PEDIDO RECONVENCIONAL
CAUSA DE PEDIR
Sumário

I - O facto jurídico a que se refere a al. a) do nº 2 do art. 266º do CPC não deve ser considerado em abstracto, mas tendo presente o facto real e concreto no qual a autora fundamenta o seu pedido ou o réu assenta a sua defesa.
II - O pedido reconvencional deve resultar da própria causa de pedir invocada pela autora ou de algum facto alegado pelo réu como impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora.

Texto Integral

Processo n.626/22.1T8ESP-A.P1- APELAÇÃO

Juízo Central Cível de ...

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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO

1. A..., Ld.ª, intentou ação declarativa sob processo comum contra B..., Lda, tendo formulado os seguintes pedidos:
a) ser declarado extinto o contrato de arrendamento a que se refere a presente petição, por caducidade e a ré condenada a restituir o imóvel à autora.
b) Ser a ré condenada a pagar à autora a quantia correspondente ao dobro da renda por cada mês de atraso na restituição a partir de 29-8-2022, nos termos do disposto no artigo 1045.º n.º 2 do Código Civil, e que nesta data ascende a € 1424,00,
ou alternativamente
c) ser declarada a resolução do citado contrato de arrendamento, condenando-se a ré a restituir à autora o descrito imóvel, livre de pessoas e coisas.
d) Ser a ré condenada a pagar a indemnização à autora correspondente ao dobro da renda mensal a contar do trânsito em julgado da Sentença que declare procedente o pedido identificado sob a alínea c) nos termos do artigo 1045.º n.º 2 do Código Civil.
Alegou para o efeito e em síntese que é proprietária do imóvel identificado nos autos e que em data que desconhece a ré tornou-se arrendatária do r/c desse prédio, por via de contrato de arrendamento celebrado por AA a quem havia sido doado o usufruto do prédio em causa (por escritura de doação celebrada em 29-7-1966) donatária essa que faleceu, no estado de solteira, no dia ../../2019, tendo-se extinguido o direito de usufruto que gozava sobre o supra descrito imóvel, o que implica a cessação por caducidade do contrato de arrendamento supra citado ao abrigo dos arts.1443º 1476º al. a) e 1051º n.º1 al. c) todos do CC, e que apesar de ter solicitado à ré por carta registada de 16 de Dezembro de 2021, que a recebeu no dia seguinte, a entrega do r/c do imóvel em causa, a ré não respondeu nem procedeu à entrega do imóvel.
Mais alegou que em data que não sabe precisar a ré procedeu a obras no imóvel sem qualquer autorização da respectiva senhoria, tendo remodelado completamente o locado, alterando a sua estrutura e aumentando a área de construção, designadamente fazendo avançar a construção vários metros quadrados pelo quintal, instalando uma área de churrasco e eliminando uma dependência destinado a “arrumo”, procedeu à demolição e ao levantamento de paredes, construiu novas divisões, fazendo alterações na instalação eléctrica e sanitária, entre outras transformações, o que fez ilegalmente, pois também não submeteu à apreciação da autoridade administrativa competente o respectivo projecto para aprovação, violando o disposto no n.º 2 do art. 1074 do CC, o que constitui fundamento para a resolução do contrato, nos termos do art.1083 nº 1 do C.C.

