ATA DE ASSEMBLEIA GERAL DE SOCIEDADE
FORÇA PROBATÓRIA
FALSIDADE DA ATA
Sumário

I - As actas da assembleia geral são documentos particulares (com excepção das lavradas por notário, nos termos do n.º 6 do art 63.º do Código das Sociedades Comerciais - CSC), pelo que gozam de força probatória plena nos termos e nas condições previstas no artigo 376.º do CCivil, e não no art.º 372.º, quanto à sua autoria e às declarações atribuídas ao seu autor.
II - A única particularidade de relevo consiste em que as assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem – art.º 63.º, n.º 1, do CSC –, deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das sendo que a força probatória plena da acta se limita às deliberações dos sócios.
III - O ónus da prova da falsidade da acta pertence a quem a invoca.
IV - Não se demonstrando como decorreu a assembleia, e reproduzindo a acta fielmente a ordem de trabalhos constante da convocatória, não constando do seu conteúdo que qualquer deliberação tivesse sido tomada, têm necessariamente de improceder os pedidos de declaração de falsidade da acta e de ser declarada destituída de qualquer força probatória da vontade social da sociedade.

Texto Integral

Proc. n.º 3501/23.9T8STS.P1





Acordam no Tribunal da Relação do Porto:



Sumário:
……………………………….
……………………………….
……………………………….







AA propôs contra “A... Lda", acção com processo comum de anulação de deliberações sociais pedindo:
a) ser declarada, nos termos do disposto no artº 372º do CC (Código Civil), a falsidade do instrumento de acta da reunião de assembleia geral de sócios da ré, lavrada em 2 de agosto de 2023 (acta nº 3) e com referência ao respectivo ponto da ordem de trabalhos constante da convocatória datada de 14 de Julho de 2023;
b) ser, em consequência, declarado o mesmo documento destituído de qualquer força probatória da vontade social da sociedade, ora ré, no que se refere à matéria constante da acta da dita assembleia geral;
Subsidiariamente, se assim não se entender, pede:
c) ser declarada nula nos termos do artº 56º nº 1, alínea d) a deliberação ali tomada, por violação do disposto: no artº 63º nº 1 e 8 do C.S.C; e no artº 257º nº 6 do C.S.C;
d) ser anulada nos termos do artº 58º alínea a) do C.S.C. e 334º do C.C. a referida deliberação, por violação do disposto no artº 388º nº1 e 2 ex vi 248º, todos do C.S.C.
Alega, no essencial, que o conteúdo da acta impugnada não corresponde ao que realmente ocorreu na assembleia de credores realizada em 2 de agosto de 2023 e foi lavrada em data posterior, invocando a sua falsidade.
Citada a ré, contestou, impugnando a versão dos factos do autor e invocando a caducidade do direito de invocar a anulabilidade da deliberação social. Conclui pela improcedência da acção, pedindo ainda a condenação do autor como litigante de má-fé.
O autor apresentou resposta à excepção de caducidade e ao pedido da sua condenação como litigante de má fé, pugnando pela sua improcedência.
Teve lugar audiência prévia, fixando-se o objecto do litígio e enunciando os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que julgou procedente, por provada, a acção e, consequentemente:
- declarou, nos termos do disposto no artº 372º do Código Civil, a falsidade do instrumento de acta da reunião de assembleia geral de sócios da ré, lavrada em 2 de agosto de 2023 (Acta nº3) e com referência ao respectivo ponto da ordem de trabalhos constante da convocatória datada de 14 de Julho de 2023;
- declarando, ainda que o mesmo documento é destituído de qualquer força probatória da vontade social da sociedade, ora ré, no que se refere à matéria constante da acta da dita assembleia geral;
ficando prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários formulados pelo autor e a excepção deduzida pela ré referente ao pedido subsidiário formulado.
- julgou improcedente o pedido de litigância de má fé formulado pela ré, absolvendo o autor do pedido e considerou que a conduta das partes não integra o conceito de litigância de má fé.
Inconformada com o assim decidido, interpôs a ré recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
(…)

