao tribunal dar como provado que a intervenção levada a cabo pelo 1.º R causou danos na saúde mental da Autora.
82. Foram juntas com a contestação do apelante inúmeras fotografias colocadas pela própria Autora numa rede social, às quais o tribunal recorrido não faz uma única referência, que mostram uma mulher alegre, confiante, desinibida e que leva uma vida normal fazendo férias em destinos de praia, posando de forma descontraída para as fotografias e em trajes de banho…
83. O tribunal recorrido também deu erradamente como provada a matéria que consta do ponto 41) da factualidade assente.
84. Uma vibrolipoaspiração não tem como finalidade trazer melhorias ao estado mental da pessoa que a ela se submete.
85. É um procedimento que visa melhorar o aspeto físico.
86. Resulta da motivação da sentença e da factualidade provada e não provada que a Autora não logrou provar ter sofrido qualquer dano na sua saúde mental como resultado dos tratamentos e intervenções que realizou.
87. O tribunal recorrido condenou o recorrente por factos que não integram a causa de pedir da presente ação.
88. A causa de pedir da presente ação são os danos não patrimoniais (físicos e morais) alegadamente sofridos pela Autora em consequência de uma execução defeituosa de uma vibrolipoapiração pelo 1.º R.
89.Todo o articulado da Autora assenta no descontentamento que sente como resultado da intervenção.
90. Tendo-se sujeitado a uma segunda intervenção e a vários tratamentos para tentar obter melhores resultados.
91. Ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, a Autora não pretende ser ressarcida pelo facto do 1.ª R. ter usurpado funções e praticado atos médicos sem habilitações.
92.Por esse crime já foi o 1.ºR. julgado e condenado, não tendo a Autora podido deduzir pedido de indemnização civil porquanto o lesado com esse crime foi o Estado Português.
93. Com a presente ação pretendeu a Autora ser ressarcida dos danos alegadamente causados à sua integridade física e psicológica.
94. Não fez prova de nenhum dos extensíssimos danos que alegou.
95. Resultou provado na audiência que o estado do seu abdómen é compatível com o de uma pessoa que foi submetida a uma vibrolipoaspiração bem executada e conforme às boas práticas.
96. Em momento algum da PI ou em qualquer outro articulado que tenha apresentado, a Autora alegou ter-se sentido humilhada, envergonhada e angustiada por ter sido intervencionada por um enfermeiro e não por um médico.
97. O motivo da sua indignação e a causa de pedir da presente ação, é a insatisfação com o resultado da intervenção, resultado esse que atribui ao facto de ter sido um enfermeiro e não um médico a executar o procedimento.
98. Pretendeu-se convencer o tribunal que o procedimento foi mal realizado porque quem o fez não sabia o que estava a fazer.
99. Mesmo que a Autora tivesse alegado ter-se sentido humilhada, envergonhada e angustiada pelo facto de ter sido intervencionada por um enfermeiro, a presente ação ainda assim não procederia, porquanto, tal matéria nunca poderia ser dada como provada.
100. Após, alegadamente, ter tido conhecimento que o 1.º R. era enfermeiro e não médico, o comportamento da Autora não revela nenhum sentimento de revolta, raiva, humilhação ou angustia. Revela o oposto.
101. Por mensagem enviada em 01/04/2015 solicitou a pessoa que sabia ser enfermeiro a avaliação da sua situação (pósvibrolipoaspiração) e o agendamento de nova intervenção invasiva (levantamento da pele e introdução de cânulas).
102. Na mensagem enviada via Facebook, a Autora mostra-se insatisfeita, mas, pasme-se, não é pelo facto de supostamente ter sido enganada e intervencionada por uma pessoa sem habilitações, mas sim porque o enfermeiro estava a ser relapso na sua avaliação e no agendamento de nova intervenção.
103. Depois de ter sido submetida a uma segunda intervenção invasiva e continuando insatisfeita com os resultados, a Autora manteve total confiança no enfermeiro BB e na enfermeira GG (atualmente marido e mulher) tendo permanecido cerca de ano e meio a fazer tratamentos (lazer, criolipolise, pressoterapia, radiofrequência e acupuntura) na clínica por indicação dos dois enfermeiros (audiência de 26/02/2024 aos minutos 46:28 a 48:00)
104. Sendo que só em 17 de fevereiro de 2017 é que apresentou queixa junto da Ordem dos Enfermeiros.
105. Questionada em audiência sobre a razão pela qual só fez queixa nesta data, a Autora referiu que não o fez antes porque achava que não ia “dar em nada.” e que tinha a experiência anterior da justiça não ter “funcionado muito bem.” Ficamos sem saber porque terá mudado de opinião e se a recusa do dono da clínica de lhe pagar a intervenção proposta pelo Dr. EE não terá sido o motivo!
106. O comportamento da Autora evidencia, atenta a mais elementares regras da experiência e do senso comum, que a profissão de quem lhe fez o procedimento era-lhe absolutamente indiferente, não lhe tendo causado qualquer humilhação, angústia ou vergonha a suposta “descoberta.”
107. Qualquer outra pessoa na situação da Autora teria apresentado de imediato queixa contra a clínica e o enfermeiro usurpador de funções e recusado qualquer tratamento ou solução que lhe pudesse ser proposta. A absoluta perda de confiança seria a única atitude admissível atenta as mais elementares regras da experiência.
108. Principalmente alguém que na PI refere ter tido o cuidado de saber qual era o currículo da pessoa que a ia operar e indagado nesse sentido.
109. O comportamento compreensivo, complacente e até conivente da Autora só tem uma explicação: sempre soube que o 1.º R. era enfermeiro, convicção que o recorrente sempre teve e que se cimentou face à prova produzida em audiência.
110. Enfermeiro a quem o marido da Autora tinha dado recentemente formação e que, segundo as palavras da Autora, nos intervalos “até dizia que fazia intervenções cirúrgicas.” (vide depoimento da Autora na audiência de 26/02/2024 minutos 31:08 a 34:25).
111. Não se crê ser coincidência a ligação, mesmo que indireta, entre a A. e o 1.º R. antes daquela se ter deslocado à Clínica.
112. Assim como o conhecimento por parte do marido da Autora, que o seu formando apesar de enfermeiro, fazia intervenções cirúrgicas.
113. O depoimento da Autora, que o Venerando Tribunal ad quem irá certamente ouvir, é tudo menos o de uma pessoa revoltada, sofrida, angustiada ou humilhada.
114. Trata -se de um depoimento frio, monocórdico, sem uma única alteração de tom de voz, sem que se consiga perceber a mínima emoção ou comoção. Do princípio ao fim!
115. É perfeitamente percetível na gravação áudio que, ao contrário do referido pelo tribunal a quo, o depoimento da Autora não foi sentido. Esta apreciação não está vedada ao tribunal de recurso.
116. A Autora não sofreu lesões físicas, nem sofrimento psicológico por força da intervenção a que se submeteu.
117.O único sofrimento que poderá eventualmente ter acometido a Autora, resultou de expetativas irreais, do desejo irreal de ter um corpo perfeito, de viver obcecada com essa perfeição inatingível.
118. Pode ler-se na sentença que «A natureza e dimensões das agressões a que a A. foi sujeita, com incisões realizadas no seu abdómen, introdução no mesmo de anestésico local e de cânulas que foram manipuladas para aspirar gordura, a recuperação e dores subsequentes, por um lado, e a vergonha, angústia e humilhação sentidas pela A. por ter sido cirurgicamente intervencionada por quem não tinha autorização sua para o fazer e ainda assim o fez, agindo, portanto, com dolo….»
119. Estes supostos danos não integram a causa de pedir da presente ação.
120. As agressões a que o tribunal se refere são os procedimentos necessários para a execução da vibrolipoaspiração, não tendo sido feita prova em contrário.
121. A Autora sabia que ia ser submetida a estes procedimentos e que ia ter dor e desconforto no pós operatório.
122. Não é verdade que a Autora não tivesse autorizado/consentido que a intervenção fosse feita pelo 1.º Réu.
123. A emissão da receita não foi um contributo indispensável à realização da cirurgia.
124. A cirurgia podia ter sido feita sem a receita do recorrente. Alias, desconhece-se se foi emitida antes ou de pois do procedimento.
125. Os medicamentos receitados não produziram nenhum dano físico à Autora, pelo contrário, evitaram danos, ajudando na sua recuperação como o tribunal admite.
126. A emissão de uma receita médica não é um ato ilícito.
127. Não existe nenhuma norma no Código Deontológico que impeça a emissão de uma receita para um paciente que não consultou.
128. Não resultou provado – vide factualidade assente - que o recorrente sabia que a Autora tinha sido ou ia ser submetida a um vibrolipoaspiraçao.
129. O recorrente não praticou nenhum ilícito, não havendo nexo causal entre os danos que o tribunal considera, erradamente, terem sido sofridos pela Autora e a receita.
130. O tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483.º e 496.º do CC.
131. Subsidiariamente e sem prescindir, para o caso de ser proferida decisão que considere que a Autora sofreu danos pelos quais o recorrente é responsável – o que não se aceita – se sempre se dirá que a indemnização fixada é totalmente desproporcional aos alegados danos.
