CONTRATO DE TRABALHO
SANÇÃO DISCIPLINAR
LEI DA AMNISTIA
Sumário

A Lei n.º 38-A /2023, de 2 de agosto não abrange as infrações disciplinares laborais praticadas por trabalhadores vinculados a empregadores privados.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 4ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I- Relatório
1.“AA” intentou ação1 contra “Santa Casa de Misericórdia de Lisboa” peticionando, que se:
a) Declare a sanção disciplinar de 30 dias suspensão de trabalho com perda de retribuição e antiguidade ilícita, com a sua consequente anulação e condenação da R. ao pagamento das quantias que […]o A. deixou de auferir, em virtude da aplicação da sanção;
b) Declare a sanção disciplinar impugnada na presente ação como abusiva, nos termos das alíneas a), b) e e) do n.º 1 do artigo 331.º do Código de Trabalho;
c) Declarada que seja a sanção disciplinar como abusiva, condene a R. no pagamento de uma indemnização ao A. nos termos gerais, de acordo com o disposto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 331.º do Código de Trabalho;
d) Condene a R. em custas e procuradoria condigna. se declare que a sanção disciplinar que lhe foi aplicada se revela ilícita, se decrete a condenação da Ré a devolver-lhe as retribuições que não recebeu por força da sanção disciplinar que lhe aplicou, se declare abusiva a sanção disciplinar e se lhe atribua indemnização por aplicação de sanção abusiva.”
2. Realizou-se audiência de partes, não se obtendo conciliação.
3. A ré veio apresentar contestação.
4. O Tribunal a quo ponderada, a possibilidade de aplicabilidade da Lei 38-A/2023, de 02 de agosto, concedeu às partes a possibilidade de se pronunciarem.
5. O autor referiu não ser de aplicar a referida Lei, sustentando deverem os autos prosseguir para apreciação da existência de indemnização por sanção abusiva. Por seu turno a ré defendeu não ser aplicável aos autos a referida Lei, sustentado que a mesma não se mostra aplicável em sede de relações privadas.
6.Foi proferida decisão que declarou amnistiada a infrção disciplinar alegadamente cometida pelo autor e julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
7. Inconformado, com a decisão, o autor recorreu tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. O Recorrente recorre da douta sentença proferida em 09/09/2024, a qual julgou a ação extinta, por inutilidade superveniente da lide, decisão esta com a qual não se conforma por entender que a mesma é nula e padece de erro na interpretação e aplicação do direito.
2. É nula porque a Mm. Juiz a quo não se pronunciou sobre questões que tinha obrigação de se pronunciar, nos termos dos artigos 615.º, n.ºs 1, alínea d) do Código do Processo Civil
3. Padece de erro na interpretação e aplicação do direito porque aplica a Lei da Amnistia que não pode ser aplicada a relações laborais privadas, como já superiormente decidido.
4. Nos termos e para os efeitos do art. 296.º do Código de Processo Civil, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo e a fixação do mesmo compete ao juiz.
5. Não foi fixado qualquer valor à causa, o que gera a nulidade da sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, o que se requer.
6. A decisão encontra-se viciada por erro de julgamento, porquanto decidiu a Mm. Juiz a quo aplicar a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto ao caso dos autos o que, smo, configura um erro na interpretação e aplicação do direito.
7. Prevê o artigo 6.º. da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, o seguinte: São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.
8. O supra mencionado dispositivo legal abre portas à dúvida no que respeita à sua aplicação no âmbito laboral, quando estão em causa infrações disciplinares praticadas por trabalhadores de entidades privadas, o que acontece nos presentes autos, uma vez que a R. é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa.
9. Foi superiormente decidido por esta Veneranda Relação, no Acórdão proferido em 24/01/2024, no processo n.º 778/23.3T8PDL-A.L1-4, Relatora Celina Nóbrega, que “A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (…) não abrange no seu âmbito as infrações disciplinares laborais praticadas por trabalhadores vinculados a empregadores privados” – in www.dgsi.pt
10. O referido Acórdão foi proferido em ação judicial idêntic[a] ao ora ajuizado, sendo idêntico também relativamente a uma das partes, neste caso, a R.
11. A Mm. Juiz a quo entendeu ser de aplicar ao caso dos autos a Lei da Amnistia, não obstante o A. e Recorrente se ter pronunciado, quando foi convidado a fazê-lo, no sentido contrário, [alegando], ainda, que entendia tratar-se de uma sanção abusiva que urgia decretar, uma vez que existem consequências para a aplicação de sanções abusivas.
