CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
ESCOLHA PELO TRABALHADOR
CRÉDITO POR FORMAÇÃO PROFISSIONAL NÃO PRESTADA
Sumário

I - É recorrível a decisão que, considerando o montante do vencido na ação e na reconvenção, ultrapassa metade da alçada do Tribunal recorrido.
II - Tendo a trabalhadora efetuado a escolha do instrumento de regulamentação colectiva aplicável nos termos do disposto no art.º 497, n.º 1, do CT, a sua aplicação mantém-se até ao final da vigência do instrumento ou, se este ocorrer primeiro, do prazo de 15 meses.
III - O crédito retributivo de horas de formação é um efeito da cessação do contrato de trabalho no direito de formação do trabalhador e é calculado tendo em conta o valor da retribuição deste à data da cessação do vínculo laboral.

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.
A) Autora (A.): AA.
Ré (designada por R.) e recorrente: BB.
A A. alegou que a Ré, que desenvolve a sua atividade na área da educação pré-escolar, celebrou com ela sucessivos contratos de trabalho, sendo o primeiro em 01.09.2016, a termo incerto, a que se seguiu outro a termo certo, objeto de aditamento e que teve ultima renovação em 31.08.2018, com início a 01-09-2018 e termo em 06-10-2019, por via dos quais exerceu as funções de Professora do 1º ciclo, auferindo a remuneração base de € 1.549,50, nunca sendo sindicalizada; em 17 de setembro de 2021 denunciou o seu contrato de trabalho; a Ré não lhe pagou os seguintes créditos salariais: € 878,05 de proporcional da remuneração base; € 1.106,34 de proporcional do subsídio de Natal; € 1.599,36 de remunerações referentes a férias não gozadas até à cessação do contrato de trabalho; € 1.106,34 de proporcional do subsídio de férias; a Ré nunca lhe proporcionou qualquer formação profissional; após a cessação do vínculo laboral a Ré declarou à Segurança Social o pagamento de € 5.307,89, mas não recebeu qualquer valor; as trabalhadoras CC e DD, que também exerciam funções na categoria de Professora do 1.º ciclo auferiam um prémio de produtividade, variando entre os € 24,00 e os € 90,00 mensais, que a Ré não lhe pagava a ela, violando o princípio da igualdade salarial.
Fundamentos pelos quais pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe:
- € 878,05 de proporcional da remuneração base;
- € 1.106,34 de proporcional do subsídio de Natal;
- € 1.599,36 de remunerações referentes a férias não gozadas até à cessação do contrato de trabalho;
- € 1.106,34 de proporcional do subsídio de férias;
- € 2.452,80 de retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação não proporcionado;
- diferenças salariais resultantes da violação do princípio da igualdade salarial, incluindo os proporcionais referentes ao subsídio de Natal e subsídio de férias;
- juros de mora vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento e custas de parte.
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Não havendo acordo, a ré apresentou contestação e reconvenção, invocando a compensação dos créditos reclamados pela Autora com o valor da indemnização no valor de € 5.578,20, por falta do pré-aviso de 120 dias previsto no artigo 51º-A do Contrato coletivo entre a CNEF e a FNE, publicado em BTE nº 31/2017, com as alterações constantes dos BTE n.º 32/2020 e n.º 37/2021, aplicável à relação laboral por declaração da A., ao qual acresce o valor dos descontos legais já efetuados para IRS e Segurança Social sobre os créditos peticionados pela A., no valor de €1.343,91; a caducidade dos créditos de horas para formação anteriores aos últimos 3 anos nos termos do artigo 132º, nº 6, do Código do Trabalho, sustentando serem apenas devidos os valores correspondentes aos últimos 3 anos, descontados os relativos 5 horas de formação que foi ministrada à Autora em 2019; alegando que o prémio de produtividade constitui uma forma de distinguir e recompensar os trabalhadores que de alguma maneira se destacam ou superam as exigências decorrentes da realização normal das suas tarefas, estando dependente da avaliação do desempenho do trabalhador, que no caso da Autora não determinou a sua atribuição.