2. A Ré deduziu contestação, defendendo que a constituição de usufruto sobre o imóvel a favor da AA não tendo sido registado lhe é inoponível, o que constitui facto impeditivo do direito da Autora a ver caducado o contrato de arrendamento, que sempre agiu na convicção que AA era a proprietária do prédio onde sempre funcionou o estabelecimento comercial, a qual sempre assim se intitulou perante os gerentes da Ré e por força de tal convicção, no ano de 1993 fez um investimento para aquisição do estabelecimento comercial, cujo valor ascendeu a 26 mil contos (26.000.000$00), a que corresponde hoje o valor de €129.687,45 aplicando todas as poupanças arrecadadas numa vida de trabalho por parte dos sócios gerentes BB e CC, assim como em 1997 realizou obras (devidamente autorizadas pela proprietária) que ultrapassaram os 12 mil contos (12.000.000$00) a que corresponde hoje o montante de € 59.955,74 e que a existência do contrato de arrendamento é muito anterior à constituição do usufruto a favor da falecida AA, tendo o prédio sido dado de arrendamento através de escritura pública outorgada em 02 de Julho de 1957, em que foram outorgantes DD e EE, pais da entretanto falecida AA, estabelecimento que ulteriormente, em 23.03.1992, foi objecto de novo trespasse, desta feita a favor da aqui Ré.
Mais alegou que obteve junto da usufrutuária/senhoria a competente autorização para a realização das obras levadas a cabo no locado, conforme se extrai da declaração subscrita pela senhoria no dia 13 de Novembro de 1997, tendo sido obras de conservação e remodelação necessárias com vista ao melhoramento do espaço, executadas de acordo com a memória descritiva do arquitecto FF, documento que faz parte integrante da declaração a que aludiu, a qual em seu entender obsta à resolução do contrato com tal fundamento.
Sem prejuízo, invocou a excepção da caducidade, sustentando que a Autora adquiriu o prédio no estado de conservação em que o mesmo se encontra, pelo que vir agora alegar a realização de alegadas obras não autorizadas, consubstancia um evidente e manifesto abuso de direito, além de que desde a data da aquisição do prédio (29.09.2021), em que a Autora entrou na posse do mesmo e até á data da propositura da presente ação (04.10.2022) já decorreu mais de um ano, motivo pelo qual sempre teria caducado o direito de arguir a resolução do contrato com fundamento nas obras.
A Ré deduziu ainda reconvenção, com o seguinte teor (transcrição):
“VI – RECONVENÇÃO
74º A Ré, ora Reconvinte, por questões de economia processual e para evitar a sua duplicação, dá aqui por integralmente reproduzido tudo quanto foi alegado nos artigos anteriores.
75º Conforme foi referido supra, e encontra-se documentado, a Ré é titular de um contrato de arrendamento, que onera o rés-do chão do prédio identificado no artigo 1º da p.i. desde 02 de Julho de 1957.
76º No identificado locado funciona um estabelecimento comercial de restauração, denominado “B...”, propriedade da Ré, que o adquiriu através de escritura pública de trespasse, outorgada no dia 23 de Março de 1992, no Cartório Notarial ..., lavrada de fls. 54 a fls. 55 do livro ...14-A, conforme documento que se junta e se considera reproduzido – cfr. documentos 2 idem.
77º Desde 28/07/1993 a gestão do estabelecimento de restauração passou a ser assegurada pela Ré, conforme escritura pública de cessão de quotas e alteração de pacto, outorgada no2º Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 22 verso a fls. 24 verso, do livro ...5-G, o que também se extrai da análise da certidão permanente que se junta por facilidade de consulta – cfr. documento 3 e documento 9
78º que desde então sempre assegurou o pagamento pontual da renda devida pela ocupação do locado, conforme recibos de quitação que se juntam (a título de exemplo, porque o pagamento não foi questionado), apenas por referência aos meses de Dezembro de 2020 a Setembro de 2021, que aqui se juntam e cujos teores se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais – documentos 10 a 18.
79º Comportamento que se manteve inalterado após a aquisição do prédio por parte da Autora, portanto, desde setembro de 2021 e até à presente data, em que a Ré continuou a fazer os pagamentos da renda através de transferência bancária – conforme documentos da transferência bancária realizada que aqui se juntam e cujos teores se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais – cfr. documentos 19 a 35
80º Após a aquisição a que é feita referência nos artigos 1º e 2º da sua p.i., a Autora sempre recebeu mensalmente o valor da renda devida pelo locado, que integrou no seu património, tornando-o seu.
81º A Ré tem cumprido pontualmente com todas as obrigações decorrentes do contrato de arrendamento, incluindo o pagamento do valor das rendas.
82º A R, persiste em agir na firme convicção da existência do contrato de arrendamento, porque, sabe que o mesmo existe.
83º Impõe-se pois, não só ver reconhecia a existência do contrato de arrendamento por parte da Autora, mas também, assegurar que a mesma se abstém de interferir com a fruição plena do locado por parte da Ré, para os fins a que se destina, como sempre sucedeu, o que se pretende.
I – DA PERDA/PRIVAÇÃO DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL
84º Impõe-se face à pretensão da Autora, equacionar, ainda que em termos hipotéticos, a possibilidade da procedência da acção e as suas consequências, desde logo, a privação do estabelecimento comercial (no que não se concede e apenas se admite por mera cautela e sem prescindir de todo o alegado).
85º Como é do conhecimento da Autora e do público em geral, no locado de que esta é atualmente proprietária, funciona/está instalado um estabelecimento comercial de restauração, há mais de 30 anos aberto ao público, com conhecida reputação da área da restauração, este propriedade da Ré.
86º Com clientela fidelizada, assídua, com muita procura por parte de turistas e clientes nacionais, não só pela qualidade de serviço,
87º mas outrossim, devido à localização privilegiada do estabelecimento comercial propriedade da Ré, situado na Rua ..., que é uma das artérias mais movimentadas da cidade ..., a 50 metros da praia e do casino, sem esquecer, a reconhecida qualidade das refeições confecionadas e do serviço de restauração.
88º Trata-se de um estabelecimento totalmente mobilado, com mesas, cadeiras, balcões, armários, com conjuntos completos de loiça (pratos, travessas, terrinas, talheres, todos os tipos de copos, e ainda todos os acessórios imprescindíveis no serviço à mesa), toalhas de mesa, decoração, electrodomésticos, etc;
