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EXECUÇÃO DE SENTENÇA
OPOSIÇÃO
FUNDAMENTOS
Sumário
I - Tendo a execução como título executivo uma sentença, a oposição à execução mediante embargos tem como espartilho os únicos fundamentos constantes do artigo 729º do Código de Processo Civil. II - Tendo a sentença, título executivo, resultado da falta de contestação do réu, ora executado, a confissão ficta tem exactamente os mesmos efeitos que a confissão expressa, afastadas que estejam as excepções previstas no artigo 568º do Código de Processo Civil. III - A certeza da obrigação exequenda significa que o título executivo deve demonstrar, de forma clara e inequívoca, a existência da obrigação. A exigibilidade da obrigação exequenda significa que o crédito já deve ser devido no momento em que a execução é instaurada, ou seja, não depende de termo ou condição suspensiva. A liquidez da obrigação exequenda significa que o montante da prestação deve ser determinado ou determinável por simples cálculo aritmético com base nos elementos constantes do título executivo. IV - Na sentença dada à execução foi declarado que as patologias existentes no edifício melhor identificado nos autos são consequência da deficiente execução dos trabalhos contratualizados com a aqui executada tendo esta sido condenada a eliminar as anomalias aludidas nos artigos 32.º e 36.º da petição inicial, no prazo de 60 dias. V - Não há dúvidas quanto à existência, certeza e liquidez da obrigação – eliminação das patologias identificadas – sabendo-se quem o deve fazer – a aqui embargante – e onde – num prédio administrado pelo embargado e no prazo de 60 dias.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Processo nº 1310/24.7T8MAI-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução da Maia - ...
ACÓRDÃO
I. RELATÓRIO
O CONDOMÍNIO DO PRÉDIO sito à Praceta ... e Rua ..., ... ..., representado pelo seu administrador eleito em Assembleia de Condóminos "A..., SOCIEDADE GESTORA DE CONDOMÍNIOS UNIPESSOAL LDA.", com sede na B..., NIPC ...28, intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível da …, ..., processo n.º..., acção declarativa sob a forma de processo comum, contra C..., Unipessoal Lda. (C...), com sede na ..., ... ..., NIPC ...41 onde foi proferida a seguinte sentença (depois dada à execução):
“Pessoal e regularmente citada para os termos da presente acção, a ré não deduziu qualquer oposição no prazo legal.
Assim, não se verificando nenhuma das situações a que alude o artigo 568º do Cód. de Processo Civil, julgo confessados os factos articulados na petição inicial.
*
Na sequência da prolação do despacho que antecede, haveria que determinar o cumprimento do disposto no artigo 567º n.º 2 do Cód. de Processo Civil.
No entanto, o autor já explicitou de forma cabal os fundamentos jurídicos em que fundamenta a sua pretensão.
Nessa medida, ao abrigo do disposto no artigo 6º do Cód. de Processo Civil e dos poderes de gestão processual ali consagrados, dispenso o cumprimento do estipulado no artigo 567º n.º 2, passando desde já a proferir sentença.
Notifique.
***
Nos termos do artigo 306º do Cód. de Processo Civil, fixo o valor da presente acção na quantia de Eur. 5.001,00.
Notifique. I–RELATÓRIO Condomínio do prédio sito na Praceta ... e Rua ..., na ..., veio intentar a presente acção declarativa, com forma de processo comum, contra C...,Unipessoal,Lda., com sede na ..., em ..., pedindo que:
- seja declarado que as patologias existentes no edifício sito na Praceta ... e Rua ..., na ..., discriminadas nos artigos 32º e 36º da petição inicial, são consequência da deficiente execução dos trabalhos contratualizados com a ré e descritos no orçamento datado de 8 de Fevereiro de 2018 anexo ao contrato de empreitada, no valor de Eur. 66.276,32, bem como também pela utilização inadequada de materiais e soluções técnicas;
- seja a ré condenada a proceder à remoção e eliminação daquelas patologias, realizando todos os trabalhos que se mostrarem necessários à reparação de todos e cada um dos defeitos;
- seja fixado à ré prazo não superior a 60 dias para eliminação dos problemas identificados na petição inicial;
e subsidiariamente,
- se assim não for entendido, para a hipótese da ré não pretender ou não querer executar as obras, seja a ré condenada a pagar-lhe o montante que vier a ser apurado e que se mostre necessário à reparação de todas as patologias existentes para que este as possa mandar executar.
Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que:
A ré dedica-se à actividade de construção civil e reabilitação de edifícios.
Tendo em vista o tratamento de algumas patologias que existiam no edifício, quer ao nível das fachadas que, por sua vez, provocavam a existência de humidades e infiltrações no interior das habitações, quer como na cobertura e terraço, e dando seguimento ao que tinha sido anteriormente decido em Assembleia de Condóminos, promoveu a obtenção de orçamentos de reparação com vista à eliminação dos problemas que se vinham sentindo e que eram objecto de queixas por parte dos condóminos/proprietários.
Em 8 de Fevereiro de 2018, a ré entregou-lhe um orçamento que contemplava trabalhos na cobertura, nas fachadas e no terraço, pelo valor de Eur. 103.459,98, acrescido de IVA à taxa legal de 6%, sendo Eur. 4.3614,16 relativos aos trabalhos a desenvolver na cobertura, Eur. 76.297,47 relativos aos trabalhos a desenvolver nas fachadas e Eur. 22.798,35 refentes aos trabalhos a desenvolver no terraço.