132. Divergindo de modo substancial dos critérios admitidos e reconhecidos pela jurisprudência.
133. Resulta da decisão, que a Autora não ficou com quaisquer sequelas ou danos físicos permanentes.
134. Resulta igualmente que não padeceu, nem padece das doenças mentais descritas no relatório psiquiátrico junto.
135. As incisões realizadas no seu abdómen, introdução no mesmo de anestésico local e de cânulas que foram manipuladas para aspirar gordura, a recuperação e dores subsequentes, não merecem a atribuição de qualquer indemnização porquanto são comuns a toda e qualquer intervenção de remoção de gordura, como a vibrolipoaspiração.
136. A vergonha, angústia e humilhação alegadamente sentidas pela A não merecem, na jurisprudência e de acordo com a equidade uma indemnização superior a 1.500 Euros.
137. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 496.º, n.º 1, 563.º e 566. º n.º 3 do CC.
138. A haver condenação em juros, a sua contagem deve iniciar-se desde a data do trânsito em julgado da decisão e não da decisão propriamente dita.
*
A Autora respondeu concluindo que:
1. Primeiramente, e antes da Autora se debruçar sobre a concreta matéria alegada, cumpre referir que o Recorrente ao longo de todo o recurso pretende impor a sua versão dos factos e a sua opinião, pois o mesmo insiste em sobrepor-se ao exame crítico da prova efetuado pelo tribunal “a quo” nos termos do art. 607.º, n. º5 do Código de Processo Civil.
2. Olvidando-se de fazer referência a qualquer razão de facto ou de direito diversa daquela que foi a decisão do Tribunal “a quo”, olvidando-se inclusive de apreciar a existência de erro procedimental e de apreciação de prova focando-se apenas em questões irrelevantes.
3. Da leitura do acervo fáctico dado como provado, nomeadamente os pontos 18, 45 e 46, de fls. 13 e 14 da motivação recorrida e da leitura do enquadramento jurídico, facilmente se constata que a imputação ao Recorrente da responsabilidade civil por factos ilícitos resulta do facto do mesmo ser Diretor Clínico da 3ª Ré.
4. Isto é, pelo facto de nessa qualidade o mesmo ter conhecimento e ser conivente com realização de atos médicos, por um enfermeiro, 1º Réu.
5. Nessa senda, cumpre à Autora pronunciar-se sobre a concreta matéria de facto que o Recorrente pretende ver aditada/excluída da matéria de facto dada como provada e não provada.
Dos factos a aditar à matéria de facto dada como provada
1.1.1.Da mensagem enviada pela Recorrida ao 1.º Réu
6. O Recorrente refere que deve ser dado como provado o envio pela Autora de uma mensagem ao 1.º Réu, a 01/04/2015, através do Facebook, onde se dirige ao mesmo como “Sr. Enfermeiro” por ser seu entendimento que tal é relevante para a boa decisão da causa.
7. No entanto, do teor de tal mensagem o Tribunal “a quo” entendeu e expressamente referiu que o facto da Autora se ter dirigido ao 1º Réu como “Sr. Enfermeiro” não significa que a intervenção a que a mesma se refere fosse invasiva ou não, nem tão pouco que a mesma tivesse conhecimento da profissão do 1º Réu antes da vibrolipoaspiração.
8. Na verdade, de tal mensagem, remetida após a vibrolipoaspiração, apenas se retira que no dia 1/04/2015 a Autora tinha conhecimento que o 1º Réu era enfermeiro.
9. Posto isto, não se compreende por que razão é que o Recorrente quis demonstrar à força toda que a Autora sabia que a intervenção tinha sido realizada por um enfermeiro e que com tal mensagem a mesma solicitou uma nova intervenção invasiva, sendo irrelevante para a boa decisão da causa dar tal facto como provado.
1.1.2 Da comunicação remetida pela Recorrida à Ordem dos Enfermeiros
10.O Recorrente quer que seja dado como provado que no dia 17de fevereiro de 2017, a Autora enviou à Ordem dos Enfermeiros um e-mail denunciando o 1.º Réu pela prática de atos médicos, por entender que tal facto é relevante para a boa decisão da causa.
11.Porém, olvidou-se o mesmo de indicar quais os motivos é que deveria tal facto ser dado como provado, tendo incumprido com o ónus que lhe competia.
1.1.3 Do conhecimento por parte do Recorrente que o 1.º Réu realizava vibrolipospirações
12.O Recorrente pretende dar como provado que no período em que foi Diretor Clínico quis transformar a A..., num centro com serviços médicos de várias especialidades, incluindo cirurgia plástica.
13.Sucede que, tal factualidade que agora o Recorrente pretende dar como provada, é irrelevante para a decisão da causa, estando até, a substituir-se ao tribunal “a quo”, pelo que não deverá ser aditada tal factualidade.
1.1.4 Da lipodistrofia abdominal da Recorrida
14.O Recorrente pretende ver dado como provado o teor do relatório médico emitido pelo Dr. EE, junto pela Recorrida a 09-04-2024 no facto dado como provado sob o n.º 31, por entender ser relevante para a boa decisão da causa.
15.Mais refere que de tal facto dado como provado foi retirado do seu contexto.
16.A verdade é que, compulsada essa afirmação, resulta claro que tal facto dado como provado vai de encontro à prova documental junta e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, motivo pelo qual não existem razões para a alteração da matéria de facto.
1.1.5 - Das cicatrizes, irregularidades na distribuição da gordura e fibroses
17. O Recorrente pretende que seja aditada à matéria de facto dada como provada que as lesões que a Autora sofreu são uma consequência normal de uma vibrolipoapiração, por entender que o depoimento da testemunha Dr. EE em sede de audiência de discussão e julgamento impõe tal decisão.
18.No entanto, a prova indicada pelo Recorrente, por si só não é suficiente para dar tal facto dado como provado, até porque consta das aludidas transcrições que o Dr. EE não se recordava da Autora nem tão pouco afirma com certezas que as irregularidades presentes no corpo da Recorrida se devem a uma má execução, tal como se retira do Áudio daDiligência_9650-21.0T8PRT_2024-06-12_14-43-48 (minuto 00:10:40 a minuto 00:11:10).
19.Aqui chegados, e uma vez que tal elemento probatório não é suficiente para dar tal facto como provado, não deverá o mesmo ser aditado.
1.1.6 - Da submissão da Autora a intervenção através do umbigo
20.O Recorrente pretende que seja dado como provado que em data posterior a 1/04/2015 a Autora foi submetida a uma intervenção através do umbigo por forma a levantar a pele na expectativa de dar um aspeto mais uniforme às fibroses, tendo para isso transcrito parte das declarações da Autora.
21.Na verdade, o Recorrente analisou cirurgicamente as declarações da Recorrente, por forma a retirar das mesmas que a Autora no dia 01/04/2015 só havia sido sujeita à primeira intervenção, e que a nova intervenção foi realizada após essa data, já com o conhecimento da mesma sobre a atividade profissional do 1º Réu.
22.Lamentavelmente, assistimos mais uma vez à tentativa do Recorrente em impor a sua interpretação da prova a todo o custo, em total detrimento da prova produzida.
23.Pois, o Tribunal “a quo” na sua motivação a respeito de tal factualidade refere que não foi produzida nenhuma prova no sentido de se poder afirmar com certezas que antes da realização da vibrolipoaspiraçao a Autora sabia que o Recorrente era enfermeiro.
24.Bem como o Tribunal “a quo” na sua motivação refere que o facto de na mensagem de fls. 72 a Autora se dirigir ao Recorrente como Enfermeiro não significa que a mesma pretenda ser intervencionada pelo mesmo, de forma invasiva.
25.Assim, e conforme já se mencionou o Recorrente insiste em sobrepor a sua convicção à convicção do próprio tribunal “a quo”.
26.Da matéria recursiva, o Recorrente retirou partes das declarações prestadas pela Autora para tentar sustentar a teoria supra enunciada, no entanto desconhece-se qual o raciocínio que o Recorrente levou a cabo para concluir dessa forma, uma vez que das declarações da Autora e do depoimento do seu marido, os mesmos referem expressamente que o envio desta mensagem foi posterior, Diligencia_9650-21.0T8PRT_2024-02-26_15-21-40 Minuto (00:59:00 a 01:11:00) e Diligencia_9650-21.0T8PRT_2024-04-02_15-57-32 (minuto 00:10:29 a minuto 00:11:04)
27.Aqui chegados, a argumentação sustentada pelo Recorrente cai por terra por não ter sido produzida qualquer prova nesse sentido.
28.Ademais, refere o Recorrente que a mensagem remetida pela Recorrida ao 1.º Réu foi com o intuito de agendar nova intervenção e não de o questionar pelo facto de ter sido enganada pelo mesmo não ter habilitações.
