INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
CRÉDITOS LABORAIS
Sumário

1- A lide torna-se supervenientemente inútil quando, por facto ocorrido em momento posterior à sua instauração, deixa de haver necessidade de proferir decisão sobre o litígio por a mesma não produzir qualquer efeito.
2-O não exercício pelo trabalhador da faculdade que lhe é conferida pelo n.º 3 do artigo 98.º-L do Código de Processo do Trabalho não faz precludir o seu direito de peticionar outros créditos laborais emergentes do contrato de trabalho, da sua violação e da sua cessação numa acção declarativa sob a forma de processo comum.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente na ..., propôs acção declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra BB., pessoa colectiva n.º ..., com sede na ... pedindo:
-A condenação da Ré no pagamento da quantia de €32.575,84 a título de créditos laborais e de indemnização por danos morais, acrescida de juros vincendos;
-A condenação da Ré em dar ocupação efectiva ao Autor, permitindo-lhe que entre no estabelecimento e preste trabalho;
-A condenação da Ré em sanção pecuniária compulsória com o valor diário de €200,00 por cada dia em que não dê ocupação efectiva ao Autor na sequência de decisão condenatória transitada em julgado.
Invocou para tanto, em síntese, que presta trabalho para a Ré desde 1 de Novembro de 2022, desempenhando as funções de gerente de loja, detendo a categoria profissional de empregado de balcão, que no dia 7 de Março de 2024, o representante legal da Ré comunicou ao Autor que já não contava com ele profissionalmente, que não deveria se apresentar ao trabalho e que deveria dirigir-se ao contabilista para fazer contas, que, nos dias 8 e 12 de Março, o Autor apresentou-se diariamente ao trabalho, não tendo sido permitida a sua entrada na loja que estava a funcionar com aparente normalidade, que a Ré não lhe pagou o trabalho suplementar prestado nem lhe concedeu o descanso compensatório, no valor de € 9 578,76, que a Ré não lhe pagou a componente variável da sua retribuição no valor de € 12 250,00, não lhe pagou os valores devidos dos subsídios de férias e de Natal, estando em dívida, a esse título, o valor de €1 575,49, que, entre 18 de Setembro e 9 de Outubro de 2023, o Autor gozou 11 dias úteis de férias e em 2022 não gozou férias, sendo credor de 15 dias de férias de 2023 no valor de €971,59 e que o Autor está em pânico, preocupado e inseguro, devendo ser indemnizado por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00
Realizou-se a audiência de partes, à qual faltou a Ré, não se obtendo a conciliação.
A Ré contestou excepcionando a existência de um processo de extinção do posto de trabalho e ter pago ao Autor créditos vencidos a título de salários, férias, subsídios de férias e subsídios de Natal até 31 de Maio de 2024, a compensação devida e créditos de formação tudo no total de 2.796,22 € aos quais descontou €1.900,00, respeitante a material pertencente à Ré, que o Autor fez seu, nomeadamente uma prancha de surf, no valor de €1.600,00 e ainda uma reparação da sua prancha de surf no valor de €300,00 que a Ré suportou.
No mais impugnou os factos articulados pelo Autor e pediu a absolvição do pedido.
O Autor respondeu invocando, além do mais, que, à data da interposição da presente acção, 25 de Abril de 2024, ainda não tinha sido notificado da comunicação de intenção de despedimento junta com a contestação a qual recebeu no dia 29 de Abril de 2024 e requereu, a final, a intervenção principal provocada de CC, representante da Ré, bem como pediu a condenação da Ré como litigante de má fé no pagamento de multa e indemnização no valor de duas unidades de conta.
Em 30.09.2024 foi proferido o seguinte despacho:
“Uma vez que compulsados os autos, e após foi verificado através do citius, se constata que corre termos neste J2 ação especial de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento sob o n.º 4285/24.9T8ALM-A, intentada na sequência e por apenso a procedimento cautelar de suspensão de despedimento (4285/24.9T8ALM), notifique ambas as partes para, querendo, em 5 dias, se pronunciarem quanto a eventual extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Após, conclua de imediato.”
O Autor respondeu invocando que o objecto dos presentes autos não fica prejudicado com o objecto da acção de impugnação de despedimento (processo 4285/24.9T8ALM) e que, pelo contrário, os pedidos de condenação da Ré em quantias certas mantêm a sua pertinência, não tendo os mesmos créditos sido peticionados na acção de impugnação de despedimento, que o pedido relativo à ocupação efectiva também se mantém pertinente, porquanto a Ré continua a não dar trabalho ao Autor, nem a pagar-lhe as remunerações, apesar de condenada no procedimento cautelar que corre por apenso à acção de impugnação de despedimento e que o Autor requereu nos ditos autos de impugnação de despedimento a apensação deste processo.
Concluiu afirmando que inexiste qualquer fundamentação para se considerar ou decidir pela inutilidade superveniente da presente lide, devendo os autos prosseguir os seus termos normais, com ou sem a apensação requerida na acção de impugnação de despedimento.