As intervenções a efectuar nas fachadas visavam eliminar os problemas de humidade e infiltrações que se verificavam em algumas frações do edifício.
Entretanto, mediante deliberação da assembleia geral de condóminos, foi decidida a realização de obras nas fachadas e cobertura, relegando-se a realização das obras no terraço para outra fase.
Ficou ainda decidido que as obras na fachada sul e na cobertura deveriam iniciar-se durante o período de verão de 2018.
Em 20 de Novembro de 2018, em conjunto com a ré subscreveu o contrato de empreitada junto aos autos.
Nos termos desse contrato, a obra deveria iniciar-se no mês de Junho de 2019 e deveria ficar concluída no prazo de 75 dias úteis.
Tendo em atenção que as obras no terraço ficaram postergadas para uma outra fase, o orçamento inicial foi revisto, passando a assumir o valor de Eur. 66.276,32, acrescido de IVA à taxa legal de 6%.
Nos termos desse mesmo contrato, com vista ao tratamento e impermeabilização das fachadas e a supressão das infiltrações foram estipuladas diversas intervenções.
Relativamente aos trabalhos apresentados pela ré foram apresentadas reclamações, conforme discriminado nos artigos 32º e 36º da petição inicial.
Apesar de ter reconhecido a existência de deficiências nos trabalhos executados e de se ter comprometido a efectuar reparações, a ré nunca chegou a concretizar qualquer rectificação.
Conclui, conforme supra aludido.
***
Apesar de pessoal e regularmente citada para os termos da presente acção, a ré não deduziu qualquer contestação.
Foram julgados provados os factos alegados na petição inicial. II-SANEAMENTO
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não há nulidades, excepções dilatórias ou peremptórias ou outras nulidades de que cumpra conhecer ou que obstem à apreciação de mérito da causa. III-MATÉRIADEFACTO
Atenta a falta de contestação da ré, consideram-se confessados e assentes todos os factos articulados pelo autor na sua petição inicial. IV–MATÉRIADEDIREITO
A primeira questão a analisar nos presentes autos diz respeito à qualificação jurídica do contrato celebrado entre o Autor e a Ré.
A qualificação de um contrato como pertencendo a esta ou aquela espécie, a este ou aquele tipo, necessária para determinar, pelo menos nos seus traços essenciais, o regime jurídico aplicável, é uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações de vontade das partes e dela dependente.
Assim, a interpretação tem forçosamente de preceder a qualificação, que não se pode fazer sem saber o que as partes efectivamente quiseram, qual o real significado das suas palavras ou expressões.
Cumpre então proceder à análise do caso concreto, sendo que a matéria de facto provada aponta para a celebração de um contrato de prestação de serviços.
Nos termos do artigo 1154º do Código Civil, "contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar, à outra, certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição".
O objecto desta forma contratual consubstancia-se, assim, no resultado da actividade do prestador, o que permite distinguir o contrato de prestação de serviços do contrato de trabalho, considerando que o trabalhador se obriga a prestar a outrem o seu trabalho, e não o resultado deste.
Nesta medida, do contrato de trabalho emerge uma obrigação de meios, enquanto que o contrato de prestação de serviços se traduz numa obrigação de resultado.
Desta forma, uma vez que o que se promete é o resultado do trabalho, será o prestador que, livre de toda a orientação alheia sobre o modo de realização da actividade como meio, a orienta por si, visando alcançar os fins perspectivados.
Como modalidades do género contratual de prestação de serviço, o artigo 1155º do Cód. Civil distingue três espécies de contratos: o mandato, o depósito e a empreitada.
Suscita-se então a questão de saber se a relação contratual estabelecida entre o Autor e a Ré se enquadra em algum desses contratos nominados.
No que diz respeito às modalidades de depósito e de mandato constata-se que as mesmas se encontram liminarmente afastadas, atendendo às respectivas noções legais constantes dos artigos 1185º e 1157º, ambos do Cód. Civil, às quais a relação contratual objecto dos presentes autos não se subsume.
No que concerne à modalidade de empreitada, nos termos do artigo 1207º do Cód. Civil, a mesma é legalmente definida como "o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço".
Esta definição aponta claramente os três elementos do contrato de empreitada, ou seja, os sujeitos, a realização de uma obra e o pagamento do preço.
Os sujeitos do contrato de empreitada são o dono da obra, ou comitente, e o empreiteiro, os quais podem ser quaisquer pessoas, singulares ou colectivas.
Caracterizando-se como sinalagmático, comutativo e oneroso (por dele emergirem obrigações recíprocas e interdependentes e vantagens correlativas para ambas as partes), o contrato de empreitada analisa-se em duas prestações fundamentais, que correspondem aos seus restantes elementos: a realização de uma obra e o pagamento de uma retribuição.
O elemento retributivo, a cargo do comitente ou dono da obra, é legalmente designado como "preço", exigindo-se, portanto, que seja fixado em dinheiro (cfr., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., pág. 790; Pedro Romano Martinez, in Contrato de Empreitada, pág. 104).
Mas o elemento realmente caracterizador desta forma contratual é o correspondente à obrigação fundamental do empreiteiro: a realização de uma obra. Este elemento, consubstanciador do objecto do contrato de empreitada, abrange, portanto, não apenas a construção ou criação de uma coisa, mas também a sua modificação, reparação ou demolição.
Concluindo, a empreitada é o contrato estabelecido entre dois sujeitos, singulares ou colectivos, mediante o qual um deles se obriga a obter um certo resultado material (realização de uma obra), vinculando-se o outro, em contrapartida, a pagar-lhe um preço.