89º Possuindo uma cozinha moderna, completamente mobilada com todo o tipo de eletrodomésticos industriais, adequados ao exercício da atividade de restauração, equipada com equipamentos industriais, balcões, fogões, grelhadores, panelas, tachos e todos os acessórios necessários à confecção e preparação diária de refeições;
90º Com todas as licenças administrativas em dia, com impostos pagos, com cumprimento de todas as obrigações relacionados com a atividade exercida (restauração).
91º Caso a Ré pretendesse trespassar o estabelecimento, com todo o ativo, com todos os móveis, utensílios, alvarás, licenças e demais pertenças, com todo o know how, clientela, fornecedores e prestadores de serviços, livre de qualquer passivo, bem como livre de qualquer ónus e encargos, sempre aufeririam valor nunca inferior ao por si investido e a que se fez referência supra, portanto, no valor de € 189.543,20. (cfr. artigos 16º e 17º da contestação).
ALÉM DE QUE,
92º no pressuposto já enunciado, sempre a Ré ficará privada da exploração do estabelecimento de restauração, consequentemente, privada dos rendimentos anuais auferidos com a exploração do mesmo.
93º Por causa da opção da Autora, a Ré perderá definitivamente o estabelecimento de que é proprietária e a possibilidade de o explorar e dele retirar proveitos e rendimentos – porque, conforme já referido, não se concebe a sua existência separada do imóvel/locado (cfr. artigo 33º a 36º da contestação).
94º A Ré tem como fonte dos seus rendimentos a exploração do estabelecimento em apreço.
95º É conhecida na área da restauração pela qualidade dos seus serviços e tem clientela assegurada, que frequenta assiduamente o estabelecimento.
96º A Ré serve, em média, refeições a cerca de 50 pessoas por dia em época baixa (outono e inverno), podendo atingir as 200 pessoas por dia, em época alta (primavera e verão).
97º Para além dos clientes ocasionais, tem clientes que diariamente fazem as suas refeições no estabelecimento e com assiduidade.
98ºCom uma faturação variável, em média nunca inferior a € 10.000,00/mês.
99º Considerando as características do estabelecimento comercial, os elementos corpóreos e incorpóreos que o compõem, a Ré sempre teria a possibilidade de o trespassar a outras pessoas, desde logo, quando a actual gerência decidisse optar pelo descanso, ou pela reforma, por um valor nunca inferior ao investido, pelo que, o valor do trespasse a celebrar nunca seria inferior a € 189.543,20 (cfr. artigos 16º e 17º supra).
100º Com a opção da Autora, portanto, a admitir-se a procedência da acção (no que não se concede), com a imposição da desocupação do espaço, a Ré sempre terá este prejuízo, o correspondente ao valor do próprio trespasse (nunca inferior ao valor nele investido de €189.543,20).
101º Ponderando o valor dos danos emergentes e dos lucros cessantes, logo, considerando uma indemnização em função do interesse contratual positivo (que coloca a Ré na situação em que se encontra, ou seja, como se não existisse interrupção do contrato de arrendamento e este se mantivesse, e fosse cumprido pela Autora), sem ignorar a indemnização pelo interesse contratual negativo, aquele que visa ressarcir a Ré de tudo o que despendeu, da sua expectativa em relação á manutenção do contrato de arrendamento, que assegura a viabilidade da exploração do estabelecimento.
102º Impondo-se uma avaliação rigorosa para aferir e apurar o seu valor real e de mercado, em sede de reconvenção ou em acção autónoma a propor contra a Autora, uma vez que, a admitir-se a procedência da acção (reitera-se, no que não se concede e apenas se admite como hipótese de raciocínio), a Autora ficará na posse do estabelecimento propriedade da Ré, com a possibilidade de o rentabilizar, até trespassar,
103º o que sempre constituirá um enriquecimento sem causa da Autora, às custas do empobrecimento da Ré, impondo-se à Autora a obrigação de indemnizar a Ré, restituindo-lhe o valor daquilo com que se locupletará, ao colocar termo ao arrendamento, consequentemente, retirando da posse da Ré o estabelecimento de que é proprietária, por si construído ao longo dos anos e que fez dele um nome de referência na cidade ....
a) NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXª DOUTAMENTE PROVERÁ deverá ser julgada totalmente improcedente por não provada a acção, e considerada procedente por provada a contestação, declarando-se a procedência das excepções alegadas, com a consequente absolvição da Ré do pedido;
b) Ser julgada improcedente por não provada a acção, declarando-se a caducidade do direito da Autora quanto aos com fundamento na alegada realização de obras não autorizadas no locado, com a consequente absolvição da Ré do pedido;
c) Sem prescindir e por mera cautela, deverá ser julgada improcedente, por não provada, a ação, com a consequente absolvição da Ré do pedido;
RECONVENÇÃO:
d) Mais deverá ainda ser admitido o pedido reconvencional e em consequência, ser o mesmo julgado procedente, por provado:
1. Condenando-se a Autora a reconhecer a existência do contrato de arrendamento que onera o imóvel de que é proprietária (identificado no artigo 1º da p.i.) desde o dia 02 de Julho de 1957 e a abster-se de adotar quaisquer comportamentos que interfiram com a fruição e gozo plenos do locado, para os fins a que se destina, por parte da Ré;
2. Condenando-se a Autora, a pagar à Ré, a titulo de indemnização pela privação da exploração do estabelecimento comercial de restauração, de que é proprietária, a importância que se vier a liquidar, em função do valor que venha a ser atribuído ao estabelecimento comercial, cujo cálculo se relega para liquidação em execução de sentença, nos termos do disposto no artigo 569º do Código Civil e 556.º alínea b) do Código Processo Civil, na sequência da avaliação que venha a ser realizada (através de perícia colegial), ao estabelecimento para apurar o seu valor de mercado, de acordo com o artigo 358º do Código Processo Civil.
3. Ser a Autora condenada a pagar à Ré a quantia que venha a ser apurada na sequência da realização da avaliação a que se alude na alínea anterior, respeitante ao valor do estabelecimento comercial de restauração, de que a Ré ficará privada, a ser procedente a presente acção, por ser a quantia com que ficará enriquecido o património da Autora e empobrecido o da Ré, sem causa justificativa, ao abrigo do disposto no artigo 473º do Código Civil;
4. Em ambos os pedidos, deve a Autora ser condenada no pagamento dos juros contabilizados desde a citação e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal aplicável.”