Em 14.10.2024 foi proferida sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, condenou Autor e Ré nas custas, em partes iguais, fixou o valor da causa em € 32.575,84 e considerou prejudicada a apreciação da requerida apensação.
Inconformado com a sentença, o Autor recorreu e sintetizou as alegações nas seguintes conclusões:
“A. O PRESENTE RECURSO É INTERPOSTO DA DECISÃO PROFERIDA EM 14 DE OUTUBRO DE 2024 QUE JULGOU ESTAR-SE PERANTE SITUAÇÃO DE INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE; E QUE, COMO TAL, ABSOLVEU A RÉ DA INSTÂNCIA; TENDO ADEMAIS AINDA DECIDIDO QUE AS CUSTAS DEVIDAS AOS AUTOS SÃO DEVIDAS EM PARTES IGUAIS PELAS PARTES, TENDO SIDO INVOCADO O DISPOSTO NO ARTIGO 536.º DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC).
B. O AUTOR, CONTUDO E COM O DEVIDO RESPEITO, DISCORDA DE TODOS OS SEGMENTOS DECISÓRIOS ORA EM APRECIAÇÃO, ENTENDENDO QUE INEXISTEM OS PRESSUPOSTOS DE FACTO ENTÃO CONSIDERADOS; QUE A DECISÃO FOI TOMADA COM INVOCAÇÃO DE NORMAS JURÍDICAS SEM QUALQUER NEXO COM O DECIDIDO; QUE SE CONFUNDIU PEDIDO DE APENSAÇÃO FORMULADO NOUTROS AUTOS; E QUE A DECISÃO CONTÉM UM ENTENDIMENTO GRAVEMENTE INCORRECTO SOBRE O QUE SEJA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, TENDO CONFUNDIDO CRÉDITOS LABORAIS ORDINÁRIOS COM CRÉDITOS E INDEMNIZAÇÕES DEVIDOS OU NÃO EM VIRTUDE DA DECLARAÇÃO DA ILICITUDE DE DESPEDIMENTO.
C. O AUTOR/RECORRENTE ENTENDE QUE FORAM DESRESPEITADAS AS SEGUINTES NORMAS JURÍDICAS:
D. DIREITO A TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA EM PRAZO RAZOÁVEL, PREVISTO NO ARTIGO 2.º DO CPC E AINDA EM: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (ARTIGOS 1.º, 7.º, 8.º E 10.º); CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (ARTIGO 13.º); E CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE PORTUGAL (ARTIGOS 1.º E 20.º). REGIME JURÍDICO DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, PREVISTO NO ARTIGO 277.º, ALÍNEA E), DO CPC; REGIME JURÍDICO DA APENSAÇÃO, PREVISTO NO ARTIGO 267.º DO CPC; REGIME JURÍDICO DE REPARTIÇÃO DE CUSTAS EM CASO DE INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, PREVISTO NO ARTIGO 536.º DO CPC.
E. NOS PRESENTES AUTOS DE PROCESSO COMUM, INTERPOSTOS NO DIA 25 DE ABRIL DE 2024, O AUTOR FORMULOU CONTRA A RÉ OS SEGUINTES PEDIDOS:
A CONDENAÇÃO DA RÉ NO PAGAMENTO DA QUANTIA DE € 32.575,84 A TÍTULO DE CRÉDITOS LABORAIS E DE INDEMNIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ACRESCIDA DE JUROS VINCENDOS;
A CONDENAÇÃO DA RÉ EM DAR OCUPAÇÃO EFECTIVA AO AUTOR, PERMITINDO-LHE QUE ENTRE NO ESTABELECIMENTO E PRESTE TRABALHO;
A CONDENAÇÃO DA RÉ EM SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA COM O VALOR DIÁRIO DE € 200,00 POR CADA DIA EM QUE NÃO DÊ OCUPAÇÃO EFECTIVA AO AUTOR NA SEQUÊNCIA DE DECISÃO CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO;
F. OS DANOS MORAIS DIZEM RESPEITO A CAUSA DE PEDIR RELACIONADA COM ALEGADA VIOLAÇÃO DO DEVER DE OCUPAÇÃO EFECTIVA, ESTANDO A MESMA ALEGADA NOS ARTIGOS 18.º A 26.º E 47.º A 49.º DA PETIÇÃO; E OS PEDIDOS DE CRÉDITOS ESTÃO RELACIONADAS COM CAUSAS DE PEDIR ALEGADAS NO PETITÓRIO, A SABER: TRABALHO SUPLEMENTAR NOS ARTIGOS 27.º A 38.º; DÍVIDA CAMPANHA COMERCIAL NOS ARTIGOS 11.º A 15.º; REMUNERAÇÕES DE FÉRIAS E DE SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL NOS ARTIGOS 42.º A 46.
G. O AUTOR FOI ALVO DE DESPEDIMENTO PELA RÉ EM 31 DE MAIO DE 2024, TENDO O MESMO SIDO SUSPENSO NA SEQUÊNCIA DO DECRETAMENTO DE PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE DESPEDIMENTO, QUE TRANSITOU EM JULGADO POR FALTA DE RECURSO, E QUE CORRE SOB O NÚMERO DE PROCESSO 4285/24.9T8ALM PELO JUIZ 2 DO TRABALHO DE ALMADA.