12. Entendeu a Mm. Juiz a quo que a lei não estabelece qualquer exceção ao previsto no seu art. 6.º, nele expressamente estipulando que as infrações disciplinares se encontram, pelo efeito da referida Lei, amnistiadas.
13. Acrescenta que nenhuma norma constitucional ou princípio da mesma natureza garante à empresa, como reserva absoluta, o exercício do poder disciplinar sobre os trabalhadores.
14. O poder disciplinar se caracteriza por ser um poder subjetivo do empregador, que se reconduz à categoria de direito potestativo, pelo que, é um poder exclusivo do empregador, que pode ser exercido diretamente por este ou por superior hierárquico do trabalhador (art. 329.º, n.º 4, do Código do Trabalho).
15. E se é verdade que o art. 2.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, não esclarece a que infrações disciplinares é aplicável, a verdade é que, não se pode usar unicamente do elemento literal para interpretar tal dispositivo legal.
16. Aplicando o art. 9.º, do Código Civil ter-se-á que dizer que se impõe o recurso a todos os elementos de interpretação da lei e procurar encontrar a vontade real do legislador.
17. Pelo que, concluiu esta Veneranda Relação de Lisboa que conceder a amnistia a infrações de natureza privada “representaria uma intromissão por parte do Estado na gestão e organização das empresas privadas, não permitida por chocar com o direito à livre iniciativa, à liberdade de iniciativa e de organização empresarial”, direitos constitucionalmente consagrados, decidindo que a Lei da Amnistia não abrange as infrações laborais praticadas por trabalhadores vinculados a empregadores privados.
18. Admitir a aplicação da amnistia às infrações laborais privadas representaria uma violação dos referidos direitos constitucionalmente protegidos e não cabendo ao Estado aplicar as sanções previstas no âmbito do exercício do poder disciplinar, mas sim ao empregador, que goza de autonomia, não é defensável que o Estado possa determinar a sua absolvição.
19. Por isso, errou a Mm. Juiz a quo ao aplicar a Lei da Amnistia ao caso sub judice, fazendo, pois, uma errada interpretação e aplicação do direito, devendo, por isso, a decisão ora recorrida ser revogada e substituida por outra que não aplique a Lei da Amnistia, ordenando a realização de audiência de julgamento para prolação de sentença.
20. Caso a decisão proferida não seja considerada nula, o que por mera cautela processual se refere, deve ser revogada e substituída por outra que que não aplique a Lei da Amnistia, ordenando a realização de audiência de julgamento para prolação de sentença.”
E, concluindo refere que, “ deve proceder o presente recurso e a sentença recorrida ser considerada nula, por não se ter a Mm. Juiz a quo pronunciado sobre questões que tinha obrigação de se pronunciar, nos termos dos artigos 615.º, n.ºs 1, alínea d) do Código do Processo Civil. Caso assim não se considere, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que que não aplique a Lei da Amnistia, ordenando a realização de audiência de julgamento para prolação de sentença,(…) “.
8. A ré apresentou contra-alegações tendo oferecido o merecimento dos autos.
9. O Tribunal a quo, referindo ter existido lapso ao não fazer constar da sentença o segmento do valor da causa, aquando da colocação da sentença em sistema citius , proferiu, em 04.12.2024, despacho fixando o valor da causa em €30.000,01, do qual não foi interposto recurso.
10. A Exma. Procuradora-Adjunta emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso.
11. Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC ( Código de Processo Civil), cabe decidir em conferência.
II – Objeto do Recurso
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, n.º 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do CPC, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho (CPT), que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
O recorrente suscitava a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia em face da ausência de fixação do valor a ação.
Como consta do Relatório o Tribunal a quo procedeu entretanto à fixação do valor da causa em despacho proferido em 04.12.2024, com a ref.ª citius 440712261.
Ficou, assim, prejudicada a apreciação da questão suscitada pelo recorrente fixando-se, apenas, como questão a resolver : a (i)naplicabilidade às relações laborais da Lei 38-A/2023, de 02 de agosto.
III – Fundamentação.
Na decisão recorrida, na parte que ora releva, consta o seguinte:
“Estabelece o artigo 6º, da Lei 38-A/2023, de 02 de Agosto, na parte que aqui importa considerar, que são amnistiadas as infracções disciplinares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei, cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.