3. A Autora apresentou réplica, deduzindo a excepção da ineptidão da reconvenção quanto aos pedidos 2 e 3 por ininteligibilidade da causa de pedir, concluindo pela sua improcedência.

4. Após realização de audiência prévia, veio a ser proferido despacho saneador em 3.04. 2024, Ref Citius 132252494, que no que respeita à reconvenção tem o seguinte teor (transcrição):
“Na sequência da aquiescência das partes reflectida na acta que antecede, profere-se despacho saneador por escrito, sem necessidade de reagendamento de Audiência Prévia.
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Em conformidade com o disposto nos artºs 297º, 298º, nº 1, 299º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, mantenho o valor da ação fixado em € 212.327,20, por despacho datado de 11/07/2023.
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Tendo sido regulamente citada, a Ré apresentou contestação e deduziu pedido reconvencional, peticionando que a mesma seja julgada procedente por provada e por via disso:
1. Condenar-se a Autora a reconhecer a existência do contrato de arrendamento que onera o imóvel de que é proprietária (identificado no artigo 1º da p.i.) desde o dia 02 de Julho de 1957 e a abster-se de adotar quaisquer comportamentos que interfiram com a fruição e gozo plenos do locado, para os fins a que se destina, por parte da Ré;
2. Condenar-se a Autora, a pagar à Ré, a titulo de indemnização pela privação da exploração do estabelecimento comercial de restauração, de que é proprietária, a importância que se vier a liquidar, em função do valor que venha a ser atribuído ao estabelecimento comercial, cujo cálculo se relega para liquidação em execução de sentença, nos termos do disposto no artigo 569º do Código Civil e 556.º alínea b) do Código Processo Civil, na sequência da avaliação que venha a ser realizada (através de perícia colegial), ao estabelecimento para apurar o seu valor de mercado, de acordo com o artigo 358º do Código Processo Civil.
3. Ser a Autora condenada a pagar à Ré a quantia que venha a ser apurada na sequência da realização da avaliação a que se alude na alínea anterior, respeitante ao valor do estabelecimento comercial de restauração, de que a Ré ficará privada, a ser procedente a presente acção, por ser a quantia com que ficará enriquecido o património da Autora e empobrecido o da Ré, sem causa justificativa, ao abrigo do disposto no artigo 473º do Código Civil.”
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A A. pronunciou-se no sentido da ineptidão da reconvenção, pelos motivos aduzidos e para os quais se remete.
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Quid iuris ?
A fim de dar resposta a esta questão há que trazer à colação alguns ensinamentos sobre reconvenção.
Conforme disposto no Art. 266º do C.P.C., “o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor”, constituindo fundamentos admissíveis os constantes das alíneas a) a d) do nº2 do mesmo artigo.
Efectivamente, (cfr. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, Volume II, página 15), a reconvenção é uma espécie de contra-acção ou acção cruzada, em que existe um pedido autónomo formulado pelo réu contra o autor. À acção proposta pelo autor contra o réu, responde este com outra acção por ele proposta contra aquele. Como acção que é, identifica-se não só através da pretensão formulada, mas ainda através do facto jurídico de que emerge essa pretensão. O pedido tem normalmente o mesmo conteúdo do do autor "embora de sinal contrário". Os seus requisitos, consubstanciados no art. 266º, nº 2 daquele diploma legal, são: emergir o pedido cruzado do facto que serve de fundamento à acção ou à defesa; propósito de obter o direito a benfeitorias ou pagamento de despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida; propósito de obter o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; e o propósito do Réu de lograr em seu benefício o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
Por definição, o pedido reconvencional incorpora um pedido substancialmente diverso, constituindo pretensão autónoma do pedido formulado pelo A., pelo que a reconvenção só é admissível quando o réu formula contra o autor um qualquer pedido que não seja consequência da sua defesa, ou seja, o conceito de reconvenção pressupõe um efectivo pedido substancial que não seja como que o pedido simétrico do formulado pelo A..
Não olvidamos que o R., ao contestar a acção de despejo pode deduzir em reconvenção o seu direito a benfeitorias ou uma indemnização. (cfr. neste sentido Ac. TRP de 23/09/2008, Processo 0823625, de onde resulta que: “ Tanto assim que, nos termos do nº 3 do artigo 56 do RAU: «O réu, ao contestar a acção de despejo, pode deduzir em reconvenção o seu direito a benfeitorias ou a uma indemnização».
“Sendo que esta norma, apesar de ser algo coincidente com a al. b) do nº2 do artº 274º, reforça a ideia do direito à indemnização por benfeitorias no contrato de arrendamento, cujo cariz sinalagmático e compensatório para o senhorio advém do recebimento da respectiva renda.
E tem ainda a virtualidade de demonstrar – pois que a acção de despejo, apesar de seguir a forma comum e não ser já, tout court, um processo especial, assume algumas especificidades: artº 56º nº1 do RAU - que o pedido reconvencional deduzido em acção de despejo está dispensado da obediência ao requisito processual exigido no nº 3 do artigo 274º o qual estatui que não é admissível a reconvenção quando aquele pedido corresponde uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se a diferença provier do diverso valor dos pedidos - M. Teixeira de Sousa, in a Acção de Despejo, pág. 45.
Certo é, porém, que o pedido, em reconvenção, de indemnizações a que o inquilino julgue ter direito, abrange apenas as indemnizações alicerçadas no contrato de arrendamento cuja declaração de cessação o autor visa obter. (sublinhado nosso)
Não sendo admissível uma reconvenção incondicionada, sem limites, que possibilitasse ao réu enxertar na acção pedidos reconvencionais referentes a relações jurídicas de todo diversas da acção de despejo, v. g. um pedido indemnizatório fundado em incumprimento, pelo autor, de um contrato de prestação de serviço ou em responsabilidade civil extracontratual - i. e., um pedido indemnizatório de todo em todo estranho à pretensão do autor, que tem sempre por referência o contrato de arrendamento -Ac. Rel. Porto de 29/11/83 CJ, 5º, 219 e Ac. do STJ de 27-03-2001, dgsi.pt, p. 01A224.)”
Transpondo estes considerandos para o caso em apreço, resulta que o primeiro pedido reconvencional da R. traduz o reverso do pedido efectuado pela A.. Consequentemente, este pedido reconvencional é meramente formal pois não produz nenhum efeito útil nos autos, nada acrescentando à matéria da defesa cuja versão, a obter êxito, importa a improcedência dos pedidos principais, sendo pois mera consequência da improcedência dos pedidos apresentados pela A., e portanto inadmissível.
Quanto aos pedidos reconvencionais apresentados em 2 e 3: ali vem a R., grosso modo, peticionar a condenação da autora no pagamento de montante indemnizatório pela privação da exploração do estabelecimento comercial de restauração, ao ficar impossibilitada de explorar e/ou trespassar o Estabelecimento, relegando para execução de sentença o valor do estabelecimento comercial.
A R., em concreto, não indica qual a alínea daquele preceito (art. 266º do C.P.C.) que justifica qualquer pedido reconvencional, não sendo todavia tal necessário, nem vinculando o Tribunal a sua não indicação (do mesmo modo que uma indicação errónea também não condicionaria o Tribunal).
Estribando a A. o direito que se arroga, ao peticionar o despejo da R., na extinção do contrato de arrendamento por caducidade do mesmo (ou, como pedido alternativo, por resolução do contrato de arrendamento com fundamento na existência de obras ilegais levadas a efeito pela R. ), já a pretensão reconvencional da R., ao pedir a mencionada indemnização, não assenta na causa de pedir formulada pela A. nem se apresenta como meio defesa nos moldes já acima aflorados em relação ao reconvencionado em 1, e consentidos pelo mencionado Art. 266º do C.P.C., não sendo o peticionado pela R., em sede de reconvenção, passível de reduzir, modificar ou extinguir o pedido apresentado pela A..
Após análise do pedido reconvencional, entendemos que o mesmo não encontra apoio em nenhuma das alíneas daquela norma.
Volvendo ao caso dos autos ressalta que o pedido e causa de pedir da reconvenção apresentada pela R. (pontos 2 e 3) assentaria, emergiria de conduta eventualmente ilícita levada a cabo pela A., não esgrimindo nenhum meio de defesa apto a, repete-se, reduzir, alterar ou extinguir o pedido formulado pela A., não sendo pois de admitir.
O efeito útil defensivo pretendido pela A. é o despejo, sendo que a R. peticiona indemnização que alicerçada em acto ilícito poderia obter procedência, e a pretensão da A. não é ilícita, acrescentando-se que a responsabilidade civil por actos lícitos só ocorre nos casos previstos na lei e o caso dos autos não é um deles.
Revisitando o pedido reconvencional, chegamos à conclusão que o mesmo não respeita sequer os requisitos formais da Reconvenção previstos no artigo 266.º, n.º 2 pois, e na mesma senda do contributo esclarecido do Ac. TRL 366/21.9YLPRT.L3-7 de 10/10/2023, “o pedido reconvencional não se fundamenta na mesma causa de pedir em que a Autora sustenta o direito que invoca – alínea a); não está em causa o direito a quaisquer benfeitorias ou despesas relativos ao imóvel objecto do arrendamento – alínea b); não está configurada qualquer relação obrigacional da qual decorra um crédito para o Réu-Requerido – alínea c); o pedido do Réu-Requerido, de forma alguma tende ou procura conseguir em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que a Autora se propõe obter – alínea d); a forma de processo é distinta - n.º 3 “.
Termos em que quanto ao pedido reconvencional deduzido nas als. 2 e 3 o mesmo não encontra nenhum elemento substantivo de conexão, porquanto a pretensão indemnizatória se baseia em factos que não têm por fundamento o direito em litígio, pelo que o consideramos igualmente inadmissível.
A indemnização pedida pela R. não encontra amparo em qualquer incumprimento pelo senhorio, concretamente da obrigação de que a renda é correspectivo, mormente a de proporcionar o gozo da coisa para os fins contratuais em causa, inexistindo conexão objectiva que justifique a admissibilidade da reconvenção deduzida.
Então, não admito a reconvenção apresentada pela R. por não ter que ver com os fundamentos da defesa nesta acção nem ser dependente do pedido formulado pela A., ao arrepio dos pressupostos exigidos pelo Art. 266º do C.P.C.
Em face do exposto, uma vez que não se verificam os requisitos de ordem adjectiva e substantiva de que depende a admissibilidade do pedido reconvencional (cfr. art. 93.º, n.º 1, 266.º e 583.º, todos do Novo Código de Processo Civil), não admito o pedido reconvencional deduzido pela R.
Custas pela Ré/Reconvinte, a atender a final, (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil).”