***

Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***

Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.ºs 5.º, 635.º n.º 3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), as questões a resolver no presente recurso consistem na reapreciação da prova, e em saber se acta impugnada é falsa e incorpora deliberação anulável.
***

Resulta do disposto no art.° 640.°, n.° 1 e 2. do CP Civil que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente tem de especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa e propor uma decisão alternativa sobre as questões de facto impugnadas. Bem como que que, quando os meios probatórios invocados com fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Nos presentes autos, a recorrente cumpre as indicadas exigências: elencou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e apresenta as respectivas respostas alternativas aos mesmos; indica os meios de prova que, no seu entender, impunham resposta diversa e, no que concerne à prova por depoimentos e declarações, indica os excertos da gravação, com referência ao tempo respectivo que reputou de relevantes, sem transcrever as passagens, procedimento que, apesar de útil, não é estritamente obrigatório. Assim sendo, é manifesto que o recurso da ré reúne as condições de admissibilidade legais no que concerne à reapreciação da prova gravada, que foi integralmente ouvida.
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do CCivil). A prova em processo comum não pressupõe uma certeza absoluta ou ontológica, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 191). A livre apreciação da prova, consagrada no art.º 396.º do C. Civil, é uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves, da «liberdade para a objectividade» (Rev. Min. Pub. 19º, 40).
A Mma. Juíza fundamentou nos seguintes termos a sua convicção quanto aos pontos sob impugnação – n.ºs 8) e 19), 21) dos factos considerados provados e A) a F) dos factos considerados provados -, todos relacionados com o desenrolar da Assembleia de 02.08.2023 e sua conformidade com a Acta n.º 3 junta com a p.i., essencialmente no cotejo do depoimento do sócio BB, que com considerou parcial, procurando sustentar a versão vertida na contestação, com as declarações de parte prestadas pelo autor, cujo depoimento, na sua perspectiva revelou-se muito espontâneo, circunstanciado, objectivo e credível. Com efeito, o autor exprimiu-se com maior desenvoltura, transmitindo maior serenidade que BB, compreendendo-se que a Mma. Juíza tenha, de certo modo, “aderido” ao seu relato. Não obstante, convém notar que BB e o autor, sócios da ré e irmãos, são, em sentido material, os dois protagonistas do conflito dos autos, ou seja, as duas partes. E quanto às declarações das partes, não pode o juiz abstrair-se de que se trata de produção de prova em benefício próprio, em que o depoente é, ao mesmo tempo, meio de prova e parte interessada na sua recolha, no que não se confunde com o depoimento de parte, ainda que possa ser requerido sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo - n.º 1 do art.º 466.º do CPC. Afigura-se, por isso, que o meio de prova mais fiável para reconstituir tais factos é o depoimento da testemunha CC, administrativa da sociedade B... a prestar trabalho nas mesmas instalações da sociedade ré, e aí presente durante a Assembleia noutra sala, de onde era possível ouvir as pessoas a falar, mas não escutar todo o conteúdo da conversa, dado existirem paredes. A Mma. Juíza reputou tal depoimento de espontâneo e credível, o que desde já merece inteira concordância, podendo qualificar-se de testemunha-chave do processo, pela sua neutralidade e isenção relativamente às partes e pela sua preocupação em depor com precisão. Também presente na mesma hora e local esteve a testemunha DD, cônjuge do sócio BB, cujo depoimento coincide, em parte, com o da anterior, sobretudo a respeito das condições de audibilidade da Assembleia, ainda que denotando maior alinhamento com as posições do seu cônjuge.
Assim, resulta das declarações dos dois sócios que a Assembleia decorreu sem a presença de outras pessoas, nomeadamente dos Srs. advogados presentes, por determinação do sócio BB; sem ninguém a secretariar. E dos depoimentos das testemunhas CC e EE e DD resulta que não era possível escutar de fora todo o diálogo entre aqueles. Não obstante, apura-se que a Assembleia foi interrompida sem que nada houvesse sido aprovado, que o sócio BB trazia já consigo um texto que pretendia que o sócio autor assinasse, cujo conteúdo leu em tom monocórdico, não se sabendo se de forma perceptível ou não, mas ninguém fora a sala teve dele conhecimento, e que o sócio BB não tinha consigo o livro de actas, tendo explicado que tinha a acta em suporte informático que poderia depois imprimir em folha avulsa em caso de consenso, que não houve. A reunião foi interrompida quando o sócio autor se arrogou a presidência da mesa, invocando o conflito de interesses do sócio BB na deliberação da sua exclusão da sociedade. O sócio BB esteve ausente durante um lapso de tempo que não foi possível apurar, voltando mais próximo do fim da tarde, mas sem reatamento da Assembleia.