Pediu a final a improcedência da ação, a procedência das exceções da compensação e da caducidade, absolvendo-a do pedido, bem como a procedência da reconvenção, condenando-se a A. a pagar-lhe a quantia de € 1.226,43.
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A Autora respondeu às exceções, pugnando pela sua improcedência, alegando, em síntese, que o CCT publicado em BTE nº 31/2017, invocado pela Ré para sustentar o prazo de pré-aviso que alega que devia ter sido cumprido, caducou em 22.08.2018, pelo que à data da denúncia já não se encontrava vinculada ao mesmo e a norma invocada pela Ré só foi aditada pelas alterações posteriores do CCT, ás quais não aderiu; a Ré nunca cumpriu com o seu dever de informação relativamente aos prazos de aviso prévio a observar e de que agora se pretende prevalecer; o crédito de retribuição por falta de formação não caduca, encontrando-se apenas sujeito ao prazo de prescrição previsto no artigo 337º do Código do Trabalho.
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Decidindo, o Tribunal julgou a ação nos seguintes termos:
“Julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia líquida de € 247,18 (duzentos e quarenta e sete euros e dezoito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 17.09.2021 e vincendos até integral pagamento (correspondente ao pagamento das retribuições referentes a: (i) proporcional da remuneração base de setembro de 2021, no valor ilíquido de € 878,05; (ii) proporcional do subsídio de Natal no valor ilíquido de € 1.106,34; (iii) retribuições por férias não gozadas no valor ilíquido de € 1.599,36; e (iv) proporcional do subsídio de férias, no valor ilíquido de € 1.106,34; compensadas com a indemnização devida pela Autora à Ré pela inobservância do aviso prévio de denúncia do contrato de trabalho, no valor de € 3.099,00; e deduzidas dos valores respeitantes aos descontos a elas respeitantes para IRS e Segurança Social, já efetuados pela Ré, no valor global de € 1.343,91);
b) Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia ilíquida de € 1.854,42 (mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos) a título de retribuição por formação profissional não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 17.09.2021 e vincendos até integral pagamento;
c) Absolvo a Ré do mais peticionado pela Autora;
2) Julgo a reconvenção improcedente e, em consequência, absolvo a Autora do pedido reconvencional;
3) Condeno a Autora e a Ré no pagamento das custas do processo na proporção dos respetivos decaimentos”.
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Inconformada, a R. recorreu, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
1ª As alterações ao CCT publicado no BTE nº 31/2017, constantes dos BTE n.º 32/2020 e n.º 37/2021, não consubstanciaram novos IRCT, como decidiu o douto despacho saneador, limitando-se, em ambos os casos, à revisão das tabelas salariais «do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a Confederação Nacional da Educação e Formação (CNEF) e a FNE - Federação Nacional da Educação e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 31, de 22 de agosto de 2017», e, no segundo caso também à consolidação do texto do CCT.
2ª A Recorrente alegou no artigo 13º da sua contestação que, em virtude da adesão ao CCT, a Autora beneficiou da progressão na carreira constante dessa Convenção Colectiva, tendo progredido de escalão em 01/09/2018, facto este que não foi impugnado pela Autora, nem na sua réplica, nem posteriormente, tendo tido para isso oportunidade.
3ª Caso não fosse aplicável o artigo 51º-A, introduzido à Convenção na revisão do CCT publicada no BTE nº 32, de 29/8/2020, respeitante ao prazo de denúncia pelo trabalhador, também não o seriam as disposições sobre progressões na carreira e tabela salarial, de que a Autora efectivamente beneficiou.
4ª A expressão legal “até ao final da sua vigência” inclui a totalidade do período temporal da convenção e não apenas a vigência em sentido estrito; essa interpretação, além da diferença de redação assinalada, resulta também da articulação dos nºs 2 e 4 do art.º 497º, pois se aquele número não incluísse a vigência em sentido amplo, então o nº 4 perderia sentido, uma vez que, apesar de haver revogação, a consequência temporal seria a mesma. E, assim, enquanto o nº 2 do artigo 497º se refere à vigência integral da convenção, o nº4 permite que, através da revogação da escolha, o trabalhador encurte o prazo de aplicação convencional, sendo a situação regulada nos mesmos termos da desfiliação (art.º 496º, nº 4, por força do art.º 497º, nº4).