5. Inconformada, a Ré/Reconvinte interpôs recurso de apelação da referida decisão, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
A. Ainda que se entenda que não existe um ónus de reconvenção com efeito preclusivo, importa ter em consideração que o princípio da concentração decorrente do artigo 573º do CPC impede a utilização na segunda acção de meios que podiam ser utilizados na primeira acção como defesa e não o foram;
B. Atentos os pedidos reconvencionais formulados pela Ré/recorrente, mormente, os constantes dos pontos 2 e 3 do pedido reconvencional, os mesmos emergem do único e principal facto jurídico que serve de fundamento à ação (o contrato de arrendamento que serve de fundamento à causa de pedir e contornos a ele inerentes), respeitando-se, assim, o disposto na alínea a), n.º 2 do artigo 266º do CPC;
C. É que, a ser considerada procedente a ação, a Autora integrará no seu património um imóvel enriquecido com as benfeitorias levadas a cabo pela Ré, beneficiando dos investimentos realizados ao longo dos anos de exploração do estabelecimento e beneficiará ainda das vantagens associadas à exploração do mesmo, com a necessária implicação, a saber, a Ré ficará irremediavelmente privada da exploração do estabelecimento ou de dar essa exploração, o que significa a perda do próprio estabelecimento, que apenas existe por causa do contrato de arrendamento, porque ligado ao locado onde está instalado, assim se cumprindo o requisito que emerge da alínea b), n.º 2 do artigo 266º do CPC ;
D. A admissibilidade do pedido reconvencional apresentado justifica-se na medida em que existe conexão, por dependência recíproca entre os alegados contrato de arrendamento comercial e contrato de trespasse de estabelecimento comercial instalado no locado (o mesmo cujo despejo está a ser promovido), uma vez que o pedido reconvencional tem a virtualidade de afetar positiva e negativamente o pedido da Autora, com a consequente conexão substantiva entre os mesmos;
E. Coexistindo duas correntes jurisprudenciais a propósito de causa de pedir, para efeitos de reconvenção, uma primeira define-a através de um dos factos essenciais, comum às normas fundamento da ação e da reconvenção e, a segunda, entende que a causa de pedir se define através de todos os factos constitutivos da norma aplicável, isto é, que se define unicamente através dessa norma, ou seja, a fundamentação do pedido reconvencional tanto pode alicerçar-se nos factos jurídicos que servem de fundamento à acção como à defesa, nomeadamente quando esta assumir a modalidade de impugnação indireta ou motivada, a reconvenção pode assentar nos factos que o Réu utiliza para construir a realidade antagónica com a apresentada na petição inicial;
F. A alínea a) do n.º 2, do artigo 266º do CPC deve ser interpretada no sentido de que a reconvenção será admissível não apenas quando o pedido reconvencional se funda no mesmo facto jurídico que serve de suporte ao pedido formulado na ação, mas também quando emerge do acto ou facto jurídico invocado como meio de defesa e que seja susceptível de modificar, reduzir ou extinguir o pedido do Autor (2ª parte);
G. Entre o pedido da Ré e o pedido da Autora existe a conexão exigida por este preceito, designadamente pela parte final, já que, no caso concreto a causa de pedir é a mesma: o contrato de arrendamento (cuja extinção, por caducidade, a Autora quer ver reconhecida, a título principal), em que, por força do mesmo contrato de arrendamento comercial, com trespasse do estabelecimento comercial instalado no locado, a Ré pretende ser indemnizada pela privação da exploração do estabelecimento comercial, caso esta venha a concretizar-se;
H. A necessária conexão extrai-se igualmente da leitura do Despacho Saneador recorrido, em que o epicentro do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova cristaliza-se quase exclusivamente no contrato de arrendamento, a) contrato de arrendamento que a Autora quer ver extinto por caducidade, b) o exacto contrato de arrendamento que tem por objecto o locado onde está instalado o estabelecimento comercial propriedade da Ré, formalizado anteriormente à constituição do usufruto, pretendendo a Ré ser ressarcida, caso seja desapossada do locado e c) o contrato de arrendamento que funciona enquanto o elo comum entre a acção e a reconvenção, sendo inequívoca a conexão, que a torna admissível;
I. Ainda que no n.º 2 do artigo 266º do Código Processo Civil) se distingam taxativamente três tipos de situações, no âmbito do presente recurso importa analisar apenas as situações contempladas na alínea a) e na alínea b), por serem as aplicáveis ao caso em apreço;
J. Nos termos da citada alínea a) a reconvenção é admissível «quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa», sendo que a primeira parte desta alínea tem como sentido o facto de a reconvenção ser admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da ação, isto é, o mesmo facto jurídico (real, concreto) em que o autor fundamenta o direito que invoca, enquanto que a segunda parte tem o sentido de ela ser admissível quando o réu invoque, como meio de defesa, qualquer ato ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor;
K. In casu, a ação funda-se na existência de um contrato de arrendamento que a Autora considera que se extinguiu por caducidade;
L. Por sua vez, o pedido reconvencional emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação (cfr. factos alegados na contestação que têm a virtualidade de afectar a pretensão da Autora), situação, esta, consagrada na alínea a), do nº2, do artigo 266º do C.P.
M. Encontram-se, pelo menos, preenchidos os fatores de conexão previstos na parte final da alínea a), do referido preceito, uma vez que a causa de pedir da reconvenção é densificada por factos que emergem da mesma relação jurídica da acção – o mesmo contrato de arrendamento;
N. Por sua vez, a indemnização peticionada pela Ré tem subjacente a pretendida extinção do contrato de arrendamento por caducidade, na medida em que a mesma determinará que a Ré fique privada/desapossada do locado onde funciona o estabelecimento comercial de que é proprietária;
O. Os pedidos por si formulados em sede reconvencional pela aqui recorrente enquadram-se nas alíneas a) - quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação (se existir identidade, total ou parcial, das causas de pedir, a da ação e a da reconvenção) ou à defesa (quando faz nascer uma questão prejudicial em relação à causa principal, produzindo um efeito capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor) e b) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC;
P. No presente caso, existe conexão por dependência recíproca entre os alegados contratos de arrendamentos e o trespasse do estabelecimento comercial instalado no locado e, consequentemente, os factos alegados pela Ré, ora Recorrente, estão enquadrados, de forma estrita, na causa de pedir e pedido da ação, conforme aliás se extrai da simples análise do alegado na contestação, em que a Ré se pronuncia sobre a existência e validade do contrato de arrendamento que a Autora pretende ver extinto por caducidade;
Q. Cautelarmente, sempre se advoga que apenas no pressuposto da procedência da acção, a Ré, ora Recorrente, procurou acautelar o ressarcimento dos prejuízos emergentes da perda do estabelecimento comercial, com o intuito de recuperar todos os investimentos realizados em benfeitorias, durante a pendência do contrato de arrendamento comercial, pelo que, o pedido de indemnização formulado pela R. em sede de reconvenção enquadra-se também no artigo 266.º, n.º 2, al. b), do CPC;
R. Pede a recorrente, em sede reconvencional, que, na eventualidade da ação ser julgada procedente, seja indemnizada pela privação da exploração do estabelecimento comercial de restauração e pelo seu valor, sendo certo que a privação dessa exploração se traduzirá na perda do próprio estabelecimento, na medida em que não tem viabilidade quando separado do locado onde sempre funcionou.
S. No imóvel dado de arrendamento encontra-se implantado um estabelecimento comercial de restauração, do qual a R. é dona, por aquisição derivada (designadamente por trespasse);
T. Se a A. é dona do imóvel, não é menos certo que no mesmo está implantado um estabelecimento comercial, o qual não é de propriedade da A., mas sim da R., ora Recorrente;
U. Quando a R., ora Recorrente, tomou de trespasse o estabelecimento comercial, este era uma taberna e casa de pasto e, entretanto, fruto das profundas obras de remodelação que sofreu (cuja existência a Autora admite, além de que resulta dos documentos juntos aos autos), e que foram integralmente suportadas pela R., passou a ser um restaurante/marisqueira, com as características que hoje lhe são reconhecidas;
V. Razão pela qual, caso a aqui recorrente seja despejada, a A. irá enriquecerá à sua custa, assumindo não só a posse e propriedade do imóvel, que é seu, é certo, o que não se questiona, mas também a posse e propriedade de um estabelecimento comercial que não é seu;
W. É maioritário o entendimento jurisprudencial de que o arrendatário pode, em reconvenção, numa ação de despejo, pedir contra o senhorio um pedido de indemnização se reportado ao próprio contrato de arrendamento que pretende resolver, razão última da certeza de que as indemnizações pedidas em sede reconvencional estão alicerçadas, necessariamente, no contrato de arrendamento, com a igual certeza de que o contrato de trespasse não pode ser dissociado do contrato de arrendamento, nem que seja porque tem por objecto, precisamente, o locado onde funciona o próprio estabelecimento comercial;
X. Se assim fosse, qualquer senhorio, poderia fazer cessar um contrato de arrendamento, apropriando-se, sem mais, do que está instalado no seu interior, in casu, um estabelecimento comercial, que pela sua própria natureza, como se sabe, não é um bem móvel que o arrendatário, findo o arrendamento, possa retirar/autonomizar do imóvel e levar consigo, instalando-o noutro local, na medida em que o estabelecimento comercial propriedade da Ré vale essencialmente, quase exclusivamente, pelo local onde está instalado, que a perder-se (caso o despejo venha a concretizar-se), se traduzirá na destruição do estabelecimento, com a inerente perda por parte da Ré, perda esta que pretendeu ver ressarcida ao deduzir o pedido reconvencional;
Y. A doutrina que bastamente se expendeu no corpo das alegações conduz à certeza de que a opinião corrente dos Autores ali citados vai no sentido de que se trata não de uma mera universalidade de facto, técnica ou económica, mas de uma universalidade de direito, como tal suscetível de ser objeto de relações jurídicas;
Z.É, assim, manifesto que a indemnização pedida relativa à privação do uso e valor do estabelecimento comercial, que é da R., alicerça-se no contrato de arrendamento e, como tal, a reconvenção deve ser admissível, nos termos do disposto no artigo 266.º, n.º 2, al. a) e b) do CPC;
AA. Se, por absurdo, prevalecesse a pretensão da M.ma Juiz a quo, obrigando-se o inquilino a interpor uma outra ação para fazer valer o eventual direito de indemnização, a pendência dessa ação poderia prejudicar-se pela autoridade do caso julgado e suas consequências processuais, com a inerente possibilidade de ficar precludido o direito que a Ré pretendia fazer valer com a reconvenção, por inobservância do princípio da concentração da defesa;
BB. É, ainda, entendimento da ora Recorrente que, além do mais, razões de economia processual e de tutela efetiva do arrendatário justificam a admissibilidade da reconvenção, evitando-se assim a interposição de ação autónoma, que, como acima vem dito, poderá vir a constituir causa prejudicial à efetiva desocupação do locado;
CC. O Tribunal recorrido realizou, na decisão sindicada, uma errada interpretação / aplicação das alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 266.º do CPC,
DD. Pugnando-se por que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, seja prolatado Acórdão que, avalizando os argumentos sediados no presente recurso, revogue a decisão recorrida, inserta no Douto Despacho Saneador e na parte que julgou inadmissível a reconvenção deduzida com a contestação, e em consequência, ser a mesma substituída por outra que julgue admissível o pedido reconvencional deduzido, seguindo-se os ulteriores termos processuais.
Concluiu, pedindo que seja revogada a decisão recorrida inserta no Douto Despacho Saneador, na parte que julgou inadmissível a reconvenção deduzida com a contestação, e em consequência, seja substituída por outra que julgue admissível o pedido reconvencional deduzido, seguindo-se os ulteriores termos processuais.

6. Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado.

7. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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A questão a decidir, em função das conclusões do recurso, é a seguinte:
-admissibilidade da reconvenção.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Para a decisão a proferir relevam todos os factos, inerentes à tramitação processual e respectivas peças processuais, constantes do relatório acima elaborado, tendo-se procedido à consulta integral dos autos para prolação da presente decisão.

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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Na decisão recorrida foi considerada inadmissível a reconvenção deduzida pela Apelante/Reconvinte, considerando o tribunal a quo que “não se verificavam os requisitos de ordem adjectiva e substantiva de que depende a admissibilidade do pedido reconvencional, ao sustentar que a reconvenção não tinha que ver com os fundamentos da defesa, nem era dependente do pedido formulado pela Autora ao arrepio dos pressupostos exigidos pelo art. 266º do CPC.”
Assim entendeu o tribunal a quo relativamente a cada um dos três pedidos formulados pela Apelante em sede de reconvenção.
A Apelante peticionou no final deste recurso que seja “revogada a decisão recorrida inserta no douto Despacho Saneador, na parte que julgou inadmissível a reconvenção deduzida com a contestação, e em consequência, seja substituída por outra que julgue admissível o pedido reconvencional deduzido”, e apesar de não ter esclarecido, nas conclusões de recurso, se pretende que se considerem admissíveis os três pedidos reconvencionais por si deduzidos ou apenas algum deles, não temos dúvidas de que a Apelante restringiu o âmbito deste recurso à apreciação da admissibilidade apenas dos pedidos reconvencionais deduzidos sob os pontos 2 e 3, por tal ter feito constar de forma expressa no corpo das alegações sob o capítulo “II- Fundamentos do Recurso”, conjugado com a ausência de argumentação recursiva quanto ao pedido reconvencional deduzido sob o ponto 1.
Deste modo, centraremos a nossa apreciação apenas e só sobre os pedidos reconvencionais deduzidos pela Apelante na sua contestação sob os pontos 2 e 3, os quais apresentam a seguinte formulação:
“2. Condenando-se a Autora, a pagar à Ré, a titulo de indemnização pela privação da exploração do estabelecimento comercial de restauração, de que é proprietária, a importância que se vier a liquidar, em função do valor que venha a ser atribuído ao estabelecimento comercial, cujo cálculo se relega para liquidação em execução de sentença, nos termos do disposto no artigo 569º do Código Civil e 556.º alínea b) do Código Processo Civil, na sequência da avaliação que venha a ser realizada (através de perícia colegial), ao estabelecimento para apurar o seu valor de mercado, de acordo com o artigo 358º do Código Processo Civil.
3. Ser a Autora condenada a pagar à Ré a quantia que venha a ser apurada na sequência da realização da avaliação a que se alude na alínea anterior, respeitante ao valor do estabelecimento comercial de restauração, de que a Ré ficará privada, a ser procedente a presente acção, por ser a quantia com que ficará enriquecido o património da Autora e empobrecido o da Ré, sem causa justificativa, ao abrigo do disposto no artigo 473º do Código Civil.”
A Apelante admite que deduziu reconvenção “condicionalmente, para prevenir e assim antecipar a hipótese de procedência da ação”, defendendo que é admissível a dedução de pedido subsidiário.
Ora o tribunal a quo não considerou inadmissível a reconvenção por não ser possível a sua dedução em termos condicionais, ou a título subsidiário, o que decidiu é que a reconvenção era inadmissível por não se verificarem os requisitos de ordem adjectiva e substantiva previstos no art. 266º do CPC, dos quais depende a admissibilidade do pedido reconvencional.
Não se nos suscita dúvidas que o pedido reconvencional pode ser deduzido a título subsidiário, para o caso de vir a ser julgada procedente a pretensão do autor, porém, mesmo nessa hipótese terá de se mostrar verificado algum dos factores de conexão relevantes exigidos pelo mencionado art. 266º do CPC para que a reconvenção possa ser admitida liminarmente (sendo aferida nesta fase do despacho saneador a admissibilidade da reconvenção desprovida de considerações sobre o seu mérito).
Tal como correctamente qualificada a questão na decisão recorrida, a reconvenção representa uma contra-pretensão do réu, constituindo um verdadeiro contra-ataque desferido pelo reconvinte contra o reconvindo. Passa a haver, assim, uma nova acção dentro do mesmo processo, ou melhor, um cruzamento de ações. [1]
Não constituindo o pedido reconvencional um simples corolário da defesa deduzida pelo réu, a reconvenção não pode ser admitida indiscriminadamente[2], estando sujeita à verificação dos requisitos previstos no art. 266º do CPC.
Enquanto contra-acção, a reconvenção tem um pedido e uma causa de pedir, dependendo a sua admissibilidade da verificação de determinados requisitos substantivos e processuais.
Os requisitos substantivos da reconvenção reconduzem-se a factores de conexão entre o objecto da acção e o da reconvenção, previstos no art. 266º nº 2 do CPC.
Assim nos esclarecem Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, que “a reconvenção, consistindo num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor, constitui uma contra - acção que se cruza com a proposta pelo autor (que, no seu âmbito, é réu, enquanto o réu nela toma a posição de autor – respectivamente, reconvindo e reconvinte). Não sendo razoável admiti-la independentemente de qualquer conexão com a acção inicial, o n.º 2 estabelece os factores de conexão entre o objecto da acção e o da reconvenção que tornam esta admissível”.[3]
A este propósito veio a Apelante argumentar que os pedidos reconvencionais por si deduzidos sob os pontos 2 e 3 são admissíveis por se integrarem nas hipóteses consagradas no art. 266º nº 2 al. a) e b) do CPC.
Nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 266º do CPC permite-se que o réu, em reconvenção, deduza pedidos contra o autor quando:
a) o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida.
O “facto jurídico” a que se refere a al. a) do nº 2 do art. 266º do CPC não pode ser considerado em abstracto, mas tendo presente o facto real e concreto no qual a autora fundamenta o seu pedido ou o réu assenta a sua defesa.
Isto é, o pedido reconvencional deve resultar da própria causa de pedir invocada pela autora ou de algum facto alegado pelo réu como impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora (neste sentido, Alberto dos Reis, CPC Anotado, pág. 99; Antunes Varela, Sampaio e Nora e Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 327, e Anselmo de Castro, pág. 174; Ac RP de 4.04.2024, Proc. Nº328/23.1T8VCD-A.P1).
A primeira parte da referida alínea a) do nº 2 do art. 266º do CPC permite a dedução de reconvenção quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da que serve de suporte ao pedido da acção; por seu turno, a segunda parte, consente a reconvenção quando o réu invoque como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que se repercuta no pedido do autor.