29.Lamentavelmente, o mesmo voltou a olvidar-se da prova produzida em sede de discussão e julgamento, nomeadamente na instância da Recorrida, pois a mesma refere que enviou a aludida mensagem por entender ser a única forma de expressar o seu descontentamento e procurar uma solução para o problema, uma vez que já tinha falado com outras pessoas e nunca obteve qualquer resposta, tal como se retira da Diligencia_9650-21.0T8PRT_2024-02-26_15-21-40 Minuto (01:03:22 a 01:11:00)
30.Até porque, parece-nos normal a Autora procurar uma solução na clínica 3ª Ré, uma vez que já tinha pago a cirurgia e não tinha possibilidades de socorrer-se de outra clinica para a reparação dos danos.
31.Ainda nesse sentido, e quanto à afirmação do Recorrente de que as avaliações a pacientes submetidos a vibrolipoaspiração só se fazem a partir dos três meses após a cirurgia, tal não resulta de qualquer elemento probatório técnico, pelo que não poderá uma mensagem remetida por um enfermeiro que praticou atos médicos ser valorada.
32.Por outro lado, salvo devido respeito parece-nos desprovido de sentido e não se compreende como é que pode uma avaliação cirúrgica realizar-se somente após 4 meses da intervenção.
33.Por fim, é igualmente desprovido de sentido que o Recorrente afirme que se no dia 01/04/2015 o enfermeiro não tinha avaliado o corpo da Autora após a vibrolipoaspiração não poderia tê-la submetido em momento anterior a uma segunda intervenção para retificação da primeira.
34.Veja-se que, nenhuma prova foi feita nesse sentido. Alias, a prova foi feita no sentido contrário, pois que aquando do envio da mensagem de 01/04/2015 a Autora já tinha realizado duas intervenções, conforme decorre dos depoimentos acima transcritos, motivo pelo qual, não deverá ser atendida a pretensão do Recorrente, não deverá ser dada como assente a matéria pretendida.
Dos factos que devem ser suprimidos da factualidade provada
1.2.1.- Ponto 20 dos factos dados como provados
35.Foi dado como provado em tal ponto que com o decorrer do tempo os hematomas foram desaparecendo e começaram a ser visíveis irregularidades na pele da Autora apresentando nódulos de gordura localizada, pele repuxada e fibroses.
36.Contudo, o Recorrente entende que tal matéria deverá ser suprimida dos factos dados como provados ou deverá passar a constar o teor das observações dos dois médicos, o que não se perfilha uma vez que tal informação consta nos autos.
37.Ao longo da matéria recursiva o Recorrente refere que o relatório de fls. 20 não foi valorado pelo tribunal “a quo”, todavia olvidou-se que o Tribunal “a quo” não valorou a parte do relatório, mas que à contrário sensu valorou os restantes factos.
38.Pois, resulta de tal relatório e das declarações do Sr. Dr. FF que a Autora apresenta uma cicatriz com deformidade retráctil subcutânea com cerca de 3 cm, que consiste uma cicatriz com pele repuxada, motivo pelo qual bem o tribunal “a quo” a dar como provado que a Autora tinha irregularidades, designadamente cicatrizes com pele repuxada. Relatório de fls. 20 e seguintes dos autos e Diligencia_9650-21.0T8PRT_2024-05-16_09-53-43 (minuto 21:06 a minuto 22:22)
39.Muito se estranha ainda que o Recorrente não tenha impugnado o facto 27 dos factos dados como provados, no qual foi dado como provado que o 1.º Réu propôs que a A. fizesse cripolipolise na zona periumbilical por ser a zona mais afetada pelos nódulos de gordura.
40.Algo que corrobora as lesões da Autora, uma vez que, é referido pelo Recorrente que não foi apontado pelos médicos que viram o corpo da Autora a presença de nódulos localizados de gordura, mas apenas uma lipodistrofia abdominal.
41.Pois que, e pasmem-se Vexa.(s), a medicina diz-nos que a lipodistrofia é, de facto, a acumulação de gordura de forma acentuada numa determinada região, ou seja nódulos de gordura localizada, o que foi corroborado pelo Sr. Dr.FF em sede de de discussão e julgamento- Relatório de fls. 20 e ss e Diligencia_9650-21.0T8PRT_2024-05-16_09-53-43 (minuto 18:17) ; (minuto 30:33 a minuto 31:21)
42.Pelo que, não faz sentido suprimir tal facto dado como provado uma vez que a prova produzida sustenta tal factualidade dada como provada, devendo manter-se.
1.2.2.- Ponto 28 dos factos dados como provados
43.Em tal ponto foi dado como provado que a Autora se encontrava num estado psicológico instável e depressivo, insurgindo-se o Recorrente por entender que não foi produzida prova de que a Autora tenha sofrido ou sofra qualquer doença decorrente da intervenção a que se submeteu.
44.No entanto, é entendimento da Autora que o Recorrente deveria reler a decisão pois o Douto Tribunal dá como provado o estado psicológico da Autora em virtude da realização de intervenção cirúrgica por quem não tinha habilitações para tal, até porque de acordo como despacho saneador de 16de outubro de 2022, é esse o objeto do litigio.
45.Mais, e a este propósito, deverão Vexa.(s) atentar na prova produzida pela Autora em audiência discussão e julgamento onde se logrou provar o estado psicológico da mesma Diligencia_9650-21.0T8PRT_2024-04-02_14-39-38 Minuto (00:00:59 a Minuto 00:06:34) ; Minuto (00:06:47 a Minuto 00:07:25); Minuto (00:09:17 a Minuto 00:09:50).
46.De facto, e da leitura das declarações da Autora não se compreende porque razão o Recorrente refere que não foi dado como provado que a Autora tivesse danos provenientes da intervenção, até porque esse era o objeto do litígio.
47.Pelo que, não deverá ser atendida a pretensão do Recorrente.
1.2.3. – Do ponto 35 dos factos dados como provados
48.Em tal ponto foi dado como provado que os 2.º e 3.º RR. tinham conhecimento de que o 1.º R. não era médico, permitindo-lhe realizar a vibrolipoaspiração.
49.Estranhamente, o Recorrente pretende que tal ponto seja dado como não provado no que concerne à sua responsabilidade, por entender não foi feita qualquer prova de que o Recorrente tenha permitido que o1.º Réu realizasse a vibrolipoaspiração.
50.Contudo, a Autora discorda totalmente do que foi referido pelo Recorrente e tem para si que o mesmo subestimou e ignorou a fundamentação e motivação do Douto Tribunal a esse respeito, melhor transcrita no ponto 172 da matéria recursiva.
51.O Recorrente insurge-se contra a decisão no que diz respeito ao exame crítico da prova feita pelo tribunal “a quo”, olvidando-se de enumerar qualquer vício.
52.Na verdade, é o Recorrente que ao longo das suas declarações admite ter conhecimento sobre aatividade do 1ºRéu na Clínica da 3ªRé admitindo inclusive que passou receitas médicas após ter conhecimento que o 1.º Réu praticava atos médicos, contrariando-se naquilo que é a matéria por si invocada, tal como se retira da Diligencia_9650-21.0T8PRT_2024-02-26_11-02-27 Minuto (00:02:07)
53.Da leitura de tal diligência não existem duvidas de que o Recorrente sabia que o 1º Réu praticava atos médicos na Clinica da 3ª Ré sem estar habilitado para o efeito.
54.Aliás, o Recorrente admite que assistiu, antes da intervenção da aqui Autora, ao 1.º Réu a praticar atos médicos, designadamente, duas cirurgias.
55.O Recorrente é médico de profissão há vários anos e, à data, era diretor clínico da 3.ª Ré. e, nessa qualidade, era-lhe exigido outro comportamento.
56.No mínimo, era-lhe exigido que não passasse mais receitas a pedido do 1.º Réu sem ter a certeza o fim a que se destinava.
57.Um médico que sabe que um enfermeiro pratica atos médicos, que viu o mesmo a praticá-los e não faz queixa à ordem dos médicos/enfermeiros, que depois de saber tudo isso continua a passar receitas ao mesmo, é conivente com a prática de tais atos.
58.O Recorrente, após ter conhecimento de tal factualidade, podia e devia ter agido com mais atenção. Podia e devia ter desconfiado que as receitas eram necessárias para uma qualquer intervenção cirúrgica.
59.Não o fazendo, o Recorrente contribuiu, de forma consciente e voluntária, para a violação do direito da Autora. Pois bem sabia que o 1.º Réu praticava atos médicos.
60.Até porque, o mesmo após ter conhecimento de tal circunstância – anterior à cirurgia da Autora-, não alterou o seu comportamento, uma vez que continuou a passar receitas ao 1º Réu, o que se retira da Diligencia_9650-21.0T8PRT_2024-02-26_11-02-27 Minuto (00:14:27) Minuto (00:19:39).
61.Destarte, parece-nos que o Recorrente quis inviabilizar a credibilidade do Douto Tribunal, não devendo ser alterada a matéria de facto por existência de prova em sentido inverso.
1.2.4. – Ponto 37) dos factos dados como provados
62.Foi em tal ponto dado como provado que as lesões são consequência direta da intervenção realizada no dia 12/12/2014. Contudo o Recorrente, mais uma vez, insurge-se contra tal facto dado como provado, referindo que o mesmo deverá ser suprimido.