5ª A norma aplicável ao caso sub judice, é a do artigo 497.º do C.T. na redação da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, segundo a qual a adesão da trabalhadora ao CCT se manteve por todo o período de vigência da convenção, implicando que o prazo de aviso prévio de denúncia do contrato de trabalho, no caso da trabalhadora, era de 120 dias.
6ª Para calcular o valor das horas de formação não proporcionada, teria a Recorrida que alegar qual o valor da sua retribuição em cada um desses anos, o que não fez.
7ª Desconhecendo-se nos autos o valor da retribuição da Autora em cada um dos anos de 2016 a 2021, limitando-se ela a indicar um valor fixo de crédito salarial para cada um desses anos, calculado apenas com base na retribuição ultimamente auferida, não estava o Tribunal em condições de calcular o valor da retribuição horária, nos termos do disposto no art.º 271º do Código do Trabalho, nem, consequentemente, o valor do crédito de formação.
8ª A douta decisão recorrida violou, assim, as normas dos art.º 400º, nº 2, do C.T. e 51º-A, do CCT entre a CNEF e a FNE, publicado no BTE nº 31/2017, introduzido à Convenção na revisão publicada no BTE nº 32, de 29/8/2020, 497.º do C.T., na redação da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro e 134º do C.T.
Impetra afinal que se revogue o despacho saneador, se julgue procedente por provado o pedido reconvencional e se condene a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de € 1.226,43.
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A A. contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso,
1. Nos presentes autos não está em causa matéria que admita sempre recurso (Cfr. art.º 79º do CPT), nem estamos perante situações que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, admitam sempre recurso. Cfr. art.º 629º, n.ºs 2 e 3 do CPC.
2. Aplica-se assim a regra segundo a qual: “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (...)”. Cfr. art.º 629º, n.º 1 do CPC.
3. Aquela previsão tem cariz cumulativo, i.e., o recurso ordinário só é admissível se: a causa tiver valor superior à alçada da 1ª instância (5.000,01€); e (condição adicional, sine qua non) a decisão em apreço for desvantajosa em valor superior a metade da alçada da 1ª instância (2.500,00€).
4. A sentença condenou a Recorrente a pagar à Recorrida: 247,18€ (ilíquidos) mais juros, desde 17.09.2021 (até efectivo e integral pagamento); 1.854,42€ (ilíquidos) mais juros, desde 17.09.2021 (até efectivo e integral pagamento); motivo pelo qual a condenação total é de 2.303,81€.
5. O recurso da Recorrente deve assim ser liminarmente indeferido (Cfr. art.º 641º, n.º 2, al. a) do CPC, face ao disposto nos art.º 629º, n.º 1, 2 e 3 do mesmo diploma legal e art.º 79º do CPT) ou, caso assim não se entenda, sem conceder, o objecto do recurso não deverá, sequer, ser conhecido, à luz do disposto no art.º 655.º, n.º 1 do CPC.
6. Sem prejuízo do exposto, a Recorrente entende que o Tribunal a quo violou as normas dos art.ºs 400.º, n.º 2, do CT, 51.º-A do CCT [entre a CNEF e a FNE – Cfr. BTE n.º 31/2017 introduzido à Convenção na revisão publicada no BTE n.º 32, de 29/8/2020, 497º do CT (na redação da Lei n.º 7/2009, de 12.02 e 134.º do CT)].
7. Porém, resulta do n.º 1 do art.º 496º do CT que a convenção colectiva obriga (para além do empregador) os trabalhadores que sejam membros de associação sindical celebrante, o que nunca foi o caso da Recorrida.
8. Conforme é constatável pela análise do Doc. 1 junto com a contestação, Recorrida declarou unicamente pretender ter os benefícios e as obrigações decorrentes do CCT de 2017, i.e. do instrumento publicado em 22.08.2017.
9. Dispunha o n.º 1 do art.º 2º daquele instrumento que «A presente convenção entra em vigor cinco dias após a sua publicação no Boletim do Trabalho e Emprego ou em 31 de agosto de 2017, consoante o que se verificar primeiro, e vigorará pelo prazo de um ano...».