Ora, face à matéria de facto provada e considerando as considerações que antecedem não restam dúvidas que entre o Autor e a Ré foi estabelecida uma relação contratual de empreitada.
Nos termos do tipo contratual em apreço, para além da realização das obras contratadas, resulta para o dono da obra a obrigação de pagar o preço no acto de aceitação da obra ou no prazo convencionado pelas partes (cfr. artigo 1211º n.º 2 do Cód. Civil).
Dos autos resulta que o Autor efectuou a obrigação a que estava adstrita, porquanto procedeu ao pagamento das obras contratadas.
Por seu turno, resulta da matéria de facto provada que a Ré não satisfez na integra a obrigação que sobre si impendia, porquanto, tendo obtido o pagamento da obra contratada, não executou os trabalhos a que se vinculou de forma adequada, conforme estava obrigada.
Incorreu assim numa situação de cumprimento defeituoso, que não só se presume culposa (artigo 799º do Cód. Civil), como já assumiu expressamente a obrigação de proceder à sua efectiva reparação.
Tal é quanto basta para que os pedidos deduzidos a título principal sejam julgados procedentes.
Procedendo este pedido principal, e não tendo o autor deduzido os pedidos constantes da petição inicial a título alternativo, mas antes de forma subsidiária, nada há a determinar quanto ao pedido formulado em segundo lugar (atenta a sua natureza subsidiária).
V-DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção intentada pelo autor Condomínio do prédio sito na Praceta ... e Rua ..., na ..., contra a ré C..., Unipessoal, Lda. procedente e, em consequência:
- declara-se que as patologias existentes no edifício sito na Praceta ... e Rua ..., na ..., discriminadas nos artigos 32º e 36º da petição inicial, são consequência da deficiente execução dos trabalhos contratualizados com a ré e descritos no orçamento datado de 8 de Fevereiro de 2018 anexo ao contrato de empreitada, no valor de Eur. 66.276,32, bem como também pela utilização inadequada de materiais e soluções técnicas;
- condena-se a ré a proceder à remoção e eliminação daquelas patologias, realizando todos os trabalhos que se mostrarem necessários à reparação de todos e cada um dos defeitos;
- fixa-se à ré prazo o prazo de 60 dias para eliminação das anomalias aludidas nos artigos 32º e 36º da petição inicial.
Custas pela ré, nos termos do artigo 527º do Cód. de Processo Civil.
Registe e notifique.
..., 14/6/2022”
*
Por apenso aos autos de execução de sentença, C..., Unipessoal, Lda. intentou os presentes embargos de executado contra CONDOMÍNIO DO PRÉDIO sito à Praceta ... e Rua ..., ... ..., alegando, nos termos do artigo 729º do Cód. Proc. Civil, alínea b, a ) infidelidade do traslado; al. e) – incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda não supridas na fase introdutória da execução e al. g) – facto extintivo e modificativo da obrigação.
*
O embargado CONDOMÍNIO DO PRÉDIO sito à Praceta ... e Rua ..., ... ... veio contestar impugnando o alegado e requerendo a improcedência dos embargos por falta de fundamento.
**
Foi proferida sentença que julgou os embargos de executado improcedentes por não provados e absolveu o embargado dos pedidos contra si formulados.
RECURSO
Não se conformando com esta decisão veio C..., Unipessoal, Lda. recorrer, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
1- A sentença dada à presente execução foi resultado de uma acção declarativa não contestada.
2- A admissão, por acordo, como consequência da revelia da ré – art. 567º, nº 1 do CPC -integra a confissão ficta dos respectivos factos, os quais, por força dela, se têm como provados.
3- A confissão ficta não é uma confissão expressa de factos, pelo que não é aplicável aquele regime, podendo ser declarada nula ou anulada.
4- Consequência que pode ser alcançada através de recurso a acção destinada à declaração de nulidade ou anulação, ou a recurso de revisão da sentença -ut. nº 2 do art. 291º e nº 1 do art. 359º, ambos do Cód. Civil- e no prazo de 5 anos -ut. al. d) do art. 696º e nº 2 do art. 697º, ambos do Cód. Proc. Civil.
5- Também pode ser alcançado por via do acordo nesta execução, ou por via extrajudicial anterior à mesma, como nesse sentido estavam em curso negociações entre as partes, o que foi alegado nos embargos deduzidos, nomeadamente nos arts. 61º a 68º.
6- Nos art. 4º, 5º, 61º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º e 71º dos embargos, a aqui Recorrente alega a necessidade de levantamento do sigilo profissional entre os mandatários das partes, com vista a fazer prova, por documentos, de factos que são conducentes à demonstração de uma realidade diversa da que consta do requerimento executivo e da contestação aos embargos entretanto apresentada.
7- Tais documentos contêm factos que modificam ou até extinguem a obrigação, sendo posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração.
8- Ao abrigo do disposto na al. g) do art. 729º, do CPC, os presentes embargos têm todo o cabimento.
9- Já que, quanto aos fundamentos das als. e) e g) do art. 729º, do Cód. Proc. Civil que foram invocados, é patente e evidente a necessidade de junção aos autos de tais alegados documentos.
10- Sobre esta questão e matéria a Exequente e a sua Ilustre Mandatária não se pronunciaram, pelo que, para a boa decisão da causa entender a Recorrente que o tribunal “a quo” deveria ter convidado aquelas a pronunciar-se sobre tal alegação e até a questionar sobre a sua anuência de levantamento do sigilo profissional.