H. NA SEQUÊNCIA DESSA PROVIDÊNCIA CAUTELAR, O AUTOR APRESENTOU ARTICULADO DE TRABALHADOR NA CORRESPECTIVA ACÇÃO PRINCIPAL DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO NO DIA 28 DE JULHO DE 2024, TENDO PETICIONADO:
I. A APENSAÇÃO DESTES AUTOS AO DITO PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS CONSTANTES DOS RESPECTIVOS ARTIGOS 10.º A 36.º DAQUELE ARTICULADO;
J. E, A FINAL, FORMULOU OS SEGUINTES PEDIDOS:
A INTERVENÇÃO DA EMPRESA WSS NESTES AUTOS PARA RESPONDER PELOS PEDIDOS PRINCIPAIS AQUI FORMULADOS;
A APENSAÇÃO A ESTES AUTOS DA APC QUE CORRE TERMOS ENTRE AUTOR E RÉ NESSE TRIBUNAL E JUIZ, SOB O NÚMERO DE PROCESSO 3326/24.4T8ALM;
A CONDENAÇÃO DA RÉ COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ POR ESTAR AQUI A DEFENDER UMA FRAUDE AO REGIME JURÍDICO DA TRANSMISSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO, POR FAZER UM USO MANIFESTAMENTE REPROVÁVEL DOS AUTOS E POR OMITIR FACTOS ESSENCIAIS PARA A SUA BOA DECISÃO;
A DECLARAÇÃO DE QUE O DESPEDIMENTO EM CAUSA É NULO POR SER UMA FRAUDE AO REGIME JURÍDICO DA TRANSMISSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO;
A DECLARAÇÃO DE QUE O CONTRATO DE TRABALHO DO AUTOR SE TRANSMITIU PARA A WSS NO DIA 30 DE MAIO OU NO DIA 31 DE MAIO DE 2024;
SUBSIDIARIAMENTE, DEVE ENTÃO CONSIDERAR-SE QUE O CONTRATO DE TRABALHO DO AUTOR SE TRANSMITIU PARA A WSS NOS DIAS 1 OU 2 DE JUNHO DE 2024 OU NO DIA QUE O TRIBUNAL ENTENDER OCORREU A TRANSMISSÃO, AQUI ENTÃO REQUERENDO SE DECLARE A ILICITUDE DO DESPEDIMENTO (ANTERIOR À TRANSMISSÃO) PELAS RAZÕES DISSECADAS NESTE ARTICULADO;
CONSEQUENTEMENTE QUANTO AO PEDIDO PRINCIPAL:
REQUER-SE A CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DA RÉ E DA WSS NO PAGAMENTO AO AUTOR DAS REMUNERAÇÕES DE ABRIL E MAIO DE 2024, NO VALOR DE € 2.142,12 (REMUNERAÇÕES, PROPORCIONAIS DE SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL E SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO), ACRESCIDO DE JUROS DE MORA VENCIDOS NO VALOR DE € 98,32 E AINDA VINCENDOS ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;
MAIS SE REQUER A CONDENAÇÃO DA WSS NO PAGAMENTO AO AUTOR DAS REMUNERAÇÕES DE JUNHO E JULHO DE 2024, NO VALOR DE € 2.142,12 (REMUNERAÇÕES, PROPORCIONAIS DE SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL E SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO), ACRESCIDO DE JUROS DE MORA VENCIDOS NO VALOR DE € 45,32
E AINDA VINCENDOS ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;
CASO SE DECIDA QUE A TRANSMISSÃO OCORREU DEPOIS DO DESPEDIMENTO:
REQUER-SE A CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DA RÉ E DA WSS NO PAGAMENTO AO AUTOR DAS REMUNERAÇÕES DE ABRIL E MAIO DE 2024, NO VALOR DE € 2.142,12 (REMUNERAÇÕES, PROPORCIONAIS DE SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL E SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO), ACRESCIDO DE JUROS DE MORA VENCIDOS NO VALOR DE € 98,32 E AINDA VINCENDOS ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;
MAIS SE REQUER A CONDENAÇÃO DA WSS NO PAGAMENTO AO AUTOR DAS REMUNERAÇÕES DE JUNHO E JULHO DE 2024, NO VALOR DE € 2.142,12 (REMUNERAÇÕES, PROPORCIONAIS DE SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL E SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO), ACRESCIDO DE JUROS DE MORA VENCIDOS NO VALOR DE € 45,32
E AINDA VINCENDOS ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO;