63.Contudo, permitimo-nos aqui dar como integralmente reproduzidas as considerações tecidas no ponto 1.2.1, resultando da prova aí elencada as lesões existentes no corpo da Autora, observadas por médico, após a cirurgia.
64.Já no que diz respeito à afirmação do Recorrente de que o termo lesão pressupõe um dano resultante de um ato ilícito, a mesma é absolutamente desprovida de sentido, devendo manter-se a matéria na redação dada pelo Tribunal “a quo”.
1.2.5. e 1.2.6.- Pontos 39), 40) e 41) dos factos dados como provados
65.Foi em tais factos dado como provado que em virtude da intervenção supra referida em 13) e 14), a A. ficou abalada psicologicamente fruto do desgosto, tristeza, angústia e humilhação que sofreu com essa intervenção e ainda que a Autora deixou de ser uma pessoa tão ativa, alegre e com tanto gosto pela vida.
66. Contudo, e mais uma vez, o Recorrente entende que não foi produzida prova nesse sentido.
67.Assim sendo, permitimo-nos dar por reproduzidas as considerações e transcrições de depoimentos acima referidos no ponto 1.2.1. das presentes contra-alegações.
68.Já no que diz respeito ao estado psicológico da Autora/Recorrida, damos, de igual forma, por integralmente reproduzidas as considerações tecidas em supra (no ponto 1.2.2. das contra-alegações) e respetivas transcrições.
69.Acresce que, é absolutamente desprovido de sentido aquilo que vem o Recorrente referir quanto às fotografias pelo mesmo juntas da Autora.
70.Chega até a ser desrespeitoso.
71.Aliás, a própria Autora e o seu marido em sede de audiência de discussão e julgamento, recordam tudo o que a mesma sentiu e viveu após a intervenção cirúrgica, tal como se retira da Diligencia_9650-21.0T8PRT_2024-04-02_14-39-38 Minuto (00:00:59 a Minuto 00:06:34) ; Minuto (00:06:47 a Minuto 00:07:25) e da Diligencia_9650-21.0T8PRT_2024-04-02_15-57-32 (minuto 00:01:3 a 00:04:10); (00:05:49 a 00:06:04); (00:20:37 a 00:20:48)
72.Pelo que, se deve manter tal factualidade.
2. Da avaliação da prova produzida e da aplicação do Direito
73.O Recorrente refere que a causa de pedir da presente ação são os danos não patrimoniais alegadamente sofridos pela incorreta execução de uma vibrolipoaspiração.
74.Conformesupra se mencionou, olvidou-se o Recorrente de ler o despacho saneador de 16 de outubro de 2022, com a ref.º Citius 440274687, cuja leitura desde já convidamos.
75.Pelo que, quanto a tudo o quanto alegado pelo Recorrente em tal ponto, permitimo-nos aqui considerar como integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas em supra.
76.Sendo de especial importância referir que, não se compreende por que razão o Recorrente afirma que não é verdade de que a Autora não tivesse autorizado/consentido que a intervenção fosse feita pelo 1.º Réu.
77.Pois com tal afirmação demonstra a sua clara desresponsabilização e a ausência de qualquer consciência sobre os presentes autos e sobre a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
78.Por fim, e no que concerne ao valor indemnizatório, o Recorrente faz referência ao facto da jurisprudência ter fixado valores não superiores a €1.500,00, no entanto e como tem sido seu apanágio, olvidou-se de fazer referência a qualquer decisão de tribunal superior que fixe tal montante.
79. Pelo que, bem andou o tribunal “a quo” sendo o montante fixado manifestamente justo e proporcional face a todos os fatores a considerar, designadamente a idade da Autora, os danos causados o seu contexto social e familiar, entre outros, devendo manter-se.
80.Deve o recurso interposto pelo Recorrente CC ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
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II—Delimitação do Objecto do Recurso
As questões principais decidendas, delimitadas pelas conclusões dos recursos, consistem em saber, para além das nulidades apontadas à sentença, se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos pontos assinalados, deve ser alterada e se os Réus incorreram na obrigação de indemnizar a Autora.
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Das Nulidades
O 1.º Réu defendeu, em primeira linha, a nulidade da sentença por ter dado como provados factos que constam do ponto 39, não alegados pelas partes, ou seja, que a Recorrida em virtude da intervenção a que foi submetida ficou abalada psicologicamente fruto do desgosto, tristeza, angustia e humilhação que sofreu com essa intervenção.
Este argumento recursivo será analisado em sede própria, na impugnação da decisão da matéria de facto, porquanto não se enquadra no elenco das nulidades da sentença do art. 615.º, n.º 1, als. a) a e) do CPC concretamente na alínea d) referente ao excesso de pronúncia.
Sobre a inexistência de nexo causal entre os danos do foro psíquico e a actuação do 1.º Réu, devemos esclarecer que não integra a nulidade que advém de uma condenação diversa do pedido (al.e) do art. 615.º, n.º1 do CPC) por estar em causa a apreciação de uma questão de direito: verificação dos pressupostos de que depende a condenação na obrigação de indemnizar com base da causa de pedir alegada pela Autora.
A nulidade em causa ocorre quando não são respeitados os limites da condenação estabelecidos no artigo 609.º, n.º 1 do C.P.Civil, isto é, quando condena em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Ao contrário do que o 2.º Réu sustenta, a causa de pedir é complexa pois assenta não só na má execução da lipoaspiração como também na falta de habilitações do 2.º Réu para esse efeito, razão pela qual não se verifica a nulidade de condenação diversa do pedido. Aliás, não se pode confundir a causa de pedir (facto concreto em que se alicerça o pedido) com a pretensão solicitada ao tribunal pelo autor.
Como referiu o Mmo. Juiz “…tendo a sentença condenado os RR. a solidariamente pagarem à A. a quantia de 30.000,00 € (trinta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a data da presente sentença até integral pagamento, absolvendo-os do restante pedido e absolvendo a A. do pedido reconvencional, necessariamente que a sentença ora recorrida não condenou os RR. em quantidade superior nem em objecto diverso do pedido.”
Os recursos, nesta parte, improcedem.
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Da Modificabilidade da Decisão sobre a matéria de facto
Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuseremdecisão diversa.
Quando seja impugnada a matéria de facto, como acontece no presente recurso, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al.a)); os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al.b)) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al.c))—v. art. 640.º, n.º 1 do C.P.Civil.
E quando os meios probatórios invocados com fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes—cfr. n.º 2, al. b) do art. 640.º do C.P.Civil.
Como explicita Abrantes Geraldes[1] “…foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente”, e “em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões (…) deixando expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”, concluindo que “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, tratando-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
Nesta linha de orientação, constitui jurisprudência assente[2] que a referida norma determina a indicação, pelo recorrente, das razões de discordância alicerçadas nos meios de prova (fundamentos) e a decisão que deve ser proferida sobre cada uma das questões de facto impugnadas.
Quando se pretende o aditamento de factos alegados, é evidente que se torna necessário o cumprimento estrito do art. 640.º, n.º 1 sobre a indicação dos “pontos de facto incorrectamente julgados”, razão pela qual o recurso do 1.º Réu deve ser admitido.
Antes de mais, para aferir da utilidade da impugnação da matéria de facto importa recordar que apenas interessa apurar os factos que possam ser subsumíveis no instituto da responsabilidade civil, fundamento da presente acção.
Os Réus pretendem que sejam aditadas as mensagens trocadas entre a Autora e o 1.º Réu no facebook sobre o descontentamento manifestado por aquela com o resultado da intervenção e a pretendida reavaliação através de um novo procedimento numa altura em que já tinha conhecimento que não era médico.
Afigura-se-nos manifesto que essa comunicação, por ter ocorrido quatro meses após a lipoaspiração a que foi submetida, aqui em discussão, quando já está demonstrado que a Autora desconhecia que não era médico antes da vibrolipoaspiração, não reveste utilidade para a decisão uma vez que a sua inclusão no elenco dos factos provados não tem a virtualidade de conduzir à absolvição dos Réus.
Por outro lado, como sublinhou a Mma. Juíza, a Autora desconhecia o tipo de intervenção que o 1.º Réu tencionava executar para melhorar o estado da pele designadamente se era invasivo.
O mesmo se diga relativamente aos projectos de ordem clínica que o 2.º Réu pretendia implementar na 3.º Ré, à certidão da queixa apresentada na Ordem dos Enfermeiros, se a Autora foi intervencionada pelo 1.º Réu para melhorar o estado em que ficou o corpo, nas zonas em causa, com o objectivo de ser alcançada a uniformização da pele.
O 1.º Réu entende que os factos vertidos no ponto 39 (Em virtude da intervenção supra referida em13) e 14), a A. ficou abalada psicologicamente fruto do desgosto, tristeza, angústia e humilhação que sofreu com essa intervenção) não foram alegados.
Como referiu a Recorrida, os factos dados como provados no ponto 39 foram por si alegados designadamente nos arts. 128, 130 e 132 da Petição Inicial.
O 2.º Réu requereu que seja aditada à matéria de facto dada como provada que as lesões sofridas pela Autora são uma consequência normal de uma vibrolipoapiração, indicando o depoimento da testemunha Dr. EE, médico, prestado em sede de audiência de discussão e julgamento.