11- Na eventualidade de recusa no levantamento, deveria ter convidado a Executada/Recorrente, na pessoa do seu mandatário, a promover o levantamento do sigilo profissional.
12- O tribunal “a quo”, para conseguir o escopo da justa composição do litígio, deveria, antes de proferir sentença, ter lançado mão dos mecanismos e princípios sucinta e exemplificativamente previstos nos arts. 5º, 6º, 7º, 8º, e o disposto no art. 417º, todos do Cód. Proc. Civil.
13- Ao não o fazer e ter prolatado a sentença aqui posta em crise o tribunal, salvo melhor entendimento, violou aquelas disposições legais e produziu uma decisão precipitada e injusta.
14- Sobre os alegados fundamentos de “incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda” o tribunal recorrido julgou os mesmos improcedentes.
15- Com a oposição/embargos a Executada juntou vários documentos e ao longo do alegado em tal peça processual deixou demonstrada a incerteza, iliquidez e inexigibilidade da obrigação.
16- Na sentença recorrida é afirmado que: a “certeza da obrigação corresponde à determinação do seu objecto”;
17- “A liquidez relaciona-se com a especificação concreta do quantitativo da prestação que se reclama.
18- “A exigibilidade prende-se com o vencimento. É exigível a prestação vencida.”
19- Com o devido respeito por opinião contrária, entende a Recorrente que nenhum destes requisitos a sentença dada à execução reúne.
20- Da sentença dada à execução não resulta o que na sentença ora recorrida está escrito no nº 3 dos factos provados.
21- O tribunal “a quo” deu uma nova redacção”, tentou concretizar e objectivar o que a sentença dada à execução não fez, nem faz.
22- O que constitui, salvo melhor opinião, uma nulidade e ilegalidade que importa conhecer e declarar.
23- Apesar do título dado à execução ser uma sentença, nem por isso constitui título que possua os requisitos de certeza/determinação do objecto, de liquidez e exigibilidade, como de facto, no caso “sub judice” a sentença dada à execução não tem.
24- E se aquela sentença, o título dado à execução não possui tais qualidades de certeza, liquidez e exigibilidade, não pode ser a sentença recorrida a atribuir as mesmas, como, salvo melhor opinião, erradamente o faz.
25- A sentença recorrida é, pois, nula, nos termos do disposto nas als. d) e e) do nº 1 do art. 615º, do Cód. Proc. Civil, que se requer seja declarada
26- A conclusão que consta da sentença recorrida, quando ali é afirmado que “É, pois, de concluir que a obrigação exequenda é certa, líquida e exigível”, não constitui axioma.
27- De contrário, não faria sentido a previsão do disposto no art. 729º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente a da sua alínea e).
28- A improcedência dos embargos no que neste segmento da decisão diz respeito deve ser revogada, o que se requer.
29- Sobre a improcedência dos alegados factos extintivos e modificativos da obrigação, crê a Recorrente que o tribunal não apreciou bem a questão.
30- Entende a Recorrente que o tribunal “a quo”, para além do mais não atentou no que foi alegado nos arts. 4º, 5º, 67º, 68º, 69º, 70º e 71º, da oposição.
31- Os factos constantes dos documentos que naqueles artigos alega pretender juntar aos autos contêm matéria conducente à extinção ou modificação da obrigação e constam de documentos escritos, como foi sobeja e claramente alegado.
32- Donde, tais factos integrarem a possibilidade prevista na al. g) do art. 729º, do CPC.
33- A sentença recorrida viola, assim, o disposto nesta referida previsão legal, e nos demais normativos que aqui se identificam: arts. 5º, 6º, 7º, 8º, 417º, 615º, nº 1, als. d) e e) 696º, al. d), 697, nº 2, 729, al.s. e) e g), do Cód. Proc. Civil; arts 291º, nº 2, 359º, nº 1, do Cód. Civil.
Termos em que a decisão recorrida deve ser revogada, com todas as consequências legais, o que se requer, assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. A DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil.
Nos presentes autos está em causa apreciar:
· A circunstância da sentença dada à execução ter por base uma confissão ficta.
· Extrapolação do tribunal "a quo" ao concretizar e especificar factos provados na sentença da execução que não constavam da sentença inicial.
· Incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda
· Existência de documentos sob sigilo profissional dos mandatários das partes que comprovam factos que modificam ou extinguem a obrigação exequenda e que são posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração.
III. FUNDAMENTAÇÃO
A. OS FACTOS
Além dos que consta do relatório supra, aqueles que foram tidos em consideração na sentença ora em crise:
1 – O exequente Condomínio do prédio sito à Praceta ... e Rua ..., ... ... intentou execução de sentença contra a executada C..., Unipessoal, Lda., danado à execução uma sentença condenatória proferida no processo n.º....
2 – No requerimento executivo o exequente alegou o seguinte:
“1. – Por douta sentença proferida a 14 de Junho de 2022 no âmbito do processo n.º... que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível da Maia, ..., já transitada em julgado, foi declarado que as patologias existentes no edifício sito na Praceta ... e n.º 35 e Rua ..., na ..., são consequência da deficiente execução dos trabalhos contratualizados com a aqui executada C..., UNIPESSOAL, LDA;
2. Foi ainda, a então Ré, ora Executada, condenada a eliminar as anomalias aludidas nos artigos 32.º e 36.º da petição inicial, no prazo de 60 dias - cfr. P.I. que se junta ao diante como Doc. 1 e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
3. Anomalias essas que em síntese são:
Na FACHADA POENTE (QUINTA DAS TÍLIAS)
*Colocação de silicone adequado na união entre as pedras da fachada;
*Colocação de silicone transparente em todas as janelas desta fachada;
*Eliminação da infiltração de água e reparação de danos num dos quartos desta fachada que já danificou a madeira do caixilho da janela e a parede junto à janela.