Analisada a factualidade que nos autos se discute, conclui-se que a sanção disciplinar aplicada ao Autor foi, efectivamente, de suspensão, inexistindo, nos elementos de facto que se apuraram e sustentaram a aplicação de sanção disciplinar, elementos de onde se extraia a existência da prática de um ilícito penal.
Aqui chegados, ponderada a alegação efectuada pela Ré, haverá que relembrar que a amnistia se define, precisamente, como um acto do poder legislativo que perdoa um facto punível, suspende as perseguições e anula as condenações.
Ainda que se trate de uma figura oriunda do direito penal, a verdade é que se não pode afirmar-se existir uma conexão necessária entre amnistia e infracção criminal, definindo-a ou classificando-a como um instituto privativo do direito penal. Desde há muito tempo a amnistia deixou de ser um instituto específico do direito penal, estendendo-se aos direitos sancionatórios conexos, como o direito penal e administrativo e ao direito disciplinar. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 1993, com o número de processo 003366, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
A alegação da Ré - no sentido de que com a presente Lei o Estado reduziu ou anulou penas aplicadas por crimes, coimas correspondentes a contra-ordenações e sanções fundadas em infracções disciplinares praticadas apenas no âmbito da actuação que lhe pertence, dispondo apenas das faculdades sancionatórias que estão na sua disponibilidade, deixando de fora da aplicabilidade da lei toda a matéria laboral que se encontra na titularidade de quem gere empresas - não encontra qualquer sustentação legal.
Na verdade, a lei não estabelece qualquer excepção ao previsto no seu artigo 6º, nele expressamente estipulando que as infracções disciplinares (incluindo a[o]s militares) que não constituam crimes não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar, se encontram, pelo efeito da referida Lei, amnistiadas.
Recorde-se que a amnistia de infracções laborais comuns não constitui uma inovação da presente lei, existindo, precedentes nesta matéria (veja-se, a título de exemplo, o definido pela Lei 16/86, de 11 de Junho).
Acresce que a Constituição da República se limita a atribuir competência à Assembleia da República para conceder amnistias, sem estabelecer qualquer concessão entre essa competência e a sua competência em matéria penal e sem impor qualquer restrição quanto ao âmbito dessa competência, podendo consequentemente, abranger as infracções disciplinares, qualquer que seja o seu tipo. – Idem.
Nenhuma norma constitucional ou princípio da mesma natureza garante à empresa, como reserva absoluta, o exercício do poder disciplinar sobre os trabalhadores.
Assim sendo, considerando que a Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, não definiu qualquer requisito adicional, quanto às infracções disciplinares, para além de terem que ter sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, não poderem ser punidas com sanção superior a suspensão e não constituírem ilícitos penais não amnistiáveis, conclui-se que a referida amnistia se revela aplicável aos presentes autos.
No que respeita à alegação do Autor, cumpre referir que, significando a Amnistia esquecimento, apagamento dos efeitos jurídicos da infracção, esta actua sobre a própria infracção cometida, eliminando todos os efeitos da infracção.
Como lei do esquecimento, a amnistia apaga juridicamente a infracção, destrói os seus efeitos retroactivamente e, se não pode destruir aqueles que já se produziram e são indestrutíveis, faz desaparecer todos aqueles cuja acção persiste quando a lei amnistiante se publicou. – Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 58, página 91, apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 1993, com o número de processo 003366.
Face ao supra referido e ao assim estabelecido, temos que, ao julgar a aplicabilidade da lei da amnistia aos autos e decidindo pela inutilidade superveniente da lide, tudo o demais peticionado, por intrinsecamente ligado e dependente da apreciação da sanção disciplinar em si mesma, se mostra prejudicado ( cfr. artigo 608º, n.º2, do Código de Processo Civil).
*
Tudo ponderado, estando a aplicação da lei atribuída ao juiz do julgamento (cfr. artigo 14º, da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto) e inserindo-se a infracção disciplinar nos parâmetros definidos pelos artigos 2º, n.º2, alínea b) e 6º, da referida Lei, em conformidade com o assim preceituado , declara-se amnistiada a infracção disciplinar alegadamente cometida pelo aqui Autor.
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Em face do assim decidido, julga-se extinta, por inutilidade superveniente da lide, a presente lide.”
Apreciando.
A questão a decidir, no âmbito do presente recurso, prende-se com a aplicabilidade da Lei 38-A/2003, de 2 de agosto às infrações de natureza disciplinar.