10. Segundo o n.º 3 do art.º 497º do CT a aplicação da convenção mantém-se até ao final da sua vigência, sendo que, in casu, a publicação em causa ocorreu a 22.08.2017, vigorando assim até 22.08.2018, sem que a Recorrida tenha subscrito qualquer documento posterior àquela data, a respeito da sua (re)adesão àquele instrumento.
11. A denuncia do contrato de trabalho ocorreu bem após 22.08.2018, ou seja, em momento em que a Recorrida já não se encontrava vinculada ao referido instrumento.
12. Para além do exposto, o documento subscrito pela Recorrida concretizava a adesão a um instrumento de cuja versão inicial não constava qualquer previsão específica de prazo de denúncia distinto do previsto no art.º 400º do CT, sendo que quando cessou a vigência daquele instrumento (em 22.08.2018), inexistia a previsão do art.º 51º-A, só posteriormente aditada. Cfr. art.º 6º da contestação.
13. E quando a A. aderiu àquele instrumento (em 2017) também não existia a previsão do art.º 51º-A, só posteriormente aditada. Cfr. art.º 6º da contestação.
14. O contrato de trabalho e a relação laboral está subordinada à boa-fé das partes - cfr. art.º 1º e 102º do CT.
15. Em especial: «O empregador deve prestar ao trabalhador, pelo menos, as seguintes informações: (i) Os prazos de aviso prévio a observar pelo empregador e pelo trabalhador para a cessação do contrato, ou o critério para a sua determinação». Cfr. al. g) do n.º 3 do art.º 106º do CT; (ii) «O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, se houver». Cfr. al. l) do n.º 3 do art.º 106º do CT.
16. O Doc. 1 junto com a contestação não revela que a Recorrente tenha – mormente, mediante aquele documento – prestado à Recorrida qualquer informação sobre os prazos de aviso prévio a observar (nem o critério da sua determinação), dos quais se pretendeu prevalecer.
17. A Recorrente também não alegou na sua contestação que tenha prestado à Recorrida qualquer informação sobre os prazos de aviso prévio a observar (nem o critério da sua determinação).
18. Dispõe o n.º 4 do art.º 106º do CT que a informação sobre os elementos referidos nas alíneas f) a i) do número anterior pode ser substituída por referência, escrita (Cfr. n.º 1 do art.º 107º do CT) às disposições pertinentes da lei, do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável ou do regulamento interno de empresa, o que também não se verificou no caso em apreço.
19. A Recorrida não foi – em momento algum – informada pela Recorrente (conforme lhe competia) a respeito dos prazos de aviso prévio (distintos dos consagrados no n.º 1 do art.º 400º do CT) a observar para a cessação do contrato (supostamente decorrentes do CT alegado na contestação), ou o critério para a sua determinação (Cfr. al. g) do n.º 3 do art.º 106º do CT) nem sobre o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável. Cfr. al. l) do n.º 3 do art.º 106º do CT.
20. A Recorrida aderiu unicamente ao CT que vigorou até 22.08.2018, inexistindo até então a previsão do art.º 51º-A, só posteriormente aditada. Cfr. art.º 6º da contestação.
Remata pedindo que o recurso da Recorrente seja liminarmente indeferido (Cfr. artigo 641º, n.º 2, al. a) do CPC, face ao disposto nos art.ºs 629º, n.º 1, 2 e 3 do mesmo diploma legal e art.º 79º do CPT) ou, sem conceder, caso assim não se entenda, o objecto do recurso não seja sequer conhecido, à luz do disposto no art.º 655.º, n.º 1 do CPC, e que, caso se aprecie o recurso interposto, seja julgado improcedente, mantendo-se válida a decisão do Tribunal a quo.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objeto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e excetuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, se a condenação da ré no pagamento das retribuições fixadas em a e dos créditos por formação profissional, bem como a absolvição da da autora do pedido reconvencional está correta face designadamente ao IRCT aplicável.
Previamente, cumpre sindicar a recorribilidade da decisão.