Neste conspecto, e filtrada a prova à luz dos critérios expostos, há algumas precisões a fazer quanto ao decidido pela 1.ª instância sobre os pontos impugnados. Assim:
Pontos 8 e 9: Eliminados. Sabe-se que o sócio BB, enquanto se arrogou da qualidade de presidente de mesa, se manifestou contra a presença dos Snrs. Advogados, nomeadamente do Dr. FF. Qualificar tal manifestação de decisão de "indeferimento" é apenas uma questão terminológica, podendo a formulação do ponto 9 induzir em erro.
Ponto 10: De fonte segura – testemunha CC - sabe-se apenas que no início da assembleia, o sócio BB leu em tom monocórdico um escrito pré-elaborado que trazia consigo. Não se sabe se de forma apressada e imperceptível, e falando para dentro, nem se correspondia ou não ao conteúdo da Acta n.º 3 impugnada. Vai alterado, fazendo-se as alterações, por restrição, no local próprio.
Ponto 11: Não cabe dúvida de que o sócio AA, fez todas essas referências. Quanto ao momenteo, não se sabe se foi exactamente no início da Assembleia, pelo que vai confirmado com a simples alteração “no decurso da Assembleia”.
Ponto 12: Também não cabe dúvida de que o sócio BB se indicou como Presidente da Mesa da Assembleia, e de que era frontalmente contra tudo o que o sócio autor exprimiu no sentido de ser o sócio AA a assumir a presidência da Assembleia, e que isso foi omitindo na Acta n.º 3 por si criada a referência àquele requerimento. Vai confirmado.
Ponto 13: Também não cabe dúvida de que a referência ao requerimento do autor respeitante ao seu conflito de interesses não foi feita na acta. Confirmado pelas mesmas razões.
14. Fora de dúvidas que a Assembleia não foi formalmente encerrada pelo sócio BB. Quanto à forma de ler o escrito pré-elaborado de forma, já se disse supra que não resulta claro da prova, devendo também suprimir-se a referência (algo bizarra) a “sabendo que o sócio autor ia dar continuidade à Assembleia”. A “continuidade da Assembleia” significaria literalmente o sócio autor a falar sozinho.
Pontos 15 e 16: É fora de dúvidas que não foi lavrada, disponibilizada e assinada qualquer acta no respectivo livro de actas ou em livro de actas avulso, até à hora que o BB, como este admitiu, excepto quanto a ter apresentado ao autor um projecto de acta, que de todo o modo não teve concordância. Vão confirmados.
Ponto 17: O relato do que foi exacta e concretamente debatido no decurso da Assembleia é o dos dois sócios, que apresentaram versões divergentes, excepto quanto a ter sido interrompida em desacordo. Vai eliminado.
Ponto 18: Depois de ler o seu escrito pré-elaborado e que não forneceu ao aqui autor para que fosse inserido em Acta, e conhecedor de que o sócio aqui autor iria prosseguir com a Assembleia, o sócio BB abandonou a assembleia e aquelas instalações. Vai confirmado.
Ponto 19: Vai confirmado apenas na parte O sócio aqui autor elaborou a Acta n.º 48 (Doc. junto na Petição Inicial, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido), a qual apenas foi assinada por si.
Ponto 21: Confirmado apenas no segmento “A acta nº 3 impugnada nos autos não foi lavrada, nem assinada no respectivo livro na altura em que a assembleia decorreu, tendo sido lavrada e assinada pelo sócio BB, á posteriori”. Não sendo possível apurar o conteúdo do que foi discutido, não pode dar-se como assente “fazendo constar factos que não correspondem á realizada do que se passou naquela assembleia”, excepto quanto a nenhuma deliberação ter sido aprovada.
Ponto não provado A - A Acta nº 3 impugnada nos autos corresponde ao registo verídico da assembleia geral da sociedade Ré realizada no dia 02 de agosto de 2023. Não tendo sido possível apurar todo esse “registo verídico” vai logicamente confirmado.
Pontos não provados B, C, D E e F– Existe prova do inverso, ou seja, de que o sócio aqui Autor manifestou em determinada altura oposição a que BB assumisse a presidência da mesa, de que este se opôs à presença dos Advogados de ambos os sócios, e de que a assembleia geral de sócios não teve continuidade até ser declarada encerrada, nenhuma acta tendo sido lavrada no dia 2 de Agosto de dois mil e vinte e três. Vão confirmados.
A conclusão é, portanto, a da procedência parcial da pretendida modifícação da matéria de facto, a que passa de imediato a proceder-se.
***


FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos dados como provados e não provados, definitivamente fixados, alterando-se, nessa medida, a sentença recorrida:
Factos Provados:
1. BB e o aqui autor são actualmente os únicos sócios e gerentes da sociedade "A..., Lda".
2. O autor e BB possuem na referida sociedade, cada um, uma quota no valor nominal de €30.000,00 representativa de 50% do capital social cada.
3. Ambos são também sócios da sociedade "B... Lda".
4. A sociedade "A... LDA" foi criada em Julho de 1984 com o seguinte objecto social: Actividade transitária, aduaneira e imobiliária; importação, exportação. Representações. Transportes, serviço geral de armazém e prestação de serviços de Documentação.
5. A dada altura, o sócio BB tirou o curso de solicitador, e exercendo actualmente a profissão de Solicitador e Agente de Execução.
6. O sócio gerente AA, por convocatória datada de 14 de Julho de 2023, convocou assembleia geral de sócios da sociedade da aqui ré, a realizar no dia 2 de agosto de 2023 pelas 14h30 na sede da sociedade, constando da ordem dos trabalhos, entre outros:
• Existência de crédito a favor do sócio AA por suprimentos efectuados;
• Apreciação e votação de proposta de exclusão do sócio BB por comportamento desleal e concorrencial com a sociedade causadora de prejuízos relevantes.
7. Através de notificação judicial avulsa requerida pela sociedade ré a 11.08.2023 e recebida em 25.10.2023, tomou o Autor conhecimento da existência de uma acta reportada à Assembleia de 02.08.2023, elaborada e assinada por BB (Acta n.º 3 junta na PI, cujo conteúdo se dá aqui reproduzido), onde falsamente se fez constar que:
- "O Presidente da Mesa da assembleia indeferiu a presença de estranhos à sociedade, nomeadamente o do advogado Dr. FF indicado pelo sócio AA, e o seu Advogado Dr. GG, que se encontram presentes.^
- "nada mais havendo a apreciar nem a deliberar, foi encerrada a presente assembleia e lavrada ata que depois de lida vai ser assinada pelo sócio BB, recusando o sócio AA assinar esta ata."
8. (eliminado).
9. (eliminado).
10. No início da assembleia, o sócio BB leu um escrito pré-elaborado que trazia consigo.
11. Também no decurso da Assembleia, o sócio AA, referiu o seguinte:
- tendo em conta que a matéria levada a discussão e deliberação nesta assembleia, visa entre outros a apreciação e votação de proposta de exclusão do sócio BB por gestão danosa com prejuízos para a empresa, a sua nomeação como presidente da mesa desta assembleia coloca em causa a sua imparcialidade e isenção, existindo assim, manifesta incompatibilidade, razão pela qual não poderá ser nomeado presidente da mesa.
- Pelos mesmos motivos, tendo em consideração que, relativamente à matéria da deliberação o sócio BB se encontra em situação de conflito de interesses com a sociedade o mesmo não pode votar nem por si nem por representante nos termos do disposto no artº 251º do C.S.C;
12. Apesar de o sócio BB se ter indicado como Presidente da Mesa da Assembleia, enquanto lia o escrito pré-elaborado, recusou-se o mesmo a apreciar e analisar o requerimento que o sócio aqui autor formulara no sentido de ser o sócio AA a assumir a presidência da Assembleia, omitindo por completo na Acta n.º 3 por si criada a referência àquele requerimento.