E, adiantando, desde já, a nossa resposta a esta questão é a de entendemos que a Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, lei que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, não abrange no seu âmbito as infrações disciplinares laborais praticadas por trabalhadores vinculados a empregadores privados, o que já vem sendo decidido por esta Relação.
No acórdão proferido no processo n.º 778/23.3T8PDL-A.L1, este disponível em http://www.dgsi.pt, pode ler-se no sumário que:
- ”A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto (estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude), não abrange no seu âmbito as infracções disciplinares laborais praticadas por trabalhadores vinculados a empregadores privados”.
No sumário do acórdão, proferido no processo n.º10517/23.3T8LSB.L1, não publicado, refere-se que:
O Estado não tem legitimidade, no atual quadro jurídico-politico e constitucional, para dispor, por via legislativa, do exercício do poder disciplinar de entidades que não fazem parte do mesmo e que exercem um poder disciplinar que é delas e não do Estado. Consequentemente, a Lei 38-A/2’23, de 2/08 ( lei da amnistia) não é aplicável às infrações laboaris de direito privado”.
No sumário do acórdão, proferido no processo n.º 25741/23.0T8LSB.L1, não publicado, refere-se que:
“A contemplada no art. 6º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, não logra aplicação às infrações disciplinares laborais de direito privado.
No sumário do acórdão, proferido no processo n.º 28038/23.2T8LSB.L1, não publicado, refere-se que:
“ (…)
3- A Lei da Amnistia – Lei 38-A/23, de 2/08- não é aplicável no âmbito do poder disciplinar de cariz privado.
(…).”
E, ainda, no processo n.º 27097/21.7T8LSB.L1 citado pela Exma Procuradora Adjunta, no seu douto Parecer, também foi decidido que a Lei 38/A, de 2/08 de 2023 não tem aplicação às infrações disciplinares laborais praticadas por trabalhadores vinculados a empregadores privados.
A Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto (Lei da Amnistia) estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (artigos 15.º e 1.º).
Nos termos do artigo 2.º da referida Lei:
“1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º
2 - Estão igualmente abrangidas pela presente lei as:
a) Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º;
b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º
Sob a epígrafe “Amnistia de infrações disciplinares e infrações disciplinares militares” estatui o artigo 6.º da mesma Lei que “São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.”
Reconhece-se que nem no art. 2º, n.º 2 al b) nem o art. 6º da citada Lei esclarecem sobre a natureza das infrações disciplinares.
Mas como se pode ler no citado acórdão proferido no processo n-º 778/23.3T8PDL.A.L1 “ a interpretação de que o artigo 2.º n.º 2 al. b) da Lei da Amnistia quando refere “infracções disciplinares” está a incluir os ilícitos de natureza laboral praticados por trabalhadores vinculados a empregadores privados, para além de esvaziar o poder disciplinar do empregador sem, em simultâneo, alterar o Código do Trabalho na parte relativa àquele poder, representaria uma intromissão por parte do Estado na gestão e organização das empresas privadas, não permitida por chocar com o direito à livre iniciativa, à liberdade de iniciativa e de organização empresarial e com o princípio de que o Estado só pode intervir na gestão de empresas privadas a título transitório, nos casos expressamente previstos na lei e, em regra, mediante prévia decisão judicial, consagrados nos artigos 61.º n.º 1, 80.º al. c) e 82.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, (…).”
Ou seja, o Estado não pode interferir num direito que não dispõe e que pertence ao poder disciplinar dos empregadores privados.
No caso dos autos, tendo sido aplicada ao trabalhador/recorrente pela ré/recorrida empregadora privada, a sanção disciplinar de 30 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade , não pode esta sanção ser abrangida pela Lei da Amnistia devendo os autos prosseguir os seus termos.
E, assim, se concluindo, no sentido de que a Lei n.º 38-A /2023, de 2 de agosto (Lei da Amnistia)não abrange as infrações disciplinares laborais praticadas por trabalhadores vinculados a empregadores privados, terá o recurso que ser julgado procedente, com a consequente revogação da decisão recorrida.

IV- Decisão:
Termos em que se acorda conceder provimento à apelação e revogar a decisão recorrida, devendo a Mmª Juiz a quo providenciar pela prossecução dos autos.
Sem custas.

Lisboa, 26 de março de 2025
Alexandra Lage
Francisca Mendes
Alda Martins.
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1. O autor veio intentar ação ao abrigo do artigo 170º do CPT. Por despacho de 22.01.2024, com a ref.ª citius foi reconhecida a existência de erro na forma do processo e convolada em ação de processo comum.