O depoimento da testemunha EE, médico, que manifestou o seu protesto por ter sido chamado a depôr em tribunal, declarou que já não se recordava da Autora uma vez que já decorreu bastante tempo e, na sua actividade médica, observa e trata um número elevado de doentes. Portanto, acrescentou, se é verdade que declarou que a lipodistrofia abdominal é uma consequência normal de um acto cirúrgico, também desconhecemos se, neste caso concreto, podia ter sido evitada ou se resultou de uma execução incorrecta da intervenção, pelo que não será ditada tal matéria. Além do mais, como iremos constatar, essa matéria, no caso em apreço, é irrelevante.
No que concerne ao ponto 20 (Com o decorrer do tempo os hematomas foram desaparecendo e começaram a ser visíveis irregularidades na pele da A., apresentando nódulos de gordura localizada, pele repuxada e fibroses) não se justifica a sua eliminação, porquanto resulta essencialmente das próprias declarações da Autora que mereceram e merecem credibilidade, atendendo ao relato pormenorizado de toda a situação por si vivenciada. As suas declarações, ao contrário da opinião do 2.º Réu, por terem sido proferidas em tribunal num tom calmo não significa, de forma alguma, que não correspondem à verdade, que não sofreu durante e depois do procedimento a que foi sujeita na clínica. As suas declarações foram conjugadas com o relatório do médico, Dr. FF.
Ao invés, assiste-lhe razão quando considera que o vertido no ponto 28 (Por esta altura a A. encontrava-se num estado psicológico instável e depressivo) é conclusivo, devendo ser eliminado.
Os factos descritos no ponto 37 (Lesões estas que são consequência directa da intervenção realizada no dia 12/12/2014 nos termos sobreditos em 13) e 14)) não são o duplicado dos que foram inseridos no antecedente (A A., fruto da intervenção supra referida em 13) e 14), apresenta a nível abdominal duas cicatrizes com meio cm de comprimento laterais nos flancos, uma delas com deformidade retrátil subcutânea com cerca de 3 cm; uma cicatriz com 0,5 cm de comprimento adjacente ao umbigo; assimetria e lipodistrofia periumbilical; a nível lombar evidencia deformidade paravertebral direita, pouco conspícua podendo corresponder a assimetria lipodistrófica e fibrose do tecido celular subcutâneo.) porque diz respeito ao nexo causal entre as lesões e a vibrolipoaspiração. Mantém-se o termo lesões, apesar da sua natureza conclusiva, porque as mesmas estão descritas no ponto antecedente.
Os factos que constam do ponto 31 não foram alegados; resultam do relatório do Dr. EE e não têm utilidade para a decisão, pelo que serão removidos do elenco factual.
Nesse ponto será aditada, como pretende o 2.º Réu, a matéria referente à segunda intervenção para aferir a dimensão de actuação do 1.º Réu e o descontentamento da Autora com o resultado obtido. A prova desses factos resultou das declarações da Autora conjugadas com as mensagens trocadas com o 1.º Réu pelo facebook.
A questão de facto crucial, no que respeita ao 2.º Réu, é aquela que foi por si impugnada e consta do ponto 35, ou seja, de que tinha conhecimento e permitiu que o 1.º Réu tivesse realizado a dita vibrolipoaspiração naquelas circunstâncias.
O tribunal formou a sua convicção, nesta parte, no facto do Réu ter prescrito uma receita, a pedido do 1.º Réu, enfermeiro.
Salvo o devido respeito, este facto afigura-se-nos deveras insuficiente para daí se poder presumir que tinha conhecimento da realização, na clínica, da referida vibrolipoaspiração.
O 2.º Réu explicou detalhadamente as circunstâncias em que prescreveu os medicamentos, a pedido do 1.º Réu, enfermeiro, revelando total desconhecimento que seriam para a Autora tomar em consequência de ter sido sujeita a uma vibrolipoaspiração. Declarou ter achado normal o pedido do enfermeiro atendendo a que se realizam intervenções de implantes capilares na clínica.
Os factos descritos nos pontos 39 a 41 referentes aos danos não patrimoniais ficaram provados, seguramente, através das declarações da Autora e do depoimento do seu marido e resultam da experiência de vida de um cidadão médio.
E, por conseguinte, em oposição, ficaram provados os factos complementares sobre o seu estado de espírito antes de ter passado por esta experiência. As fotografias, como se sabe, escondem frequentemente a realidade vivenciada e o estado de espírito das pessoas. Também não temos dúvidas que a segunda intervenção e tratamentos estéticos a que se sujeitou durante seis meses não melhoraram o seu estado psíquico.
Nestes termos, procedendo parcialmente a impugnação da matéria de facto, serão introduzidas as alterações na fundamentação de facto.
*
III—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS (elencados na sentença)
1. A A. é psicóloga clínica e foi mãe em Junho de 2014.
2. Tendo demonstrado sempre cuidados com o seu aspecto físico, após a gravidez, apresentou algumas preocupações acrescidas com o seu aspecto, tendo decidido procurar auxílio para perder peso que entendia ter em excesso.
3. Teve conhecimento de uma clínica especializada em tratamentos estéticos, a A... que, à data, se situava na Rua ..., Porto.
4. Como a 3.ª R. se encontrava com uma campanha de avaliação gratuita, a A. contactou-a no final de 2014 e marcou uma consulta, pretendendo ainda informar-se sobre a intervenção de vibrolipoaspiração.
5. A consulta foi com o 1.º R. que informou a A. que estariam reunidas as condições para realizar aquele tipo de procedimento no seu corpo, nomeadamente na zona abdominal.
6. Comunicou-lhe ainda nessa consulta que a cirurgia se realizaria sob anestesia local e em regime ambulatório.
7. Após a referida consulta, a A. tomou a decisão de levar a cabo a intervenção.
8. A A. assinou a declaração fornecida pela 3.ª R. nas suas instalações, denominada “Consentimento Informado” no qual foi manuscrito o seu nome completo e a data de 12/12/2014, com o seguinte teor:
“Eu AA, fui informado em relação á técnica cirúrgica do tratamento proposto, risco e possíveis complicações, subjacentes (em anexo) à cirurgia de Vibrolipoaspiração, realizado no dia 12/12/2014”.
9. Com a referida declaração foi fornecida pela 3.ª R. à A. o anexo nela mencionado, donde, além do mais, consta a qualificação da vibrolipoaspiração como “cirurgia”, “técnica cirúrgica” e “cirurgia estética”, a designação de “cirurgião” do profissional que a executa, a inevitabilidade de “cicatrizes de pequenas dimensões (0,5 a 1,0 cm)” e a possibilidade de “pequenas irregularidades que em geral são acompanhadas de má adaptação da pele” e “algumas intercorrências como sejam pequenas assimetrias, que podem requerer um segundo procedimento ou o dito retoque”.
10. A cirurgia foi agendada para o dia 12/12/2014, tendo a A. comparecido na Clínica 3.ª R. pelas 14.00 h, tendo uma das funcionárias informado que o Dr. BB a iria atender.
11. Foi acompanhada pelo 1.º R. ao primeiro piso da Clínica, aqui 3.ª R., tendo aquele analisado o corpo da A. e feito marcações a caneta na zona abdominal e nos flancos.
12. A A. tomou um sedativo.
13. Passado algum tempo a A. foi para a sala onde decorreu a intervenção.
14. Foi o 1.º R. quem introduziu e manipulou as cânulas necessárias à realização da vibrolipoaspiração, na presença da Enf. GG.
15. Finda a intervenção a A. ficou a descansar cerca de 30 minutos, tendo depois o 1. R. informado que estava tudo bem e a mesma poderia ir embora.
16. Pediu para lhe chamarem um táxi, mas enquanto esperava a A. começou a sentir um mau estar e a desfalecer.
17. Foi levada novamente para sala de cirurgia e foi-lhe administrado soro por via endovenosa.
18. Após ter recuperado, a A. saiu da clínica, levando consigo uma receita médica prescrita pelo 2.º R..
19. Decorridos três dias, a A. dirigiu-se novamente à Clínica para avaliar os pensos da cirurgia realizada, tendo sido recebida pelo 1.º R.
20. Com o decorrer do tempo os hematomas foram desaparecendo e começaram a ser visíveis irregularidades na pele da A., apresentando nódulos de gordura localizada, pele repuxada e fibroses.
21. A A, manteve-se vários meses em tratamentos na Clínica R. para corrigir as irregularidades que o seu corpo apresentava, sendo sempre seguida pelo 1.º R..
22. Em Março de 2015 foi sugerido pelo 1.º R uma nova intervenção desta vez através do umbigo por forma a levantar a pele na expectativa de dar um aspecto mais liso e resolver as fibroses.
23. Submeteu ainda a A. a um tratamento com laser O2 com a mesma finalidade.
24. A A. não via alterações relevantes no seu corpo, sentindo-se frustrada e desanimada por achar que não mais voltaria a recuperar a condição anterior.
25. Pelo que, em face do seu descontentamento, propuseram-lhe que, de entre os serviços da Clínica aqui R., a A. tentasse a pressoterapia e fazer acupuntura para tentar melhorar o aspecto das fibroses.