E A CONDENAÇÃO DA WSS NO PAGAMENTO DOS INTERCALARES ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA DECISÃO QUE CONSIDERE O DESPEDIMENTO ILÍCITO E AINDA NA SUA REINTEGRAÇÃO OU EM INDEMNIZAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO DA MESMA, QUE DEVE SER COMPUTADA PELO VALOR MÁXIMO LEGAL
AINDA NA MEDIDA DA APLICAÇÃO ANALÓGICA DO REGIME DA ABUSIVIDADE DO DESPEDIMENTO, OU SEJA, 60 DIAS DE REMUNERAÇÃO POR ANO;
SUBSIDIARIAMENTE CASO SE ENTENDE QUE NÃO OCORREU TRANSMISSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO:
A CONDENAÇÃO DA RÉ NO PAGAMENTO DAS REMUNERAÇÕES DE ABRIL A JULHO DE 2024, NO VALOR DE € 4.284,24, ACRESCIDA DE JUROS DE MORA VENCIDOS NO VALOR DE € 143,64, BEM COMO VINCENDOS ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO, E AINDA NOS INTERCALARES QUE SE VENCEREM ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA DECISÃO QUE DECIDIR O DESPEDIMENTO COMO ILÍCITO E AINDA NA SUA REINTEGRAÇÃO OU EM INDEMNIZAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO DA MESMA, QUE DEVE SER COMPUTADA PELO VALOR MÁXIMO LEGAL AINDA NA MEDIDA DA APLICAÇÃO ANALÓGICA DO REGIME DA ABUSIVIDADE DO DESPEDIMENTO, OU SEJA, 60 DIAS DE REMUNERAÇÃO POR ANO;
O PEDIDO DE PAGAMENTO DAS REMUNERAÇÕES ENTRE ABRIL E JULHO DE 2024 É INDEPENDENTE DOS DEMAIS PEDIDOS NA MEDIDA EM QUE SE TRATAM DE REMUNERAÇÕES NÃO PAGAS PELA RÉ NA SEQUÊNCIA DO DECRETAMENTO DE PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO; DE FORMA DUPLAMENTE SUBSIDIÁRIA
CASO SE ENTENDA QUE O DESPEDIMENTO É LÍCITO, DEVE ENTÃO A RÉ SER CONDENADA A PAGAR AO AUTOR INDEMNIZAÇÃO PELA ANTIGUIDADE NO VALOR DE € 675,43, ACRESCENDO O VALOR DE € 934,40 (SALÁRIO E SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO) A TÍTULO DE AVISO PRÉVIO NÃO CONCEDIDO;
A CONDENAÇÃO DA RÉ E DA WSS SOLIDARIAMENTE NO PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DE € 5.000,00;
K. A DECISÃO RECORRIDA APARENTEMENTE ENTENDEU QUE NESTES AUTOS SE PETICIONAM REMUNERAÇÕES OU INDEMNIZAÇÕES DECORRENTES OU DEPENDENTES DE ILICITUDE DE DESPEDIMENTO – O QUE NÃO É MANIFESTAMENTE O CASO; MAIS TENDO INCORRECTAMENTE ENTENDIDO QUE OS TRABALHADORES DESPEDIDOS DEVEM RECLAMAR TODOS OS SEUS CRÉDITOS, RESPEITANTES OU NÃO A ILICITUDE DE DESPEDIMENTO, NA ACÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DESTE; TENDO TAL ENTENDIMENTO INCORRECTO INQUINADO A TOTALIDADE DA DECISÃO.
L. OS CRÉDITOS AQUI PETICIONADOS SÃO AUTÓNOMOS DO DESPEDIMENTO E SUA LICITUDE OU NÃO,
NEM O SEU CONHECIMENTO DEPENDE DA APRECIAÇÃO DO MESMO DESPEDIMENTO.
M. É INCORRECTO QUE OS CRÉDITOS ANTERIORES, EMERGENTES OU POSTERIORES AO DESPEDIMENTO, MORMENTE REMUNERAÇÕES OU DANOS NÃO RELACIONADOS COM O DESPEDIMENTO, DEVEM SER RECLAMADOS NA ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO.
N. O DISPOSTO NO ARTIGO 98.º-L, N.º 3, DO CPT NÃO OBRIGA À RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS NÃO RELACIONADOS COM O DESPEDIMENTO NO PROCESSO DA SUA CORRESPECTIVA IMPUGNAÇÃO.
O. NESTE SENTIDO, A ORIENTAÇÃO DOUTRINÁRIA É UNÂNIME. COMEÇANDO POR PEDRO FURTADO MARTINS, O AUTOR SUSTENTA QUE: “A LETRA DA LEI INDICA QUE SE TRATA DE UMA FACULDADE E NÃO DE UM ÓNUS, NÃO FICANDO O TRABALHADOR LIMITADO A RECLAMAR TODOS OS CRÉDITOS LABORAIS NA ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO”, IN “CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO”, PRINCIPIA, 4.ª EDIÇÃO REVISTA E ACTUALIZADA, PÁGINA 456, ANOTAÇÃO 61.