*Silicone aplicado no aço inoxidável: resolver
NA VARANDA SUL (VIRADA LAR ...)
*Retirar o excesso de massa aplicada na janela da casa de banho a ocupar 2 cm de tijolo;
*Remover a tinta aplicada no teto, que cobre também parte do tijolo; NA VARANDA NORTE
* Colocação de silicone na janela;
* Aplicar massa entre pedras com textura igual ás existentes (mais arenosa);
NO GERAL
* Limpar o pavimento das varandas que ficou com manchas;
* Limpar a fachada sul do prédio;
* Remover e substituir as pedras novas que foram colocadas e que não têm a mesma cor do prédio;
*Remover e substituir as pedras que estejam partidas e também as que estejam muito sujas;
* Remover infiltrações e reparar danos, nas frações 1.1, 2.5, 3.3 e 5.1;
4- Contudo, volvidos quase dois anos desde o trânsito em julgado da sentença, as reparações não foram sequer iniciadas.
5- Assim, não tendo a Executada cumprido a condenação a que foi sujeita, e como se trata de prestação de facto fungível, o Exequente declara, ao abrigo do artigo 868º, nº 1, do C.P.C., optar pela prestação de facto por outrem.
6- Requerendo desde já, que lhe seja nomeado perito que avalie o custo daquela prestação (artigo 870º, nº 1, do C.P.C.).
7- Devendo então, a presente execução converter-se e seguir os termos da execução para Requerimento Executivo entregue por via electrónica na data e hora indicadas junto da assinatura electrónica do subscritor, aposta nos termos previstos na Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto.”
3 – A sentença dada à execução tem a seguinte decisão:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção intentada pelo autor Condomínio do prédio sito na Praceta ... e Rua ..., na ..., contra a ré C..., Unipessoal, Lda. procedente e, em consequência:
- declara-se que as patologias existentes no edifício sito na Praceta ... e Rua ..., na ..., discriminadas nos artigos 32º e 36º da petição inicial, são consequência da deficiente execução dos trabalhos contratualizados com a ré e descritos no orçamento datado de 8 de Fevereiro de 2018 anexo ao contrato de empreitada, no valor de Eur. 66.276,32, bem como também pela utilização inadequada de materiais e soluções técnicas;
- condena-se a ré a proceder à remoção e eliminação daquelas patologias, realizando todos os trabalhos que se mostrarem necessários à reparação de todos e cada um dos defeitos;
- fixa-se à ré prazo o prazo de 60 dias para eliminação das anomalias aludidas nos artigos 32º e 36º da petição inicial.
Custas pela ré, nos termos do artigo 527º do Cód. de Processo Civil. Registe e notifique.”
4 – Os artigos 32º a 36º da petição inicial referidos na sentença dada à execução têm a seguinte redacção:
“32.º
Dando sequência ao que ficou decido na Assembleia de Condóminos realizada em 17 de Fevereiro de 2020 foi feita uma listagem das falhas que foi transmitida à anterior administração e que se resumem no seguinte: FACHADA POENTE (QUINTA DAS TÍLIAS)
Antes da intervenção, as uniões entre as pedras junto às janelas desta fachada estavam vedadas com massa/silicone. Durante a intervenção, este foi substituído por silicone cinzento que foi novamente retirado uma vez que não era a cor de silicone correta para a pedra. No entanto, nesta fachada, por esquecimento, não foi aplicado o silicone transparente, deixando por isso furos na parede que poderão dar lugar a infiltrações, deixando a fachada mais exposta do que se encontrava antes da obra.
Este problema verifica-se em ambas as janelas da fachada poente, estando algumas uniões com silicone transparente e outras não. Foi dada esta nota ao encarregado da C... quando o bailéu ainda estava colocado, no entanto não foi resolvido.
Devido a este problema de má vedação das pedras, surgiu uma infiltração num dos quartos desta fachada (conforme anomalia já reportada à D... com fotografias) danificando a madeira do caixilho da janela e a parede junto à janela. Embora o problema de vedação tenha sido resolvido posteriormente pelo empreiteiro, os danos sofridos no quarto não foram. Silicone aplicado no aço inoxidável: foi dada nota na primeira reclamação e manteve-se por resolver.
VARANDA SUL (VIRADA LAR ...)
Massa aplicada na janela da casa de banho a ocupar 2 cm de tijolo, não foi retirado o excesso. Cf. imagem: 202815
A tinta aplicada no teto cobre também parte do tijolo, por lapso, e não foi removida.
VARANDA NORTE
A janela não tem silicone a vedar à volta, à semelhança do que foi aplicado nas restantes duas janelas, não estando por isso a vedação completa.
A massa aplicada entre pedras está já a desaparecer e tem uma textura diferente das restantes varandas (mais arenosa).
GERAL
O pavimento das varandas ficou com manchas uma vez que a película existente foi só limpa parcialmente e não totalmente.