26. A A. aceitou e fez semanalmente durante cerca de dois meses essas mesmas sessões,
27. O 1.º R. a determinada altura propôs que a A. fizesse criolipólise na zona periumbilical por ser a zona mais afectada pelos nódulos de gordura.
29. Decorreram ainda sessões de PLPG, radiofrequência reafirmante, radiofrequência lipolítica.
30. A A. solicitou reunião com o novo Director Clínico da R. que, entretanto, tinha assumido funções, Dr. HH.
31. Posteriormente a 01/04/2015, a Autora foi submetida a uma intervenção através do umbigo por forma a levantar a pele na expetativa de dar um aspeto mais uniforme às fibroses, executada pelo 1.º Réu, já tendo conhecimento que era enfermeiro.
32. A A. recebeu tratamentos na Clínica R. até 9/06/2016, tendo tido tratamentos agendados até 8/08/2016.
33. A 3.ª R. fez chegar a casa da A. uma factura no valor de 4.050,00 € pelos serviços prestados após a primeira cirurgia.
34. Estes serviços foram oferecidos à A. para lhe proporcionar resultados que a satisfizessem.
35. A 3.ª Ré tinha conhecimento de que o 1.º R. não era médico, permitindo-lhe realizar a vibrolipoaspiração que teve lugar nos termos supra descritos em 13) e 14).
36. A A., fruto da intervenção supra referida em 13) e 14), apresenta a nível abdominal duas cicatrizes com meio cm de comprimento laterais nos flancos, uma delas com deformidade retrátil subcutânea com cerca de 3 cm; uma cicatriz com 0,5 cm de comprimento adjacente ao umbigo; assimetria e lipodistrofia periumbilical; a nível lombar evidencia deformidade paravertebral direita, pouco conspícua podendo corresponder a assimetria lipodistrófica e fibrose do tecido celular subcutâneo.
37. Lesões estas que são consequência directa da intervenção realizada no dia 12/12/2014 nos termos sobreditos em 13) e 14).
38. A A. sofreu dores no pós-operatório.
39. Em virtude da intervenção supra referida em13) e 14), a A. ficou abalada psicologicamente fruto do desgosto, tristeza, angústia e humilhação que sofreu com essa intervenção.
40. A A. deixou de ser uma pessoa tão activa, alegre e com tanto gosto pela vida.
41. As intervenções e tratamentos a que foi sujeita não trouxeram à A. qualquer melhoria no seu estado mental.
Da Contestação do 2.º R.
42. O 2.º R. foi director clínico da 3.ª R. de 31/01/2014 até 31/01/2015.
43. O 2.º R. é médico especialista em cirurgia geral.
Da Contestação da 3.ª R.
44. A 12/12/2014 a 3.ª R. detinha uma clínica de estética e tinha por objecto o exercício de actividades de prática médica de clinica geral e especializada, em ambulatório, prestação de serviços de medicina dentária e odontologia e outras actividades de saúde humanas; prestação de serviços médicos e paramédicos, gestão, promoção de actividades e gabinetes médicos, de higiene, segurança no trabalho, publicações de carácter científico, investigação e informatização médica; prestação de serviços de cabeleireiro e institutos de beleza; comércio a retalho de produtos cosméticos e de higiene, em estabelecimentos especializados; actividades combinadas de apoio aos edifícios; e, arrendamento de bens imóveis e administração de imóveis por conta de outrem.
45. Como director clínico da 3.ª R., o 2.º R. assumiu as funções inerentes ao cargo, a seguir discriminadas:
- dar assistência na formação, ensino e investigação e documentação;
- verificar a qualidade e segurança do doente;
- colaborar nas relações externa e cooperação institucional;
- colaborar com o gabinete de comunicação, imagem e relações públicas;
- colaborar com o gabinete de planeamento e controlo de gestão;
- colaborar na gestão de recurso humanos;
- colaborar com o serviços de nutrição e dietética;
-dar assistência nas tecnologias e sistemas de informação;
- colaborar com o gabinete de auditoria e codificação clínica;
-colaborar com os serviços de venda de produtos.
46. O 2.º R. era o director clínico de todos os actos clínicos praticados na A....
47. Como contrapartida destes serviços a 3.ª obrigou-se a pagar ao 2.º R. uma retribuição mensal, liquidando o valor de 500,00 € e 50% por cada consulta ou tratamento depois de deduzidos os custos suportados.
48. A A. não pagou a factura supra referida em 34.
*
Factos não provados
Todos os que se mostram em contradição com os que acima se deram como provados, designadamente e ainda que:
-O 1.º R. tivesse informado a A. de que estavam reunidas as condições para realizar a intervenção de vibrolipoaspiração na zona das costas.
-Tenha informado a A. que não existiam quaisquer riscos associados a intervenções cirúrgicas/estéticas como a vibrolipoaspiração.
-A A. tenha feito uma pesquisa pelo nome do 1.º R..
-A A. tenha contactado a 3.ª R. para lhe fornecerem informações curriculares referentes ao 1.º R. quer à restante equipa médica que iria levar a cabo a intervenção cirúrgica em questão.
-Tenha sido agendada uma consulta com o 2.º R.
-O 2.º R. tenha afirmado à A. que seria ele a realizar a intervenção juntamente com outro profissional muito qualificado.
-Lhe tenha falado da sua vasta experiência.
-A tenha informado ter sido director de serviço do Centro Hospitalar ....
-Tenha sido o 2.º R. a entregar à A. o consentimento informado.
-O 2.º R. tenha assinado o consentimento informado.
-O 1.º R. tenha feito marcações nas costas da A..
-No dia 12/12/2014 o 2.º R. tenha chegado depois para cumprimentar a A. e lhe tenha dado um comprimido.
-O sedativo tomado pela A. não tenha surtido qualquer efeito.
-A A. tenha sentido toda a cirurgia.
-Tenha sentido dores intensas durante a cirurgia.
-A A. nunca tenha perdido a consciência e tenha perfeitamente presente quem se encontrava consigo na sala aquando da intervenção.
-A cânula tenha passado na zona das costas.
-A aparência não fosse semelhante em ambos os lados das costas.
-Fossem visíveis na pele a diferença entre as zonas aspiradas e não aspiradas.
-Não tivesse havido melhoria.
-Após a realização da criolipólise o estado deformado da zona abdominal da A. tivesse ficado mais evidente.
-Com este tratamento a zona periumbilical tenha ficado mais saliente que o resto do abdómen em resultado directo da força de sucção exercida pela máquina na zona de incidência.
-A A. tenha ficado fisicamente deformada.
-A A. tenha tido conhecimento de que o 1.º R. era enfermeiro e que não era médico depois de Julho de 2015.
-O novo director clínico da 3.ª R. tenha proposto à A. uma nova intervenção cirúrgica.
-A cânula tenha sido introduzida muito superficialmente.
-A intervenção tenha sido mal realizada.
-As lesões supra descritas em 21) e 38) se tenham ficado a dever à deficiente execução da intervenção ou ao facto de o 1.º R. não ser médico.
-A zona posterior tenha sido mal executada.
-A 3.ª R. tenha informado a A. de que não dispunha de lipoaspiração ultrassónica e/ou vibratória.
-As demais intervenções tenham piorado as lesões da A.
-O 2.º R. não tenha presenciado os actos praticados pelo 1.º R. nos termos supra descritos em 13) e 14).
-A consolidação das lesões da A. seja fixável em 7/06/2016.
-As lesões da A. lhe tenham causado um défice temporário parcial de 543 dias.
-Sendo a repercussão temporária da actividade profissional total de 4 dias e a parcial de 540 dias.
-Em consequências das lesões a A. tenha sofrido défice funcional permanente da integridade física-psíquica.
-As lesões da A. sejam um dano estético valorizável em 2 pontos.
-As lesões da A. tenham uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer.
-Tenham sido as lesões que afectaram a saúde psicológica da A. e lhe tenham dificultado a prossecução da sua actividade profissional.
- As lesões tenham causado vergonha à A. do próprio corpo, vergonha de o exibir e de partilhar intimidade com o seu marido.
-As lesões tenham prejudicado a saúde sexual do casal.
-Sejam a causa de A. recear mostrar o seu corpo.
-A A. esteja fisicamente debilitada por causa das lesões.
-As lesões sejam a causa de a A. ter dificuldade em aceitar alguns convites sociais ou de se sentir pouco confortável com o seu próprio corpo.
-As intervenções e tratamentos a que foi sujeita não tenham trazido qualquer melhoria ao seu bem estar físico.
-A A. apresente sintomatologia depressiva, se queixe de humor depressivo, baixa auto-estima, perturbação de sono. Isolamento social, ansiedade, ideias de desesperança, disfunção sexual significativa, irritabilidade fácil e dificuldade em lidar coma sua imagem quando está na praia ou o ginásio.
-O seu estado psicológico actual corresponda a uma perturbação depressiva persistente geradora de sequelas com repercussão a nível do funcionamento social, laboral ou outras áreas importantes da sua actividade com valorização de grau III.