P. POR SEU TURNO, A PROFESSORA JOANA VASCONCELOS DEFENDE, DE IGUAL MODO, O SEGUINTE:
“SIGNIFICA ISTO QUE AO TRABALHADOR NÃO É DADA, NESTE PLANO, QUALQUER POSSIBILIDADE DE ESCOLHA SEMELHANTE ÀQUELA DE QUE BENEFICIA QUANTO AOS DEMAIS CRÉDITOS EMERGENTES DO CONTRATO DE TRABALHO, DA SUA VIOLAÇÃO OU DA SUA CESSAÇÃO, OS QUAIS TANTO PODE EFECTIVAR NESTE PROCESSO ESPECIAL, COMO LANÇANDO MÃO DO PROCESSO DECLARATIVO COMUM (NESTA HIPÓTESE, DENTRO DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO ARTIGO 337.º, N.º 1, DO CT)” IN “DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO”, UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA, 2.ª EDIÇÃO, PÁGINA 133.
Q. O PONTO DE PARTIDA INCORRECTO DA DECISÃO RECORRIDA DEPOIS CONTAMINOU A CONCLUSÃO QUE A MESMA RETIROU SOBRE O REGIME DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE, LENDO-SE ENTÃO DA PÁGINA 3 DA DECISÃO QUE: ASSIM, AINDA QUE O AQUI AUTOR INSISTA NA CONTINUAÇÃO DA PRESENTE LIDE (MANIFESTANDO O SEU INTERESSE EM OBTER UMA DECISÃO POR PARTE DESTE TRIBUNAL), QUANDO O QUE AQUI ESTÁ EM CAUSA PRESSUPÕE A MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL, EM FACE DA DECISÃO DE DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO QUE SUBJAZ À INSTAURAÇÃO DE AÇÃO ESPECIAL VISANDO A IMPUGNAÇÃO DESSE DESPEDIMENTO, É MANIFESTO QUE ESTA AÇÃO COMUM, VISTOS OS RESPETIVOS PEDIDOS, SE TORNOU, A NOSSO VER E SALVO O DEVIDO RESPEITO, SUPERVENIENTEMENTE INÚTIL. CASO ASSIM NÃO SE ENTENDESSE E ESTA AÇÃO PROSSEGUISSE ESTE TRIBUNAL FICARIA NA CONTINGÊNCIA DE PODER VIR A APRECIAR E RECONHECER DIREITOS OU PRESTAÇÕES REPETIDAS OU DIVERSAS DAS RECONHECIDAS NO PROCESSO QUE APRECIA O DESPEDIMENTO (POR EXEMPLO, O DIREITO A RETRIBUIÇÕES DE MONTANTE E/OU COMPOSIÇÃO DIFERENTES DOS DADOS POR PROVADAS NO PROCESSO DO DESPEDIMENTO) E, MAIS, NA CONTINGÊNCIA DE ATÉ VIR A RECONHECER DIREITOS (COMO O DIREITO A INDEMNIZAÇÕES) QUE O TRIBUNAL NO PROCESSO DO DESPEDIMENTO JULGUE IMPROCEDENTES (POR CONCLUIR TER O DESPEDIMENTO SIDO LÍCITO).
R. INEXISTINDO QUALQUER CONCORRÊNCIA DE PEDIDOS (QUE SERIA SIM LITISPENDÊNCIA NA OPINIÃO DO AUTOR), A CONCLUSÃO ACIMA TRANSCRITA BASEIA-SE EM PRESSUPOSTOS INEXISTENTES E PORTANTO RESULTA EM CONCLUSÕES SEM NEXO.
S. A FINAL NA DECISÃO RECORRIDA INDICA-SE QUE FICA PREJUDICADO O CONHECIMENTO DE APENSAÇÃO REQUERIDA. SUCEDE QUE NESTES AUTOS NÃO FOI REQUERIDA QUALQUER APENSAÇÃO.
T. O AUTOR TEVE SIM O CUIDADO DE PEDIR A APENSAÇÃO DESTES ÀQUELES AUTOS DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO, ADEMAIS PORQUE ENTENDE (AGORA SIM) QUE A PROCEDÊNCIA DO PEDIDO FORMULADO NA IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO REFERENTE AO RECONHECIMENTO DE TRANSMISSÃO DO SEU CONTRATO DE TRABALHO IMPLICARIA PREJUDICIALIDADE (APENAS) PARA O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA RÉ EM DAR-LHE OCUPAÇÃO EFECTIVA FORMULADO NESTES AUTOS.
U. A DECISÃO RECORRIDA, COMO VIMOS, NÃO SÓ SE BASEOU EM PRESSUPOSTOS INEXISTENTES, COMO O FEZ BASEADA EM LEITURA INCORRECTA DAS NORMAIS APLICÁVEIS E AINDA COM BASE EM NORMAS JURÍDICAS SEM QUALQUER NEXO, INEXISTINDO EM ABSOLUTO CIRCUNSTÂNCIAS QUE INVIABILIZAM O CONHECIMENTO DOS PEDIDOS AQUI FORMULADOS.
V. E INEXISTEM ESSAS MESMAS CIRCUNSTÂNCIAS QUANTO AO PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA RÉ EM DAR OCUPAÇÃO EFECTIVA AO AUTOR, PELO CONTRÁRIO, O DECRETAMENTO DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO MANTÉM ESSE PEDIDO VIÁVEL E PERTINENTE, AINDA QUE DEPENDENTE DA SORTE DO PEDIDO DE IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO.