A fachada sul do prédio não ficou limpa. O tempo de intervenção nesta fachada foi bastante inferior e os trabalhos foram feitos em períodos de chuva, o que pode ter impactos negativos graves na eficácia dos produtos aplicados.
As pedras novas colocadas não têm a mesma cor do prédio ficando este às manchas. Ficou estabelecido que seriam substituídas as pedras partidas ou muito sujas, mas ficaram bastantes pedras muito sujas por substituir/limpar.
33.º
A pandemia provocada pela COVID 19 que se instalou no país e que motivou o primeiro período de confinamento acabou por levar a que não
tivesse sido feita uma vistoria final dos trabalhos pela Ré e pelo Condomínio.
34.º
Também por causa disso a Ré embora reconhecendo a necessidade de corrigir o que tinha feito mal remeteu para mais tarde a realização dessas
correções, nomeadamente quando o período de confinamento terminasse.
35.º
Sucede que tais correções nunca chegaram a ser feitas.
36.º
Em 15 de Junho de 2021 a actual administração remete à Ré a carta
que se junta sob documento n.º8 e que aqui se dá por reproduzida, através da qual informa que subsistem infiltrações nas frações 1.1, 2.5, 3.3 e 5.1 após a intervenção que esta realizou na fachada, concedendo o prazo de 30 dias para a supressão destes problemas.”
B.O DIREITO
Estamos perante um recurso da autoria do embargante /executado que não se conformou com a decisão que foi proferida nos autos de embargos. Nos termos do artigo 729.º do Código de Processo Civil, a execução baseada em sentença só pode ter como fundamentos de oposição um dos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.
A circunstância da sentença ter por base uma confissão ficta.
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Neste recurso a recorrente vem dizer que a sentença dada à presente execução foi resultado de uma acção declarativa não contestada, tendo-se dado, nos termos da lei processual civil, por confessados os factos alegados na causa de pedir. A admissão, por acordo, como consequência da revelia da ré – art. 567º, nº 1 do CPC - integra a confissão ficta dos respectivos factos, os quais, por força dela, se têm como provados. Porém, a confissão ficta não é uma confissão expressa de factos, pelo que não é aplicável aquele regime, podendo a mesma ser declarada nula ou anulada através de recurso a acção destinada à declaração de nulidade ou anulação, ou a recurso de revisão da sentença -ut. nº 2 do art. 291º e nº 1 do art. 359º, ambos do Cód. Civil-. e no prazo de 5 anos -ut. al. d) do art. 696º e nº 2 do art. 697º, ambos do Cód. Proc. Civil.
Não sabemos em que alínea fundamentou a embargante esta alegação. Eventualmente na inexistência ou inexequibilidade do título, referindo-se à falta de requisitos legais para que a sentença possa servir de base à execução ou tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos – cfr. a oposição apenas tem uma dimensão declarativa, não permitindo reabrir a discussão sobre o mérito da decisão transitada em julgado.
Mas estes fundamentos são de conhecimento oficioso ou têm que ser alegados pelo embargante?
A distinção entre os fundamentos de conhecimento oficioso e aqueles que dependem de alegação pelo embargante é crucial no âmbito dos embargos à execução. Fundamentos de Conhecimento Oficioso
Os fundamentos de conhecimento oficioso são aqueles que o tribunal deve considerar independentemente de terem sido alegados pelas partes. No contexto dos embargos à execução baseada em sentença, incluem-se, geralmente, os seguintes:
• Inexistência ou inexequibilidade do título: Se o título executivo (sentença) for manifestamente inexistente ou não possuir os requisitos legais para servir de base à execução, o tribunal deve declarar a sua invalidade, mesmo que o executado não o alegue.
• Falta de pressupostos processuais: A ausência de um pressuposto processual essencial, como a falta de capacidade judiciária das partes ou a incompetência absoluta do tribunal, pode ser levantada oficiosamente.
• Caso julgado anterior: A existência de um caso julgado anterior que colida com a sentença exequenda é, em princípio, de conhecimento oficioso, desde que resulte dos elementos constantes do processo. Fundamentos Dependente de Alegação
Os fundamentos que dependem de alegação do embargante são aqueles que não são evidentes e que exigem a demonstração de factos específicos. Nestes casos, o tribunal só pode considerar estes fundamentos se forem expressamente invocados e provados pelo executado. Alguns exemplos são:
• Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste: A falsidade ou infidelidade deve ser alegada e comprovada pelo executado.
• Falta de intervenção do réu no processo de declaração: O executado deve alegar e provar que não foi devidamente citado ou que não teve oportunidade de se defender no processo de declaração.
• Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda: O executado deve alegar e demonstrar que a obrigação não é certa, exigível ou líquida.
• Facto extintivo ou modificativo da obrigação: O executado deve alegar e provar a ocorrência de um facto que extinguiu ou modificou a obrigação, como o pagamento, a remissão ou a novação.
• Contracrédito sobre o exequente: O executado deve alegar e provar a existência de um crédito sobre o exequente e requerer a compensação.
• Nulidade ou anulabilidade de confissão ou transação: O executado deve alegar e provar a existência de um vício que determine a nulidade ou anulabilidade da confissão ou transação.
É importante ter em consideração o artigo 732.º do Código de Processo Civil, que estabelece os termos da oposição à execução. De acordo com este artigo, os embargos podem ser liminarmente indeferidos se o fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º ou se forem manifestamente improcedentes.