-A A. sempre soubesse que o 1.º R. era enfermeiro.
-A A. não tenha seguido as orientações que lhe foram dadas.
-O 2.ª Réu tinha conhecimento de que o 1.º R. não era médico, permitindo-lhe realizar a vibrolipoaspiração que teve lugar nos termos supra descritos em 13) e 14).
*
IV-DIREITO
A Autora pretende ser indemnizada alegando, em síntese, que na 3.ª Ré, clínica especializada em tratamentos estéticos, foi submetida a uma vipolipoaspiração pelo 1.º Réu, enfermeiro, com o conhecimento e anuência do Director Clínico, 2.º Réu. Estava convencida que o 1.º Réu era médico, razão pela qual consentiu ser intervencionada mas o resultado foi danoso para o seu corpo e para a sua saúde psíquica.
Fundamentou o pedido, em resumo, no facto de o 1.º Réu, com a concordância, anuência e encobrimento dos demais Réus, ter praticado um ato médico, sem habilitação para tal, violando os seus direitos à imagem e à integridade física. Do Quadro Legal
A responsabilidade civil, como fonte das obrigações, poderá emergir da prática de factos ilícitos/lícitos que violem direitos absolutos ou de disposições que protegem interesses alheios (extracontratual) ou de um contrato, por incumprimento ou cumprimento defeituoso.
No que tange à primeira, o princípio geral plasmado no art. 483.º, n. 1 do C.Civil estabelece que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Na responsabilidade contratual, cuja disciplina está prevista nos arts. 798.º a 800.º do C.Civil, está em causa, como se referiu, a violação de obrigações assumidas no acordo ajustado pelos contraentes.
Para que alguém seja obrigado a reparar um dano, é necessário que estejam preenchidos os pressupostos da responsabilidade extracontratual constituídos pelo facto do lesante (acção/omissão), a ilicitude, o nexo de imputação do facto ao lesante nas modalidades de dolo ou negligência e o nexo causal entre o facto voluntário do agente e o dano.
A ilicitude consiste, assim, na violação do direito de outrem ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Como explica A. Varela[3] a segunda forma de ilicitude (violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios) foi introduzida mais tarde em consequência da publicação do Decreto n.º 32171 de 29/08/1942 que “veio definir em termos especiais a responsabilidade civil dos médicos…”, obrigando o agente, no seu artigo 28.º, “a indemnizar todo o dano injusto por ele causado. “o médico que como tal causar, dolosa ou culposamente, um dano injusto a outrem constitui-se na obrigação de o reparar (…)” (sublinhado nosso)
Acrescenta o referido autor[4], na sua reflexão sobre a ilicitude, que se nos afigura pertinente atendendo ao objecto do presente processo, que “…a ilicitude reporta-se ao facto do agente, à sua actuação, não ao efeito (danoso) que dele promana, embora a ilicitude do facto possa provir (e provenha até as mais das vezes) do resultado (lesão ou ameaça de lesão de certos valores tutelados pelo direito) que ele produz.” (sublinhado nosso)
A relevância do direito à integridade pessoal decorre, em primeira linha, da Constituição da República Portuguesa, concretamente do art. 25.º, n.º 1 que proclama “A integridade moral e física das pessoas é inviolável.” e da tutela conferida pelo direito penal (art. 143.º do C.Penal).
A importância deste direito fundamental foi reconhecida pelos Estados Membros da União Europeia ao introduzirem, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o direito à integridade do ser humano (art. 3.º, n.º 1)[5].
E não é por acaso que na disposição seguinte, do n.º 2 desse preceito, consagrou-se ainda que “No domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados, designadamente:
a)O consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei; (…)”
Na anotação do art. 3.º Helena Pereira de Melo[6] citou Guy Braibant, vice presidente da Convenção incumbida da elaboração de uma carta dos direitos fundamentais, o qual declarou que é uma das disposições “mais inovadoras e ricas da Carta.” e que concretiza a ideia, expressa no preâmbulo, de “reforçar a protecção dos direitos fundamentais, à luz da evolução da sociedade, do progresso social e da evolução científica e tecnológica.”
No âmbito do direito civil, a protecção deste direito consta do art. 70.º, n.º 1 do C.Civil:“A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.”
No caso sub iudice discute-se justamente o direito à integridade física da Autora, definido por Orlando de Carvalho,[7] como “…o direito a não ser lesado na integridade físico-psíquica tal como se possuiria se não se se verificasse tal lesão. Abrange…o direito a não sofrer lesões mesmo na fase intra-uterina ou embrionária…”
Acrescenta o referido autor que “…penalmente nas intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos em benefício próprio…só há violação do direito à integridade física se os tratamentos ou intervenções forem feitos por pessoa legalmente não autorizada ou com outra intenção que não “a de prevenir, diagnosticar, etc ou com violação das leges artis. (…) Sobre pessoa não autorizada legalmente, caso em que há cúmulos de infracções (violação da integridade física e usurpação de funções) v. além do art. 150.º, o art. 400, 2.” (sublinhado nosso)
As leges artis “referem-se ao conjunto de regras científicas, o padrão cientificamente aceite para orientar a prática médica, é o grande critério para aferir da ilicitude ou ilicitude de determinada conduta médica.”[8]
No que concerne à responsabilidade médica, quando não tiver sido celebrado um contrato de prestação de serviços médicos, poderá ser enquadrável na responsabilidade extracontratual, desde que verificados os respectivos pressupostos.
Todavia, acontece frequentemente que determinada situação é susceptível de convocar ambas as responsabilidades, ocorrendo, nesse caso, o concurso de responsabilidades, extracontratual e contratual.
O concurso de responsabilidades resulta das situações em que “…o dano se mostre consequência de um facto que simultaneamente viole uma relação de crédito e um dos chamados direitos absolutos, como o direito à vida ou à integridade física.”[9]
Na hipótese da responsabilidade médica integrar o concurso de responsabilidades, ou seja, se o acto médico violar o contrato e simultaneamente um direito absoluto, de forma culposa e ilícita, a jurisprudência tem reiteradamente optado pelo enquadramento na responsabilidade contratual, por se presumir a culpa do lesante, sendo, por isso, mais favorável ao lesado.
Em qualquer dos casos, para que o lesado tenha o direito a ser indemnizado, deve alegar e provar os pressupostos exigidos por lei que são comuns, incumbindo-lhe o cumprimento desses ónus.[10]
O acto médico, que configure uma intervenção cirúrgica ou tratamento designado invasivo afecta necessariamente, em termos ofensivos, a integridade física do paciente, razão pela qual carece de consentimento válido, após ser devidamente informado, pelo médico, sobre a intervenção/tratamento e possíveis riscos que poderão resultar desse acto.
Por outras palavras, o consentimento “tem de ser precedido de uma conveniente elucidação sobre as consequências imediatas e mediatas da intervenção ou do tratamento bem como sobre os riscos típicos que lhe estão associados.”[11]
Orlando de Carvalho[12], sobre o consentimento, esclarece que “Se se excede o limite inferior da adequação social e não há consentimento do ofendido (consentimento tolerante pois não se trata de conferir um poder de agressão, mas só de justificação do facto) a agressão é ilícita.”
No Código Deontológico dos Médicos[13] está expressamente previsto, no art. 19.º, que o doente tem direito a receber e o médico o dever de prestar esclarecimento sobre o diagnóstico, a terapêutica e o prognóstico da sua doença (n.º 1); o esclarecimento deve ser prestado previamente e incidir sobre os aspectos relevantes de atos e práticas, dos seus objectivos e consequências funcionais, permitindo que o doente possa consentir em consciência (n.º 2); o esclarecimento deve ser prestado pelo médico com palavras adequadas, em termos compreensíveis, adaptados a cada doente, realçando o que tem importância ou o que, sendo menos importante, preocupa o doente (n.º 3); o esclarecimento deve ter em conta o estado emocional do doente, a sua capacidade de compreensão e o seu nível cultural (n.º 4); o esclarecimento deve ser feito, sempre que possível, em função dos dados probabilísticos e facultando ao doente as informações necessárias para que possa ter uma visão clara da situação clínica e tomar uma decisão consciente. (sublinhado nosso)
Em articulação com as mencionadas normas deontológicas, deve ser interpretada a disposição seguinte, do art. 20.º, sobre o consentimento do doente.
Segundo o n.º 1 do art. 20.º, “O consentimento do doente só é válido se este, no momento em que o dá, tiver capacidade de decidir livremente, se estiver na posse da informação relevante e se for dado na ausência de coações físicas ou morais.
Relativamente à forma que deve revestir, pode assumir, nas palavras de Sandra Passinhas,[14] a forma oral ou escrita.
Esta autora acrescenta que “O consentimento escrito e ou testemunhado é exigível em casos expressamente determinados pela lei ou regulamento deontológico.”
No art. 5.º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia da Medicina (CDHB) determina-se que “Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efectuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido.”
A palavra “intervenção”, esclarece Helena Pereira de Melo,[15]“aplica-se, segundo é dito no aludido Relatório Explicativo, a todos os actos médicos, seja, eles realizados para fins preventivos, de diagnóstico, de tratamento, de reabilitação ou de investigação.”