W. A DECISÃO RECORRIDA ESTRIBA-SE NO DISPOSTO NO ARTIGO 536.º, N.º 1, DO CPC QUANTO À REPARTIÇÃO DE CUSTAS ENTRE AS PARTES EM PARTES IGUAIS. O REGIME EM CAUSA DEPENDE DE AS CIRCUNSTÂNCIAS NÃO SEREM IMPUTÁVEIS ÀS PARTES, DETENDO O N.º 2 DO MESMO ARTIGO UMA LISTAGEM PRECLUSIVA DO QUE ISSO SEJA E NA MESMA NÃO SE VISLUMBRA QUALQUER SITUAÇÃO APLICÁVEL NESTES AUTOS.
X. TENDO SIDO A RÉ A DESPEDIR O AUTOR, E DENTRO DA LÓGICA INCORRECTA E BASEADA EM REALIDADE INEXISTENTE DA DECISÃO RECORRIDA, A RESPONSABILIDADE POR CUSTAS DENTRO DO INSTITUTO DA INEXISTENTE INUTILIDADE CABERIA INTEIRAMENTE À RÉ.
III – O QUE SE ROGA.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, OS QUAIS SERÃO DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V. EXAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E EM CONSEQUÊNCIA SER INTEGRALMENTE REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA E SUBSTITUÍDA A MESMA POR OUTRA QUE DECIDA INEXISTIR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE E QUE OS PRESENTES AUTOS (COM JULGAMENTO AGENDADO PARA O DIA DE HOJE, 16 DE OUTUBRO DE 2024) PROSSIGAM OS SEUS NORMAIS E LEGALMENTE PREVISTOS TERMOS.
ASSIM DECIDINDO, FARÃO V. EXAS. A COSTUMADA JUSTIÇA.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso.
Recebidos os autos neste Tribunal, a Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de assistir razão ao Recorrente e de dever ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos.
O Autor respondeu ao Parecer aderindo ao mesmo com a ressalva de que os pedidos formulados na presente acção e na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento não são coincidentes e que não requereu nesta acção a apensação de acções mas naquela outra.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
No presente recurso foram submetidas à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
1.ª- Se não devia ter sido declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
2.ª- Se, mantendo-se a decisão quanto à extinção da instância com aquele fundamento, as custas são da responsabilidade da Ré.
3.ª- Da inexistência de pedido de apensação de acções na presente acção.
*
Fundamentação de facto
Os factos que relevam para a decisão são os que constam do relatório que antecede e para o qual se remete.
Fundamentação de direito
Da junção de documentos com as alegações do recurso:
Com as alegações do recurso, o Autor juntou dois documentos:
Cópia da contestação com pedido reconvencional que apresentou no Processo n.º 4285/24.9T8ALM-A (Acção Especial de Impugnação de Despedimento por Extinção de Posto de Trabalho) e cópia da sentença proferida no Procedimento Cautelar de Despedimento /Processo nº 4285/24.9T8ALM.
Estatui o artigo 651º n.º 1 do CPC:
“1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2 - As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”
Por seu turno, dispõe o artigo 425.º do CPC que, “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Assim, da conjugação destas normas, na fase do recurso, as partes podem juntar documentos às alegações: a) se a apresentação não tiver sido possível até ao encerramento da discussão; ou b) no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
No caso, mostra-se verificada a segunda hipótese, termos em que se admite a sua junção aos autos.
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Vejamos, agora, se não devia ter sido declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Entendeu a sentença recorrida que, no caso, a lide se tornou supervenientemente inútil com base nos seguintes fundamentos:
“O Autor AA intentou a presente ação em 25/04/2024, na qual alega que mantinha com a BB” o contrato de trabalho celebrado sob a forma verbal desde 1 de Novembro de 2022 e no mais conforme consta da douta petição inicial, e termina peticionando «a condenação da Ré no pagamento de créditos laborais vencidos e indemnização por danos morais, a condenação da ré em dar ocupação efectiva ao autor, permitindo-lhe que entre no estabelecimento e preste trabalho e a condenação da ré em sanção pecuniária compulsória com o valor diário de € 200,00 por cada dia em que não dê ocupação efectiva ao autor na sequência de decisão condenatória transitada em julgado».
Notificada a Ré veio, desde logo, excecionar, alegando que enviou a 22/04/2024 uma comunicação ao Autor, que este recebeu, dando-lhe formalmente conta do seu despedimento por extinção do seu posto de trabalho.
O Autor respondeu, negando ter tido conhecimento antes de intentar a presente ação de tal comunicação.
Entretanto, o Autor veio impugnar a regularidade e licitude do seu despedimento por extinção do posto de trabalho de que foi alvo (formalmente), o que fez intentando procedimento cautelar de suspensão de despedimento por extinção do posto de trabalho que intentou em 1/6/2024, tendo sido proferida decisão na qual foi i) decretada a suspensão do despedimento do requerente e ii) condenada a requerida em sanção pecuniária compulsória no valor de € 80,00 (oitenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação referida em (i), a contar desde a data do trânsito em julgado da presente sentença, descontando os dias que correspondam a descanso a semanal, obrigatório e complementar, revertendo aquele valor, em partes iguais, para o requerente e para o Estado.