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O Ministério Público emitiu parecer.
As partes não responderam.
Foram colhidos os vistos legais.
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Da recorribilidade da decisão
É sabido que a faculdade de recorrer depende, de ordinário, da existência de dois fatores: um, que a ação seja de valor superior à alçada do Tribunal recorrido, o que no caso da 1ª instância é de 5.000,00 € (art.º 44, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, dita da Organização do Sistema Judiciário, LOSJ); outro, que o valor da sucumbência – a parte em que a decisão foi desfavorável para o recorrente - seja superior a metade da alçada do tribunal recorrido (art.º 629, n.º 1, Código de Processo Civil).
De ordinário, dizemos, porque logo os n.º 2 e 3 seguintes consagram casos especiais ou mesmo exceções, em que é possível recorrer sem esses dois pressupostos, o mesmo acontecendo com o próprio Código de Processo do Trabalho no art.º 79.
Não estamos, porém, perante qualquer situação especial em que é possível recorrer independentemente destes fatores.
De todo o modo, o valor da causa fixado a final é de 8.557,97 €, correspondente a 7331,54 € da ação e 1226,43 € da reconvenção, pelo que o valor da ação permite o recurso.
Todavia, embora a recorrente tenha sido condenada a pagar um montante inferior a 2500,00 € (tendo em conta compensação e deduções, 1854,42 € + 247,18 €), a sua sucumbência ultrapassa este montante, porquanto a reconvenção (no valor de 1.226,43 €), cuja decisão a recorrente também impugna, foi julgada improcedente.
O recurso é, portanto, admissível.
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Factos assentes:
1) A Ré desenvolve a sua atividade na área da educação pré-escolar;
2) Em 01.09.2016 a Ré celebrou com a Autora um contrato de trabalho intitulado “a termo incerto”;
3) Em 07.10.2016 a Ré celebrou com a Autora um aditamento ao contrato de trabalho, passando a denominar-se a “termo certo”, com a duração de 10 (dez) meses e 25 (vinte e cinco) dias, com início a 07.10.2016 e termo em 31.08.2017;
4) Em 28.08.2017 a Ré celebrou com a Autora um novo aditamento ao contrato de trabalho, com a duração de 12 (doze) meses, com início a 01.09.2017 e termo em 31.08.2018;
5) Em 31.08.2018 a Ré renovou por mais 13 (treze) meses e 6 (seis) dias o contrato de trabalho com a Autora, com início a 01-09-2018 e termo em 06-10-2019;
6) A Autora (que nunca esteve sindicalizada) exerceu sempre as funções de Professora do 1º ciclo junto da Ré;
7) A Autora auferia, a título de remuneração base, o montante de €1.549,50;
8) Em 17 de Setembro de 2021 a Autora denunciou o seu contrato de trabalho, com efeitos nessa mesma data;
9) As trabalhadoras da Ré, CC e DD, exerciam funções idênticas às da Autora, também na categoria de Professora do 1.º ciclo e auferiam um prémio de produtividade que variava entre os €24,00 e os €90,00 mensais;
10) Em data não determinada do mês de outubro de 2017, a Autora subscreveu uma declaração com o seguinte teor: “Pretendo ter os benefícios bem como as obrigações subjacentes ao Contrato Coletivo de Trabalho de 2017 sem aderir formalmente ao mesmo, ou seja, sem me sindicalizar ou pagar a quota de 0,5%, enquanto este vigorar.”
11) A Ré processou o recibo de retribuição da Autora relativo ao mês de setembro de 2021, apurando um saldo negativo de - €2.232,02, por nele ter consignado simultaneamente, os seguintes créditos / abonos (no valor global de €4.690,09) e descontos (no valor global de €6.922,11):

créditos / abonosdescontos
Vencimento€ 878,05
Sub Ferias prop.€ 1.106,34
Ferias Não Goz Prop€ 1.106,34
Ferias N/ Goz CFinal€ 493,02
Subs Natal Prop€ 1.106,34
Segurança Social€ 515,91
Falta av. prévio€ 5.578,20
IRS Sub Ferias€ 137,00
IRS Subs Natal€ 137,00
IRS€ 554,00
12) A Ré ministrou 5 horas de formação à Autora em 2019.