13. Também não fez constar da Acta por si criada a referência ao requerimento do autor respeitante ao seu conflito de interesses e subsequente não direito de voto.
14. A Assembleia não foi formalmente encerrada pelo sócio BB, tendo este se limitado a terminar de ler o escrito pré-elaborado, e em seguida, abandonou o local onde se encontrava a ser realizada a Assembleia.
15. Não foi lavrada, disponibilizada e assinada qualquer ata no respectivo livro de actas ou em livro de actas avulso, até à hora que o BB abandonou as instalações, não tendo sido dada a assinar aquela ata ao autor no dia da Assembleia.
16. Apenas mais tarde, a Acta elaborada pelo sócio BB fora inserida em Livro de Acta adquirido posteriormente pelo sócio BB e tendo sido dada a conhecer ao Autor através da referida notificação judicial avulsa.
17. (eliminado).
18. Depois de ler o seu escrito pré-elaborado e que não forneceu ao aqui autor para que fosse inserido em Acta, e conhecedor de que o sócio aqui autor iria prosseguir com a Assembleia, o sócio BB abandonou a assembleia e aquelas instalações.
19. O sócio aqui autor elaborou a Acta n.º 48 (Doc. junto na Petição Inicial, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido), a qual apenas foi assinada pelo sócio AA.
20. A sociedade ré desencadeou a notificação judicial avulsa do sócio BB, nos termos constantes documento n.º 4 junto na PI.
21. A acta n.º 3 impugnada nos autos não foi lavrada, nem assinada no respectivo livro na altura em que a assembleia decorreu, tendo sido lavrada e assinada pelo sócio BB, à posteriori.
22. A Acta n.º 3 impugnada não está assinada, numerada e rubricada pelo aqui autor.
23. Na assembleia geral de sócios presidida pelo sócio BB em 3 de Julho de 2023, foi referido que o livro de actas se tinha extraviado, sem, que o Autor tivesse dado a conhecer a sua localização.
24. Tendo então sido elaborada a acta avulsa, posteriormente registada no livro de actas, acta essa que veio a ser assinada também pelo aqui autor.
Factos Não Provados:
A - A Acta nº 3 impugnada nos autos corresponde ao registo verídico da assembleia geral da sociedade Ré realizada no dia 02 de agosto de 2023.
B - Nos termos constantes da referida acta n.º 3 aqui impugnada, sem qualquer oposição do outro sócio aqui Autor, BB assumiu a presidência da mesa.
C - E, naquela qualidade de presidente da mesa da assembleia geral da sociedade Ré, BB indeferiu a presença de estranhos à sociedade, designadamente os Advogados de ambos os sócios, que ali se encontravam presentes.
D - Depois de declarar encerrada a assembleia geral de sócios da sociedade Ré realizada no dia 2 (dois) de agosto de dois mil e vinte e três, o sócio BB elaborou a ata que leu de forma perceptível e solicitou a assinatura do outro sócio aqui Autor.
E - Dada a assinar a referida acta n.º 3 ao autor naquele dia 2.08.2023, o mesmo recusou assinar a acta.
F - No dia da Assembleia Geral de sócios de 02.08.2023, o autor tomou conhecimento das deliberações e do teor da ata n.º 3 impugnada nos presentes autos, tendo-se recusado a assinar a acta.
***