Em resumo, pese embora o acto médico possa constituir uma ofensa ao direito à integridade física do paciente encontra-se plenamente justificado pelo consentimento informado do paciente, e desde que seja executado em conformidade com as designadas leges artis.
Por se tratar de uma intervenção invasiva estética, de natureza cirúrgica, a vibrolipoaspiração deve ser realizada por um médico e nas condições adequadas.
No caso concreto, a Autora foi consultada e submetida a uma vibrolipoaspiração, executada pelo 1.º Réu, que não é médico mas sim enfermeiro, o qual introduziu e manipulou as cânulas necessárias à realização dessa intervenção.
Pela prática do crime de usurpação de funções, foi condenado no âmbito do processo criminal.
A Autora estava convencida, na altura em que foi realizada a vibrolipoaspiração, que o 1.º Réu era médico até porque assinou a declaração fornecida pela 3.ª R. nas suas instalações, denominada “Consentimento Informado” no qual foi manuscrito o seu nome completo e a data de 12/12/2014, com o seguinte teor:
“Eu AA, fui informado em relação á técnica cirúrgica do tratamento proposto, risco e possíveis complicações, subjacentes (em anexo) à cirurgia de Vibrolipoaspiração, realizado no dia 12/12/2014”.
Com a referida declaração foi fornecida pela 3.ª R. à A. o anexo nela mencionado, donde, além do mais, consta a qualificação da vibrolipoaspiração como “cirurgia”, “técnica cirúrgica” e “cirurgia estética”, a designação de “cirurgião” do profissional que a executa, a inevitabilidade de “cicatrizes de pequenas dimensões (0,5 a 1,0 cm)” e a possibilidade de “pequenas irregularidades que em geral são acompanhadas de má adaptação da pele” e “algumas intercorrências como sejam pequenas assimetrias, que podem requerer um segundo procedimento ou o dito retoque”.
Ora, nos termos do art. 340.º do C.Civil, o acto autorizado justifica o facto, a não ser que seja contrário a uma proibição legal por constituir a prática de um crime.[16]
Este ponto é importante porque foi muito discutida nos autos a questão de facto referente ao conhecimento por parte da Autora, pelo menos na segunda intervenção, que o 1.º Réu era enfermeiro e não médico, tendo, mesmo assim, consentido a voltar a ser submetida a um procedimento cirúrgico para alcançar a uniformização da pele da zona abdominal.
Numa palavra, o consentimento do lesado, prestado a uma pessoa que não tinha o dever de o elucidar, por não ser médico, não justifica a ilicitude da agressão corporal decorrente da execução da vibrolipoaspiração por aquele, porquanto constitui um crime de usurpação de funções.
Aqui chegados, conclui-se, sem qualquer dúvida, que o 1.º Réu praticou uma ofensa à integridade física da Autora considerada ilícita, tutelada também pela lei penal, por não ter habilitação legal para realizar essa intervenção no corpo daquela; a conduta é culposa, na forma dolosa, pois bem sabia que era proibida e mesmo assim quis, de forma voluntária, praticar o acto ilícito.
Os danos, declarou-se na sentença, são “as incisões, com as consequentes cicatrizes, a introdução de anestésico local, a introdução e manipulação das cânulas, e os efeitos físicos e psíquicos deste procedimento.”
Estamos perante o dano, na sua dimensão real,[17]ou seja, constituído pelas lesões físicas e sofrimentos que a Autora padeceu em consequência da vibrolipoaspiração que o 1.º Réu executou com recurso a anestesia local.
Em termos médicos[18], o dano corporal consiste num prejuízo primariamente biológico, que se pode traduzir por perturbações a nível das capacidades e das situações da vida ou a nível psicológico, com repercussões funcionais.
O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão; e na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis mas se não forem determináveis, essa fixação será remetida para decisão ulterior—v. art. 564.º, n.º 1 e 2 do C.Civil.
Não estando em causa um acto médico, nenhuma relevância assume saber se a cirurgia foi bem ou mal executada, se as consequências que advieram no corpo da Autora consubstanciam riscos normais daquele tipo de cirurgia e/ou se foi autorizada pelo lesado.
Com efeito, o consentimento que a Autora prestou ao 1.º Réu pressupunha que a vibrolipoaspiração fosse realizada por um médico, como consta do papel que foi por si assinado, e não por um enfermeiro.
Devemos reiterar que não foi um médico que prestou à Autora todos os esclarecimentos relevantes sobre o acto cirúrgico em causa, e possíveis riscos para a sua saúde.
De qualquer modo, sempre se dirá que as queixas de descontentamento manifestadas pela Autora, revelam o desconhecimento sobre como poderiam ficar as zonas do corpo intervencionadas; a necessidade de ser submetida a uma nova intervenção e os diversos tratamentos estéticos que realizou, durante seis meses, para conseguir melhorar o estado do seu corpo, não foram minimamente esclarecidos, com mencionado anexo ao documento que formalizou o consentimento, antes de ter sido submetida à vibrolipoaspiração.
Neste particular sobre os danos, apurou-se que a Autora apresenta, a nível abdominal, duas cicatrizes com meio cm de comprimento laterais nos flancos, uma delas com deformidade retrátil subcutânea com cerca de 3 cm; uma cicatriz com 0,5 cm de comprimento adjacente ao umbigo; assimetria e lipodistrofia periumbilical; a nível lombar evidencia deformidade paravertebral direita, pouco conspícua podendo corresponder a assimetria lipodistrófica e fibrose do tecido celular subcutâneo, que são consequência directa da intervenção realizada no dia 12/12/2014. Sofreu dores no pós-operatório e ficou abalada psicologicamente fruto do desgosto, tristeza, angústia e humilhação que sofreu com essa intervenção.
Em suma, estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual no que respeita à actuação ilícita do 1.º Réu, da qual resulta a obrigação de indemnizar a Autora; considerando-se adequado o quantum indemnizatório face à gravidade da actuação e respectivas consequências físicas e psíquicas, que demandaram a realização de um novo procedimento invasivo e seis meses de tratamentos estéticos com o objectivo de melhorar o estado em que ficaram as zonas afectadas.
Finalmente, sobre o 2.º Réu, director clínico da 3.ª Ré nessa altura dos factos, não ficou demonstrada qualquer intervenção ou conhecimento de que o 1.º Réu iria executar um acto considerado exclusivo dos médicos, pelo que se impõe a sua absolvição.
Cumpre notar que o facto de ter subscrito uma prescrição médica, sem ter visto a Autora, que o próprio justificou circunstancialmente, é manifestamente insuficiente para que se lhe possa imputar uma actuação ilícita e culposa.
Perante as razões aduzidas, mantém-se a condenação do 1.º Réu, devendo o 2.º Réu ser absolvido.
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V-DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso do 1.º Réu, procedente o recurso do 2.º Réu, e em consequência, confirma-se a sentença em relação ao 1.º Réu, absolve-se do pedido o 2.º Réu, mantendo-se o mais decidido.
Custas a cargo do 1.º Réu e da Autora, na proporção das respectivas sucumbências.
Notifique.
Porto, 8/4/2025
Anabela Miranda
João Ramos Lopes
Raquel Lima
___________________ [1]Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 124 a 129. [2] v. sobre esta temática, além de outros, Acs.STJ de 01.10.2015 e 22.10.2015 e da Relação do Porto os Acs. 01.10/2015,07.01.2019, 29.04.2019 e 22.05.2019 disponíveis em www.dgsi.pt. [3]Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 483. [4] Ob. cit. pág. 485. [5] “O reconhecimento deste direito não constitui uma novidade no plano do direito internacional…”, Helena Pereira de Melo, in Anotação ao art. 3.º da CDFUE Comentada, Alessandra Silveira e Mariana Canotilho (coordenadoras), Almedina, 2013, pág. 59 e segs. [6]Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Comentada, Alessandra Silveira e Mariana Canotilho (coordenadoras), Almedina, 2013, pág. 58 e segs. [7]Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3.ª edição, págs. 208 e segs. [8] Anabela de Sousa Gonçalves, Bruna de Sousa e Diana Coutinho, Direito Médico, Gestlegal, 2024, pág. 32. [9] Almeida Costa, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4.ª edição, págs. 356 e 357. [10] Com excepção da culpa na responsabilidade contratual, que se presume. [11] O. de Carvalho, ob. cit., pág. 213. [12] Ob. cit. pág. 212. [13] Aprovado ao abrigo do Estatuto da Ordem dos Médicos, publicado em anexo ao Regulamento n.º 707/2016 (DR 139/2016, Série II, de 21.06 e alterado pelo Reg. N.º 498/2020, publicado no DR 102/2020, série II, de 26.05. [14] Responsabilidade Disciplinar Médica, Almedina, 2022, pág. 24. [15] Ob. cit., pág. 65. [16] Neste sentido v. Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 513. [17] A. Varela, ob. cit., pág. 558. [18] Magalhães, Teresa, Da Avaliação à Reparação do Dano Corporal, Instituto Nacional de Medicina Legal I.P.-Delegação do Norte, disponível em www.trp.pt/ficheiros/estudos.