Necessário se torna que o facto invocado pelo réu, como meio de defesa, a verificar-se, “produza efeito útil defensivo, isto é, que tenha virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor.” [4]
Na previsão da alínea a) cabem duas hipóteses: o pedido reconvencional pode fundar-se na mesma causa de pedir – ou em parte dessa mesma causa de pedir – que o pedido do autor, ou pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos – em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial (Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, ob. citada, pág. 530).
Alegou a Apelante, em abono da sua posição, que os seus pedidos reconvencionais respeitam o disposto na alínea a) do nº 2 do art. 266º do CPC porque “emergem do único e principal facto jurídico que serve de fundamento à ação (o contrato de arrendamento que serve de fundamento à causa de pedir e contornos a ele inerentes) e, que respeitam o disposto na alínea b) do nº 2 do art. 266º do CPC porque “a ser considerada procedente a ação, a Autora integrará no seu património um imóvel enriquecido com as benfeitorias levadas a cabo pela Ré, beneficiando dos investimentos realizados ao longo dos anos de exploração do estabelecimento e beneficiará ainda das vantagens associadas à exploração do mesmo (…) e a ré ficará irremediavelmente privada da exploração do estabelecimento ou de dar essa exploração, o que significa a perda do próprio estabelecimento, que apenas existe por causa do contrato de arrendamento, porque ligado ao locado onde está instalado.”
Concluiu a Apelante que “a admissibilidade do pedido reconvencional apresentado justifica-se na medida em que existe conexão, por dependência recíproca entre os alegados contrato de arrendamento comercial e contrato de trespasse de estabelecimento comercial instalado no locado (o mesmo cujo despejo está a ser promovido), uma vez que o pedido reconvencional tem a virtualidade de afetar positiva e negativamente o pedido da Autora, com a consequente conexão substantiva entre os mesmos.”
Em primeiro lugar a argumentação da Apelante evidencia uma visão equivocada da conexão exigida pelo art. 266º do CPC para poder ser considerada admissível a reconvenção, tendo a Apelante posto a tónica sobre a conexão entre os pedidos reconvencionais e os pedidos formulados pela reconvinda, quando a conexão exigida para que a reconvenção seja admissível terá de existir entre o objecto do pedido reconvencional e o objecto- a causa de pedir- da ação, ou a causa de pedir da defesa.
Em segundo lugar a argumentação da Apelante revela uma visão redutora da causa de pedir da ação, pois que a Apelante reconduz o facto jurídico que serve de fundamento à ação ao contrato de arrendamento, quando a existência do contrato de arrendamento é um mero pressuposto de toda e qualquer ação de despejo, sendo antes a causa de pedir neste tipo de ação o facto jurídico real e concreto que despoletou a cessação do contrato de arrendamento, o facto que em concreto é invocado pelo autor como causa do pedido de extinção do contrato de arrendamento e consequente entrega do imóvel locado.
Ainda que assim não fosse, mesmo que a causa de pedir da ação se pudesse resumir ao contrato de arrendamento, o que não concedemos, também não é o contrato de arrendamento o facto constitutivo das pretensões reconvencionais formuladas pela aqui Apelante.
Reportando-nos ao caso sob apreciação, temos como certo que a Apelada/reconvinda requereu o despejo da Apelante/Reconvinte do imóvel do qual é proprietária e aquela arrendatária, invocando duas causas de pedir alternativas:
i. falecimento da senhoria usufrutuária, que constitui o fundamento do pedido de caducidade do contrato de arrendamento;
ii. realização pela arrendatária de obras ilegais ou não autorizadas no locado, que constitui o fundamento do pedido de resolução do contrato de arrendamento.
Se é certo que a Apelante/Reconvinte pede que, a ser procedente o despejo (qualquer que seja a causa de pedir que venha a ser julgada procedente) seja indemnizada em função do valor pela privação do estabelecimento comercial do qual é proprietária e que está instalado no locado, por entender (mal ou bem não importa, porque não nos cumpre nesta fase apreciar do mérito do pedido reconvencional) que decretado o despejo sofrerá prejuízos por ficar privada do estabelecimento e que dele beneficiará a Autora/Apelada, não existe a exigida conexão do pedido reconvencional com qualquer uma das causas de pedir invocadas pela Apelada/Reconvinda.
A indemnização peticionada pela Apelante/Reconvinte contra a Apelada/Reconvinda pela alegada privação da exploração do estabelecimento comercial decorrente da entrega do locado subjacente ao pedido reconvencional deduzido sob o ponto 2, e o pagamento do valor do estabelecimento comercial com base no enriquecimento sem causa (art. 473º do CC) subjacente ao pedido reconvencional deduzido sob o ponto 3, não emergem de qualquer um dos factos jurídicos que servem de fundamento à ação, uma vez que nem emergem da caducidade do contrato por falecimento da senhoria usufrutuária, nem emergem da realização pela Apelada de obras ilegais ou não autorizadas.
E tanto assim é que os pedidos indemnizatórios formulados pela Apelante/Ré contra a Apelada/Autora dependem em exclusivo da procedência desta ação, isto é, não se alicerçam na causa de pedir invocada pela Autora, mas na mera instauração desta ação, existindo na estrita medida em que a ação foi instaurada e venha a lograr obter procedência.
Nos pedidos reconvencionais estão a ser reclamadas indemnizações por prejuízos que poderão resultar da própria propositura desta ação, o que evidencia não ser a mesma a causa de pedir da ação e da reconvenção.
Já o Ac RP de 22.10.2019 aflorou essa questão, afirmando que “Só o fundamento factual/jurídico da acção e da defesa podem conduzir à reconvenção – em consequência lógica, a causa de pedir, quer da acção, quer da reconvenção, tem de existir à data da propositura da acção, sob pena de inadmissibilidade do pedido reconvencional.”[5], ou tal como se lê no Ac RP de 21.03.2014, “(…), o que claramente se verifica é que o seu pedido reconvencional, traduzido no ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, apenas surgiu após a propositura da presente acção e na decorrência desta, (…) daí ser correcto o entendimento da sua total independência da causa de pedir que sustenta o pedido formulado pelos Autores.”
Afigura-se-nos também que os pedidos reconvencionais não emergem do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, sendo certo que só relevará o fundamento da defesa que tenha a virtualidade de impedir, reduzir ou modificar a pretensão da Apelada/Autora, porquanto os fundamentos da defesa com essa virtualidade alegados na contestação reconduziram-se à inoponibilidade do usufruto por falta de registo, caducidade do direito de resolução por obras não autorizadas e existência de um arrendamento vinculístico celebrado em 1957, dos quais manifestamente não emergem os pedidos indemnizatórios formulados na reconvenção.