É o seguinte o texto integral da acta n.º 3:
Aos dois dias do mês de Agosto de dois mil e vinte e três peias catorze horas e quarenta e cinco minutos, reuniu na sua sede social sita na Rua ...* Em ... a sociedade comercial por quotas denominada A... Lda com o número único de matrícula e de identificação fiscal n.º 501 496' 424, com o capital social integralmente realizado de sessenta mil euros, encontrando-se presentes os sócios BB titular de uma quota no valor nominal de trinta mil euros e o sócio AA titular de uma quota no valor nominal de trinta mil euros.
Assumiu a presidência da mesa da assembleia geral BB, por ser o sócio mais velho, nos termos do disposto no art° 248º nº 4 do Código das Sociedades Comerciais. O presidente da mesa indeferiu a presença de estranhos à sociedade, nomeadamente o Advogado Dr. FF indicado pelo sócio AA e o seu Advogado Dr. GG, que se encontram presentes.
Verificou que a presente assembleia não se encontra regularmente convocada, uma vez que não se encontra cumprido o disposto, no art° 247° do Código das Sociedades Comerciais. As assembleias devem ser convocadas com antecedência mínima de 15 (quinze) dias em relação à data designada, o que não ocorre no caso, uma vez que, a carta remetida ao sócio BB datada de 14-07-2023 foi expedida com data de 17-0--2023. O prazo de 15 (quinze) dias dê antecedência para envio da convocatória para a Assembleia Geral de uma sociedade é um prazo regressivo, que se conta desde o dia anterior àquele em que terá lugar a Assembleia até ao 15º dia que a antecede. Na respectiva contagem não se incluí o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, isto é, o dia da expedição da carta registada e o último dia do prazo deve ter decorrido completamente, Encontram-se presentes os sócios que representam cem por cento de capital social da sociedade. Deu-se início aos trabalhos, procedendo à leitura da ordem de trabalho que consiste no seguinte;
a) Proceder a apreciação geral da sociedade desde o início da sua actividade nomeadamente:
a) Formação inicial; sócios, participação social, financiamento, suprimentos;
b) Consequências e repercussões causadas à sociedade pelo processo judicial promovido pela C..., endividamento criado na resolução do problema;
c) Consequências e repercussões causadas à sociedade pela saída do sócio HH
d) Consequências e repercussões causadas à sociedade por inoperância e saída do sócio BB para trabalhar por conta própria;
e) Reconhecimento dos créditos que a empresa detém sobre o edifício torreão, nomeadamente na reconstrução e aquisição do terceiro piso;
f) Valor do activo e passivo da sociedade em 2003;
g) Custo do armazém de 1500 m/2, obras de aumento e. liquidação a Leasing;
h) Existência de crédito, a favor do sócio AA por suprimentos efectuados;
i) Apreciação s contabilização de prejuízos causados pelo sócio BB por desvio de clientela sociedade para benefício próprio;
j) Apreciação de votação de proposta de exclusão do sócio BB, por comportamento desleal e concorrencial com a sociedade causadores de prejuízos relevantes;
k) Apreciar e votar da possibilidade da sociedade intentar contra o referido sócio acção de indemnização por tos praticados no exercício da gerência era prejuízo da sociedade, nos termos dos artcs 72º a 75º e do C.S.C;
m) Reconhecimento do Crédito a favor do sócio AA por suprimentos efectuados;
n) Medidas a tomar pela sociedade para suprir necessidades urgentes;
o) Medidas a tomar, pela sociedade no sentido de fazer desocupar o espaço onde funciona o seu escritório da. pessoas estranhas á empresa;
Tendo o sócio e presidente da mesa efectuado inicialmente as seguintes considerações:
Na convocatória da assembleia geral tem de constar claramente o assunto objecto da deliberação, como impõe o artigo 377º nº 8 do Código das Sociedades Comerciais (aplicável às sociedades por quotas ex vi artigo 248º n.º 1 do mesmo-diploma); o grau de especificação e pormenorização dessa rubrica varia consoante o seu objecto, tendo em conta que é instrumental à sua finalidade, a qual é permitir a intervenção esclarecida dos sócios na deliberação. No caso sob apreciação a ordem de trabalhos não se encontra devidamente especificada e concretizada nem foi prestada informação prévia relativamente a cada uma das respectivas alíneas. NO que respeita à al. m) da ordem de trabalhos revela-se manifestamente insuficiente referlr "práticas de Gestão danosa com prejuízos relevantes da empresa", mostrando-se indispensável a concretização da factualidade a discutir. Acresce que como regra geral, pode dizer-se que a exclusão dos sócios fundada na lei ou nos estatutos societários opera através de deliberação dos sócios, contudo, no caso tem de ser obrigatoriamente por decisão judicial.
Acresce que, o art. 56.º, n.º 1, al.) c, do CSC, determina a nulidade de deliberações cujo conteúdo não esteja por natureza sujeito a deliberação de sócios. Colocar è apreciação dos sócios a ordem de trabalho da presente assembleia é precisamente ferir de nulidade o que pudesse vir a ser deliberado.
Assim, usando os poderes conferidos ao presidente da mesa da assembleia geral da sociedade, considera-se que não se encontram verificados os requisitos e pressupostos para a realização da assembleia com a ordem de trabalhos proposta pelo sócio-gerente AA.
Nada mais havendo a apreciar nexo a deliberar, foi encerrada a presente assembleia e lavrada esta ata que depois de lida vai ser assinada pelo sócio BB, recusando o sócio AA assinar esta acta.
***