Em sede de audiência final (cfr. respectiva Ata) foi determinado que fosse «extraída certidão do requerimento inicial e da presente acta e autue por apenso como acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento. Fica desde já a requerida notificada nos termos e para os efeitos do disposto 98-I n.º 4 do C.P.T, devendo a motivação do despedimento ser junta já na acção de impugnação. À requerida será igualmente concedido o mesmo prazo para se pronunciar relativamente ao requerimento ajuizado pelo requerente no dia 03-06-2024, cuja certidão será também junta à acção. Para julgamento designa-se o próximo dia 11-11-2024, pelas 09h30 com continuação pelas 14:30 horas, merecendo o acordo de agendas com os Ilustres Mandatários e não antes por indisponibilidade de agendas.
Notifique.».
Ora, assim sendo, todos os créditos anteriores, emergentes ou posteriores ao despedimento, seja a título de retribuições (fixas e/ou variáveis), seja a titulo de indemnizações (por antiguidade e/ou por danos não patrimoniais), podem e devem ser reclamados na ação de impugnação do despedimento, pois que depende deste e do reconhecimento da sua ilicitude - cfr. arts. 436º a 439º do Cód. Trabalho.
Aliás, compulsada a contestação com pedido reconvencional apresentada pelo Autor no âmbito do processo n.º 4285/24.9T8ALM-A constata-se que aí foram efetivamente formulados pedidos relativos às disposições legais acabadas de citar.
Foi cumprido o contraditório relativamente à inutilidade superveniente da lide, conforme despacho que antecede.
Cumpre apreciar e decidir.
Em face do que vimos de expor, a nosso ver e sempre ressalvando o respeito por distinta e mais fundada opinião, verifica-se in casu a inutilidade (e até impossibilidade) superveniente da presente lide.
Na verdade, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide pode ocorrer quando sobrevém uma circunstância na pendência da lide que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou por encontrar satisfação fora do próprio processo, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa: «[A] impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida.
Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – ali, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio. (…)» - cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código De Processo Civil Anotado, volume 1º, artigos 1º a 361º, 546.
Na verdade, em consonância com o acima expendido, não se pode deixar de concluir que a lide se torna inútil quando sobrevêm circunstâncias que, de todo o modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência (pois que então estar-se-ia no âmbito do mérito), mas por razões conectadas com a não possibilidade adjetiva de lograr o objetivo pretendido com aquela ação, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo.
A lide fica inútil se ocorreu um facto ou uma situação posterior à sua inauguração que implique a impertinência, ou seja a desnecessidade, de sobre ela recair pronúncia judicial, por ausência de efeito útil. Resta referir que esta desnecessidade deve ser aferida em termos objetivos.
Assim, ainda que o aqui Autor insista na continuação da presente lide (manifestando o seu interesse em obter uma decisão por parte deste tribunal), quando o que aqui está em causa pressupõe a manutenção da relação laboral, em face da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho que subjaz à instauração de ação especial visando a impugnação desse despedimento, é manifesto que esta ação comum, vistos os respetivos pedidos, se tornou, a nosso ver e salvo o devido respeito, supervenientemente inútil. Caso assim não se entendesse e esta ação prosseguisse este Tribunal ficaria na contingência de poder vir a apreciar e reconhecer direitos ou prestações repetidas ou diversas das reconhecidas no processo que aprecia o despedimento (por exemplo, o direito a retribuições de montante e/ou composição diferentes dos dados por provadas no processo do despedimento) e, mais, na contingência de até vir a reconhecer direitos (como o direito a indemnizações) que o tribunal no processo do despedimento julgue improcedentes (por concluir ter o despedimento sido lícito).
Enfim, pelo que se vem de expor, somos forçados a concluir que a presente ação perdeu qualquer utilidade considerando a interposição pelo Autor de ação com o fito de impugnar a regularidade e licitude do despedimento de que o mesmo foi entretanto alvo, o que, por si, implica a consequência prevista no art. 277º, al. e), do Código de Processo Civil.
Termos em que, ao abrigo justamente desse preceito, se julga extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide.
Custas pelo Autor e pela Ré, em partes iguais – cfr. art.º 536.º, n.º 1, do C.P.C..
Fixa-se o valor da ação em € 32.575,84 (trinta e dois mil, quinhentos e setenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos).
Registe e notifique.
Em face do supra decidido fica prejudicada a apreciação da requerida apensação, dando-se sem efeito a realização da audiência de julgamento agendada para o dia 16 de Outubro.
(…).”
Sustenta o Recorrente que não se verifica a declarada inutilidade da presente lide e que a acção deve prosseguir.
Vejamos:
A inutilidade superveniente da lide é uma das causas de extinção da instância (artigo 277.º al.e) do Código de Processo Civil (CPC).