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De Direito
1. Do período de pré-aviso para denúncia do contrato de trabalho
A sentença considerou que a autora estava obrigada a observar apenas o prazo de denúncia de 60 dias.
A R. defende que as alterações ao CCT publicado no BT e 31/2017 (que constam no BTE n.º 32/2020 e 37/2021) apenas consagram revisões de tabelas salariais, não sendo novos CCT, sendo aplicável o art.º 51-A introduzido na revisão do CCT publicada no BTE n.º 32, de onde resulta um prazo de pré-aviso para a denúncia do contrato de trabalho de 120 dias. Acresce que nos termos do disposto no art.º 497 do Código do Trabalho, na redação de 2009, aqui aplicável, a decisão da trabalhadora de aderir ao CCT escolhido mantém-se por todo o período de vigência do mesmo.
Entendeu a sentença recorrida que
“Dos autos não resulta - sendo que a Ré sequer o alegou e a Autora negou-o – que a Autora alguma vez tivesse manifestado qualquer intenção de lhe serem aplicadas as suprarreferidas alterações que foram posteriormente introduzidas ao CCT/2017, pelo que, ao contrário que que sustenta a Ré, não lhe passaram a ser também aplicáveis a alterações introduzidas por estes novos CCT publicadas no BTE n.º 32, de 29/8/2018, no BTE n.º 32, de 29/8/2020 e no BTE n.º 37, de 08/10/2021, por mero efeito da subscrição da declaração reproduzida no ponto 10) dos factos provados.
Efetivamente, as alterações introduzidas pelos BTE n.º 32, de 29/8/2018, BTE n.º 32, de 29/8/2020 e BTE n.º 37, de 08/10/2021 consubstanciam novos IRCT, que não são automaticamente aplicáveis sem manifestação da vontade da sua aplicação pelo trabalhador.
Mas, por hipótese de raciocínio, mesmo que se aceitasse que a declaração de aplicabilidade de uma determinada CCT, nos termos do disposto no art.º 497º do Código do Trabalho, abrangeria a aplicabilidade das revisões que lhe são introduzidas por se entender que no fundo ainda assim estaria em causa a mesma convenção coletiva – o que não se admite – no caso em apreço, à data da denúncia do contrato de trabalho sempre já não seria aplicável a convenção em apreço, por força do disposto no art.º 497º, n.º 3, do Código do Trabalho, que define o limite de 15 meses para a aplicabilidade da convenção escolhida pelo trabalhador.
Na verdade, mesmo tendo presente que, como notou a Ré, tal norma resulta da redação introduzida pela Lei n.º 93/2019, de 04/09, que entrou em vigor em 01.10.2019, e que a redação anterior não previa esse limite temporal máximo de aplicabilidade da convenção escolhida, no limite, sempre se teria pelo menos de concluir que decorridos 15 meses da entrada em vigor desta nova redação do art.º 497º, n.º 3, do Código do Trabalho, ou seja, em 01.01.2021, teria de cessar a aplicabilidade da convenção por aplicação dessa norma, pelo que nunca poderia tal CCT ser aplicável à data da denúncia do contrato de trabalho, ou seja, em 17.09.2021.
Desta forma a Autora estava obrigada a cumprir apenas o período de pré-aviso definido no artigo 400º, n.º 1, do Código do Trabalho, ou seja, 60 dias, tendo em conta que à data dos factos o seu contrato de trabalho já seria um contrato de trabalho sem termo (pois que já tinha sido atingido o número admissível de renovações do contrato a termo e manteve-se ao serviço da Ré após o termo definido na última renovação, cfr. artigo 147º, n.º 2, al. b), e 148º do Código do Trabalho) e a sua antiguidade”.
Vejamos.
De acordo com o princípio da filiação (art.º 496, n.º 1, do CT), “a Convenção coletiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao serviço que sejam membros de associação sindical celebrante”.