Os pedidos reconvencionais sob apreciação nada trazem de útil em termos defensivos contra a pretensão da Apelada de entrega do locado, uma vez que resulta seguro que ainda que da entrega do locado pudesse resultar a privação da exploração do estabelecimento comercial lá instalado pela Apelante com a perda do valor deste e dos seus rendimentos (abstraindo-se nesta fase da questão do mérito da reconvenção apresentada pela aqui Apelante), isso em nada impediria, reduziria ou modificaria a pretensão da Apelada/Autora.
Deste modo, discordamos quando a Apelante conclui, sem concretizar, que “o pedido reconvencional tem a virtualidade de afetar positiva e negativamente o pedido da Autora”, porque ainda que por hipótese meramente teórica a Apelante lograsse provar todos os factos por si alegados em sede de reconvenção e visse ser julgado procedente qualquer um dos pedidos reconvencionais formulados contra a Apelada, isso em nada impediria o exercício do direito à entrega do imóvel peticionado pela Apelada, até porque a apreciação da reconvenção só se colocará se o despejo for decretado.
A reconvenção deduzida não tem por fundamento a concreta causa de pedir da ação, tal como esta se mostra configurada pela Apelante/Autora.
Por outro lado, também a reconvenção deduzida não se estriba na causa de pedir da defesa, pois que nesta sede a Apelante/Ré deduziu a excepção da inoponibilidade do usufruto, a caducidade da resolução por obras não autorizadas e a existência de um contrato de arrendamento desde 1957 e de uma tal defesa não é possível extrair ou deduzir logicamente qualquer um dos pedidos reconvencionais deduzidos pela Apelante, inexistindo qualquer conexão relevante entre aquele tipo de defesa e a reconvenção formulada nos autos.
Com os mencionados pedidos reconvencionais a Apelante/Ré não visou confessadamente obter qualquer efeito útil defensivo face às pretensões deduzidas pela Autora pois que os eventuais danos decorrentes para a Apelante da entrega do locado em termos de alegada perda ou privação da exploração do estabelecimento comercial lá instalado não impedem ou sequer modificam os pedidos formulados pela Autora, pelo contrário, dependem estritamente da procedência dos mesmos.
O que a Ré/Reconvinte visa obter é, desde já, e nestes autos, a satisfação de uma eventual pretensão indemnizatória autónoma contra a Autora/Reconvinda, pelos prejuízos que, eventualmente, venha a sofrer por via da procedência da presente ação.
Sendo assim, a reconvenção em apreço não só extravasa os fundamentos da acção e da defesa relevante/útil nestes autos, como se reporta a uma outra relação jurídica substantiva radicalmente diversa da que se discute nestes autos, inexistindo entre ambas conexão legalmente relevante para, por via do expediente processual da reconvenção, a fazer enxertar nestes autos.[6]
Em suma, qualquer um dos pedidos reconvencionais deduzidos pela Apelante contra a Apelada sob os pontos 2 e 3 não emergem nem do facto jurídico que serve de fundamento à ação, nem do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, ficando arredada a admissibilidade da reconvenção à luz do art. 266º nº 2 al. a) do CPC.
Por último, a reconvenção não é igualmente admissível à luz da alínea b) do nº 2 do art. 266º do CPC, pura e simplesmente porque a Apelante em nenhum dos pedidos reconvencionais se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida, como bem se salientou na decisão recorrida.
O que está a ser pedido na ação é a entrega do imóvel que foi dado em arrendamento à Apelante, e o que a Apelante pede nos pedidos reconvencionais é uma indemnização equivalente ao valor do trespasse do estabelecimento comercial que lá tem instalado, por alegadamente dele vir a ser privada se for decretado o despejo do imóvel, não estando peticionado o reembolso de eventuais benfeitorias por ela realizadas no imóvel cuja entrega está pedida ou de qualquer despesa a ele respeitante.
A Apelante em nenhum momento do seu articulado de contestação/reconvenção fez a mínima alusão a benfeitorias por si realizadas no imóvel de que pretendesse ser indemnizada, afirmando repetidamente que pretende ser indemnizada pela privação da exploração do estabelecimento comercial e pelo seu valor caso esta venha a concretizar-se (como refere na Conclusão 6), não consubstanciando benfeitorias realizadas no imóvel o estabelecimento comercial que nele está instalado.
Diferente seria se a Apelante tivesse pedido da Apelada designadamente o valor de obras realizadas no imóvel locado que consubstanciassem benfeitorias, que lhe tivessem acrescentado valor e dele não pudessem ser retiradas, coisa que não fez no articulado de contestação/reconvenção, tentando agora forçar essa situação mediante a alegação de factos novos a esse propósito acrescentados nas alegações do presente recurso que como tal não podem ser relevados nesta decisão.
Por último, sendo as pretensões formuladas pela Apelante em sede de reconvenção perfeitamente autónomas das formuladas pela Apelada na ação, estando na estrita dependência da procedência desta ação, como confessadamente admite a Apelante, é bom de ver que a decisão que considerou inadmissível a reconvenção formulada nestes autos não fará precludir o direito da aqui Apelante, caso persista no entendimento de que o despejo acarretará a perda do estabelecimento comercial, de no futuro fazer valer as pretensões indemnizatórias aqui apresentadas em ação autónoma, não se vislumbrando qualquer autoridade de caso julgado que imponha que a sua apreciação tenha de ser feita nesta ação, quando, como é o caso, a reconvenção é meramente facultativa e para além do mais não se verificam os requisitos de admissibilidade da dedução de reconvenção exigidos pelo art. 266º do CPC, o que permitirá que a pretensão reconvencional possa ser objecto de nova ação se e quando se justificar.[7]
Nestes termos, considerando-se improcedentes os argumentos recursivos, confirma-se a decisão recorrida.

**



V. DECISÃO

Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da Apelante, que ficou vencida.

Notifique.







Porto, 8.04.2025

Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora)
Raquel Lima
(2ª Adjunta)
João Diogo Rodrigues
(2º Adjunto)

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)


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[1] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 323; Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, págs. 96 e 97, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, págs. 170 e 171
[2] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Ob cit, pág. 324
[3]  Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, págs. 529, 530
[4] Jacinto Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. II, pág. 27 e Ac RP de 27.06.2022, Proc. Nº3693/20.9T8AVR-A.P1, www.dgsi.pt
[5] Proc nº3445/18.6T8VFR-A.P1, www.dgsi.pt
[6] neste sentido,entre outros, AC STJ de 18.12.2003, Proc.n.º 03A3141 e AC STJ de 9.09.2010, Proc. n.º 652/07.0TVPRT.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt).
[7] Sobre tal matéria ver, entre outros, Farncisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, pág. 152