Em suma, enquanto alguns fundamentos podem ser considerados oficiosamente pelo tribunal, outros dependem da alegação e prova por parte do executado. A correcta identificação e invocação dos fundamentos de oposição são essenciais para o sucesso dos embargos à execução, respectivamente a alínea a) e i) do citado artigo 729º do Código de Processo Civil
A distinção entre confissão ficta e confissão expressa reside na forma como a confissão é manifestada e nos seus pressupostos.
• Confissão expressa: É uma declaração explícita da parte, reconhecendo a veracidade de factos que lhe são desfavoráveis e favoráveis à parte contrária. Esta confissão é feita de forma clara e inequívoca, geralmente no articulado ou em depoimento.
• Confissão ficta: Resulta de uma presunção legal, decorrente da falta de comparência da parte a quem é pedida a prestação de depoimento pessoal ou da recusa em depor ou em prestar juramento. Nestes casos, os factos alegados pela parte contrária são considerados como confessados, salvo se existirem outros elementos probatórios que os contrariem.
Em suma, a confissão expressa é uma declaração directa e voluntária, enquanto a confissão ficta é uma presunção legal baseada no comportamento da parte no processo.
Ao contrário do que diz a recorrente, nos termos do n.º 1 do artigo 291.º do Código de Processo Civil tanto a confissão (expressa ou ficta), como a desistência e a transação, podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros actos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no n.º 2 do artigo 359.º do Código Civil.
Como se pode ler no Acórdão da Relação de Lisboa de 28.09.2021, tirado no processo 1336/20.0T8FNC.L1-7 “1 - O efeito da revelia absoluta do réu traduz-se na chamada confissão tácita ou ficta, a qual se distingue da confissão judicial expressa, que se traduz numa declaração de ciência na qual o confitente reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (arts. 355.º ss. do Cód. Civil), pelo que a confissão decorrente da revelia operante não depende de qualquer declaração nesse sentido, bastando para tal a própria inércia do demandado.2. Trata-se, portanto, de prova, (os factos ficam provados em consequência do silêncio do réu) e, aparentemente, duma ficção (ficciona-se uma confissão inexistente, equiparando os efeitos do silêncio do réu aos da confissão, de que tratam os arts. 352.º ss. do Cód. Civil).3. No art. 567.º, n.º 2, do C.P.C., está consagrado o efeito do cominatório semipleno, segundo o qual, apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem admitidos, o juiz fica liberto para julgar a ação materialmente procedente, mas também para se abster de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância quando verifique a falta insanável de pressupostos processuais, para julgar a ação apenas parcialmente procedente quando, por exemplo, o autor tiver formulado dois pedidos, sendo um deles manifestamente infundado, para a julgar totalmente improcedente se dos factos admitidos não puder resultar o efeito jurídico pretendido, e até para reduzir aos justos limites determinada indemnização peticionada (art. 566.º, n.º 2, do Cód. Civil). 4. No caso de a petição inicial revelar insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, a situação de revelia absoluta em que o réu se encontre não impede o juiz de proferir despacho de aperfeiçoamento, desde que a manutenção do seu conteúdo original ponha em causa a procedência da ação, o que significa que sempre que os factos articulados na petição inicial e considerados confessados ou admitidos, sejam insuficientes ou imprecisos tendo em vista o efeito jurídico pretendido pelo autor, deve o juiz convidá-lo a completar ou corrigir o inicialmente produzido, o mesmo sucedendo quando o demandante não tiver procedido à junção de documentos necessários à demonstração dos factos alegados na petição inicial, caso em que o julgador deve proferir despacho a convidá-lo a proceder à sua junção (art. 590.º, n.º 2, al. c), do C.P.C.). 5. É que, se por lei (art. 364.º do Cód. Civil) ou por convenção das partes (art. 223.º do Cód. Civil) for imposta determinada forma para a validade (requisito ad subtantiam) ou prova (requisito ad probationem) de declarações negociais, a lei de processo não permite que a eventual falta de contestação conduza a um resultado contrário ao exigido pela lei substantiva ou pela convenção.”
Acórdão da Relação de Évora de 15 de Junho de 2023, tirada no processo 563/20.4T8SSB.E1 “ I - Apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. II - O réu tem o ónus de contestar a acção, na medida em que a revelia, quando operante, produz efeitos que lhe são desfavoráveis, e, por isso, é advertido aquando da citação das cominações em que incorre no caso de revelia. III - Em regra, a revelia é operante, pois, exceptuando os casos previstos nas alíneas do artigo 568º do Código de Processo Civil, a falta de contestação do réu leva a que se considerem confessados os factos articulados pelo autor, quando o réu, tenha sido ou deva considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa, mesmo que não tenha intervenção no processo (revelia absoluta), ou tenha apenas juntado procuração no prazo da contestação (revelia relativa). IV - O efeito deste comportamento omissivo do réu é a chamada confissão tácita ou ficta, a qual se distingue da confissão judicial expressa, traduzida numa declaração de ciência, em que o confitente reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.11.2014, tirado no processo 1709/12.1TBMGR.C1 “I. À omissão do dever de impugnar que nasce para o réu com a citação associa a lei um efeito cominatório importante, considerando-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, com excepção daqueles para cuja prova seja exigido documento escrito e daqueloutros sobre os quais não é admissível confissão (cf. art.º 490.º, n.º 2 do CPC em vigor ao tempo). II. A assim designada prova por admissão, também denominada confissão ficta, significa que fica definitivamente adquirida para o processo a realidade do facto, não sendo permitido ao réu vir negar em momento posterior os factos sobre os quais se manteve silencioso, o que é também corolário do princípio da concentração de toda a defesa na contestação e efeito preclusivo que lhe está associado. Acórdão da Relação de Lisboa de 24.10.2024, tirado no processo 681/23.7T8MTA.L1-2 “I – Não padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, b), CPC, a sentença proferida em caso de revelia da ré, quando, na fundamentação de direito, sejam expressamente mencionados tais factos, tornando inteligível o quadro factual em que assenta a decisão. II – Do silêncio da ré não contestante extrai-se o efeito probatório designado por confissão ficta, determinando que se considerem assentes os factos alegados, embora com as exceções previstas no artigo 568º, CPC.”