Dos n.º 6, 8 e 10 dos factos provados resulta que a autora nunca esteve sindicalizada, mas em outubro de 2017subscreveu uma declaração declarando pretender “ter os benefícios bem como as obrigações subjacentes ao contrato coletivo de trabalho de 2017, sem aderir formalmente ao mesmo, ou seja, sem me sindicalizar ou pagar a quota de 0,5 % enquanto este vigorar”; e que em 17/09/2021 denunciou o seu contrato de trabalho com efeitos nessa mesma data.
De harmonia com o disposto no art.º 497, n.º 1, do CT, “Caso sejam aplicáveis, no âmbito de uma empresa, uma ou mais convenções coletivas ou decisões arbitrais, o trabalhador que não seja filiado em qualquer associação sindical pode escolher qual daqueles instrumentos lhe passa a ser aplicável, desde que o mesmo se integre e no setor da atividade, profissional e geopolítico do instrumento escolhido.”
Daqui resulta que o IRCT era-lhe aplicável apenas na medida a autora a ele aderiu.
Mas neste caso aplica-se necessariamente o disposto no n.º 3 no art.º 497, que estipula que “a aplicação da Convenção nos termos do n.º 1 mantém-se até ao final da sua vigência, com o limite de 15 meses”.
Como refere Gonçalves da Silva, no Código do Trabalho Anotado, VVAA, 13ª ed., Almedina, 2020, nota VI ao art.º 497, “Realizada a opção, o trabalhador fica vinculado até ao termo da vigência do instrumento (tenha ou não prazo), impondo-se agora o limite de 15 meses (n.º 3), o que significa que no primeiro dos dois momentos cessará a aplicação da convenção ao trabalhador em causa”.
Esta é efetivamente a interpretação que cabe fazer do n.º 3 (e nem adianta entrar em considerações nomeadamente relativas à ratio do preceito, que salvo o devido respeito saltam à vista, se tivermos em conta a proteção da lei à autonomia negocial dos trabalhadores): tendo o trabalhador emitido declaração nos termos do art.º 497, n.º 1, do CT, tem 15 meses para decidir qual a opção a tomar definitivamente, seja aderir a determinada associação sindical seja revogar a escolha. O que a lei não pretende é que o trabalhador possa permanentemente auferir as vantagens sem ter qualquer ligação com a entidade sindical, não suportando pois qualquer desvantagem. E isto de algum modo ainda no interesse dos próprios trabalhadores, já que de outra forma estar-se-ia a promover condutas porventura contrárias ao associativismo sindical.
No caso, tendo decorrido o aludido prazo de 15 meses, é certo que já não podia ser aplicado o disposto no IRCT, tal como equacionou a sentença, não colhendo, pois, a argumentação da ré.
Logo, o prazo de pré-aviso para a denúncia aplicável é aquele que a sentença recorrida refere (60 dias, ex vi art.º 400, n.º 1, do CT) e não de 120 dias, uma vez que o dito IRCT já não era aplicável
Pelo que improcede esta questão.
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Do valor das horas de formação não proporcionada.
Insurge-se a ré considerando que, de todo o modo, a recorrida teria de alegar o valor da sua retribuição horária em cada um dos anos de 2016 a 2021 para se poder calcular o valor das horas de formação não proporcionadas e o valor do crédito de formação.
Prevê o art.º 134 do CT que com a cessação do contrato de trabalho o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, o crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação.
Através deste preceito a lei regula, como resulta da própria epigrafe, o “efeito da cessação do contrato de trabalho no direito da formação”.
Sendo assim, porém, salta à vista que, como nota a Srª Procuradora geral Adjunta em douto parecer, “será assim de proceder o cálculo do mencionado crédito com base na retribuição auferida pelo trabalhador à data da cessação do contrato”.
Efetivamente, o crédito retributivo de horas de formação não ministrada constitui-se e, em qualquer caso, é um efeito da cessação. Consequentemente, não pode corresponder a valores porventura já desatualizados, sob pena de, a final, se frustrar o direito de formação.
Logo, também aqui improcede o recurso.
O que implica que se confirme a decisão recorrida.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente e confirma a decisão recorrida
Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 26 de março de 2025
Sérgio Almeida
Manuela Fialho
Leopoldo Soares