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A pretensão deduzida pelo autor na presente acção, a título principal, consiste em ver a) declarada, nos termos do disposto no artº 372º do CC (Código Civil), a falsidade do instrumento de acta da reunião de assembleia geral de sócios da ré, lavrada em 2 de agosto de 2023 (acta nº 3) e com referência ao respectivo ponto da ordem de trabalhos constante da convocatória datada de 14 de Julho de 2023 e b) ser, em consequência, declarado o mesmo documento destituído de qualquer força probatória da vontade social da sociedade, ora ré, no que se refere à matéria constante da acta da dita assembleia geral.
Ora, as actas da assembleia geral são documentos particulares (com excepção das lavradas por notário, nos termos do n.º 6 do art 63.º do Código das Sociedades Comerciais - CSC), pelo que gozam de força probatória plena nos termos e nas condições previstas no artigo 376.º do CCivil, e não no art.º 372.º, quanto à autoria e às declarações atribuídas ao seu autor. A única particularidade de relevo consiste em que as deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem – art.º 63.º, n.º 1, do CSC – sendo que a força probatória plena da acta se limita às deliberações dos sócios (cfr.º Ac. da Relação de Évora de 17-01-2013, Processo 252/09.0TBFAR.E1, in dgsi.pt). Quanto à acta em apreço, nenhuma dúvida suscita a sua autoria e genuinidade. O conteúdo da acta reproduz fielmente a ordem de trabalhos constante da convocatória, e no tocante a deliberações dos sócios, elas simplesmente não existem, não constando que qualquer deliberação tivesse sido tomada. Apenas o entendimento do sócio sobre a regularidade da convocatória, rematando com “Assim, usando os poderes conferidos ao presidente da mesa da assembleia geral da sociedade (o próprio sócio BB), considera-se que não se encontram verificados os requisitos e pressupostos para a realização da assembleia com a ordem de trabalho proposta pelo sócio-gerente AA”. O ónus da prova da falsidade de um documento particular pertence a quem a invoca, o que o autor não logrou. Terá, assim, de improceder o pedido formulado sob a). Quanto ao pedido b), encontra-se prejudicado, porquanto nenhuma expressão da vontade social dela consta. O mesmo valendo quanto aos pedidos subsidiários c) e d). Com efeito, o que o que da acta consta são tão só decisões tomadas pelo presidente da mesa da assembleia geral da sociedade, uma a indeferir a presença de terceiros estranhos à sociedade e outra, a principal, de ter considerado que não estavam reunidos os requisitos para que a assembleia prosseguisse para conhecimento dos pontos da convocatória. Tais decisões - principalmente a última - apesar de ter consequências, uma vez que obstou ao prosseguimento da assembleia, sem o normal encerramento após deliberação e votação, não consubstancia qualquer deliberação. Consequentemente, não se mostra possível conhecer dos pedidos subsidiários.
Procede, pelo exposto, a apelação, devendo revogar-se a sentença recorrida.





Decisão.

Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e em revogar a sentença recorrida, absolvendo-se a apelante de todo o peticionado.

Custas em ambas as instâncias pelo apelado.







Porto, 08/04/2025

João Proença
Rodrigues Pires
Maria da Luz Seabra