Concluindo, não caindo a matéria constante da sentença dada à execução nas excepções previstas no artigo 568º do Código de processo Civil, a confissão ficta – por ausência de contestação – tem, no caso, os mesmos efeitos da confissão expressa.
Não tem qualquer fundamento a invocação da recorrente relativamente a este tema, pelo que improcede.
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Embora em sede de recurso o embargante tenha usado outra nomenclatura, na verdade, as questões levantadas em recurso são as mesmas que constavam da petição de embargos.
Assim, alegando que houve extrapolação do tribunal "a quo" ao concretizar e especificar factos provados na sentença da execução que não constavam da sentença inicial, o recorrente mais não está do que a invocar a infidelidade do traslado porque o requerimento executivo não reproduz a sentença proferida.
Tal como já foi decidido pelo tribunal “a quo” e é por nós reafirmado, basta atentar na sentença dada à execução e no que consta do requerimento executivo para concluirmos que não há qualquer divergência entre os dois textos. Improcede esta invocação da recorrente.
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Da incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda.
Alega a recorrente que na sentença recorrida é afirmado que: a “certeza da obrigação corresponde à determinação do seu objecto”; “A liquidez relaciona-se com a especificação concreta do quantitativo da prestação que se reclama; “A exigibilidade prende-se com o vencimento. É exigível a prestação vencida.” Entende a Recorrente que nenhum destes requisitos a sentença dada à execução reúne. Apesar do título dado à execução ser uma sentença, nem por isso constitui título que possua os requisitos de certeza/determinação do objecto, de liquidez e exigibilidade, como de facto, no caso “sub judice” a sentença dada à execução não tem. E se aquela sentença, o título dado à execução, não possui tais qualidades de certeza, liquidez e exigibilidade, não pode ser a sentença recorrida a atribuir as mesmas, como, salvo melhor opinião, erradamente o faz.
Apreciando.
A certeza da obrigação exequenda significa que o título executivo deve demonstrar, de forma clara e inequívoca, a existência da obrigação. A obrigação é incerta quando o título executivo não permite determinar com precisão a sua existência, os seus sujeitos (activo e passivo) ou o seu objecto.
A exigibilidade da obrigação exequenda significa que o crédito já deve ser devido no momento em que a execução é instaurada, ou seja, não depende de termo ou condição suspensiva. A obrigação é inexigível quando o prazo para o seu cumprimento ainda não se venceu ou quando depende do cumprimento de uma condição que ainda não se verificou.
Por seu turno, a liquidez da obrigação exequenda significa que o montante da prestação deve ser determinado ou determinável por simples cálculo aritmético com base nos elementos constantes do título executivo. A obrigação é ilíquida quando o título executivo não permite determinar o valor exacto da prestação devida, sendo necessário proceder à sua liquidação prévia. Ora, na sentença dada à execução foi declarado que as patologias existentes no edifício sito na Praceta ... e n.º 35 e Rua ..., na ..., são consequência da deficiente execução dos trabalhos contratualizados com a aqui executada C..., UNIPESSOAL, LDA, tendo esta sido condenada a eliminar as anomalias aludidas nos artigos 32.º e 36.º da petição inicial, no prazo de 60 dias.
Pode afirmar-se que não há dúvidas quanto à existência, certeza e liquidez da obrigação – eliminação das patologias identificadas – sabendo-se quem o deve fazer – a aqui embargante – e onde – num prédio administrado pelo embargado e no prazo de 60 dias.
Ao intentar a execução e não tendo a executada cumprido aquilo a que estava obrigada, o exequente seguiu os termos previstos no artigo 868.º do Código de Processo Civil: “ 1 - Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo.”
Tal como resulta do número 2 desse mesmo normativo, o executado podia, em sede de embargos, deduzir oposição alegando o cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio, mas não o fez.
Mais uma vez não assiste qualquer razão ao recorrente.
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Da existência de documentos sob sigilo profissional dos mandatários das partes que comprovam factos que modificam ou extinguem a obrigação exequenda e que são posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração que, em sede de embargos, correspondeu à alegação da existência de facto extintivo e modificativo da obrigação.
Pretende a recorrente fazer valer no âmbito destes autos alegadas diligências existentes entre as partes com vista a uma solução consensual do litígio.
Tal como bem se disse na sentença em crise, e nos parece evidente, a mera existência de conversas com vista a um acordo não extingue ou modifica a obrigação.
Não assiste razão à recorrente.
Em jeito de conclusão temos que considerar que não assiste qualquer razão à embargante, ora recorrente, sendo de manter a sentença muito bem proferida.
IV. DECISAO
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente .
Registe e notifique.
DN
Porto, 08 de Abril de 2025.
(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.
Raquel Correia Lima (Relatora)
João Diogo Rodrigues (1º Adjunto)
Anabela Andrade Miranda (2º Adjunto)