E quando é que a lide se torna inútil?
Como sumariou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.03.2012, Proc. 501/10. 2TVLSB.S1, consultável em www.dgsi.pt, a lide “Torna-se inútil se ocorre um facto, ou uma situação, posterior à sua instauração que implique a desnecessidade de sobre ela recair pronúncia judicial por falta de efeito.”
E como afirma o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.12.2012, Proc. 1124/11.4TBTMR.C1, igual consulta, “I – A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente inútil, i.e., sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide não tenha qualquer utilidade (artº 287 e) do CPC.”
Ou seja, a lide torna-se supervenientemente inútil quando, por facto ocorrido em momento posterior à sua instauração, deixa de haver necessidade de proferir decisão sobre o litígio por a mesma não produzir qualquer efeito.
Na presente acção o Autor peticionou créditos por trabalho suplementar, dívida campanha comercial, subsídios de férias e de Natal, férias, redução de remuneração mista e indemnização por danos morais, no total de €32.575,84.
E na reconvenção que apresentou na acção especial de impugnação do despedimento por extinção do posto de trabalho, o Autor peticionou outros tantos créditos, os descritos na conclusão J do recurso.
Neste quadro, entendeu a sentença Recorrida que os créditos peticionados na presente acção “podem e devem ser reclamados na ação de impugnação do despedimento, pois que depende deste e do reconhecimento da sua ilicitude.”
Os créditos peticionados na presente acção, salvo o devido respeito, não estão relacionados com a declaração de ilicitude do despedimento.
E se é certo que podem ser reclamados na acção especial de impugnação do despedimento, nada obriga a que o Autor o faça.
Senão vejamos:
Estatui o n.º 3 do artigo 98.º-L do Código de Processo do Trabalho (CPT) que, “Na contestação, o trabalhador pode deduzir reconvenção nos casos previstos no n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, bem como para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho, independentemente do valor da ação.”
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.06.2017, proc. 5801/16.5T8VNG.P1, “I - A reconvenção admitida pelo art.º 98.º L/3 CPT afasta-se do art.º 30.º do CPT, sendo mais amplos os termos em que podem ser deduzidos pedidos.
II - Em primeiro lugar, a dedução de pedido reconvencional é possível “nos casos previstos no n.º2, do art.º 274.º n.º 2 do CPC (..)”, ou seja, nos termos do n.º2, do correspondente art.º 266.º do actual CPC. Vale isto por dizer, quando o pedido emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa e quando se propõe obter a compensação.
Naqueles primeiros, englobam-se todos os decorrentes da ilicitude do despedimento, nomeadamente os estabelecidos nos artigos 389.º e 390.º e 391.º do CT/09.
III - Em segundo lugar, na reconvenção pode também o trabalhador peticionar “créditos emergentes do contrato de trabalho”, por exemplo, reportados a férias vencidas e não gozadas, subsídio de férias por pagar, retribuições em atraso, trabalho suplementar, etc..”
Ora, como refere o Recorrente, trata-se de uma faculdade. E sendo assim, como é, o não exercício dessa faculdade não faz precludir o direito do Autor a reclamar outros créditos laborais emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação numa acção declarativa sob a forma de processo comum.
Aliás, não faria qualquer sentido que, na acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, o trabalhador estivesse obrigado a deduzir, em reconvenção, outros créditos emergentes do contrato de trabalho como créditos devidos por férias subsídios de férias e de Natal, por trabalho suplementar, por isenção do horário de trabalho, etc, que nenhuma ligação têm com a licitude/ilicitude do despedimento.
Em suma, nada obriga o trabalhador a formular, na reconvenção que apresente na acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, pedidos relativos a créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação e cessação. Donde, nada obstava a que o Autor formulasse, na presente acção, os pedidos que formulou, pelo que não se verifica, no caso, qualquer desnecessidade de dirimir o litígio, mantendo-se, assim, a utilidade da lide.
Em consequência, impõe-se a revogação do despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que determine o prosseguimento da acção, sem prejuízo da existência de outra causa que a tal obste.
Nesta sequência fica prejudicada a apreciação da 2.ª questão suscitada no recurso, sendo certo que, tendo o Recorrente obtido vencimento de causa e não obstante a Ré não ter contra-alegado face ao disposto no artigo 1.º do Regulamento das Custas Processuais e no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas são da responsabilidade da Ré/Recorrida por ter sido vencida (neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.09.2023, Proc. 24418/21.6T8LSB-A.L1, consulta em www.dgsi.pt.).
Por último, a referência feita na sentença a que fica prejudicado o conhecimento do pedido de apensação de acções só poderá atribuir-se a manifesto lapso do Tribunal a quo, posto que, na presente acção não foi formulado tal pedido, mas na acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

Decisão
Face ao exposto, acordam as Juízas da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos, sem prejuízo da verificação de outra causa que a tal obste.
Custas pela Ré.
Registe e notifique.

Lisboa, 26 de Março de 2025
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Francisca da Mata Mendes
Manuela Bento Fialho